RECURSO PER SALTUM
FURTO QUALIFICADO
ROUBO
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA SIMPLES
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
CONFISSÃO
ARREPENDIMENTO
Sumário


I -   A admissão da factualidade (enunciada, ou imputada, na acusação), em juízo, não pode ser confundida com uma confissão.
II -  A confissão importa a assumpção de factos que, no todo ou em parte, são do desconhecimento da autoridade a quem está cometida a investigação de um crime, e/ou, em tribunal, na assumpção perante o tribunal dos factos que lhe são imputados na acusação e que, embora apurados em outras fases processuais, devam ser elucidativos e completos para a formação da convicção do julgador.
III - Diferente é a admissão em juízo dos factos quando estes foram presenciados e suportados pelos próprios sujeitos passivos. Nestas situações a admissão de factos perante o tribunal, revelando embora alguma capacidade do imputado de representação psicológica de renúncia ao mal efectuado, ou que a sociedade considera legalmente contrário aos valores prevalentes, o facto é que a acção foi sofrida e perpetrada numa pessoa que, pela observação directa e imediata dessa concreta acção (vista e gravada porque directamente experienciada) reportará ao tribunal o desenrolar do acto e dos respectivos resultados.
IV - A admissão dos factos, ou das acções (ilícitas) concretizadas e materializadas perante, ou na pessoa de outrem, neste caso, não pode deixar de sofrer uma “devaluación” ou depreciação valorativa na formação da convicção do tribunal.
V - Configura-se ajustada a pena global de 8 anos e 6 meses a pena global irrogada a um agente que comete vários crimes contra a propriedade (2 crimes de roubo e 1 crime de furto qualificado) e 1 crime de ofensa à integridade física, por na sua perpetração revelar um total desvalor pelo direito à propriedade de outrem.

Texto Integral

§I. – RELATÓRIO.

§I. a). – Síntese do pedido.

Com a factualidade descrita no item adrede e com os fundamentos (de direito) explicitados na decisão, foi ditado o dispositivo (a seguir fica transcrito), de que consta ter sido o recorrente, AA condenado (sic):

A) – (…) pelo cometimento, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, alínea b) do Código Penal (NUIPC 60/19.0…), na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão;

b) – (…) pelo cometimento, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de furto qualificado, pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, alínea e) do Código Penal (NUIPC 1105/19.0…), na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão;

c) – (…) pelo cometimento, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 do Código Penal (NUIPC 927/19.6…), na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;

d) – (…) pelo cometimento, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 do Código Penal (NUIPC 978/19.0…), na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

e) – (…) pelo cometimento, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1 do Código Penal (927/19.6…), na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;” e em cúmulo jurídico das penas parcelares “mencionadas em a) a e) (artigo 77º do Código Penal), condenando-se o arguido na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva”; bem como na procedência de um pedido de indemnização acoplado com a acção penal, o tribunal decidiu (sic): “g) - JULGAR PROCEDENTE, por provado, o pedido de ressarcimento de despesas hospitalares formulado por “Centro Hospitalar de Setúbal, EPE” e, consequentemente, condenar o arguido/demandado a pagar àquela unidade hospitalar a importância de €85,91 (oitenta e cinco euros e noventa e um cêntimo), a acrescer de juros moratórios calculados à taxa legal desde notificação até efetivo e integral pagamento. (…)”

Em dissidência com o julgado, pede o arguido a este Supremo Tribunal de Justiça, que altere a decisão de direito, alinhando para a sua pretensão, a síntese conclusiva que a seguir queda transcrita.

§I.b). – EPÍTOME CONCLUSIVO.

§I.b).i). – DO PETICIONANTE.

1º - O Arguido devidamente identificado vem recorrer por entender que a pena que lhe foi aplicada é manifestamente desproporcionada.

2º - Daí que, ao determinar a medida da pena o douto Tribunal a quo, poderia e deveria ter levado em conta a confissão, o arrependimento e vontade manifestada pelo arguido em reparar a sua atitude e tomar um novo rumo na sua vida;

3º - Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que o Tribunal a quo não teve em consideração e, em consequência, violou os normativos correspondentes à determinação da medida da pena nos termos do disposto no Artigo 71.º do Código Penal;

4º - Na determinação concreta da pena deve o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido e contra ele, designadamente o modo e execução e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao arguido (grau de ilicitude do facto); a intensidade do dolo; os fins ou motivos que determinaram o cometimento do crime e os sentimentos manifestados as condições pessoais e económicas do agente; a conduta anterior e posterior ao facto e ainda a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena;

5º - Ao determinar a medida da pena o douto Tribunal a quo, poderia e deveria ter levado em conta a confissão, o arrependimento e vontade manifestada pelo arguido em reparar a sua atitude e tomar um novo rumo na sua vida;

6º - O Recorrente vive numa zona conotada com problemas de marginalidade e exclusão social;

7º - Na audiência de discussão e julgamento, mostrou uma postura de humildade e arrependimento, consternação pela sua conduta e assumiu a gravidade dos factos por si praticados;

8º - Atualmente, o Recorrente, apresenta uma forte vontade de mudar a sua vida e pedir ajuda às entidades competentes para voltar à vida na sociedade; 

9º - Nessa medida e apenas no que concerne ao quantum da pena aplicada pelo Tribunal a quo ao arguido, houve, salvo o devido respeito, violação do disposto no Artigo 71.º do Código Penal;

10º - É entendimento do Recorrente que o Tribunal deverá condenar o arguido numa pena mais harmoniosa, proporcional e justa face às circunstâncias acima expostas, de acordo com o disposto no Artigo 71.º do Código Penal, que não deverá ultrapassar 6 (seis) anos de prisão, por entender que desta forma se realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, a proteção dos bens jurídicos ofendidos e a reintegração do agente na Sociedade.

11º - Desta forma, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 71º do Código Penal.”


I. b). ii). – DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

1ª O roubo é um crime complexo, protegendo simultâneamente, a liberdade individual, o direito de propriedade e a detenção de coisas que podem ser subtraídas, contando-se assim, entre os bens jurídicos que ofende, a liberdade pessoal e a integridade física.

2ª O crime de roubo revela elevado grau de ilicitude e de culpa, mostrando-se o arguido, alheio aos padrões morais, com total falta de carácter;

3ª Para além disso, o arguido praticou crimes de furto e de ofensa à integridade física, sempre visando apoderar-se de bens patrimoniais pertencentes a outrem.

4ª Pelo que se entende serem fortes as exigências de prevenção geral e especial, já que estamos perante crimes que causam grande alarme social, não sendo rara a sua prática e que o arguido, ao não reconhecer o cometimento de todos os crimes, revela uma personalidade não preparada para efectuar o juízo de autocensura, não havendo, assim, garantia de que o mesmo se abstenha de tais actos, para o futuro;

5ª O arguido já tem antecedentes criminais, inclusive por crimes de idêntica natureza, tendo já cumprido pena de prisão efectiva, o que não o demoveu da reiteração de ilícitos;

6ª Por outro lado, o arguido consome estupefacientes e não tem hábitos de trabalho, contando apenas com algum apoio familiar, não suficiente para o conter e manter afastado dos seus grupos de pares e práticas de ilícitos.

7ª O arguido revela uma personalidade com dificuldade e resistência em adoptar uma conduta conforme com os valores sociais…e propensão para a prática de ilícitos desta natureza.

8ª As finalidades da punição são a protecção dos bens jurídicos e a reintegração dos arguidos na sociedade.

9ª Aqui chegados, somos a concluir que pelo que se considera adequada a aplicação das penas parcelares, bem como da pena única, as quais se mostram adequadas e proporcionais à gravidade dos factos e à ilicitude.

10ª Face ao exposto, não se mostram violadas quaisquer normas jurídicas.

Termos em que deve der negado provimento ao presente recurso, mantendo-se na íntegra o acórdão do Tribunal Colectivo.”


I. b). iii). – PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

Afigura-se que nada obsta ao conhecimento do recurso interposto pelo arguido AA, não se verificando motivos para a sua rejeição, nem qualquer causa extintiva do procedimento criminal que ponha termo ao processo.

O presente recurso deverá ser julgado em conferência, por força do disposto no art. 419º, nº 3, al. c), do Cod. Proc. Penal.

II - Relatório

1. O arguido AA foi julgado em Proc. Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, no âmbito do Proc. nº 978/19.0…, do Juízo Central Criminal de … - Juiz …, da Comarca de Setúbal tendo sido condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de:

- Um crime de furto qualificado, p. e p pelos arts. 203°, n° 1, e 204°, nº 1, al. b) do Cód. Penal (NUIPC 60/19.O…), na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão;

- Um crime de furto qualificado, pelos arts. 203°, n° 1, e 204°, n° 2, al. e) do Cód. Penal (NUIPC 927/19.6…), na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão;

- Um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210°, n° 1, do Cód. Penal (NUIPC 927/19.6…), na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;

- Um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210°, n° 1 do Cód. Penal (NUIPC 978/19.0…), na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- Um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143°, n° 1, do Cód. Penal (NUIPC 927/19.6…), na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;

- Operando o respectivo cúmulo jurídico das penas parcelares (ar. 77° do Cód. Penal) foi condenado na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2. O arguido AA não se conformou com esta decisão e interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, pugnando pela redução da medida da pena única de prisão que lhe foi aplicada, para uma pena não superior a 6 (seis) anos de prisão.

3. O recurso foi admitido para o Supremo Tribunal de Justiça, face ao disposto no art. 432º, n.º 1, al. c), do Cod. Proc. Penal, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito suspensivo - cfr. despacho judicial de 13/04/2020,

4. O Ministério Público na 1ª Instância respondeu ao recurso interposto pelo arguido AA, defendendo que o mesmo deve ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

III - Parecer

O recorrente AA, alega que o Tribunal a quo não teve em conta a sua confissão, o seu arrependimento, a vontade em reparar a sua atitude, e em tomar um novo rumo na sua vida, na medida da pena única de prisão que lhe aplicou em cúmulo jurídico.

O recorrente AA, alega que vive numa zona conotada com problemas de marginalidade e exclusão social que, em audiência de discussão e julgamento “(…), mostrou uma postura de humildade e arrependimento, consternação pela sua conduta e assumiu a gravidade dos factos por si praticados (…)”, que tem vontade em mudar a sua vida e pedir ajuda às entidades competentes para voltar à vida na sociedade, pugnando pela aplicação de uma pena única que não deverá ultrapassar 6 (seis) anos de prisão, face ao disposto no art. 71º do Cód. Penal.

Consideramos que não assistirá razão ao recorrente AA quando pugna pela diminuição da medida da pena única de prisão a aplicar.

Ora, há que atender ao grau de ilicitude global da conduta do recorrente AA, manifestada na falta de respeito pelo património alheio, ao modo censurável na execução dos factos, e entendeu serem elevadas as exigências de prevenção geral, face ao sentimento de insegurança que gera na população o tipo de crimes pelos quais o mesmo foi condenado, impondo-se restabelecer a confiança da sociedade.

Também, há que atender à personalidade do recorrente AA, manifestada nos factos por si praticados, entendendo que a mesma revela uma marcada desconformidade com o direito, atento ao seu comportamento em meio prisional, sendo que se encontra preso preventivamente no EP de … desde 04/10/2019, já registou dois incidentes, um relativo a ameaça/coação a terceiro, e outro relativo à deteção por influencia do uso de estupefacientes, tendo sido encaminhado para os serviços clínicos daquele EP para ser integrado num programa de substituição de opiáceos por metadona, e estar ainda a aguardar julgamento, por imputação de crime de furto qualificado, no âmbito do Proc. n.° 100/19.3… a correr termos no Juízo Local Criminal deste Tribunal- Juiz … .

Também, há que atender ao facto de o recorrente AA desvalorizar e minimizar os factos cometidos e que motivaram as várias condenações a que foi sujeito, e de apresentar um fraco sentido autocrítico, com dificuldade em avaliar e assumir as suas fragilidades pessoais a este nível, e revelando dificuldades em alterar a sua conduta.

Também, há que atender ao passado criminal do recorrente AA, constando do seu CRC múltiplas condenações em penas de multa, e em penas de prisão efectiva, na sua maioria pela prática de crimes contra o património.

Também, há que atender a que são elevadas as necessidades de prevenção especial que se fazem sentir, face ao modo particularmente reprovável como os crimes foram cometidos pelo recorrente AA, à intensidade do dolo que presidiu às suas resoluções, à sua personalidade, bem como aos seus antecedentes criminais, e ao seu pouco suporte familiar e social.

Assim, há que avaliar todas as circunstâncias em que os factos foram praticados pelo recorrente AA (não hesitando em agredir BB, CC, e DD para levar a cabo os seus intentos), a sua repetição, a ausência da recuperação integral dos bens furtados, o sentimento de insegurança que gerou na população com o tipo de crimes que praticou, e a sua personalidade marcada pela dependência de drogas, pela ausência de hábitos continuados de trabalho, e pela adopção de meios ilícitos de subsistência.

Ponderando todo este circunstancialismo, dado como provado no acórdão recorrido, entende-se que o recorrente AA não perspectiva estruturar o seu percurso familiar de uma forma socialmente integrada, nem perspectiva estruturar a sua vida profissional através de uma forma contributiva, sendo que tem desenvolvido uma carreira criminosa, particularmente nos crimes contra o património, que demanda necessidades de prevenção especial da sua ressocialização.

E, socorrendo-nos do princípio da proporcionalidade, de forma a não aplicar uma pena unitária superior àquela que é exigida para reafirmar a estabilização dos bens jurídicos ofendidos, e tendo em conta que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos crimes pelos quais foi condenado (no caso 15 anos), e como limite minimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas (no caso 4 anos e 6 meses), entende-se justa e adequada a pena única aplicada de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Face ao exposto, somos de parecer que o recurso apresentado pelo recorrente AA não merece provimento, subscrevendo, no demais, a resposta apresentada pela Ilustre Magistrada do Ministério Público em 1ª Instância.”


§I.c). – QUESTÕES A RESOLVER.

Ainda que no pródromo à motivação do recurso, o arguido declare e assevere a sua vontade de que (sic): “O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferidas nos presentes autos, não se conformando o arguido, aqui Recorrente, com a medida da pena que lhe foi aplicada em cúmulo jurídico como consequência da sua condenação”, o facto é que ao longo da motivação essa vontade foi esmorecendo e minguando para se confinar à impugnação da medida da pena única (cfr. itens C); D; e E): “Ora, o Recorrente considera que a pena de prisão de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses que lhe foi aplicada em cúmulo é excessiva;

O limite mínimo a considerar correspondeu a 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses e o limite máximo a 15 (quinze) anos de prisão;

O cúmulo jurídico visa aplicar ao arguido uma pena única por todos os crimes por este cometidos permitindo mais facilmente a sua ressocialização.”.

Ainda que fazendo sistemático apelo ao inciso contido no artigo 71º do Código Penal (na síntese conclusiva) – sem recurso ao artigo 77º do mesmo livro de leis (só na motivação faz alusão a este preceito) – o facto é que a pretensão-base envidada na volição recursiva se queda na diminuição da pena única aplicada ao arguido. Na verdade, o arguido pede – cfr. item 10º da alegação (“o Tribunal deverá condenar o arguido numa pena mais harmoniosa, proporcional e justa face às circunstâncias acima expostas, de acordo com o disposto no Artigo 71.º do Código Penal, que não deverá ultrapassar 6 (seis) anos de prisão, por entender que desta forma se realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a proteção dos bens jurídicos ofendidos e a reintegração do agente na Sociedade.”) – que o tribunal escrutine a medida da pena única que ao arguido foi imposta.

