RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
BURLA QUALIFICADA
BURLA INFORMÁTICA E NAS COMUNICAÇÕES
FURTO
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA SIMPLES
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
SEQUESTRO
FALSIFICAÇÃO
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DUPLA CONFORME
REJEIÇÃO PARCIAL
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
Sumário

Texto Integral

§I. – RELATÓRIO.

i) - No processo supra epigrafado, foram submetidos a julgamento, após o que foi proferido veredicto condenatório, dos arguidos, nos termos que a seguir se descrevem:

- A arguida, AA: - (i) – pela prática em autoria material de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, nº1 e 218º, nº2, al. a), do Código Penal, na forma consumada, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses (cheque nº36…93, o valor de €71.000); - (ii) – pela prática, sob a forma de autoria material, de um crime de burla informática simples, p. p. pelo art.221º, nº1, do C. Penal, relativamente ao ofendido BB (valor total de €450,00), na pena de 8 (oito) meses de prisão; - (iii) – pela prática, sob a forma de autoria material, de um crime de burla informática agravado, p. p. pelo art.221º, nºs 1 e 5, al. b), do C. Penal, relativamente ao ofendido CC (valor €209.011,59), na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão; - (iv) – pela prática, sob a forma de autoria material e consumada, de um crime de furto simples, p. p. pelo art.203º, do C. Penal, relativamente ao ofendido DD (carteira com documentos e cartão bancário), na pena de 9 (nove) meses de prisão; - (v) – pela prática, sob a forma de autoria material e consumada, de um crime de furto simples, p. p. pelo art.203º, do C. Penal, relativamente ao ofendido EE (€400 em dinheiro), na pena de 9 (nove) meses de prisão; – (vi) – pela prática, sob a forma de autoria material e consumada, de um crime de ofensa à integridade física p. e p. no art. 143.º, n.º 1 do Código Penal, no que concerne ao ofendido EE, na pena de 9 (nove) meses de prisão; - (vii) – pela prática, sob a forma de coautoria e consumada, um crime de ofensa à integridade física simples do ofendido DD, p. p. pelo art.143º, nº1, do C. Penal:

- Os arguidos, AA, FF, GG e HH, sob a forma de coautoria material, um crime de burla informática simples, p. p. pelo art.221º, nº1, do C. Penal, relativamente ao ofendido DD (valor total de €3.538,03):

- na pena de 1(um) ano de prisão a arguida AA;

- na pena de 9 (nove) meses de prisão os arguidos FF e GG;

- na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de €10,00, o arguido HH;


- O arguido, FF pela prática, sob a forma de autoria material e consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos art.86º, n. º1, al. a), do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- Os arguidos, AA, FF e GG pela prática, sob a forma de coautoria material e consumada, de um crime de sequestro agravado do ofendido DD, p. p. pelo art.158.º, n. º1 e 2.º, alíneas a), do Código Penal:

- na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão a arguida AA;

- na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão os arguidos GG e FF;

- O arguido, GG, pela prática em autoria material de um crime de burla qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 217º, nº1 e 218º, nº2, al. a), e 22º, nos 1 e 2, al. a), b) e c), 23º, nº 2 e 73º, todos do Código Penal, na forma tentada, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, em concurso efetivo com a prática em autoria material de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nºs 1, als. c) e e) e 3 do Código Penal, na forma consumada, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão (cheque nº9060240087 constante de fls. 42 do apenso C, no valor de €50.000,00);

ii) - Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares descritas foram condenados:

a) - o arguido FF na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva;

b) - a arguida AA na pena única de 9 (nove) anos de prisão;

c) - o arguido GG na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva;

iii) – Foi julgado parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil e consequentemente, condenada:

a) - a arguida/demandada AA a pagar aos demandantes CC e II, a quantia total de € 280.011,59 (duzentos e oitenta mil, onze euros e cinquenta e nove cêntimos), a título de danos patrimoniais;

b) - a arguida/demandada AA a pagar ao demandante CC, a quantia total de €7.500 (sete mil e quinhentos euros), a título de danos morais; e

c) – absolvida a arguida/demandada AA do mais contra si peticionado pelos demandantes CC e II e os restantes arguidos integralmente do pedido de indemnização civil contra si deduzido pelos mesmos.

iv) – foram, ainda, condenados, a pagar ao Estado, nos termos do art.110º, nº1, al. b), e nº4, do C. Penal, as seguintes vantagens do crime:

- os arguidos AA, HH, FF e GG, solidariamente, a quantia de €3.538,03 (três mil quinhentos e trinta e oito euros e três cêntimos); e

- a arguida AA ainda a quantia de €850,00 (oitocentos e cinquenta euros).

v) – foram absolvidos todos os arguidos de todos os restantes crimes que lhes vêm imputados na acusação.

vi) – Foi Julgado improcedente o pedido de perda ampliada liquidado, nos termos dos art.º 7.º e 8.º da Lei n.º 5/2002, de 11/01, pelo Ministério Público contra os arguidos e consequentemente absolveu-os do mesmo, com o consequente levantamento integral do arresto contra si decretado nos autos, ao abrigo do art.º 10.º, n.º 1 e 3 da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, para garantir esse pagamento;

§I.a) - QUADRO CONCLUSIVO.

§I.a).1. – DA RECORRENTE AA

1ª – Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que julgou improcedente o recurso apesentado pela arguida AA, mantendo a condenação desta nos mesmos moldes do Acórdão proferido pela 1ª instância;

2ª – A arguida AA foi acusada da prática de um crime de sequestro agravado p. e p. no art. 158.º, n.º 1 e 2.º, alíneas a) e b) do Código Penal, e de um crime de ofensa à integridade física p. e p. no artigo 143º n.º 1 do Código Penal, crimes estes praticados sobre o ofendido DD Boura;

3ª - Realizado o julgamento, veio a mesma a ser condenada, por ambos os crimes (sendo que no tocante ao crime de sequestro agravado não o foi pela alínea b), mas apenas pela alínea a), em concurso real, nas penas de 3 anos e 9 meses para o primeiro crime e 9 meses para o segundo crime;

4ª - Entende a Recorrente/Arguida AA que os factos provados não revelam que tenha sido praticado na pessoa do ofendido DD, um crime de sequestro agravado em concurso efectivo com o crime de ofensas à integridade;

5ª - Não partilhamos deste entendimento, e estamos convictos de ter sido decidido de forma errada;

6ª – A recorrente, na motivação do recurso, apresenta 5 razões que explicam o seu desacordo pela decisão proferida e o consequente desacerto desta;

7ª – Não temos dúvidas para considerar que o sequestro é o objectivo principal e único da conduta dos arguidos sendo as ofensas o meio de realizar aquele objectivo;

8ª - Deve, assim, a arguida ser absolvida do crime de ofensas à integridade física praticado sobre o ofendido DD, mantendo-se a sua condenação apenas quanto ao crime de sequestro agravado;

9ª - No caso concreto operado o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas à arguida AA, será a moldura penal abstracta correspondente aos crimes em concurso, a de prisão de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses como limite mínimo e 18 (dezoito) anos como limite máximo;

10ª - Ponderando, em conjunto, os factos, a data da sua ocorrência, a sua gravidade, as suas consequências e a personalidade da arguida, entendemos ser de aplicar a pena unitária de 7 (sete) anos e (5) cinco meses de prisão, ao invés da pena de 9 anos.

Termos em que deve o recurso ser julgado procedente e consequentemente ser revogada o

douto Acórdão, com todas as consequências legais.”


§I.a).2. – DO RECORRIDO (MINISTÉRIO PÚBLICO)

1 -Apesar de este Tribunal da Relação ter admitido o presente recurso instaurado para o Supremo Tribunal de Justiça, com o devido respeito pela decisão tomada, entendemos que o mesmo não deve ser admitido, antes rejeitado, por ser irrecorrível o douto acórdão proferido quanto à questão relativa aos crimes de sequestro e de ofensas à integridade física, na medida em que as condenações foram em penas não superiores a 5 anos de prisão;

2 – Nestes termos e relativamente às questões que pudessem ser colocadas em relação às mesmas condenações, a decisão deste tribunal de recurso não admite novo recurso, por se tratar de condenações em penas não superiores a 5 anos, no âmbito da previsão legal do art.º 400º, n.º 1 al. e) do CPP, em conjugação com o art.º 432º, n.º 1 al. b) do mesmo diploma legal;

3 - De acordo com a al. f), do n.º 1, do art.º 400º, na sua conjugação com o disposto no art.º 432º, n.º 1 al. b) do CPP, será apenas admissível recurso de acórdão condenatório que confirme condenação da 1ª instância, se a pena aplicada pelo Tribunal da Relação for superior a 8 anos de prisão e é o caso quanto à referida pena única resultante do cúmulo jurídico da recorrente.

Porém, para a hipótese de ser admitido o recurso em toda a sua amplitude, mais se concluirá do seguinte modo:

4 – Quanto à impugnada solução legal de condenação da arguida, em concurso real de infracções, entre o crime de sequestro e o crime de ofensas à integridade física apresenta o douto acórdão fundamentação que justifica no caso em concreto, em face da matéria provada, a subsunção e punição dos factos nos termos apontados, afastando de forma expressa uma eventual relação de consumpção entre os mesmos;

5 - Não merece o douto acórdão qualquer censura, devendo manter-se a solução legal adoptada;

6 – Por fim, quanto à fixação em concreto da pena única resultante do cúmulo jurídico, não violou o tribunal as disposições legais do art.º 77º do C. P., na medida em que atenta a natureza e as circunstâncias em que os factos ocorreram, bem assim atenta a personalidade revelada pela arguida não se podem considerar exagerada a pena de 9 anos de prisão e assim, não se justifica a sua redução para 7 anos e 5 meses de prisão tal como pede a recorrente;

7 - Na verdade, a pena única fixada em 9 anos de prisão situa-se próxima do limite intermédio entre o limite legal mínimo (5 anos e 9 meses) e o seu limite legal médio (cerca de 12 anos), não pode merecer qualquer censura na perspectiva de que será excessiva, antes pelo contrário, até se apresentará compreensiva para com a arguida.