Sabendo-se que os recursos interpostos (neste caso directamente) para o Supremo Tribunal de Justiça apenas poderão versar a matéria de direito (artigos 432º, nº 1, alínea c) e 434º do Código de Processo Penal), este Supremo Tribunal não estaria lindado ao conhecimento da determinação da pena única (porque só esta com calado superior a cinco (5) anos – cfr. artigo 432º, nº 1, alínea c) do CPP) por imposição do injungido no acórdão de uniformização de jurisprudência nº 5/2017, publicado no Diário da República nº 120/2017, Serie I, de 23 de Junho de 2017: “«a competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas.» 

O recurso pode ser limitado pelo recorrente, no caso de ocorrer uma situação de unidade criminosa, à culpabilidade relativa à determinação da sanção – alínea d) do nº 1 do artigo 403º do Código de Processo Penal.

A motivação do recurso (fundamentos em que ancora a pretensão recursiva) inculca a ideia de o recorrente cingir e limitar o âmbito de cognoscibilidade à determinação da pena única (cfr. os já citados itens de apresentação/fundamentação da pretensão), pois foi a solipsa pena que foi impugnada.

Neste eito de entendimento – e porque também foi aquele que ditou douto parecer (do Ministério Público) neste Supremo Tribunal de Justiça, e não sofreu reparo ou inflexão censória/ discursiva por parte do recorrente (artigo 417º do CPP) –, o âmbito de cognoscibilidade ficará limitado à determinação da pena única.

Será, pois, no entendimento que fica expresso que se delimitará o âmbito de cognoscibilidade do pedido de alteração do julgado, ou seja o objecto do recurso fixar-se-á na determinação judicial da pena única.


§II. – FUNDAMENTAÇÃO.

§II.a). – DE FACTO.

Cingindo-se a pretensão recursiva à determinação judicial da medida da pena (conjunta ou única), a matéria de facto em que o pedido se ceva, será a constante do acórdão recorrido, se não ocorrer qualquer situação que a faça claudicar no plano da inteireza formal-material. Vale dizer que a decisão da matéria de facto se manterá íntegra e solvente para a decisão do recurso se não ocorrerem situações viciosas que a façam fraquejar e inibir na sua plenitude cognitiva (artigo 410º, nº 2, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Penal.

Analisada a descrição factual estendida na decisão de facto não se descortina a existência de nenhum dos vícios de julgamento elencados no preceito citado (artigo 410º, nº 2) pelo que deve ter por comprovada e adquirida a factualidade que a seguir queda extractada.


NUIPC 60/19.0…:

1) No dia 17 de janeiro de 2019, cerca das 00h30m, o arguido dirigiu-se à Estrada …, nº 188, concretamente às instalações da sociedade designada Fatuil.

2) Em frente às referidas instalações estava estacionada uma carrinha, pertencente à mencionada sociedade, com a matrícula …-CF-… .

3) O arguido partiu um dos vidros da porta de trás do veículo, introduziu-se no respetivo interior e de lá retirou os seguintes objetos: 1 (uma) torna marca Work; 1 (uma) mala de pano marca Dexter; 2 (duas) chaves inglesas de oito polegadas, marca Dexter; - 1 (uma) chave de roquete, nº 13, marca Kraftwelle; 1 (uma) chave Philips sextavada marca Kraftwelle; 1 (um) alicate de corte marca Baldec; 2 (duas) chaves Philips marca Baldec; 1 (uma) chave de fendas marca Baldec; várias chaves de medidas diferenciadas marca Baldec; 1 (uma) mola para virar tubo de cobre de 5/8 e outra de 3/8; 1 (um) alicate universal sem marca; 1(um) martelo marca Dexter; 1 (um) rolo de cabo elétrico FVV, preto, de cinco condutores por 1/5 de diâmetro; 1 (um) rolo de cabo elétrico FVV, preto de 3 condutores por 2/5 de diâmetro; 1 (uma) boca craniana de 60mm de cabeça; 1 (um) multímetro azul; e 1 (um) jogo de chaves sextavadas marca Baldec.

4) Os objetos em cima descritos têm um valor global não inferior a €563,35 (quinhentos e sessenta e três euros e trinta e cinco cêntimos).

5) Na posse dos referidos objetos o arguido abandonou o local e levou os rolos de cabo elétrico em cima mencionados para casa, sita na Rua …, 2 E-… em … .

Mais se demonstrou, com relevo para a decisão a proferir, e no âmbito do presente segmento factual:

6) Os rolos de cabo elétrico foram apreendidos, mostrando-se em condições de utilização em obra.

7) As ferramentas indicadas em 3) não foram recuperadas.


NUIPC 927/19.6…:

8) No dia 21 de julho de 2019, cerca das 19h40m, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento sito na Avenida …, nº 37, vulgarmente conhecido como Loja …, denominado, “Linda Shopping”.

9) Concretamente, de um dos corredores de tal espaço comercial, arguido retirou de uma prateleira vários objetos, entre os quais uma tostadeira, que colocou dentro de uma mochila que trazia consigo.

10) Na posse de tais objetos o arguido dirigiu-se para a porta da loja, mas foi abordado por BB, funcionário da mesma, antes de alcançar a saída.

11) BB abordou o arguido ainda no corredor onde o mesmo colocara os objetos na mochila.

12) BB seguiu o arguido até à porta e, antes de o mesmo sair, tentou recuperar os objetos em causa.

13) O arguido reagiu empurrando BB e desferindo-lhe murros na cara, após o que acabou por sair da loja, na posse dos objetos em causa, sem proceder ao respetivo pagamento.

14) BB foi em sua perseguição, tendo-se-lhe juntado CC e EE.

15) CC encontrava-se no interior da loja, mais concretamente, e na parte inicial da ação e interação supra descritas, numa casa de banho do estabelecimento.

16) EE estava na rua, nas proximidades da loja, e só apercebeu do que tinha acontecido quando viu CC e BB já na rua a correr atrás do arguido.

17) O arguido encetou assim fuga, na posse dos objetos e depois de agredir BB do modo descrito, percorrendo várias ruas da baixa da cidade até chegar à Rua …, sempre perseguido por EE, CC e BB.

18) A dado momento de tal trajeto, e quando se mostrava a ser perseguido, o arguido pegou numa cadeira de esplanada de um café, de madeira, partindo-a, e ficando na sua posse com um pedaço da mesma.

19) CC conseguiu alcançar o arguido na Rua …, momento em que o arguido, com recurso ao pedaço de madeira de que antes se apoderou, desferiu várias pancadas na cabeça e no braço esquerdo de CC.

20) Imediatamente em seguida e aproveitando o facto de CC ter ficado ferido e de EE e BB terem ficado junto dele, o arguido abandonou o local para parte incerta levando consigo os objetos que havia colocado dentro da mochila.

21) Em consequência da conduta do arguido CC sofreu ferida no couro cabeludo e traumatismo do antebraço e punho esquerdos.

22) Em 23 de julho de 2019 CC apresentava uma ferida suturada e uma escoriação com crosta, linear, com cerca de 5cm de comprimento, no couro cabeludo e uma equimose arroxeada no bordo cubital do antebraço esquerdo, medindo 9 por 6cm e duas escoriações punctiformes na face posterior a cima do cotovelo esquerdo.

23) Estas lesões demoraram o período de 12 dias para se curar.

Mais se provou, no âmbito do presente segmento factual que:

24) O equipamento discriminado em 9) tinha valor económico de €20,00 (vinte euros).

25) O mesmo, ou bem assim outros objetos retirados pelo arguido do interior da loja em referência, não foram recuperados ou posteriormente pagos.


NUIPC 1105/19.0…:

26) No dia 27 de agosto de 2019, em momento não concretamente apurado, mas no período compreendido entre a 1h e as 7h, o arguido encontrava-se na baixa da cidade de …, concretamente na Rua …;

27) Junto ao nº 14 da referida Rua estavam em curso obras, encontrando-se encostados à parede andaimes através dos quais era possível alcançar as janelas do primeiro andar;

28) Ao aperceber-se que uma das janelas do 1º andar do nº 14, correspondente ao quarto nº … do Hotel/Residencial …, à data ocupada por FF, se encontrava parcialmente aberta, o arguido utilizou o andaime e alcançou-a.

29) Junto à janela, em cima de uma mesa, encontrava-se um computador propriedade de FF, concretamente um Macbook Pro com o nº de série CO2P…O.

30) O arguido, através da janela, que abriu mais um pouco, após introduziu pela abertura criada o braço, assim retirando o computador do local onde se encontrava e abandonou o local na sua posse, tendo-o levado para casa, sita na Rua …, 2, E-… em … .

31) O computador foi localizado na habitação do arguido, às 16h do mesmo dia, através de um software para o efeito instalado no mesmo.

32) O computador em causa tem o valor aproximado de €2.500 (dois mil e quinhentos euros).

Mais se provou, no que ao presente segmento factual concerne, que:

33) O equipamento informático mencionado em 29) foi apreendido e devolvido ao proprietário, em plenas condições de funcionamento.


NUIPC 978/19.0…:

34) No dia 30 de setembro de 2019, cerca das 2h, o arguido encontrava-se na Avenida … em … .

35) No mesmo local encontrava-se DD que caminhava transportando uma mochila às costas.

36) Ao vê-lo o arguido dirigiu-se-lhe, aproximando-se pelas costas, e agarrou-o, com uso dos braços, pelo pescoço, executando aquilo a que se chama comummente um “mata-leão”.

37) Na sequência desta conduta DD caiu ao chão batendo com a cabeça na calçada.

38) No processo de queda ao solo, o telemóvel de DD, caiu ao solo, tendo sido prontamente agarrado pelo arguido.

39) Estando DD no chão e ferido, o arguido disse-lhe “o que é que tens contigo, deixa lá ver”.

40) O arguido tentava entretanto apoderar-se da mochila de DD o que não conseguiu porque a mesma estava presa ao corpo pelas alças e a vítima estava no chão, impedindo que a mesma se soltasse.

41) Na posse do telefone, o arguido abandonou o local.

42) Em consequência da conduta em cima descrita DD sofreu um hematoma com cerca de 1cm na cabeça, concretamente na região occipital, um edema na pálpebra esquerda e uma ferida contusa com 1cm no supracílio esquerdo.

43) Estas lesões demoraram para se curar o período de 10 dias, dois deles com afetação da capacidade para o trabalho em geral.

Mais se demonstrou, com relevância para a decisão a proferir:

44) O telemóvel de DD, de que se apropriou o arguido, era do modelo S7 Edge, tendo sido adquirido por aquele em …/05/2016 pelo valor de €898,90 (oitocentos e noventa e oito euros e noventa cêntimos).

45) O referido equipamento nunca foi recuperado.

46) Que, quando DD se encontrava no solo, foi ainda pontapeado no braço por ação do arguido.

47) Ao atuar do modo descrito em 1) a 5) quis o arguido apropriar-se dos bens que se encontravam no interior do veículo de matrícula …-CF-…, sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade do respetivo proprietário, o que fez.

48) Quis também o arguido apropriar-se do computador de FF, sabendo que não lhe pertencia e que atuava contra a vontade do mesmo, o que fez.

49) Quis também o arguido usar violência contra BB, afetando a sua integridade física, para dessa forma se apoderar dos objetos que colocou na mochila, o que fez;

50) Quis ainda o arguido agredir CC, afetando a sua integridade física, o que fez.

51) Quis também o arguido utilizar violência contra DD, afetando a sua integridade física, para dessa forma se apoderar dos objetos que o mesmo tinha consigo o que fez.

52) Sabia o arguido que as suas condutas eram proibidas por lei e, ainda assim, atuou do modo descrito.

Do pedido de ressarcimento indemnizatório formulado por “Centro Hospitalar de Setúbal, EPE”:

53) O demandante prestou, em 30 de setembro de 2019, cuidados de saúde e assistência médica a DD, por via das agressões de que o mesmo foi vítima, perpetradas pelo arguido, debelativa das lesões físicas que o mesmo apresentava.

54) A prestação dos referidos cuidados de saúde e assistência médica implicou para a demandante o dispêndio do valor de €85,91 (oitenta e cinco euros e noventa e um cêntimo).

55) O valor em apreço não foi devidamente pago àquela instituição.

Da postura assumida pelo arguido em julgamento:

56) O arguido confessou parcialmente os factos de que é acusado, sendo a confissão abrangente quanto aos factos correspondentes ao NUIPC 60/19.0… e parcial quanto ao segmento contemplado no NUIPC 927/19.6…, enjeitando participação ou envolvimento das demais situações vertidas nos autos.

57) Verbalizou, nos campos factuais que admitiu, arrependimento.

Do contexto vivencial do arguido:

58) AA é um adulto de 41 anos de idade, sendo o primeiro de 7 filhos do casal formado pelos progenitores.

59) Natural de …, cresceu no Bairro da …, nesta cidade, inserido num agregado familiar de baixo estrato sócio-económico, cuja dinâmica era afetada por problemas do foro psiquiátrico da progenitora.

60) Estes problemas acentuaram-se a partir dos 10 anos de idade do arguido, objetivando-se em maus tratos e criação de situações passíveis de colocar em risco o agregado familiar, tendo chegado a ocorrer internamentos em serviço de psiquiatria em situações de crise.

61) A progenitora do arguido veio a falecer na sequência de acidente (queda) do 2º andar da residência do agregado.

62) Os irmãos do arguido foram então entregues ao cuidado de familiares ou instituições, por manifesta incapacidade do progenitor em assegurar as suas necessidades elementares.

63) O arguido iniciou o desempenho da atividade de servente de … a partir dos 12 anos de idade, durante as férias escolares, como forma de contribuir para a manutenção do agregado familiar.

64) Porém, só a partir dos 17 anos, idade em que o arguido abandonou o ensino escolar (sem ter chegado a completar o 9º ano de escolaridade), é que o mesmo passou a trabalhar com regularidade.

65) Primeiro, como servente de … junto do tio paterno.

66) Após concluir o serviço militar obrigatório, por conta própria, embora trabalhando para o indicado familiar.

67) Tal desempenho profissional desenrolou-se por aproximadamente 4 anos, data em que deu início ao cumprimento de prisão em meio reclusacional, aos 23 anos de idade.

68) Aos 19 anos, o arguido constituiu uma união marital, da qual nasceu uma filha, atualmente maior de idade e autónoma, a qual viria após a terminar.

69) O arguido assumiu o primeiro contacto com o consumo de substâncias aditivas pelos 22 anos de idade, com o consumo de haxixe, passando após perfazer os 25 anos a consumir, ocasionalmente e em contexto de interação social com outros indivíduos, cocaína.

70) Aos 26 anos de idade, o arguido iniciou nova relação marital, com uma jovem de etnia … após esta ter engravidado do arguido.

71) O agregado vivia na residência do progenitor do arguido, no bairro da … .

72) Nesse momento, a companheira do arguido era beneficiária do rendimento social de inserção, encontrando-se o arguido desempregado.

73) À data dos factos em apreço nestes autos, o arguido residia no agregado familiar do progenitor, sito na Rua …, Lote 2 E, …, em …, em apartamento próximo daquele em que habitava a companheira.

74) Esta última vivia ainda com o filho mais novo do arguido e a sogra deste, sendo a vivência do agregado que formava o arguido alternadamente concretizada em ambas as residências.

75) Em termos de trajeto profissional, o arguido desenvolveu, a par do exercício profissional no domínio da construção, atividade no plano da montagem de andaimes, pelo período de 7 ou 8 meses, por essa atividade auferindo €70,00 por cada período de 12 horas de trabalho.

76) Atualmente, a família do arguido sobrevive com base no rendimento social de inserção atribuído pela Segurança Social, contando ainda com o auxílio da Associação Cristã … e com a pensão atribuída à sogra do arguido.

77) Em termos de dinâmica familiar, o casal mantém cumplicidade e proximidade afetiva, subsistindo em todo o caso conflitos, em especial associados a períodos de maior carência económica ou de consumo de estupefacientes por banda do arguido.

78) No que se refere às características e competências pessoais do arguido, este evidencia ser um adulto inteligente, tendencialmente impulsivo no seu quotidiano, vivendo de forma imediatista, centrada na satisfação das suas necessidades, sem pesar as consequências ou ponderar alternativas.

79) AA encontra-se preso no estabelecimento prisional de … desde 4/10/2019, sujeito à medida coativa de prisão preventiva por conta dos presentes autos, encontrando-se ainda a aguardar julgamento por imputação de crime de furto qualificado no âmbito do processo n.º 100/19.3… a correr termos no Juízo Local Criminal deste Tribunal (Juiz …).

80) Relativamente aos factos que ditam a acusação nestes autos, o arguido apresenta alguma consciência da gravidade da sua situação processual, aguardando com alguma preocupação o desfecho do processo, aparentando capacidade de colocar-se na posição das vítimas e aparente arrependimento.

81) Assume parcialmente os factos, os quais procura enquadrar na vivência de produto de maior carência económica, enquadrando a decisão de prática dos factos que admite no ensejo de obter vantagem económica com a qual pudesse auxiliar o agregado familiar e possibilitar-lhe a aquisição própria de estupefacientes (cocaína, heroína e haxixe).

82) No Estabelecimento Prisional recebe as visitas da companheira e do filho que com esta tem, face a cujo futuro verbaliza preocupação, registando-se, face aos demais familiares, maior afastamento.

83) A nível da sua atual inserção prisional regista dois incidentes, sendo um relativo a ameaça/coação ou agressão a terceiro, e outro relativo com a deteção da influenciação por carabinoides.

84) Por via desta última situação, foi o arguido encaminhado para os serviços clínicos do Estabelecimento Prisional, mantendo atualmente acompanhamento psicológico e psiquiátrico na instituição, bem como integrando programa de substituição de opiáceos por metadona.

85) Não obstante, o seu percurso prisional evidencia progressiva melhoria, para o que contribuiu a sua inscrição em programa de incremento das habilitações literárias, com vista à conclusão do 3º ciclo de escolaridade. 

86) Pese embora do arguido reconheça a sua conduta delinquente transata, tende a desvalorizá-la e a minimizar os acontecimentos que motivaram as várias condenações a que foi sujeito, atribuindo-as essencialmente a fatores externos, evidenciando, nesse âmbito, um fraco sentido autocrítico e dificuldade em avaliar e assumir as suas fragilidades pessoais a este nível, indicador que aponta para dificuldades em alterar a sua conduta e definir futuramente estratégias que evitem novos contactos com o sistema de administração da justiça.

Do passado criminal do arguido:

87) Do CRC do arguido constam os seguintes averbamentos penais: a) pelo cometimento de 1 crime de recetação, p. e p. pelo artigo 231º, n.º 1 do Código Penal, por factos ocorridos em abril de 2002, sancionados por acórdão de 5/03/2003, devidamente transitado em julgado em 26/12/2003, na pena de 200 dias de multa, a qual viria a ser declarada prescrita (Proc. N.º 320/02.0… da Vara Mista de …); b) pelo cometimento de 1 crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º do Código Penal, por factos tidos lugar no ano de 2007, sancionados por acórdão de 4/02/2008, transitado em julgado em 28/03/2008, na pena de 5 anos e 2 meses de prisão efetiva (Proc. N.º 297/07.5… da Vara de Competência Mista de …); c) por 1 (um) crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 do Código Penal, por factos ocorridos em 4/03/2007, sancionados por acórdão proferido em 2/04/2009, transitado em julgado em 4/05/2009, na pena de 28 meses de prisão efetiva (Proc. N.º 339/07.4… da Vara de Competência Mista de …); d) por acórdão cumulatório proferido em 20/10/2009, e transitado em julgado em 9/11/2009, englobando as penas parcelares aplicadas nos processos indicados em b) e c), aplicando-se ao arguido uma pena única de 6 anos e 8 meses de prisão efetiva; e) por 1 crime de furto de uso de veículo, p. e p. pelo artigo 208º do Código Penal, por factualidade tida lugar em 17/04/2004, em sentença condenatória de 17/01/2008, transitada em julgado em 16/06/2009, aplicando-se ao arguido a pena de 150 dias de multa, à razão diária de €8,00, perfazendo €1.200,00, a qual se declararia prescrita por decurso do tempo (Proc. N.º 669/03.4… do Juízo Local Criminal de … – J2); f) por cometimento de 1 crime de furto qualificado (p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, alínea e) do Código Penal) e 1 crime de furto simples (p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1 do mesmo normativo), por factualidade ocorrida em 24/04/2014, sancionada por acórdão de 22/05/2015, transitado em julgado em 22/06/2015, na pena única de 3 anos e 9 meses de prisão efetiva (Proc. N.º 346/14.0… do Juízo Central Criminal de … – J2).


Factos não provados:

Não se demonstrou cabalmente a prova da seguinte factualidade:

NUIPC 60/19.0… :

A) Que os objetos indicados em 3) tivessem valor económico global superior a €1.000,00 (mil euros).

NUIPC 927/19.6…:

B) Que no contexto de abordagem explicitado em 10) e 11), BB haja pedido ao arguido a fatura dos objetos antes colocados por aquele na mochila, sem que obtivesse do mesmo resposta.

C) Que o arguido haja desferido a BB, no contexto de ação indicado em 13), murros no peito.

D) Que CC apenas se tivesse apercebido do sucedido quando viu BB já a correr atrás do arguido.

E) Que haja sido EE a alcançar e confrontar o arguido nos termos explicitados em 19).

F) Consequentemente, que haja sido aquele a ser agredido pelo arguido nos termos ali indicados.

G) Vindo a sofrer as lesões físicas descritas em 21) a 23).

NUIPC 1105/19.0…:

H) Que o computador indicado em 29) tivesse o valor económico de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros).

NUIPC 978/19.0…:

I) Que o arguido houvesse revistado os bolsos de DD, dessa forma logrando apoderar-se do telemóvel que o mesmo transportava.

IV. MOTIVAÇÃO:

O Tribunal fundou a sua convicção na articulação crítica e conjugada da prova carreada para os autos, de índole documental ou declaracional, analisada nos vários segmentos factuais (NUIPC´s) passíveis de evidenciar relevo, isto sem prejuízo da adoção de uma visão de conjunto.

Assim:

NUIPC 60/19.0…:

No plano documental considerou-se:

- Auto de denúncia de fls. 101 do apenso respetivo;

- Documentos de fls. 104 e 105 do mesmo apenso;

- Auto de notícia de fls. 106 e 107;

- Auto de busca e apreensão (e respetivo consentimento) de fls. 108 e 109;

- Auto de apreensão de fls. 112;

- Termo de entrega de fls. 113;

- Print elucidativo de propriedade de registo automóvel, constante de fls. 121;

- Auto de visionamento (de imagens recolhidas através de sistema de videovigilância) de fls. 135 a 139;

- Fatura de fls. 143.

Os elementos supra foram vistos em consonância com a prova declaracional produzida no referido segmento, consubstanciada nas declarações do arguido, que se assumiram em plano confessório, e os contributos mais circunscritos trazidos pelas testemunhas GG e HH.

Conforme explicitado, o teor das declarações prestadas em julgamento pelo arguido assumiu-se em plano confessório, nessa medida reconhecendo a ação de subtração das ferramentas e fio elétrico descritos em acusação pública, contando para tal com a prévia danificação/fragmentação de um vidro da viatura automóvel em cujo interior tais objetos se encontravam, segundo refere destinando-se as primeiras a serem utilizadas pelo arguido na obtenção de uma perspetiva de trabalho, ao nível da montagem de cercas/vedações, atividade para a qual era solicitada a disponibilidade sobre ferramentas várias.

Não obstante tal motivação, o arguido concede na consciência da ilicitude do seu comportamento, igualmente acabando contextualizar tal ação (bem como as infra a analisar, por si reconhecidas) no ensejo de obtenção de rendimentos económicos com os quais pudesse fazer face às despesas familiares (sendo o agregado familiar que compunha formado pelo arguido, companheira e um filho de 13 anos) e às resultantes da aquisição de produtos estupefacientes de que era dependente.

Relegando para um segundo momento a análise da “bondade” de tais motivações, dir-se-á, por ora, que a natureza confessória das declarações do arguido acabou por secundarizar, em ordem de relevância, a demais prova, quer documental (a explicitada supra), quer declaracional.

Sem prejuízo, e neste último segmento, consideraram-se os depoimentos prestados GG e HH.

O primeiro, prestado por sócia-gerente da empresa “Fatuil” concretizou em julgamento o valor económico dos objetos subtraídos, precisando ser o valor indicado perante a autoridade policial (e consignado em acusação) - €1.000,00 – apto a integrar igualmente o valor do arranjo/substituição de vidro e publicitada do veículo …-CF-…, cifrando-se este último em cerca de “trezentos e tal euros” (sic.), apontando pois para a quantificação correta do valor das ferramentas e demais material furtado, o qual referiu ser de aquisição recente, encontrando-se o seu valor suportado na análise das faturas aquisitivas.

Neste plano, mostrou-se possível ao Tribunal, por apelo ao documento de fls. 143 do volume contemplando o NUIPC 60/19.0…, definir com rigor o valor e excluir, por corresponder ao arranjo da viatura automóvel (€436,65), nessa medida firmando o diferencial face ao valor global de €1.000,00 em €563,35, valor esse sim a considerar nestes autos como correspondendo à expressão económica do material subtraído por ação do arguido.

Por outro lado, a testemunha referiu ter sido apenas possível recuperar duas bobines de fio elétrico, em regulares condições de utilização, o mesmo não vindo a suceder quanto às ferramentas.

Já no tangente ao depoimento de HH (agente da PSP), o mesmo revelou-se apto a elucidar quanto ao contexto de identificação/reconhecimento do arguido como autor dos factos, tendo por base a visualização das imagens recolhidas por sistema de videovigilância e o conhecimento prévio, por aquela força policial, da pessoa do arguido (por outras ocorrências do mesmo tipo), bem como em redor do procedimento de deteção sob a sua disponibilidade, e consequente apreensão, de parte daquele material (mais concretamente duas bobines de fio elétrico), na habitação do progenitor do arguido, em momento em que ali se encontrava este último, sendo as mesmas visualizadas, num primeiro momento, na zona de acesso à habitação, vindo mais tarde (no processo conducente à concretização de busca e obtenção dos devidos consentimentos) a ser detetada já ocultada de olhares públicos junto a uma máquina de lavagem, seguindo-se a sua apreensão e restituição ao ofendido.

Em perspetiva de análise crítica e complementar:

Embora concedendo, genericamente, validade às declarações do arguido, as quais se vieram a revelar, na sua essência, como confessórias, sempre se dirá que as mesmas procuraram “mitigar”, diga-se de forma pouco convicta, o contexto de ação e motivação da mesma, o que se procurou, a espaços, conexionar com a obtenção de desempenho profissional que se mostraria condicionada à disponibilidade própria de ferramentas.

No entanto, não só se não demonstra o efetivo desempenho, pelo arguido, de uma tal ação, como não se permite inferir a disponibilidade, por aquele, das referidas ferramentas – as quais nunca se lograram recuperar -, que se entende certamente mais consentânea com o intuito de preservação de tais objetos.

Nessa medida, e não obstante a irrelevância da questão ora suscitada para a ocorrência de ação delitual, está o Tribunal em posição certamente mais consentânea de enquadrar tal ação no intuito (também aventado pelo arguido) de obter, por via de revenda, um provento económico, do que no âmbito da motivação primeiramente aduzida pelo arguido.

Assim, e no âmbito do presente segmento processual, permitiu-se ao Tribunal, nos termos da análise da prova supra, dar por demonstrados probatoriamente os factos 1) a 7), 47) e 52).

No que à opção pela não prova:

- O facto A) advém da necessidade de “expurgar” ao valor global dos prejuízos indicado pela representante legal da sociedade “Fatuil” o valor inerente à danificação de um vidro de viatura e reposição de publicidade nele aposta, permitindo-se pois dar por demonstrado um prejuízo inerente à subtração propriamente dita no montante de €563,35.


NUIPC 927/19.6…:

Em domínio documental/pericial considerou-se:

- Auto de denúncia de fls. 6 a 8 do apenso próprio (subscrito/assinado por EE), vista em complemento com o auto de inquirição de fls. 19 e 20 do apenso;

- DVD de fls. 26 e auto de visionamento de imagens extraídas do sistema de videovigilância instalado no estabelecimento “Linda Shopping”, constante de fls. 27 a 32;

- Autos de reconhecimento pessoal de fls. 169 e 170 (subscrito por EE) e 171 e 172 (assinado por CC);

- Ficha clínica/hospitalar de fls. 16 do apenso;

- Exame médico-legal de fls. 129 a 132 (relativo a CC);

A prova declaracional produzida neste segmento cingiu-se aos contributos dados pelo arguido e pelos assistentes EE e CC.

No que ao primeiro contributo respeita, o arguido admitiu apenas em parte os factos, nessa medida confessando a deslocação à loja chinesa em apreço nos autos, de cujo interior retirou, colocando numa mochila que trazia, uma tostadeira.

Igualmente concedeu a existência, nesse seguimento, de interpelação a cargo de um funcionário daquele espaço, o qual o questionou quanto ao conteúdo da sua mochila, tendo complementarmente convocado outras pessoas ao local.

Nesse contexto, referindo-se receoso de tal intervenção plural, e de ser fechado no interior daquele espaço comercial, concede ter empurrado o interpelante (de mãos abertas no peito), no sentido de desviar o seu posicionamento, logrando dessa forma encetar fuga do local, não se recordando da adoção de qualquer outro comportamento físico suplementar (enquadrando tal afirmação na referenciação de que se encontrava a ressacar face à ausência de consumo de estupefacientes e de evidenciar ainda perturbação psíquica inerente ao recente internamento sofrido no Hospital …, em …).

No plano da fuga, refere ter memória de ter sido seguido por aquele indivíduo e outras duas pessoas, afirmando em todo o caso não ter sido alcançado por aqueles (ganhando progressivo distanciamento), nessa medida enjeitando a interação/agressão que após lhe é imputada, embora admitindo a ação de arremesso de uma cadeira de esplanada com vista a dificultar a perseguição.

Quanto ao objeto subtraído refere encontrar-se à venda por €20,00, tendo o arguido vendido o mesmo a terceiro por €10,00.

De idêntica forma, afirma ter a sua companheira procurado deslocar-se àquele espaço comercial, no sentido de efetuar o pagamento do equipamento subtraído, o que refere ter-lhe sido negado.

As declarações supra, todavia, nem sempre se revelaram conformes às prestadas pelos assistentes EE e CC.

O primeiro, explorador do espaço comercial “Linda Shopping”, afirmou não ter percecionado a fase inicial do evento, face à circunstância de se encontrar no espaço exterior da loja, após ter-se deslocado ao lixo, vendo, no regresso, e junto à porta da loja, o arguido a correr, sendo seguido por um funcionário do espaço (BB) e pelo filho (CC).

No decurso da fuga, e a dado momento, refere ter visto, a distanciamento de 3 a 4 metros, o arguido, nesse momento munido de um pau, atingir o filho na cabeça.