8 – Não violou o tribunal qualquer das normas legais indicadas pela recorrente.

Deverá, assim, para a hipótese de ser admitido o recurso quanto a ambas as questões de direito suscitadas, ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente o douto acórdão recorrido, bem assim improcedente na parte em que o recurso, a nosso ver, deve ser considerado admissível, para esta hipótese.”


§I.a).3. - PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO (junto do Supremo Tribunal de Justiça).

I – Introdução

Afigura-se que o recurso interposto pela arguida AA, para este Supremo Tribunal de Justiça, só poderá ser admitido para a apreciação da medida da pena única de prisão que lhe foi aplicada, face ao disposto nos arts. 414º, nº 2 e nº 3, 417º, 6, al. a) e b), na sua conjugação com os arts. 432º, nº 1, al. b), e 400º, n.º 1, al. e) e al. f), e 420º, nº 1, al b), todos do Cod. Proc. Penal.

O presente recurso relativamente à apreciação da medida da pena única aplicada à arguida AA deverá ser julgado em conferência, por força do disposto no art. 419º, nº 3, al. c), do Cod. Proc. Penal.

II - Relatório

1. A arguida AA foi julgada conjuntamente com outros três arguidos, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, no âmbito do Proc. nº 43/17.5GANLS, do Juízo Central Criminal de … - Juiz 2, da Comarca de …, tendo sido condenada pela prática:

- Em autoria material de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, nº 1 e 218º, nº 2, al. a), ambos do Cod. Penal, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão (cheque nº3656980893, no valor de € 71.000,00);

- Em autoria material de um crime de burla informática simples, p. p. pelo art. 221º, nº 1, do Cod. Penal, relativamente ao ofendido BB (valor total de € 450,00), na pena de 8 (oito) meses de prisão;

- Em autoria material de um crime de burla informática agravado, p. p. pelo art. 221º, nº 1, e nº 5, al. b), do Cod. Penal, relativamente ao ofendido CC (valor € 209.011,59), na pena de 5(cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão;

- Em co-autoria material com os arguidos FF, GG e HH, de um crime de burla informática simples, p. p. pelo art. 221º, nº 1, do Cod. Penal, relativamente ao ofendido DD (valor total de € 3.538,03), na pena de 1 (um) ano de prisão;

- Em autoria material de um crime de furto simples, p. p. pelo art. 203º, do Cod. Penal, relativamente ao ofendido DD (carteira com documentos e cartão bancário), na pena de 9 (nove) meses de prisão;

- Em autoria material de um crime de furto simples, p. p. pelo art. 203º, do Cod. Penal, relativamente ao ofendido EE (€ 400,00 em dinheiro), na pena de 9 (nove) meses de prisão;

- Em co-autoria material com os arguidos FF e GG, de um crime de sequestro agravado do ofendido DD, p. p. pelo art.158.º, nº 1, e nº 2, al .a), do Cod. Penal, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão;

- Em co-autoria material com os arguidos FF e GG, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pessoa do ofendido DD, p. p. pelo art.143º, nº 1, do Cod. Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão;

- Em autoria material de um crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo art. 143º, nº 1, do Cod. Penal, na pessoa do ofendido EE, na pena de 9 (nove) meses de prisão.

- Operando o respectivo cúmulo jurídico foi condenada na pena única de 9 (nove) anos de prisão

2. A arguida AA, interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Coimbra, alegando que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, uma vez que não procedeu a uma correcta análise e ponderação da prova produzida em sede de audiência de julgamento, designadamente quanto à sua condenação pela prática do crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. a), ambos do Cod. Penal, e pela prática do crime de ofensa à integridade física simples, na pessoa do ofendido DD, p. p. pelo art. 143º, nº 1, do Cod. Penal, pugnando pela sua condenação numa pena única não superior a 7 (sete) anos e 5 (cinco) meses de prisão.

3. O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito suspensivo.

4. O Ministério Público junto da 1ª Instância respondeu ao recurso entendendo que o mesmo não merecia provimento.

5. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra também respondeu ao recurso, entendendo que o mesmo não merecia provimento, devendo manter-se a decisão recorrida.

6. O Tribunal da Relação de Coimbra proferiu acórdão que negou provimento ao recurso e manteve na íntegra a decisão proferida em 1ª Instância.

7. A arguida AA não se conformou com esta decisão e interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, invocando novamente que a factualidade dada como provada não permitia que a mesma fosse condenada pela prática de um crime de sequestro agravado, e pela prática de um crime de ofensa à integridade física p. p. pelo art. 143º, nº 1, do Cod. Penal, na pessoa do mesmo ofendido DD, pugnando também pela diminuição da medida da pena única de prisão que lhe foi aplicada.

8. O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito suspensivo.

despacho de 14/05/2020.

9. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra respondeu ao recurso considerando que o mesmo só deveria ter sido admitido para a apreciação da medida da pena única de prisão que, em seu entender, deverá ser mantida.

III – Parecer

A recorrente AA vem interpor recurso do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, alegando novamente que os factos dados como provados não poderiam determinar a sua condenação pela prática de um crime de sequestro agravado p. e p. pelo art. 158º, nº 1 e nº 2, al. a), do Cod. Penal, e pela prática de um crime de ofensa à integridade física p. p. pelo art. 143º, nº 1, do Cod. Penal, na pessoa do mesmo ofendido DD, pugnando pela sua absolvição, relativamente à prática deste último crime.

A recorrente AA alega também que lhe deveria ter sido aplicada uma pena única não superior a 7 (sete) anos e (5) cinco meses de prisão, face ao conjunto dos factos, à data da sua ocorrência, à sua gravidade, às suas consequências, e à sua personalidade.

Consideremos que não assistirá razão à recorrente AA, subscrevendo na íntegra a resposta apresentada pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra.

A - Questão Prévia – Da Admissibilidade do Recurso

I – Da inadmissibilidade do recurso por renovação de parte da motivação e das conclusões apresentadas no anterior recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra

A recorrente AA recorre para o Supremo Tribunal de Justiça discordando da sua condenação pela prática de um crime de sequestro agravado, p. p. pelo art. 158.º, nº1, e nº 2, al. a), do Cod. Penal, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, e pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. p. pelo art. 143º, nº 1, do Cod. Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão, na mesma pessoa do ofendido DD, considerando estar-se perante um concurso aparente entre estes dois crimes, estando este último crime consumido no primeiro.

Ora, antes de se proceder à apreciação da impugnação directa da decisão recorrida apresentada pela recorrente AA, há que apreciar esta questão prévia da admissibilidade do recurso, por se entender estar-se perante uma situação de dupla conforme, situação que deverá ser oficiosamente apreciada, visto tratar-se de matéria de direito, para cuja sindicância o Supremo Tribunal de Justiça tem plena competência, de acordo com o disposto nos arts. 432º, nº 1, al. b), na sua conjugação com a previsão do artº 400º, nº 1, al. e), ambos do Cod. Proc. Penal.

Assim, a recorrente AA impugna a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, que confirmou na totalidade a decisão proferida em 1ª Instância, entendendo mais uma vez que só deveria ter sido condenada pela prática do crime de sequestro agravado.

Ora, a decisão recorrida é o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, uma vez que o acórdão do Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de … já foi reapreciado pelo Tribunal de 2ª Instância.

E, retirada a impugnação da matéria de facto, subsiste, nos mesmos termos, a questão da verificação de um concurso aparente entre o crime de sequestro agravado e o crime de ofensa à integridade física simples, que a recorrente AA entende ter sido consumido pelo primeiro, questão que já tinha invocado no recurso que interpôs da decisão proferida em 1ª Instância.

Assim, a recorrente AA repete o que já anteriormente alegou no recurso que interpôs da decisão proferida em 1ª Instância, relativamente a esta questão, não atendendo à reapreciação já realizada pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

Ora, a discordância nesta sede só faria sentido se tivessem sido apresentados argumentos novos e específicos, dirigidos ao novo acórdão, com outros enquadramentos e com razões jurídicas novas dirigidas à nova decisão, agora recorrida, que pusessem em causa os fundamentos nesta apresentados, pois agora o objecto de recurso é o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, e não a já reapreciada decisão da lª Instância.

Não aduzindo a recorrente AA uma discordância específica relativamente ao acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, que infirme os fundamentos apresentados nesse mesmo acórdão, sendo que o conhecimento e a decisão dessa mesma questão já tinha sido suscitada no recurso interposto da decisão da Iª instância, entende-se existir uma manifesta improcedência do recurso assim interposto para o Supremo – cfr. o Ac. de 30/10/2013, in Proc. n° 806/09.5JAPRT.S1-3, da 3ª Secção.

Desta forma, entende-se que o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra é irrecorrível na parte em que mantém a não existência de concurso aparente entre o crime de sequestro agravado e o crime de ofensa à integridade física simples.

Com efeito, tal questão, como já se disse, inviabiliza a sua reapreciação através da interposição de recurso para este Supremo Tribunal, dada a situação da dupla conforme, que lhe veda a possibilidade de recorrer quanto a tal matéria – cfr., entre outros, Ac. STJ de 11/04/2012, in Proc. nº 1042/07.0PAVNG.P1.S1, Ac. STJ de 10/09/2014, in Proc. nº 1027/11.2PCOER.L1.S1, Ac. STJ de 12/11/2015, in Proc. nº 1826/08.2TABRG.G2.S1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.

Assim, consta do acórdão recorrido que o crime de sequestro p, p. pelo art. 158º, nº 1, e nº 2, al. a), do Cod. Penal, é punido com pena de prisão de dois a dez anos, se a privação da liberdade durar por mais de dois dias, sendo que o bem jurídico protegido neste tipo de crime é a liberdade de locomoção, a liberdade física ou corpórea de mudar de lugar, de se deslocar de um sítio para outro.