Mais clarividente e amplo revelou-se ser o depoimento de CC, o qual refere ter tomado perceção da ação do arguido em momento no qual aquele ainda se encontrava no interior do espaço comercial, sendo abordado por BB, o qual o acusava de estar a roubar.

Tentando aquele funcionário de loja obter a recuperação dos objetos subtraídos (1 tostadeira e um outro equipamento de cozinha, com o valor de venda ao público de €20,00), colocados no interior da mochila que o arguido transportava, refere ter o arguido empurrado o interpelante, a quem também desferiu murros na direção da cabeça, logrando dessa forma concretizar o abandono da loja.

No processo de fuga, no qual foram intervenientes (em perseguição) o mencionado BB, o declarante e o progenitor, refere ter ele próprio logrado obter dianteira, alcançando o arguido, o qual, nessa ocasião, ficando frente a frente face ao assistente, lhe desferiu com um pau de madeira que obtivera momentos antes pela ação de ter partido uma cadeira de esplanada, 3 a 4 golpes na zona do braço, seguindo-se o desferimento de um golpe na zona da cabeça, provocando neste último tonturas, concretizando-se assim a interrupção da perseguição e fuga do arguido.

Por via de tal ação, refere ter carecido de deslocar-se a unidade hospitalar, na qual foi suturado na cabeça, carecendo de ficar uma semana em casa, em repouso/recuperação.

Em perspetiva de análise crítica e complementar:

No que a um primeiro segmento temporal da ação, o respeitante ao apossamento, pelo arguido, de artigo(s) do interior do estabelecimento “Linda Shopping”, o Tribunal atendeu às declarações do arguido, neste plano confessórias, vistas em plano de complementaridade face aos registos obtidos através do sistema de gravação de videovigilância instalado no referido espaço comercial, do qual se extraem os fotogramas de fls. 27 a 32, sendo a natureza e valor económico dos objetos removidos adveniente do depoimento de CC, em parte consentâneo com o discurso do arguido.

Maiores dúvidas poder-se-iam colocar no plano da interação física após gerada face a empregado interpelante BB e o arguido.

Este último admite de forma expressa o desferimento de um empurrão, por via do qual procurava obstar à sua imobilização (e recuperação dos bens retirados), adotando, quanto à existência de outro tipo de contacto ou interação físicos um discurso mais cauteloso, porém não verdadeiramente inequívoco, certo ou clarividente, privilegiando a escolha da expressão “não me lembro”.

No entanto, no afastamento deste discurso, pouco certo, claro ou clarificador, revelou-se, na impossibilidade de audição de BB, o depoimento do assistente CC, o qual, de forma clarividente e desenvolta, e beneficiando para tanto de perceção própria, elucidou, a par do desferimento do empurrão admitido pelo arguido, a adoção complementar de desferimento de socos (de “punho fechado”), na zona da cabeça do primeiro, o que se toma por compaginável face ao desígnio de fuga preconizado pelo arguido, bem como consentâneo com o envolvimento físico antes ocorrido, encontrando-se além do mais explicitado nos registos fotográficos de fls. 31 do apenso próprio (fotogramas 8 e 9).

Também no que contende com a fuga subsequencial, o discurso do arguido revelou-se contraditado pelo depoimento dos assistentes EE e CC, com especial enfoque neste último contributo, o qual, na adoção de um discurso elucidativo e esclarecedor, atestou ter sido atingido com um fragmento de madeira de uma cadeira de esplanada, na zona do braço e cabeça, o que se revela em pleno consentâneo com a denúncia por si apresentada perante as autoridades policiais e consequente e causal face à análise explicitada no exame médico-legal de fls. 129 a 132.

Outrossim, e noutra perspetiva, o discurso do arguido revelou-se pouco sustentado ou credível, adotando o mesmo, no afastamento da ocorrência da ação que lhe é imputada, a circunstância de ter rapidamente ganho distanciamento face aos perseguidores, o que se toma por pouco compaginável face à invocação de ter, não obstante, e em momento imediatamente anterior a perdê-los de vista, arremessado ao chão uma cadeira para dificultar o trajeto dos perseguidores, ação que se tomaria por desnecessária face ao distanciamento entretanto alcançado.

Nessa medida, e na sustentação que os depoimentos de EE e CC mereceram face aos elementos probatórios documentais e periciais supra explicitados, revelou-se possível ao Tribunal superar as reservas de discurso assumidas, de forma pouco convicta ou inequívoca, pelo arguido, nessa medida permitindo a demonstração dos factos 8) a 25), 49), 50) e 52).

Quanto à opção pela não prova, a mesma adveio da ausência de prova que os permitisse sustentar ou da contraditoriedade da prova que os veio a contemplar, ainda se ressaltando a correção do lapso da acusação no que concerne à identidade de uma das vítimas da ação física do arguido (que se evidenciar ser CC e não EE conforme, por lapso, ali se fez constar).


NUIPC 1105/19.0…:

No domínio documental importou considerar:

- Auto de denúncia de fls. 10 e 11 do apenso;

- Aditamento de fls. 20 e 21;

- Auto de apreensão de fls. 22 e 23;

- Termo de entrega de fls. 30;

- Relatório de Inspeção Judiciária e reportagem fotográfica de fls. 33 a 35 e 36 a 38.

Neste segmento, o arguido optou por não prestar quaisquer declarações ou esclarecimentos, nesta medida fazendo transpor para a demais prova a demonstração da realidade factual acolhida na acusação pública.

Neste plano, consideraram-se em especial os depoimentos de FF e II, cujos depoimentos se produziram no plano infra.

O primeiro (FF) comprovou em julgamento a hospedagem no Hotel/Residencial …, de cujo interior refere ter sido retirado, do seu quarto sito no 1º piso, durante a noite, um computador Macbook Pro, que guardava numa secretária sita por defronte de uma janela do quarto (de abertura ou fecho por deslizamento lateral), que deixou ligeiramente entreaberta por forma a permitir a circulação do ar, vindo a constatar no dia seguinte encontrar-se um pouco mais aberta.

Igualmente elucidou quanto aos termos de apropriação de tal objeto, insuscetível de ocorrer (face à sua presença) pelo interior do quarto, porém facilitada face à existência, no exterior, de uma estrutura de andaimes, apta a permitir o acesso à parte exterior da referida janela, e, nesse plano, a introdução do braço no interior daquele espaço.

De idêntica forma elucidou, com propriedade, quanto ao valor económico do objeto locupletado, que referiu ter recuperado no próprio dia (por ter facultado às autoridades policiais os elementos informativos de localização do equipamento, associado ao mesmo), e cujo valor cifrou em cerca de 2.300 libras (cerca de €2.500,00).

Quanto ao depoimento prestado pela testemunha II, agente da PSP, o mesmo revelou-se apto a elucidar quanto ao procedimento de recuperação de tal equipamento informático, o qual seria facilitado pela existência de software de localização espacial, vindo a ocorrer no próprio dia, na habitação da companheira e filho do arguido, e sendo entregue por este último, sob indicação e pedido do arguido.

Analisando criticamente:

Não obstante a ausência de prestação de declarações por banda do arguido, afigura-se ao Tribunal possível, face aos demais elementos probatórios coligidos nos autos, elucidar em termos genéricos quanto à demonstração de ocorrência dos factos coligidos no texto acusatório, quer por reporte aos depoimentos clarividentes e isentos das testemunhas FF e II, quer face ao complemento permitido dar aos mesmos pela análise da documentação atrás indicada, e em especial da conjugação do auto de denúncia (e aditamento) e do auto de apreensão, bem como no apelo ao relatório de inspeção judiciária e relatório fotográfico junto.

Assim, da interpretação conjugada dos depoimentos de FF e dos referidos relatórios policiais permitiu-se a elucidação dos termos de acondicionamento do equipamento subtraído, bem como a definição das suas características (em especial fazendo das mesmas parte a instalação de ferramenta de deteção do seu posicionamento).

De idêntica forma, e face à exclusão de admissibilidade da sua apropriação pelo interior do quarto de hotel, evidenciou-se como único cenário possível a sua apropriação do exterior do edifício, através de uma abertura do vidro passível de autorizar a introdução de um braço, circunstância de ação facilitada não só pela existência de abertura parcial do vidro mas, igualmente, pela aposição na parte exterior de uma estrutura de andaimes, concedendo acesso à zona equivalente à do 1º piso.

Por outro lado, da articulação dos depoimentos do já mencionado FF e do agente da PSP responsável pela recuperação do sobredito computador, vistos à luz do auto de apreensão indicado, resulta evidenciado que mesma teria ocorrido no próprio dia, escassas horas após o seu desaparecimento, em habitação da companheira do arguido, na qual se mostrava aquele presente, e na qual, a fazer valer no relatório social elaborado nos autos, o arguido alternadamente residia, sendo de resto a sua devolução operada por indicação daquele.

Assim, no âmbito do presente segmento factual, no apelo conjugado da prova indicada, vista à luz das regras permitidas dar pela experiência comum, entende o Tribunal estar em condições de dar por assente a factualidade inserta em 26) a 33), 48) e 52).

Quanto à não prova a opção preconizada pelo julgador sedimentou-se na indicação, pelo proprietário, em julgamento, de valor económico diverso do contemplado em acusação pública (nessa medida justificando-se a não prova do facto H)).


NUIPC 978/19.0…:

No domínio documental/pericial considerou-se:

- Auto de denúncia de fls. 2 e 3 e aditamentos de fls. 8 e 29;

- Documento aquisitivo de fls. 6;

- Reportagem fotográfica de fls. 9 a 11;

- Auto de reconhecimento pessoal de fls. 24 e 25;

- Exame médico-legal de fls. 108 a 110.

No presente segmento factual, o arguido optou por negar os factos, nessa medida enjeitando o conhecimento da vítima, a interação face à mesma – nos termos explicitados em acusação pública – ou bem assim a apropriação de equipamento telefónico de que o mesmo se revelasse portador.

Face a tal posicionamento, a demonstração da ocorrência do evento referenciado em acusação pública careceria de concretizar-se por apelo a demais prova.

Análise crítica:

E cremos que tal logrou concretização, desde logo por apelo ao depoimento desenvolto e escorreito da testemunha/vítima DD, o qual relatou, de forma descomprometida, a ação de que foi vítima, em ocasião noturna em que retornava do trabalho, sendo, na Avenida …, junto à existência de uma passagem coberta (túnel) surpreendido por um indivíduo que lhe aplicou, pelas costas, colocando os braços em redor do pescoço, um golpe de manietação, normalmente apelidado de “mata leão”, ocasionando a posterior queda do declarante ao solo (embatendo aí com a cabeça e ocasionando sangramento na zona do sobrolho, exigindo suturação), de barriga para baixo, e ditando tal queda a projeção do telemóvel que trazia ao solo, sendo este prontamente recolhido pelo arguido.

Em complemento, igualmente relata a ação verbal que lhe foi dirigida (na expressão “o que tens contigo?”), contemporânea à tentativa de remoção da mochila que trazia às costas (sendo-lhe desferidos pontapés na zona do braço), o que não se viria a revelar possível face à colocação das suas alças nos braços do declarante, dificultando a sua remoção.

Por outro lado, o depoimento em referência ainda elucidou, com propriedade, quanto à identidade do agressor, cujo rosto viu no momento de apropriação do telemóvel caído ao chão, e que em julgamento reconheceu, sem margem para dúvidas ou hesitações como sendo o arguido (corroborando, de resto, o reconhecimento feito em inquérito – fls. 24 e 25).

Por último, o seu depoimento permitiu ainda demonstrar as sequelas físicas advenientes de tal evento (em plena conformidade com o registo fotográfico constante de fls. 9 a 11), bem como a sujeição a tratamento hospitalar que a mesma demandou (fls. 165 e exame médico-legal acima indicado).

Quanto às características e valor económico do equipamento subtraído, considerou-se, a par do depoimento do ofendido, que referiu tratar-se do modelo S7 Edge, o documento aquisitivo do mesmo, constante de fls. 6.

Nessa medida, e à luz dos elementos probatórios supra, permitiu-se contraditar de forma clara a negação (pouco desenvolvida) da sua ocorrência ou autoria por parte do arguido, ao invés concretizando a demonstração dos factos 34) a 46), 51) e 52).

Quanto à opção pela não prova (facto I)) adveio do teor das declarações prestadas em julgamento pelo ofendido DD.

No tangente ao pedido indemnizatório formulado pelo “Centro Hospitalar de Setúbal EPE”, tendo por génese o auxílio e tratamento clínicos disponibilizados a DD, o Tribunal considerou, a par da documentação clínica ao mesmo respeitante (a explicitada supra), à fatura de fls. 165, para a quantificação do seu valor económico – com demonstração probatória dos factos 53) a 55).

No respeitante à fixação das condições vivenciais do arguido, atualmente e à data dos factos, e elucidação do seu passado ou presente no domínio do contacto com o consumo de estupefacientes, ou bem assim definição da sua postura em julgamento, o Tribunal atendeu, a par das declarações do arguido, ao vertido no relatório social elaborado pela DGRSP, e constante de fls. 238 a 241 (permitindo a demonstração probatória dos factos 56) a 86).

Em matéria de antecedentes criminais, valorou-se o CRC junto aos autos, de fls. 206 a 217 (facto 87)).”


§II.B). – DE DIREITO.

§II.B).1. – DETERMINAÇÃO JUDICIAL DA MEDIDA DA PENA (ÚNICA)

§II.B).1.(ii) – SÍNTESE DOS PRESSUPOSTOS DA IMPOSIÇÃO DA PENA.

Ensaiando um bosquejo (sumário) do conceito e fins das penas, poder-se-ia dizer que com a pena, o Estado através do sistema penal instituído dispõe-se a rechaçar e reagir ao desrespeito que alguém assume perante um comando legal que contenha uma proibição de fazer, agir ou omitir pretendendo com essa reacção confirmar a inteireza da norma e a sua validade social. Dir-se-á que com a pena o sistema pretende negar a negação consumada pelo agente de um preceito social válido. (Numa definição impressiva, Jesus-Maria Silva Sánchez, refere que “A pena (estatal) associa-se substancialmente à inflicção pelo Estado de um mal simbólico-comunicativo ao agente responsável de um delito, a quem se reprova juridicamente. Constitui, pois, uma reacção estatal ao delito. A ela só lhe é consubstancial o sofrimento inerente à própria comunicação, que tem lugar em virtude da sua imposição como tal pena incluso sem esta mediante a declaração do injusto culpável responsavelmente cometido” – “Malum passionais. Mitigar el dolor del Derecho Penal”, Atelier, 2018, 113-114. (tradução do castelhano)    

A pena, na asserção de Claus Roxin, “só resulta legítima quando é preventivamente necessária e, ao mesmo tempo, é justa no sentido de que evita ao autor qualquer carga que vá além da culpabilidade do facto”, (Claus Roxin, “La Teooria del Delito en la Discussión actual”, Editorial Grijley, 2007, p.71.) actuando a culpabilidade como pressuposto fundamentador da pena “posto que nunca pode impor-se uma pena se ela não estiver presente, assim como tão pouco a pena pode ir além da sua medida. No entanto a tarefa da pena é igualmente preventiva, pois ela não deve retribuir mas sim impedir a comissão de delitos (crimes). Em câmbio, a culpabilidade só tem a função de limitar, ema aras da liberdade dos indivíduos, magnitude dentro da qual devem perseguir-se objectivos preventivos. Disto resulta, por política criminal, aquele princípio da dupla limitação que caracteriza a minha sistematização da categoria da responsabilidade: a pena não deve ser imposta nunca sem uma legitimação preventiva, mas tão pouco pode haver pena sem culpabilidade ou mais além da medida desta. A pena de culpabilidade é limitada através do preventivamente indispensável; a prevenção é limitada através do princípio da culpabilidade.” (Claus Roxin, op. loc. cit. ps. 52-53.) (“A praxis de responsabilizar segundo a medida do merecido pode definir-se e legitimar-se num sistema de imputação ética e jurídica que opere debaixo da ideia de liberdade como expressão de respeito ante o autor que se haja servido da sua capacidade para configurar o mundo arbitrariamente de um modo concreto (isto é, de forna contrária ao dever) e não de outro (isto é, conforme ao dever.” – (Michael Pawlik, “Confirmación de la Norma y Equilibrio en la Identidad. Sobre la Legitimación de la Pena Estatal, Editorial Atelier, Barcelona, 2019, p. 57)

Na perspectiva funcionalista de Günther Jakobs, “a transgressão da norma constitui em maior ou menor medida uma perturbação da confiança da generalidade na validade da norma. Por isso a segurança existencial necessária no tráfico social deve restabelecer-se mediante a estabilização da norma à custa do autor. A culpabilidade esvazia-se aqui de conteúdo, o qual dependerá de factores externos”. (Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualización Judicial de la Pena”, Ediciones Universidad Salamanca, 1999, p. 121) “A um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” (Para uma abordagem mais aprofundada sobre a acepção «social de culpabilidade» veja-se Bernd Schünemann, págs. 98 a 114, “La Culpabilidad: Estado de la Questión”; in “Sobre el Estado de la Teoria del Delito” (Seminário en la Universitat Pompeu Fabra), Claus Roxin, Günther Jakobs, Bernd Schünemann; Wolfang Frish e Michael Köhler; Cuardernos Civitas, 2016.) 

A pena foi assumida no Estado liberal com uma dupla função, de prevenção de delitos e retribuição por um mal cometido. Num Estado com uma preocupação social e de raiz democrático, o direito penal “deve assegurar a protecção efectiva de todos os membros da sociedade, pelo que há-de tender para a prevenção de delitos (Estado social), entendidos como aqueles comportamentos que os cidadãos entendem danosos para os seus bens jurídicos - “bens” não num sentido naturalista nem ético-individual, mas sim como possibilidades de participação nos sistemas sociais fundamentais –, e na medida em que os mesmos cidadãos considerem graves tais factos (Estado Democrático). Um tal direito penal deve, pois, orientar a função preventiva da pena com arrimo (“arreglo”) aos princípios de exclusiva protecção de bens jurídicos, de proporcionalidade e de culpabilidade.” Para este autor “são dois, pois, os aspectos que deve adoptar a prevenção geral no Direito penal de um Estado social e democrático de Direito: junto ao aspecto intimidatório (também chamada a prevenção geral negativa), deve concorrer o aspecto de uma prevenção geral estabilizadora ou integradora (também denominada prevenção geral ou positiva).” (Santiago Mir Puig, “Estado, Pena e Delito. Função da Pena no Estado Social e Democrático de Direito”, Editorial Bdef, Montevideu e Buenos Aires, pág. 105.)    

 (No mesmo eito pode colher-se lição em Enrique Bacigalupo, in “Justicia Penal y Derechos Fundamentales”, Marcial Pons, 2002, p. 117, quando assevera que “A gravidade da culpabilidade determina o limite máximo da pena, mas não obriga – como na concepção de Kant – à aplicação da pena adequada á culpabilidade. Por debaixo desse limite é possível observar exigências preventivas que, inclusive, podem determinar uma redução da pena adequada á culpabilidade. Dito de outra maneira: a retribuição da culpabilidade, que provém das teorias absolutas, só determina o limite máximo da pena aplicável ao autor, sem excluir a possibilidade de dar cabida às necessidades preventivas, proveniente das teorias relativas, até ao limite fixado pela culpabilidade.”)

Hassemer afirma que «la función de la pena – afirma – es la prevención general positiva”, que “no opera mediante la intimidación sino que persigue la proteción efectiva de la fiscalización social de la norma. Ello supone dos cosas: por una parte, que la pena ha de estar limitada por la proporcionalidad, – por la retribuición por en hecho; por outra parte, que la misma ha de suponer un intento de resocialización del delincuente, entendida como ayuda que ha de prestársele en la medida de lo posible.”

O ordenamento jurídico-penal português, e com as alterações introduzidas pela revisão do Código Penal em 1995, consagrou uma concepção preventivo-ética da pena, quando se estatuí que “as finalidades da pena (e da medida de segurança) são exclusivamente preventivas, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto (“conditio sine qua non”) e de limite da pena”. (Cfr. Américo Taipa de Carvalho, “Prevenção, Culpa e Pena – Um concepção preventivo-ética do direito penal”, in Liber Discipulorum, Coimbra Editora, pag.317 e segs.)

Para este Professor [Taipa de Carvalho], as penas devem visar, em primeira linha privilegiar a prevenção especial (positiva e negativa), devendo a prevenção geral constituir-se como limite mínimo da justificação e fundamento para a imposição de uma pena ou medida de segurança e a culpa como limite máximo atendendo ao critério da prevenção especial, “o objectivo da pena, enquanto meio de protecção dos bens jurídicos, é a prevenção especial, positiva e negativa (isto é, de recuperação social e/ou de dissuasão). Este é o critério orientador, quer do legislador quer do tribunal”. (Américo Taipa de Carvalho, op. loc. cit.,pag. 327)

A ordem jurídico-penal viger, estabelece no art. 71 nº 1 do C.P. que "a determinação da pena dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Resulta de uma chã leitura deste preceito que a culpa (indiciador de um radical pessoal) e a prevenção (que insinua a vertente societária e comunitária para a reprovação do comportamento do agente e a correlata necessidade no asseguramento da confiança (da sociedade) na norma, traduzido na punibilidade de condutas contrárias ao sentido conformador-normativo) constituem os princípios regulativos em que o juiz se deve ancorar no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. Mediante o estabelecimento e indicação de critérios, o legislador fornece ao juiz orientações para a formação cognitiva de juízos avaliativos e condensadores dos pressupostos e da fixação de premissas que possibilitam a conformação e determinação das escolhas a realizar perante um concreto responsável em face da realidade factual ressumada pela facticidade adquirida pelo julgamento. Assim na individualização da pena o juiz, assumindo as intencionalidades e as vinculações do sistema jurídico-penal, desempenha uma insubstituível tarefa mediadora, construtiva e constitutiva das reacções penais ajustadas ao caso e convincentes da sua justeza perante a sociedade que se destinam a influenciar.

Na determinação concreta da pena caberão todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:

– O grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente;

– A intensidade do dolo ou negligência;

– Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

– As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

– A conduta anterior ao facto e posterior a este;

– A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. (Paragonado com o estabelecido no artigo 71º do nosso ordenamento jurídico-penal, pontua-se no apartado II do § 46 do StGB, que o tribunal deverá na “medición” da pena ponderar as circunstâncias favoráveis e contrárias ao autor. “com este fim se contemplarão particularmente: - os fundamentos da motivação e os fins do autor; - a intencionalidade que se deduz do facto e a vontade com a qual se realizou o facto; - a medida do incumprimento do dever; - o modo de execução e os efeitos inculpatórios do facto; - os antecedentes do autor, a sua situação pessoal e económica, assim como a sua conduta depois do facto, especialmente os seus esforços para reparar os danos, e os seus esforços para acordar uma compensação com o prejudicado.”)

 Pena contém na sua impressão conotativa e ontológica dois vectores axiais (i) a culpa do agente produtor de um resultado contrário a uma proibição legal (comando estipulado pela normação emanada do Estado); e (ii) a prevenção que com a imposição de uma inflicção se pretende alcançar na comunidade em que as normas vigentes imperam e, por outro lado, fazer reflectir o agente da sua contradição cognitiva ao sistema de leis vigente e prevalente na sociedade em que se insere e, eventualmente, impulsionar a respectiva reversão, por forma a conformar a sua pauta de conduta com o conceito sociopolítico prevalente.  

Num seminário sobre os fins das penas, (Claus Roxin, “Fundamentos Politico-criminales del Derecho Penal” (“La determinación de la pena a la luz y de la teoria de los fines de la pena), Hammarabi, Buenos Aires, págs. 143 a 166) Claus Roxin advoga, acompanhando Hans Scultz, que na determinação da pena se trata de retribuir a culpabilidade (“O princípio – fundamentado segundo opinião generalizada na Constituição – nulla poena sine culpa (princípio da culpabilidade) não significa nesta situação senão que «o suposto de facto e a consequência jurídica devem estar em proporção adequada», quer dizer, a imputação ao autor deve ser necessária, por estar descartada a possibilidade de resolver o conflito sem castigar o autor. Também a medida da culpabilidade se vê limitada pelo necessário. Sobretudo, o conteúdo da culpabilidade não é algo prévio ao Direito, sem consideração às situações sociais.” – Günther Jakobs, op. loc. cit. pág. 588-589.), devendo na operação de determinação aplicar a «teoria da margem de liberdade», que a jurisprudência alemã formulou da forma seguinte: “Não se pode determinar com precisão que pena corresponde à culpabilidade. Existe aqui uma margem de liberdade (Spielraum) limitada no seu grau máximo pela pena adequada (à culpabilidade). O juiz não pode ultrapassar o limite máximo. Não pode, portanto, impor uma pena que na sua magnitude ou natureza seja tão grave que já não se sinta por ela como adequada à culpabilidade, No entanto, o juiz…poderá decidir até donde pode chegar dentro dessa margem de liberdade.” (À teoria da margem da liberdade opõe-se a teoria da «pena exacta», segundo a qual «a la culpabilidad» só pode corresponder una pena exactamente determinada (punktuell). – Clus Roxin, op. loc. cit. P. 146.) 

Para Bacigalupo a culpabilidade só logra a sua função de parâmetro delimitador da pena, se for referido à «culpabilidade do facto». “Isto requer excluir das considerações referentes à culpabilidade as que se referem a uma ponderação geral de personalidade como objecto do juízo de reprovação (“juicio de reproche”). Concretamente o juízo de culpabilidade relevante para a individualização da pena, deve excluir como objecto do mesmo referências à conduta anterior ao facto (sobretudo a penas sofridas), a perigosidade, ao carácter do autor, assim como á conduta posterior ao facto (que só pode compensar a culpabilidade do momento da execução do delito.”    

Noutra perspectiva, o conteúdo de culpabilidade, impõe a “a um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” (Cfr. Gunther Jakobs, in loc.cit. supra, pag. 13.)

Na análise a que procede sobre o Estado, a Pena e o Delito, e escrutinando as distintas doutrinas que se têm vindo a impor no espectro da aplicação das penas Santiago Mir Puig opina que: «El princípio de culpabilidade en sentido amplio, aqui manejado, no debe confundirse com la exigência de cierta proporción entre la pena y la gravedad del delito.

Entendida como possibilidad de relacionar un hecho com un sujeto y no como posibilidad de convertir en demérito subjectivo el hecho realizado, la culpabilidad no indica la cuantía de la gravedad del mal que debe servir de base para la graduación de la pena. Dicha cuantia viene determinada por la gravedad del hecho antijurídico del cuaI se culpa al sujeto. La concepción contraria sólo puede ser admitida por quien acepte que la pena no se impone para prevenir hechos lesivos, sino como retribución de la actitud interna que el hecho refleja en el sujeto.- pág. 206.

Por una parte la prevención general puede manifestarse por la via de la intimidación de los posibles delincuentes, o también como prevalecimiento o afirmación del Derecho alos ojos de la colectividad.. En el primer sentido, la amenaza de la pena persigue Imbuir de un temor que sirva de freno a la posible tentación de delinquir. Se dirige solo a los eventuales delincuentes. En el segundo sentido, como afirmación del derecho, la prevención general persigue, más que la finalidad negativa de inhibición, la internalización positiva en la conciencia colectiva de la reprobación jurídica de los delitos y, por otro lado, la satisfacción del sentimiento jurídico de la comunidad. Se dirige a toda la sociedad, no solo a los eventuales delincuentes. – pág. 43

De ahí, pues, un primer limite que la prevención encuentra en si misma: la gravedad de las penas tendientes a evitar delitos no puede negar hasta el máximo de lo_que aconsejaría la pura intimidación de los eventuales delincuentes, sino que debe respetar el limite de tina cierta proporcionalidad com la gravedad social del hecho. Por outra parte la exigencia de proporcionalidad_se desprende también de la conveniência de resaltar lo más grave respcto de lo menos grave en orden a frenar en mayor grado lo más grave.- pág. 44

Frente al delincuente ocasional, la prevención especial exigiria solo la advertência que implica la imposición de la pena. Para el delincuente no ocasional corregible, seria precisa la resocialización mediante la aplicación de un tratamiento destinado aobtener su corrección. Por último, para el delincuente incorregible la única forma de alcanzar la prevención especial seria innoculizarlo, evitando así el perigro mediante su internamiento asegurativo. El efecto de advertência se designa a veces como “intimidación especial”, para expresar que se dirige solo ai delincuente y no a la colectividad, como a intimidación que persigue la prevención general. La resocialización adopta a veces modalidades especiales: así, como tratamiento educativo o como tratamiento terapêutico para sujetos com anomalias mentales. (Cfr. Santiago Mir Puig, in “Estado, Pena y Delito” Editorial B de f, Montevideu – Buenos Aires, 2006 Págs. 43, 44, e 206)

Do mesmo passo, o autor (Santiago Mir Puig) faz derivar desta função preventiva uma concepção de pena em que “a pena há-de cumprir (e só está legitimada para cumprir) uma missão política de regulação activa da vida social que assegure o seu funcionamento satisfatório, mediante a protecção dos bens jurídicos dos cidadãos. Isso supõe a necessidade de conferir à pena a função de prevenção dos factos que atentem contra esses bens, e não basear o seu encargo, ou incumbência, numa hipotética necessidade ético-jurídica de não deixar sem resposta, sem retribuição, a infracção da ordem jurídica.” (Santiago Mir Puig, ibidem, pág. 114.)

Partindo da ideia de que a eficácia preventiva da pena pode estar referida aos potenciais delinquentes (prevenção geral) ou aqueles que já hajam delinquido (prevenção especial), e de que a pena pode produzir um efeito preventivo de formas diversas, consideramos que a legitimidade do recurso à mesma há-de vincular-se à sua eficácia preventiva e ao respeito do princípio de proporcionalidade, que (sem prejuízo da eficácia preventiva derivada da sua vigência e da sua importância para estabelecer as penas dos distintos delitos) teria uma função de limite garantístico: a pena é legítima quando, sem rebaixar os limites que derivam do princípio de proporcionalidade, resulta eficaz desde o ponto de vista preventivo; mais concretamente, quando proporciona a máxima eficácia preventiva, atendendo tanto à sua eficácia preventiva geral, como à sua eficácia preventiva especial, e aos distintos sentidos (“cauces”) através dos quais o recurso à pena pode produzir um efeito preventivo (função preventiva limitada pelo princípio da proporcionalidade).