Aí se diz, nomeadamente que: “(…) A simples privação da liberdade contra a vontade do visado, seja por ação (detiver ou prender), seja por omissão (mantiver presa ou detida), constitui um ato objetivo do crime de sequestro (…)”.

E, consta do acórdão recorrido que o crime de ofensa à integridade física tutela a integridade física da pessoa humana, sendo que estes dois crimes de sequestro e de ofensa à integridade física, visam proteger interesses diferentes; inserindo-se em capítulos diferentes dos crimes contra as pessoas.

Por tudo isto, entende-se que, no caso presente, é inadmissível o recurso interposto pela recorrente AA, no que concerne à matéria decisória referente à sua condenação pela prática de um crime de sequestro agravado, e pela prática de um crime de ofensa à integridade física, na pessoa do mesmo ofendido DD.

II – Da inadmissibilidade parcial do recurso, face à irrecorribilidade quanto aos crimes punidos com penas aplicadas em medida inferior a oito anos de prisão e que foram confirmadas pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

As penas parcelares aplicadas à recorrente AA e totalmente confirmadas pelo Tribunal da Relação de Coimbra, são todas inferiores a 8 (oito) anos de prisão, sendo que só a pena única é que é superior a tal limite (9 anos de prisão).

Este Supremo Tribunal tem entendido que, em caso de dupla conforme, à luz do art. 400°, n° 1, al. f), do Cod. Proc. Penal, são irrecorríveis as penas parcelares, ou  únicas, aplicadas em medida igual ou inferior a oito anos de prisão e confirmadas pelo Tribunal da Relação, restringindo-se a sua cognição às penas de prisão, parcelares e/ou únicas, aplicadas em medida superior a oito anos de prisão – cfr., entre outros, Ac. STJ de 14/05/2015, in Proc. nº 8/13.6GAPSR.E1.S1, e Ac. STJ de 29/03/2017, in Proc. nº 5668/11.0TDLSB.E1.C1.S1, acessíveis em www.dgsi.pt.

Assim, estabelece o art. 400°, n° 1, al. f), do Cod. Proc. Penal, que:

«1 - Não é admissível recurso: (...)

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».

Como já se disse, estamos perante uma confirmação integral, completa, e absoluta das penas parcelares, e da pena única aplicadas à recorrente AA, existindo assim uma identidade de decisões, que consubstancia uma dupla conforme, uma vez que o Tribunal da Relação de Coimbra confirmou na totalidade o acórdão condenatório do Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de … .

Desta forma, entende-se que o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra é também irrecorrível na parte em que mantém as penas parcelares aplicadas à recorrente AA em 1ª Instância, todas elas em medida inferior a oito anos de prisão, nos termos do art. 400°, n° 1, al. f), do Cod. Proc. Penal.

Concluindo, entende-se não ser de admitir o recurso interposto pela recorrente AA, no que tange a estas duas questões, não obstando a tal, o facto de o mesmo ter sido admitido, uma vez que o Tribunal Superior não está vinculado a esta decisão - cfr. os arts. 400°, n° 1, al. f), 432°, n° 1, al. b), 414°, n° 3, e 420°, n° 1, al. b), todos do Cod. Proc. Penal.

B – Apreciação da pena única aplicada

A recorrente AA alega que lhe deveria ter sido aplicada uma pena única não superior a 7 (sete) anos e (5) cinco meses de prisão, face ao conjunto dos factos, à data da sua ocorrência, à sua gravidade, às suas consequências, e à sua personalidade.

Relativamente à pena única aplicada à recorrente AA, consta do acórdão recorrido o seguinte:

“(…,) Por último, defende a Recorrente, AA, que a pena única de 9 anos de prisão viola o disposto no artigo 77º, do Código Penal, sem que, contudo, Supremo Tribunal de Justiça indique quaisquer fundamentos de facto que justifique a diminuição da pena única de 9 anos de prisão para 7 anos e 5 meses de prisão.

Ora, se tivermos em atenção que a pena única há-se ser encontrada entre uma moldura penal abstracta situada no mínimo de 5 anos e nove meses prisão e no máximo de 18 anos de prisão (artigo 77º, nº 2, do Código Penal), e bem assim os factos e personalidade da recorrente no seu conjunto (nº 1, do preceito e diploma citados), a pena única de 9 anos de prisão nenhuma censura merece.