Como o resto das teorias preventivas, a proposta pressupõe aa eficácia preventiva da pena. A sua singularidade radica em que faz depender todas as decisões relacionadas com ela (classe e duração da pena que se ameaça com impor, classe e duração da pena imposta e, no concreto caso, forma de execução da pena) do saldo preventivo global das distintas alternativas e do respeito pelo princípio da proporcionalidade. Para que primeiro o legislador, e a seguir o Juiz (e, no caso concreto, a administração penitenciária), adoptem aquelas decisões tendo em conta a sua eficácia preventiva, deverão conhecer a eficácia preventiva das distintas alternativas. A complexidade da conduta humana, e as limitações do próprio ser humano para conhecer os elementos que influem nela, dificultam a aplicação prática daquela proposta, como também dificultam a de qualquer teoria preventiva. No entanto, tais dificuldades não obrigam a abandoná-las. Obrigam a ser prudentes, tentar obter o máximo conhecimento possível sobre a eficácia preventiva da melhoria pena, reconhecer os limites do conhecimento disponível e promover a melhoria do mesmo. E, no caso concreto, também obrigam a reconhecer os limites da capacidade da pena para produzir um efeito preventivo, e a valorar as consequências de intentar incrementá-lo.” (Cfr. Sergi Cardenal Montraveta, “Eficacia Preventiva General Intimidatória de la Pena”, Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia”, (RECPC 17-18 (2015), pág. 3.)

As escoras da pena assentam, na concepção dominante, na culpa e na prevenção, devendo o tribunal, na individualização concreta da pena, ponderar, aquilatar e idear os factores concretos que podem intervir e equivaler os interesses em jogo.    

Na doutrina estrangeira sugere-se que “na decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o seu comportamento posterior ao delito”. (Winfried Hassemer (Winfried Hassemer, “Fundamentos del Derecho Penal”, Editorial Bosch, Barcelona, 1984, pág. 127).

Pondera-se, na jurisprudência, que a escolha e determinação da medida, ou para medição, da pena “reger-se-á pelo objectivo e critério da prevenção especial: recuperação social do infractor (prevenção especial positiva), desde que tal objectivo não seja incompatível com a necessidade mínima de dissuasão individual. Ou seja: o “fim” é a reintegração social do infractor, fim este que tem, como limite mínimo, a eventual necessidade de dissuasão do infractor da prática de futuros crimes”. (“A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade)” – (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2007; proferido no processo nº 28/07)

Consignada a pena nos preditos moldes, e arredada, por não interessar ao caso em apreço, a figura da “determinação legal da pena, ainda que para a operação de individualização judicial da pena não nos possamos alhear deste conceito, por constituir o limite que o legislador consignou como sendo aquele que protege de forma prevalente e eficaz, e num dado momento histórico, um determinado bem jurídico”, procuraremos indagar quais os critérios e justificações que deverão guiar e lastrar a determinação da medida concreta de uma pena, o que vale por dizer quais serão ou deverão ser os princípios rectores em que poderá ancorar-se uma adequada valoração da conduta de um agente infractora norma protectora de bens jurídicos. (Na procura de directivas e vectores de orientação que ajudem na determinação concreta da pena seguem-se de perto os ensinamentos colhidos em Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualização judicial da Pena”, Ediciones Universidade Salamanca, bem como dos ensinamentos recolhidos na obra já citada supra de Gunther Jakobs, de Winfried Hassemer, in “Fundamentos del Derecho Penal”, de Claus Roxin, in “Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal” e Anabela Miranda Rodrigues, in “A Determinação da Pena Privativa de Liberdade” e Adriano Teixeira, “Teoria da Aplicação de uma Determinação Judicial da Pena Proporcional ao Fato”, Marcial Pons, 2015.)

A culpa serve, na determinação concreta da escolha, um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial. Dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou segurança individuais. «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas». (Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111 e ainda Anabela Rodrigues (- Problemas fundamentais de Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin (2002), “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, 177/208, estudo também publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2 Abril – Junho de 2002, 147/182.)

Anabela Rodrigues, bem como Taipa de Carvalho, ao defenderem que o limite mínimo da pena nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima, limite este que coincide com o limite mínimo da moldura penal estabelecida pelo legislador para o respectivo crime em geral, devendo eleger, em cada caso, aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto. Tutela dos bens jurídicos não, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada. Neste sentido, constitui indicador razoável afirmar-se que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2, da CRP, consagra. (“O princípio da proporcionalidade do art. 18.º da Constituição refere-se à fixação de penalidades e à sua duração em abstracto (moldura penal), prendendo-se a sua fixação em concreto com os princípios da igualdade e da justiça.

[Deve na determinação concreta da pena atender-se ao] “grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente); – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura.” – (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.02.2007).

Discorrendo sobre o princípio da proporcionalidade, refere Mata Barranco que, “no momento judicial o âmbito de projecção do princípio da proporcionalidade manifesta-se claramente tanto na fase judicial de concreção da pena legalmente prevista – se se prefere, de determinação judicial da pena – como na individualização em sentido específico. Diz-se inclusivamente que a denominada aritmética penal, que não é senão a completa técnica que o tribunal tem que levar a cabo para determinação da pena que corresponde ao autor, está inspirada no princípio da proporcionalidade.

Em primeiro lugar, o Código estabelece determinadas regras vinculadas à determinação judicial da pena em relação, por exemplo, ao grau de execução do delito, à participação, ao erro de proibição, à concorrência de eximentes incompletas, de atenuantes e agravantes ou aspectos concursais, modulando-se a resposta penal com base na diferente gravidade do facto e da culpabilidade do autor nos supostos concretos. (…)

Em segundo lugar, ao juiz fica-lhe sempre uma margem de arbítrio, mais ou menos amplo, na determinação quantitativa da pena, ou inclusivamente qualitativa quando o preceito penal contemple penas alternativas, penas de imposição potestativa ou a possibilidade de aplicar substitutos penais que permita um melhor ajuste entre a gravidade do facto – em toda a sua complexidade – e a gravidade da pena, que tem que aplicar – de todo o modo proporcional – atendendo ao conjunto de circunstâncias objectivas e subjectivas do delito cometido, tal e como costumava exigir, por outro lado a própria normativa penal.

Aquela primeira função judicial, ainda que próxima a esta de individualização judicial propriamente dita, se entende conceptualmente separável da verdadeira função autónoma individualizadora do juiz, que não procede a uma delegação do legislador, diz-se, mas sim que se apresenta como competência exclusiva da jurisdição enquanto se trata de determinar uma pena em função das peculiaridades de cada caso e de cada autor (…) por isso se qualifica este acto de individualização judicial como de discricionariedade juridicamente vinculada, pois o juiz pode mover-se livremente, em princípio, dentro do marco legal do delito – que quele concreta -, mas orientado por princípios que haverão de extrair-se desde logo das declarações expressas da lei, quando existam, assim como dos fins do Direito penal no seu conjunto, ou ainda dos fins da pena partindo da função e limites do Direito penal.”) (Norberto J. de la Mata Barranco, “El Princípio de Proporcionalidad Penal”, Tirant lo Blanch, “Colección Delitos”, Valência, 2007, 221-223.)      

Como se alcança do que a doutrina vem ensinando “o conceito de proporcionalidade, o juízo sobre a proporcionalidade de uma norma – não só de uma sanção, mas também de uma norma enquanto ao que prescreve ou proíbe e enquanto á consequência do seu incumprimento – afecta, e deve fazê-lo, tanto à delimitação da tutela que trata de conseguir como ao mecanismo sancionatório que prevê para o lograr e, por isso mesmo, ideia de proporção deve poder permitir restringir tanto a sanção desnecessária ou excessiva como limitar comportamentos susceptíveis dela. (…) O princípio de proporcionalidade penal rechaça, com se disse, o estabelecimento de cominações legais - proporcionalidade em abstracto – e a imposição de consequências jurídicas – proporcionalidade em concreto – que careçam de relação valorativa com o facto cometido, contemplado este no seu significado global. De uma forma mais sintética, exige que as consequências da infracção penal, previstas ou impostas, não sejam mais graves – se é que se pode equiparar a gravidade de umas e outras – à entidade da mesma. (…) mas também – ou justamente por isso – se há-de destacar a necessidade e vincular o conceito de proporção à relação entre a medida imposta e a finalidade pretendida pela norma a aplicar e com os fins, no nosso caso, da pena e do Direito penal; serão estes – tratando de garantir uma convivência na qual se maximize a liberdade de cada um sem detrimento superior da do resto – os que determinam a gravidade do facto a «enjuiciar».” (Norberto J. de la Mata Barranco, ibidem, pág. 289-290. “A exigência de proporção tem umas implicações, em todo o caso, que talvez não captam os conceitos de razoabilidade, racionalidade ou ausência de arbitrariedade, por quanto permite incorporar um conteúdo limitador da actuação estatal que, em princípio, estes não têm que atender. Com ser difusa a ideia de proporção, porque não indica mais que uma correspondência ou correlação de magnitudes, sem dúvida oferece uma base de actuação mais concreta – no âmbito penal – que a estes conceitos e nesse sentido aporta um plus de segurança, relativa, na restrição de liberdades porque, ao menos, remete para determinadas magnitudes ou referências a partir das quais pode efectuar uma ponderação de qual deve ser o grau de intervenção.” – ibidem, p.291)

Iterando a vertente da pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável –, certo é dever corresponder à sanção que o agente merece, ou seja, deve corresponder ao desvalor social do injusto cometido. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade. O “merecido”, porém, não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral. (Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), 96/98.); Cfr. ainda por mais recentes os acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 20.02.2008 e 09.04.2008; proferidos, respectivamente, nos proc.s nºs 07P4724 e 08P1011; disponíveis em www.stj.pt.)

A imposição de uma pena depende do estabelecimento/consolidação de um juízo de culpabi-lidade que pressupõe exigências de verificação a) “de um princípio de responsabilidade pelo facto. “Exige um “direito penal do facto” e opõe-se a castigar o carácter ou o modo de ser – directa ou indirectamente. Ainda que o homem contribua para a formação da sua personalidade, esta escapa em boa parte ao seu controle. Deve rechaçar-se a teoria da “culpabilidade pela conduta de vida” ou a “culpabilidade do carácter”. Este princípio [da responsabilidade pelo facto] entronca com o da legalidade e a sua exigência de tipicidade dos delitos: o “mandato” e determinação da lei penal reclama uma descrição diferenciada da cada conduta delitiva”; b) a exigência de imputação objectiva do resultado lesivo a uma conduta do sujeito. Nos delitos de conduta positiva, isso requer a relação de causalidade entre o resultado e a acção do sujeito, mas para além disso são precisas outras condições que exige a moderna teoria de imputação objectiva e que giram em torno da necessidade de criação de um risco tipicamente relevante que se realize no resultado”; c) a exigência do dolo ou culpa (imputação subjectiva). Considerada tradicionalmente a expressão mais clara do princípio de culpabilidade, faz insuficiente a produção de um resultado lesivo ou a realização objectiva de uma conduta nociva para fundar a responsabilidade penal”; d) A necessidade de culpabilidade em sentido estrito, que exige a imputabilidade do sujeito e a ausência de causas de exculpação- também a possibilidade ed conhecimento da antijuridicidade, se esta não se inclui no dolo.” (Santiago Mir Puig, ibidem. “Sobre o Princípio de Culpabilidade como Limite da Pena”, pág. 203.)        

Ainda que concordemos que a função da pena deva assumir-se como um pendor marcadamente preventiva, não podemos deixar de, na escolha e determinação concreta da pena, considerar o facto conduzido pela vontade de delinquir do agente – desvalor da acção – e o resultado em que a acção desvalorativa se concretizou. A imposição de uma pena que, partindo destes dois parâmetros definidores da conduta ilícita e típica do agente, seja colimada pela culpabilidade do agente impõe como paradigma da pena proporcional ao facto que deve encampar a actividade do julgador na hora de ponderar o quantum penológico a impor.    

Factor de ponderação inarredável na formação de uma pena justa e arrimada com os valores constitucionalmente consagrados é a proporcionalidade entre o desvalor da acção referido ao conteúdo do bem jurídico contido na norma violada, o desvalor do resultado enquanto atingimento e vulneração histórico-social e concreta de um sentimento socialmente relevante e o retraimento social que se pretende com a imposição da sanção da sanção penal.

No ensinamento de Silva Sanchez (Individualización judicial de la Pena”, p.139) “é difícil, na realidade, falar de discricionariedade no âmbito da individualização judicial da pena e que, seguindo a terminologia da doutrina alemã, afinal do que poderá falar-se é de uma “discricionariedade juridicamente vinculada. A maioria da doutrina entende sim possível continuar aludindo a uma certa discricionariedade no exercício da actividade judicial, limitada, submetida a uma conjunto de critérios valorativos, que não permita tomar decisões com base em considerações opostas a princípios cuja transgressão afasta o arbítrio das pautas de racionalidade, mesura e proporcionalidade que lhe devem presidir; sem embargo autor explica, em meu juízo com acerto, que isso já não é uma verdadeira discricionariedade, mas sim autêntica aplicação pura, regrada do Direito, pois não se trata de eleger entre várias possibilidades igualmente correctas, que é o que caracteriza a discricionariedade, mas sim concretar os juízos de valor da lei e conseguir os fins daquela em cada passo. Determinando a pena concreta. (…)

Por isso o Tribunal Supremo distinguiu o que a discricionariedade enquanto uso motivado das faculdades de arbítrio não susceptíveis de revisão em apelação, cassação ou amparo – quando se executa correctamente –, da arbitrariedade, definida pela ausência de motivação do uso de tais faculdades, vetada e revisível, diz-se numa diferenciação que não obstante reside somente no facto da motivação da individualização (…).” (Norberto J. de la Mata Barranco, ibidem, pág. 229-230.)     

Resenhados, em traços largos e, quiçá, imprecisos os fins das penas e os pilares axiais em que assenta – culpa e prevenção – encarreiremos para o caso que nos ocupa, ou seja, a pena derivada da imposição de mais de uma pena por crimes que entre si confluam num concurso de infracções.      

A prática de uma pluralidade de infracções pelo mesmo agente, antes que de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, importa a cumulação das penas que venham a ser impostas (parcelarmente) ao agente – cfr. artigo 77º do Código Penal.   

São dois os pressupostos que alei exige para a aplicação de uma pena única:

- prática de  uma pluralidade de crimes pelo mesmo arguido, formando um concurso efectivo de infracções, seja ele concurso real, seja concurso ideal  (homogéneo ou heterogéneo);

- que esses crimes tenham sido praticados antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, ou seja: a decisão que primeiro transitar em julgado fica a ser um marco intransponível para se considerar a anterioridade necessária à existência de um concurso de crimes.” (Artur Rodrigues da Costa, “O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ”.)

A adveniência de conhecimento de uma situação de concurso, induz a exigência de realização de uma operação conducente à formação/composição de uma pena conjunta – cfr. artigo 78º, nº 1 do Código Penal. (“Se depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.”) 

Claus Roxin, in Derecho Penal, Parte General, Tomo II, Especiales Formas de Aparición del Delito”, Civitas e Thomson Reuters, 2014, na Seccion11ª, sob a epigrafe “Concursos”, define o concurso real quando “uma pluralidade de factos puníveis é julgado no mesmo procedimento ou se submete a posterior formação de uma pena global ou conjunta (§ 53 I)” (Estipula o § 53 I do Código Penal Alemão (StGB) sob a epigrafe “Concurso real de delitos”: “Quando alguém haja perpetrado vários delitos que sejam julgados simultaneamente, e por isso se lhe devam aplicar várias penas privativas de liberdade ou várias multas, condenar-se-á numa pena conjunta”. (Tradução nossa do Código Penal Alemão, traduzido por Emilio Eiranova Encinas (Coord.), Marcial Pons, 2000, Madrid, pág. 37.) (…) “o conceito de pluralidade de factos se interpreta por si mesmo: todas as acções submetidas a uma condenação independente, que não estejam em concurso ideal e que são susceptíveis de formação de uma pena conjunta ou global, estão em concurso real. Portanto, a delimitação de unidade de acção e pluralidade de acções aclara já aclara o que significa haver cometido vários factos puníveis.” (Claus Roxin, op. loc. cit. pág. 981.) 