Com efeito, na esteira do defendido pelo Digno Procurador na resposta ao Recurso, se tivermos em conta a extensa amplitude temporal do conjunto dos crimes objecto da decisão recorrida; a diversidade e multiplicidade dos crimes praticados, dos bens jurídicos violados e das vítimas atingidos pelos mesmos; o elevado grau de ilicitude dos factos; o modo de execução destes, a revelar refinamento e premeditação na execução e tenacidade no propósito criminoso; as gravosas consequências da conduta da arguida no que concerne ao crime de burla qualificada, de burla informática agravado e de sequestro agravado; a elevada culpa da arguida, pois que a mesma actuou com dolo directo, intenso e persistente; a sua personalidade, contrária àquela pressuposta pelo direito, com traços violentos e comportamentos egoísticos e socialmente desajustados, visando apenas a obtenção de benefício económico ilícito, sem olhar a meios e às consequências daí advenientes, revelando um profundo desprezo pelos bens jurídicos protegidos pelas normas violadas; a falta de qualquer gesto para reparar as consequências de tais condutas; a sua falta de consciência crítica para os factos e ausência de arrependimento; os seus já vastos antecedentes criminais; as elevadas exigências de prevenção, visto o supra referido, a que se alia a sua falta de inserção profissional e a ausência de um projecto de vida orientado para um dever-ser normativo; e as elevadas exigências de prevenção geral, atenta a gravidade de alguns dos crimes cometidos e a vasta ressonância social que os mesmos tiveram na comunidade, chega-se à conclusão que a pena única de nove anos de prisão aplicada à arguida recorrente mostra-se adequada à gravidade dos factos e à sua culpa, sendo que qualquer pena fixada abaixo de tal limite poria em causa de forma irremediável a crença da comunidade na validade das normas jurídicas violadas e por essa via dos sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico penais e não se mostraria suficiente para acautelar as elevadas exigências de prevenção especial que se fazem sentir.

Daí, ter julgado improcedente também nesta parte o recurso apresentado pela recorrente AA.

O art. 77°, n° 1, do Cod. Penal estabelece quanto a regras de punição do concurso de crimes, que: "Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente".

E, o n° 2, deste art. 77º, refere que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa, sendo que o limite mínimo é a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

O art. 71°, n. 3, do Cod. Penal, refere que: "Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena".

No caso em apreço, estamos perante um concurso de crimes e de penas que terá de atender à globalidade dos factos cometidos pela recorrente AA, de modo a apurar da existência, ou não, de conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, encarando-os na sua dimensão, na sua expressão global, face à factualidade dada como provada, e ao fio condutor presente na repetição criminosa, de forma a estabelecer uma relação entre esses factos e a sua personalidade, caracterizando-a através da projecção nos crimes por si praticados,e nos bens jurídicos violados.

Ora, entende-se que os argumentos apresentados pela recorrente AA para baixar a pena única que, em seu entender, não deverá ultrapassar 7 (sete) anos e 5 (cinco) meses de prisão, são inviáveis. Assim, a recorrente AA alega que, no concurso de crimes por si cometidos, só um delito, o crime de sequestro agravado é que pertence à categoria legal da criminalidade especialmente violenta, sendo que todos os restantes se situam na “(…) fenomenologia da pequena criminalidade (…)”.

A recorrente AA também alega que a violação de vários bens jurídicos de igual importância, através da mesma ou de condutas imediatamente seguidas, não evidencia uma personalidade marcada pela agressividade, e com acentuada tendência para o cometimento de crimes contra bens pessoais ou patrimoniais, segundo as regras da lógica e da experiência comum.

A recorrente AA também alega que, à excepção do ofendido CC, o prejuízo patrimonial que provocou nos outros três ofendidos foi diminuto, e que as ofensas à integridade física praticadas sobre os ofendidos EE e DD não foram de molde a provocar-lhes danos sérios e gravosos à saúde.

A recorrente AA também alega que os crimes do concurso não evidenciam uma tendência para a sua reiteração, sendo que os mesmos foram praticados entre Abril 2017 e Outubro de 2018, o que acentuará as necessidades de prevenção especial de ressocialização.

A recorrente AA também alega que a sua postura perante os factos foi relevante para a descoberta da verdade, confessando o que era verdade, e refutando os factos que não eram verdade, através de um confronto directo com o ofendido CC, e que à data estava inserida profissionalmente, pugnando pela diminuição da pena única para 7 (sete) anos e 5 (cinco) meses de prisão.

Entende-se que os argumentos trazidos à colação pela recorrente AA são de considerar, na sua maioria, com fraco pendor atenuativo.

No caso, a moldura penal abstracta do concurso dos crimes situa-se entre 5 anos e 9 meses de prisão e 18 anos de prisão, face ao disposto no art.º 77º, nº 2, do Cod. Penal, sendo nesta moldura que se deverão encontrar os fundamentos da medida da punição.

Assim, há que atender a que:

- A sua colaboração na descoberta da verdade não assume grande relevância, na medida em que a sua confissão focou-se em factos evidenciados por outros elementos de prova, daí que caso a mesma não os tivesse confessado tais factos seriam julgados provados.

- A sua experiência laboral na área da estética, bem como a sua inserção a nível profissional, não ficou demonstrada nos autos.

- A ilicitude dos factos praticados é elevada, dada a pluralidade de vítimas que causou com a sua conduta, consubstanciada na prática do crime de burla qualificada, dos crimes de burla informática agravada, e do crime de sequestro agravado, aos elevados montantes de que se apropriou, ao período de tempo em que se dedicou à sua prática, ao modo de execução dos diversos crimes, que denotam uma cuidada elaboração e premeditação, que foram levados a cabo com recurso a diversos veículos, à utilização de diversos imóveis, e à utilização de diversos meios enganosos, revelando tenacidade no seu propósito criminoso.