Depois de descrever as várias situações em que pode ocorrer a formação de uma pena conjunta e as penas particulares que a podem integrar – somente uma pluralidade de penas privativas de liberdade, somente uma pluralidade de penas de multa, uma pluralidade de penas privativas de liberdade e uma pluralidade de penas multas (em caso de distintos factos e no caso de a oena de privativa e pena corresponder ao mesmo facto punível – o Autor fixa-se na formação da pena conjunta ou global.

Na formação da pena conjunta ou global, regulada no § 54 do StGB (:- § 54, sob a epígrafe “Formação da pena conjunta”: “Quando uma das penas particulares seja uma pena para a vida (“de por vida”), condenar-se-á á pena privativa de liberdade para a vida (“de por vida”) como pena conjunta. Em todos os demais casos se formará apena conjunta pelo aumento da pena mais alta em que esteja incurso, em caso de penas de distintas classes, pelo aumento da sua classe segundo a pena mais grave” – tradução nossa. (StGB citado).), ensina o Emérito Mestre que ela se desenvolve em três passos: (a) a fixação ou atribuição (“asignación”) das penas particulares; (b) a determinação da pena de arranque ou base de partida; (c) a agravação conforme ao princípio da “asperación” ou agravamento (“asperación” do latim “asperare” [agravar]”. (Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 987 a 992.)     

No primeiro dos indicados passos – fixação ou “asignación” das penas particulares -, refere o Autor que vimos seguindo, que há que fixar uma pena independente para cada facto particular daqueles que estão em concurso real. “Para isso na medição da pena basicamente haverá que proceder com se o facto tivesse sido enjuizado (“enjuiciado”) ; pois a valoração global de todos os facto puníveis não se produz até à fixação da pena conjunta ou global.”

No segundo passo “haverá que determinar ou calcular a pena mais grave das penas particulares (a denominada pena de arranque, base ou de partida). No caso de várias penas privativas de liberdade a mais grave é aquela que condena à maior ou mais larga privação de liberdade”.

O último passo “incrementa-se com arrimo (“arreglo”) ao princípio de “asperación” [agravamento].” “Decorrente deste facto forma-se um novo marco penal cujo limite inferior consiste num momento da pena de arranque ou base de partida e cujo limite superior não pode alcançar a soma das penas particulares”. (Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 987 a 989.)

 “Dentro do marco penal assim formado a fixação concreta da pena conjunta precisa de um acto independente de medição da pena, no qual se valorem conjuntamente a pessoa do réu e os concretos factos puníveis (§ 54 I 3). “Não basta, portanto, fundamentar as penas particulares e em consequência (“a continuación”) relativamente à pena conjunta ou global constatar na sentença unicamente: “a pena conjunta que há-de ser formada (“que hay que formar“) parece adequada em quantum de cinco anos. Pelo contrário, é necessária uma fundamentação adicional especifica, que se baseia na concepção do legislador de “que os factos particulares são emanação da personalidade única do sujeito e por isso hão-de ser “enjuiciados” não como uma mera soma, mas antes como um conjunto. Há-de efectuar-se uma “visão global de todos os factos”. “A este respeito dá que considerar diversos factores, a saber, a relação dos factos particulares entre si, em espacial a sua conexão, a sua maior ou menor autonomia, e além disso a frequência da comissão, igualdade ou diversidade dos bens jurídicos lesionados e dos modos comissivos assim como o peso total do suposto que haja que julgar.”          

Com a valoração global dos factos opera a personalidade do autor. “A este respeito haverá que tomar em conta juntamente com a sua sensibilidade à pena sobretudo a sua maior ou menor culpabilidade em relação à totalidade do sucesso. Também é importante determinar “se os vários factos puníveis procedem de uma tendência criminal ou nos factos imprudentes de uma disposição de ânimo geral de indiferença ou se pelo contrário se trata de delitos ocasionais sem vinculação interna.” (Claus Roxin, op. loc. cit. pág. 991)

Na teorética que coenvolve a dogmática jurídica da formação da pena conjunta ou global, refere o mesmo Autor, que se coloca uma primeira questão, qual seja “de se os factores ou critérios de medição da pena que já hajam sido considerados em cada pena particular, também podem voltar a desempenhar um papel na determinação da pena conjunta”. “Contra esta possibilidade aduz-se a “proibição da dupla utilização ou valoração. A favor desta posição, a jurisprudência e um sector da doutrina, partem da base de que não é praticável uma total separação dos pontos de vista decisivos para a pena particular e a pena conjunta. Circunstâncias como as relações pessoais e económicas do réu, a sua vida interior e a atitude interna expressada no facto, que já … devem ser tidas em conta na fixação das penas particulares, têm também uma importância essencial na formação da pena global ou conjunta. As ditas circunstâncias podem ser por uma parte consideradas isoladamente para o facto particular e por outra “sinteticamente como conjunto” na sua repercussão sobre a totalidade dos factos.”          

Por outro lado também se coloca a questão de “se os factos puníveis em serie têm importância na formação da pena conjunta com carácter agravante ou atenuante.” 

O correcto parece ser julgar estes supostos diferenciando. Assim, se diversos furtos representam só a realização sucessiva de um dolo global unitário, em que antes se admitiu um delito continuado, ou se vários factos similares se devem a que o sujeito haja caído na mesma tentação, a comissão “formaliter” pode ser julgado de modo mais benigno.”  

A pena conjunta surge no ordenamento jurídico-penal como necessidade de obter uma configuração final, genérica e de visão global de uma personalidade (tendencialmente propensa a delinquir ou pelo menos a praticar actos que se revelam contrárias à preservação e manutenção de um quadro valorativo penalmente prevalente e saliente) e de uma pluralidade de condutas e acções típicas perpetradas pelo mesmo arguido num lapso de tempo confinado por uma avaliação jurisdicional. (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Abril de 2011, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro, de que ressaltamos o respectivo sumário: “IV - A formação da pena conjunta é, assim, a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida em que os foi praticando (Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, edição da FDUC, 2005, pág. 1324). V -Propondo-se o legislador sancionar os factos e a personalidade do agente no seu conjunto, em caso de cúmulo jurídico de infracções, é de concluir que o agente é punido pelos factos individualmente praticados, não como um mero somatório, em visão atomística, mas antes de forma mais elaborada, dando atenção àquele conjunto, numa dimensão penal nova, fornecendo o conjunto dos factos a gravidade do ilícito global praticado, levando-se em conta exigências gerais de culpa e de prevenção, tanto geral, como de análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). (…) XI - O cúmulo retrata, assim, o atraso da jurisdição penal em condenar o arguido, tendo em vista não o prejudicar por esse desconhecimento ao fixar limites sobre a duração das penas. XII - Imprescindível na valoração global dos factos, para fins de determinação da pena de concurso, é analisar se entre eles existe conexão e qual o seu tipo; na avaliação da personalidade releva sobretudo se o conjunto global dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, dando-se sinais de extrema dificuldade em manter conduta lícita, caso que exaspera a pena dentro da moldura de punição em nome de necessidades acrescidas de ressocialização do agente e do sentimento comunitário de reforço da eficácia da norma violada ou indagar se o facto se deve à simples tradução de comportamentos desviantes, meramente acidentes de percurso, que toleram intervenção punitiva de menor vigor, expressão de uma pluriocasionalidade, sem radicar na personalidade, tendo presente o efeito da pena sobre o seu comportamento futuro – Prof. Figueiredo Dias, op. cit . § 421. XIII - Quer dizer que se procede a uma reconstrução da sanção, descendo o julgador do aspecto parcelar penal para se centrar num olhar conjunto para a globalidade dos factos e sobre a relação que tem com a sua personalidade enquanto suporte daquele conjunto de manifestações que exprimem a sua relação com o dever de qualquer ser para com a ordem estabelecida, enquanto repositório de bens ou valores de índole jurídica, normativamente imperativos. XIV - A avaliação da personalidade é de feição unitária, conceptualmente como um todo referível a uma unidade delituosa e não mecanicamente por uma adição criminosa. XV - Quando o tribunal aplique em concurso uma única pena de multa como pena principal ou alternativa à de prisão, com uma multa substitutiva da prisão, nos termos do art. 43.º, do CP, tais penas devem acumular-se materialmente, atenta a sua diferente natureza. (…) XXI - A Lei 59/2007, de 04-09, suprimiu o requisito anterior que excluía do concurso superveniente a hipótese de a pena se achar cumprida, prescrita ou extinta, não a englobando no cúmulo jurídico e no desconto na pena única. XXII - Actualmente, o art. 78.º, n.º 1, do CP, considera que o cumprimento leva ao desconto na pena única formada, em inteira benesse para o arguido, mas já não se, por exemplo, ela se mostrar extinta por qualquer outro motivo, designadamente por amnistia, mas sem abdicar das regras do concurso, entre as quais a da mesma natureza das penas em presença. XXIII - O legislador não fornece qualquer critério de ordem matemática, em termos de a compressão aritmética a observar na formação da pena de conjunto, não dever ultrapassar “1/3 e que muitas vezes se queda por 1/6 e menos”, à luz da jurisprudência do STJ, segundo diz, mas apenas um guia na formação da pena de concurso: o da atendibilidade da avaliação global dos factos e personalidade do agente, com o significado, contornos e amplitude já indicados. XXIV - A liberdade individual, de acordo com o princípio da ponderação de interesses conflituantes, só pode ser suprimida ou limitada “quando o seu uso conduza, com alta probabilidade, a prejuízo de outras pessoas que, na sua globalidade, pesa mais do que as limitações que o causador do perigo deve sofrer”, na expressão de Roxin, citado pelo Prof. Figueiredo Dias, op. cit., pág. 430, nota 35.”

No quadro das valorações consequenciais advertidas pelas condutas antijurídicas e tipicamente eleitas importa obter um quadro referencial do individuo actuante como forma de propiciar uma imposição punitiva que tenha como pressuposto a culpabilidade colocada na prática das acções típicas, mas igualmente aquilatar e aferir das necessidades de prevenção (geral e especial), bem assim de representar e sugerir para a comunidade a reposição da normalidade contrafáctica resultante da infracção de uma norma penal.   

A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, tem doutrinado de forma proficiente o modo de obter, ponderadamente e pragmaticamente, a composição ajustada da pena conjunta. (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1.07.2015, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral (sic): “Como já referimos em Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 4/05/2011 é uniforme o entendimento de que, após o estabelecimento da respectiva moldura legal a aplicar, em função das penas parcelares, a pena conjunta deverá ser encontrada em consonância com as exigências gerais de culpa e prevenção. Porém, como afirma Figueiredo Dias, nem por isso dirá que estamos em face de uma hipótese normal de determinação da medida da pena uma vez que a lei fornece ao tribunal para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 72 do Código Penal um critério especial que se consubstancia na consideração conjunta dos factos e da personalidade.

Igualmente se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13/9/2006 que o sistema de punição do concurso de crimes consagrado no artº 77º do CPenal, aplicável ao caso, como o vertente, de “conhecimento superveniente do concurso”, adoptando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente». Por isso que, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa. Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que [esteve] na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido.

Ainda na esteira de Figueiredo Dias dir-se-á que tal concepção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso… “só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da «arte» do juiz… – ou puramente mecânico e portanto arbitrário», embora se aceite que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo artº 71º. O substrato da culpa não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (...). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a "atitude" da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena.

Fundamental na formação da pena conjunta é, assim, a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação “desse bocado de vida criminosa com a personalidade. A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares”.

Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos, acentuando-se a relação dos mesmos factos entre si e no seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também o receptividade á pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.

Também Jeschek se situa no mesmo registo referindo que a pena global se determina como acto autónomo de determinação penal com referência a princípios valorativos próprios. Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve reflectir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delito ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspectiva de existência de uma pluralidade de acções puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais.

Afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta quer no que respeita á culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita á prevenção, bem como, em sede de personalidade e factos considerados no seu significado conjunto. Só por essa forma a determinação da medida da pena conjunta se reconduz á sua natureza de acto de julgamento, obnubilando as críticas que derivam da aplicação de um critério matemático quer a imposição constitucional que resulta da proibição de penas de duração indefinida -artigo 30 da Constituição.

O Supremo Tribunal de Justiça, sublinhando o exposto, tem vindo a considerar impor-se um especial dever de fundamentação na elaboração da pena conjunta, o qual não se pode reconduzir á vacuidade de formas tabelares e desprovidas das razões do facto concreto. A ponderação abrangente da situação global das circunstâncias específicas é imposta, além do mais, pela consideração da dignidade do cidadão que é sujeito a um dos actos potencialmente mais gravosos para a sua liberdade, elencados no processo penal, o que exige uma análise global e profunda do Tribunal sobre a respectiva pena conjunta.

Aliás, tal necessidade é imposta a maior parte das vezes por uma situação de debilidade em termos de exercício de defesa resultante da anomia social e económica em que se encontram os condenados plúrimas vezes.

A explanação dos fundamentos, que à luz da culpa e prevenção conduzem o tribunal à formação da pena conjunta, deve ser exaustiva, sem qualquer ruptura, por forma a permitir uma visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso do arguido. É uma questão de cidadania e dignidade que o arguido seja visto como portador do direito a uma ponderação da pena á luz de princípio fundamentais que norteiam a determinação da pena conjunta e não como mera operação técnica, quase de natureza matemática.

Como é evidente, na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele “pedaço” de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão á face da respectiva personalidade.

Estes factos devem constar da decisão de aplicação da pena conjunta a qual deve conter a fundamentação necessária e suficiente para se justificar a si própria sem carecer de qualquer recurso a um elemento externo só alcançável através de remissões.

Da aplicação do excurso produzido ao caso vertente ressalta desde logo a ideia de que no mesmo algo não converge com os princípios que devem presidir à elaboração do cúmulo jurídico.

Na verdade, falamos dum apuramento global da responsabilidade criminal do arguido o qual tem como pressuposto o conhecimento da pluralidade de penas a que a sua actuação parcelar deu motivo e tal conhecimento, que será equacionado com a aferição duma culpa e ilicitude conjunta em função de razões de prevenção geral e especial, não se compadece com visões sectoriais que apenas se focam num segmento de tal responsabilidade.

Se é aquele pedaço de vida que revela na sua força narrativa um percurso de vida e de vida no domínio do ilícito pergunta-se de qual é o interesse, ou relevância, de efectuar um cúmulo jurídico sabendo antecipadamente que o mesmo está incompleto porquanto não estão presentes as penas parcelares correspondentes a infracções que deveriam ser consideradas.

Aliás, a elaboração do cúmulo jurídico nestes termos, não tendo qualquer consequência benéfica em termos do estatuto jurídico do arguido, apenas o poderá prejudicar na medida em que cria uma referência que servirá de patamar em futuros cúmulos. Na verdade, é por demais conhecido o fenómeno que se verifica em relação a cúmulos jurídicos sucessivos em que cada uma de tais operações tende a caracterizar-se por uma progressão matemática na medida da pena aplicada.

Entendemos, assim, que, estando adquirido que as penas a considerar para efeito de cúmulo eram também outras, que não somente as tomadas em conta na decisão recorrida, esta incorre em colisão com o disposto nos artigos 77 e 78 do Código Penal.