- Assumiu sempre o papel de liderança no cometimento destes crimes, cabendo-lhe a tarefa essencial de contactar e convencer os ofendidos a virem para Portugal, seduzindo-os e convencendo-os a abrir contas bancárias, a fornecerem-lhe os códigos secretos de cartões MB, e a praticarem actos de disposição patrimonial a seu favor e dos restantes arguidos.

- A sua conduta gerou graves consequências aos ofendidos CC e mulher, que ficaram despojados de parte relevante das suas poupanças, amealhadas durante uma vida de trabalho, e sem possibilidade de auferirem tais quantias uma vez que já estão reformados.

- Ao sofrimento psicológico que provocou nas vítimas, designadamente no DD, que se viu sequestrado durante longo período de tempo, com a família a temer pelo seu desaparecimento, sendo que toda a sua actuação se pautou por uma pura ganância na obtenção de lucro fácil, à custa da violação de bens jurídicos alheios.

- Aos seus antecedentes criminais em …, país onde residiu desde tenra idade, até ao ano de 2009, e onde sofreu várias condenações, em penas de prisão suspensas na sua execução, e em penas de prisão efectiva, estas últimas pela prática de crime de uso de cheque falsificado, e pela prática de crime de burla e de crime de extorsão com violência, tendo também sido condenada, por sentença transitada em julgado em 18.10.2017, no Proc. nº1166/12.2…, do JCCível de … - J1, a pagar a JJ, a quantia que lhe emprestou de €1.533.600 (um milhão quinhentos e trinta e três mil, e seiscentos euros), acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento e que demostra o modo como se tem dedicado à prática de ilícitos, do género daqueles em que foi condenada nos presentes autos.

Há também que atender a que a recorrente AA agiu com dolo directo e intenso, demonstrando uma grande tenacidade no seu propósito criminoso, sendo que a prática destes crimes tem sido o seu modo de vida, uma vez que não foram conhecidos outros rendimentos neste período, daí considerar-se que as exigências de prevenção especial são bastante elevadas.

As exigências de prevenção geral são também elevadas, até pela vasta ressonância social que estes factos tiveram na comunidade local. Ponderando todos estes elementos, que também o foram no acórdão recorrido, e tendo em conta a imagem global dos factos, entende-se que a recorrente AA demonstra uma tendência criminosa, considerando-se como adequada e equilibrada a pena única de 9 (nove) anos de prisão que lhe foi fixada, a qual se situa muito abaixo do seu ponto intermédio (próximo dos 12 anos de prisão), tendo em conta que o limite mínimo situa-se entre 5 anos e 9 meses de prisão e o limite máximo situa-se nos 18 anos de prisão, de acordo com o disposto no art 77º, nº 2 do Cod. Penal.

Face ao exposto, somos de parecer que o recurso deve improceder no que toca à diminuição da medida da pena única aplicada, subscrevendo no demais, a resposta apresentada pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra.


§I.b) - QUESTÕES A RESOLVER PARA SOLUÇÃO DA PRETENSÃO RECORRIDA.

A resolução da pretensão da recorrente solve-se com a apreciação das sequentes questões:

a) – admissibilidade do recurso quanto à condenação da arguida AA pela prática dos crimes de sequestro e ofensas à integridade física sobre o ofendido DD, por eventual existência de uma relação concursal aparente;

b) – determinação judicial da pena conjunta.    


§II. – FUNDAMENTAÇÃO.

§II.a) – DE FACTO.

A leitura da decisão não consente a ilação de eventuais erros de contextualização que invalidem o juízo imputativo formulado pelas instâncias dos factos narrados a cada um dos arguidos involucrados no julgamento do caso sob apreciação – cfr. artigo 410º, e respectivas alíneas do Código de Processo Penal – pelo que tendo o tribunal recorrido (de 2ª instância) desatendido a impugnação de decisão de facto que havia sido oposta pelos arguidos á decisão de 1ª instância, deve a decisão da matéria de facto adquirida pelas instâncias ter-se por consolidada e fornecer o quadro factual para a decisão a proferir neste Supremo Tribunal.

Da audiência de julgamento a que se procedeu com observância do formalismo legal resultou provada a seguinte factualidade:

1. Em 2016 os arguidos, AA, o seu marido HH, o filho de ambos FF e o amigo do casal GG viviam na Urbanização …, nos n.ºs 27 e 28, em … .


II – Do assistente CC

2. Em data não concretamente apurada, mas situada no início de 2016, CC, nascido em ….05.1938, colocou um anúncio na internet, com os seus contactos, manifestando interesse em contratar alguém que cuidasse da sua esposa que se encontrava bastante doente.

3. Em data não apurada, mas situada entre março e abril de 2016, a arguida AA, como tivesse conhecimento do referido anúncio, contactou CC, então com 77 anos de idade, manifestando interesse em cuidar da sua esposa.