Reforçando o exposto e, nomeadamente, à forma linear como se condena o arguido numa pena conjunta de dezassete anos de prisão, o repristinar da ideia da necessidade de explanação dos fundamentos que, á luz da culpa e prevenção, conduzem o tribunal á formação da pena conjunta deve ser exaustiva, sem qualquer ruptura, por forma a permitir uma visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso do arguido. Como já se referiu é uma questão de cidadania e dignidade que o arguido seja visto como portador do direito a uma ponderação da pena á luz de princípio fundamentais que norteiam a determinação da pena conjunta e não como mera operação técnica, quase de natureza matemática.”); Vide ainda, por interessantes, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 27.02.2013, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar; de 23 de Março de 2014, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes; de 17 de Março de 2016, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro, todos em www.dgsi.pt.) 

Amparados pelos ensinamentos colectados, passar-se-á à análise do caso.


§II.B).3) – A SOLUÇÃO DO CASO.

Como se vincou supra – cfr. apartado §I.c). – Questões a resolver – a solipsa que eleita para a solução é a individualização judicial da pena.

O tribunal recorrido justificou as penas (parcelares e única) com a argumentação que a seguir se deixa extractada (sic): “De seguida, importa determinar a medida concreta das penas (parcelares) a aplicar ao arguido e, dando cumprimento ao disposto no artigo 70º do Código Penal, a primeira operação que urge levar a cabo é a de optar (quando possível) entre uma pena privativa da liberdade ou uma pena não detentiva.

Reza o mencionado preceito que, “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Tais finalidades são as constantes do artigo 40º, n.º 1 do Código Penal, ou seja, a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Mais importa, escolhido o tipo de penalidade apto a realizar tais finalidades, fixar a medida concreta das penas a aplicar ao arguido, percurso que deverá obedecer aos formalismos constantes da articulação dos artigos 40º e 71º do Código Penal.

Haverá de reconhecer-se, na tarefa do aplicador da norma, em sede de fixação do quantum da pena, observância estrita do binómio culpa/exigências preventivas. Conforme salienta o Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Ed. Notícias, a págs, 241 a 244, a propósito do critério da prevenção geral positiva, “A necessidade de tutela dos bens jurídicos – cuja medida ótima, relembre-se, não tem de coincidir sempre com a medida culpa – não é dada como um ponto exato da pena, mas como uma espécie de moldura de prevenção; a moldura cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do quantum da pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expetativas comunitárias. É esta medida mínima da moldura de prevenção que merece o nome de defesa do ordenamento jurídico. Uma tal medida em nada pode ser influenciada por considerações seja de culpa, seja de prevenção especial. Decisivo só pode ser o quantum da pena indispensável para se não ponham irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais”. E, relativamente ao critério da prevenção especial, escreve o referido autor que “Dentro da moldura de prevenção acabada de referir atuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial. Isto significa que devem aqui ser valorados todos os fatores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza, seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização. (...) A medida das necessidades de socialização do agente é pois em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial para efeito de medida da pena”.

Conforme salienta o Ac. do STJ de 11/05/2000, in CJ Acs. do STJ, Ano 2000, Tomo II, a pág. 188, “A função primordial da pena consiste na proteção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos, sem prejuízo da prevenção especial positiva, sempre com o limite imposto pelo princípio da culpa – nulla poena sine culpa”. E, citando o Ac. do STJ de 01/03/2000, (Proc. nº 53/200 – 3ª Secção), afirma-se aí “A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define em concreto, o seu limite mínimo absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de caráter preventivo que se façam sentir. A prevenção especial positiva, porém, subordinada que está à finalidade principal de proteção dos bens jurídicos, já não tem virtualidade para determinar o limite mínimo; este, logicamente, não pode ser outro que não o mínimo de pena que, em concreto, ainda realiza, eficazmente, aquela proteção”. Devendo proporcionar ao condenado a possibilidade de optar por comportamentos alternativos ao criminal, a pena tem de responder, sempre positivamente, às exigências de prevenção geral de integração. Continuando a citar, o mesmo Ac. do STJ de 01/03/2000, “Se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que – dentro, claro está, da moldura legal – a moldura da pena aplicável ao caso concreto (moldura de prevenção) há de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social”.

Para dar concretização legal aos mencionados parâmetros, enumera o n.º 2 do citado artigo 71.º, do CP, a título exemplificativo, um conjunto de circunstâncias que devem ser tomadas em consideração, na medida em que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o respetivo agente.

É, pois, à luz de tais princípios, que terá de ser encontrada a pena adequada ao caso concreto.

Ora, dentro da moldura penal abstrata, as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depõem a favor ou contra o agente são, designadamente:

- O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente); - A intensidade do dolo ou negligência; - Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; - As condições pessoais do agente e a sua situação económica; - A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; - A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

Posto isto, in casu, é de ponderar o seguinte:

As exigências de prevenção geral revelam-se prementes, atendendo ao facto de condutas como as assumidas pelo arguido contribuírem para a criação de um clima geral de insegurança, associada à proliferação crescente de fenómenos atentatórios dos bens de natureza patrimonial, evidenciando, além do mais, uma posição de desrespeito pelos valores de natureza pessoal, o que se impõe debelar e condenar.

Em termos das exigências de prevenção especial, será de atentar:

- Em favor do arguido: - A confissão parcial dos factos; - A recuperação de parte dos bens locupletados; - O aparente suporte familiar do arguido.

- Em seu desfavor: - A inexistência de reconhecimento integral dos factos; - A repetição da sua atuação; - A ausência de recuperação integral dos bens furtados; - O seu passado criminal (pautado por sucessivos crimes da mesma natureza, com inserção já repetida em meio prisional); - A desconsideração manifestada pelo arguido face aos valores da norma penal e anteriores sancionamentos de que foi alvo, a par da posição das vítimas; - A dependência por drogas; - A ausência de hábitos continuados de trabalho por parte do arguido e o repentismo evidenciado na adoção de meios ilícitos de subsistência.

No cômputo geral, cremos situarem-se em plano elevado as exigências cautelares sentidas relativamente ao arguido, demandando tal facto, no sancionamento a preconizar, objetivar, a veemente e clara censura inerente às atuações que o arguido assumiu, a enquadrar num leque mais alargado de antecedentes criminais, e que justificam já a sua sujeição a medida coativa limitadora da sua liberdade.

Tal circunstância conduz, de forma linear, a afastar a simples punição em multa sempre que a sua aplicação seja de configurar possível (o que apenas sucede quanto ao crime de furto do artigo 204º, n.º 1, alínea b) do Código Penal), por manifestamente exígua e insuficiente face às exigências cautelares e punitivas sentidas.

De afastar igualmente, conforme preconizado em sede de alegações finais por parte da defesa do arguido, será a ponderação da eventual aplicação de medidas de segurança, porquanto evidente se torna que não se mostrava, no momento de ocorrência dos factos, nem tão pouco presentemente, numa qualquer circunstância mental ou de outra natureza que excluísse a sua capacidade de perceção, liberdade ou ação do mesmo, ou bem assim limitasse, de forma evidente, o exercício pleno de tais capacidades.

Assim, temos por ajustadas as seguintes penalidades:

→ Para o crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, alínea b) do Código Penal (NUIPC 60/19.0…), a pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão;

→ Para o crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, alínea e) do Código Penal (NUIPC 1105/19.0…), a pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão;

→ Para o crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 do Código Penal (NUIPC 927/19.6…), a pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;

→ Para o crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 do Código Penal (NUIPC 978/19.0PCSTB), a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

→ Para o crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1 do Código Penal (927/19.6…), a pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.

Atento o disposto no artigo 77º do Código Penal, verificando-se a situação de concurso de crimes, cumprirá, em observância com o disposto nos n.ºs 1 e 2 daquele preceito legal, determinar, em cúmulo jurídico, uma pena única, na qual será o arguido condenado, a qual terá “(...) como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

In casu, o limite mínimo a considerar corresponderá a 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão e o limite máximo a 15 (quinze) anos de prisão.

Posto isto, atendendo às penas concretamente apuradas, e tomando ainda em consideração os factos vertidos nos autos, entendemos ser de aplicar a pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.”

À argumentação alinhada pelo tribunal opõe o recorrente (sic): (i) “a confissão”; (ii) “o arrependimento”; (iii) “a vontade manifestada pelo arguido em reparar a sua atitude”; (iv) e em “tomar um novo rumo na sua vida”; porquanto o arguido (v) “vive numa zona conotada com problemas de marginalidade e exclusão social”; e ainda porque (vi) “na audiência de discussão e julgamento, mostrou uma postura de humildade e arrependimento, consternação pela sua conduta e assumiu a gravidade dos factos por si praticados”; tanto assim que (vii) “atualmente, o Recorrente, apresenta uma forte vontade de mudar a sua vida” e pretende (viii) “pedir ajuda às entidades competentes para voltar à vida na sociedade.” 

O quadro factológico em que se movimenta a actividade delitiva do recorrente configura uma atitude de atentado contra a propriedade. De feito, a factualidade assente reflecte uma imagem do arguido de, digamos, adicção à subtracção de bens pertencentes a outrem. E de forma que se poderia enquadrar de indiscriminação, oportunista e contingente. O surgimento de oportunidade – veja-se a situação em que a visão de um andaime se lhe depara, ou se lhe vislumbra, a oportunidade de retirar o que quer que se encontrasse disponível, ou como soe dizer-se, “à mão de semear”, do compartimento que, eventualmente, se encontrasse acessível, na casa em que o andaime se encontrava montado – catapulta o arguido para a prática de ilícitos contra a propriedade. O mesmo com os demais delitos narrados na factualidade adquirida, locupletamento de bens (de reduzido valor, note-se, da loja de mercadorias, apossamento de telefone a um indivíduo que terá encontrada ocasionalmente na rua, mediante o esticão da mochila.  

O arguido, se bem que não se tenha apurado a motivação – o que representa uma merma do tribunal para perquirir, escrutar e indagar das razões que induzem e conlevam à prática (concreta e verificada) de infracções por parte dos agentes que lhe estão sujeitos a julgamento – parece não ter uma razão, ou motivação, antecedente, antes age por motivação imediatista e de oportunidade e para satisfação de uma vontade querida e formada pela ocasião que, eventualmente, lhe surja e que se prefigure como passível de poder render algum proveito. Isto mesmo parece poder inferir-se das concretas acções (ilícitas) que lhe foram imputadas e que ele terá admitido.

A admissão da factualidade em juízo não pode ser confundida com uma confissão. A confissão importa a assumpção de factos que, no todo ou em parte, são do desconhecimento da autoridade a quem está cometida a investigação de um crime e/ou, em tribunal, na assumpção perante o tribunal dos factos que lhe são imputados na acusação e que, embora apurados em outras fases processuais, devam ser elucidativos e completos para a formação da convicção do julgador. Diferente é a admissão em juízo dos factos quando estes foram presenciados e suportados pelos próprios sujeitos passivos. Nestas situações a admissão de factos perante o tribunal, revelando embora alguma capacidade do imputado de representação psicológica de renúncia ao mal efectuado, ou que a sociedade considera legalmente contrário aos valores prevalentes, o facto é que a acção foi sofrida e perpetrada numa pessoa que, pela observação directa e imediata dessa concreta acção (vista e gravada porque directamente experienciada) reportará ao tribunal o desenrolar do acto e dos respectivos resultados. A admissão dos factos, ou das acções (ilícitas) concretizadas e materializadas perante, ou na pessoa de outem, neste caso, não pode deixar de sofrer uma “devaluación” ou depreciação valorativa na formação da convicção do tribunal.

Não será, por esse motivo, de valorar em excesso a admissão dos factos que o arguido terá produzido em juízo, até porque, como na decisão se refere a confissão terá sido apenas parcial e, por isso mesmo, de pouca relevância para a compreensão e representação ideal dos factos realizados pelo arguido.

Pode ter algum significado sociológico, por influente na respectiva formação pessoal, o facto de estar involucrado num ambiente criminógeno, como parece estar qualificado o bairro em que nasceu e onde terá decorrido a sua vivência e, consequentemente, formado a sua personalidade e vincado o seu modo de encarar a sociedade e de nela sobreviver. Não sendo nós totalmente adeptos da escola sociológica de criminologia, o facto é que, por mais que os personalistas e individualistas se esforcem por asseverar o facto é que não é possível descartar e esburgar, de forma definitiva e radical, a influência do ambiente social na formação e evolução pessoal de qualquer pessoa. (Seria tema para longa dissertação e dissecação não fora o acto a que se destina esta peroração)  

Indo ao caso, afigura-se-nos que a medida (individualização judicial) da pena encontrada pelo tribunal não se nos exagerada.

O arguido, como se procurou evidenciar, realizou uma cópia de actos contrários à propriedade, e sendo um facto que não devendo a ideia de propriedade ser hipervalorizada – como acontece no tipo de sociedade capitalista, de privilegiamento absoluto e pleno do consumo de bens –, o facto é que o arguido demonstra uma total e ausente falta de respeito pelo direito dos demais a conservarem as suas coisas sem perturbação da intromissão de outrem na sua esfera de posse.

Quanto aos propósitos de vir a arrepiar o caminho, que parece ter sido o eleito até ao momento, pelo menos, e de ter apoio familiar para a sua recuperação, em face do pretérito realizado, apresentam-se, tão só, como intenções e propósitos que carecem de uma melhor aquilatação e que terá oportunidade de ser evidenciado na execução da pena e, se assim suceder, propiciar-lhe um abrandamento das condições de execução e beneficiação de uma avaliação que lhe permita uma saída mais temporã.

Neste momento o quadro representativo manante da factualidade adquirida não consente uma redução da medida da pena concreta que lhe foi imposta pelo tribunal.

De feito, os limites – mínimo e máximo – do acervo de penas irrogadas ao arguido compreende-se entre 4 anos e 6 meses e 15 anos, o que equivale a um meio de pena de 7 anos e 6 meses. Não valendo, em nosso juízo, para equação de aferição da pena única a adopção de esquemas, arrojadas e imaginativas operações matemáticas – por muito que os algoritmos possam depreender dos factores que lhe imprimam (externamente e de sucessivas equações experienciais) – o facto é que não pode deixar de se ter em consideração, na formação/operação da pena conjunta, limites ponderáveis – no caso da pena um deles, e aceite, é o do encontro do meio da pena – um mínimo de standards que são inarredáveis para determinação minimamente ajustada ao cânone legal.

Assim tendo como ponto de partida o meio da pena (máxima) que poderia ser imposta por acumulação material de penas – soma de todas as penas (parcelares) irrogadas – e havendo que tomar em consideração a reiteração na prática dos factos realizados, o valor de alguns dos bens furtados e sua eventual necessidade para os legítimos proprietários, entende-se que a medida da pena encontrada pelo tribunal recorrida é ponderada e consentânea com a factologia (global) adquirida, a desconsideração (pelo direito à propriedade dos demais concidadãos) e o comportamento evidenciado na prática das acções ilícitas.

Porque assim, desatende-se o pedido de alteração da decisão recorrida.      



§III. DECISÃO:

Na defluência do que fica expendido, decidem os juízes que constituem este colectivo, na 3ªa secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Negar provimento ao recurso e, consequentemente, manter a pena (única) imposta pelo tribunal recorrido.

- Condenar o arguido nas custas, fixando a taxa de justiça em 3Uc´s.


 Lisboa, 9 de Setembro de 2020


Gabriel Martim Catarino (Relator)           

Manuel Augusto de Matos

(Declaração nos termos do artigo 15º-A da Lei nº 2072020, de 1 de Maio: O acórdão tem a concordância do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro adjunto, Dr. Manuel Augusto de Matos, não assinando, por a conferência se haver realizado por meios de comunicação à distância.)