4. Alguns dias depois, a arguida AA encontrou-se com CC na residência deste, em França.

5. A arguida, nesse momento, disse-lhe que estava a divorciar-se e, após CC lhe ter confidenciado que tinha posses económicas, manifestou-lhe interesse em cuidar da sua esposa e manter com este um relacionamento amoroso, tudo com o propósito de obter desse modo proveitos económicos.

6. Desde então, ainda em França, o assistente CC desenvolveu um relacionamento amoroso com a arguida, a qual o convenceu a vender a sua casa em França e ir viver conjuntamente com a sua esposa para a cidade de …, onde cuidaria da mesma, o que veio a suceder em julho de 2016.

7. Nessa sequência, a arguida apresentou-lhe o arguido HH como seu ex-marido.

8. Chegados a …, a arguida AA levou CC para a sua referida casa, sita na Urbanização … .

9. CC trouxe consigo o mobiliário de casa devidamente retratado a fls.113-151 do apenso C cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido com o valor total de € 80.000,00 (oitenta mil euros), um veículo ligeiro de passageiros da marca e modelo Citroen Xara 1.6 i com a matrícula 55…1-…-64 de valor não concretamente apurado apreendido e examinado a fls.89 e 160 do apenso C, e um veículo ligeiro de passageiros de marca e modelo Peugeot 308 Hdi com a matrícula CC-…-VF de valor não concretamente apurado apreendido e examinado a fls.88 e 163 do apenso C.

10. A arguida AA apresentou a CC os três filhos, dois menores de idade e o arguido FF, e um amigo, o arguido GG, que também habitava com AA e HH.

11. CC e a esposa passaram a viver na aludida residência dos arguidos.

12. A viver em …, o assistente CC abriu uma conta bancária no balcão de … do Banco de Crédito Agrícola, à qual foi atribuído o número 40…49, para a qual transferiu as poupanças que ele e a esposa dispunham nas contas sediadas em França.

13. CC abriu a referida conta e procedeu posteriormente à transferência a crédito de diversas quantias provenientes de contas bancárias tituladas por si e pela sua esposa.

14. A arguida AA e o assistente CC combinaram além do mais que aquela providenciaria pelos cuidados de alimentação, habitação e higiene ao próprio e à esposa.

15. Após obter de forma não concretamente apurada o cheque nº 36…93 sacado sobre a referida conta bancária com o nome do assistente escrito no lugar do sacador, a arguida AA, em data não apurada mas anterior ao dia 28.09.2016, preencheu e entregou a KK, à revelia daquele assistente, sem conhecimento nem autorização do mesmo, os campos referentes ao valor, à data, ao local de emissão e ao beneficiário do cheque nº 36…93, cuja cópia de fls.3023 que aqui se dá por inteiramente reproduzida, no valor de € 71.000,00, a título de sinal e pagamento do preço do apartamento que a arguida lhe prometeu comprar, o qual posteriormente viria a ser escriturada a fls.221 do apenso C, por indicação da arguida, em nome de LL.

16. A quantia aposta no referido cheque foi descontada na conta do assistente CC no dia 28.09.2016 (cf. extrato de fls.324 do apenso C).

17. Na posse do cheque número 90…87 constante de fls.42 do apenso C, referente à referida conta bancária titulada pelo assistente CC, o arguido GG, escreveu no lugar reservado à assinatura do sacador uma assinatura como se fosse a do próprio titular e preencheu ainda os campos referentes ao valor - € 50 000,00 (cinquenta mil euros), data (02-02-2017), local de emissão (…) e beneficiário do cheque (GG).

18. Tal cheque foi apresentado a cobrança pelo arguido GG junto do banco e só não obteve cobrança pelo facto do assistente ter atempadamente procedido ao seu cancelamento (cf. extrato de fls.339 do apenso C).

19. Após abertura da referida conta a arguida AA solicitou ainda ao assistente CC que lhe facultasse o seu cartão bancário com o número 91…50 e o respetivo código secreto para que procedesse ao pagamento de compras referentes à alimentação, higiene e cuidados deste e da esposa, ao que aquele acedeu dando autorização de utilização.

20. Na posse do referido cartão e código secreto, a arguida AA, no período compreendido entre 20-07-2016 e 27-09-2016, inclusivamente, fez diversos movimentos a débito na conta do mesmo para pagamento de compras e serviços, levantamentos em ATM e transferências bancárias devidamente descritas a fls. 314 até 324 inclusive do apenso C cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, ressalvados os movimentos a débito que o próprio efetuou por ordem de levantamento ao balcão com a respetiva comissão (descritos no respetivo extrato com designação de “Ord Levantamento” e “Com ordem levant”).

21. Desses movimentos até 27-09-2016 o assistente CC e sua mulher jamais autorizaram pelo menos a realização dos seguintes que a arguida AA realizou à sua revelia, sem o consentimento nem conhecimento daqueles, no valor correspondente a cada débito, do que a arguida se apoderou, a saber:

Data MovDescritivoDébitoFls. Apenso C
1. 25.07.2016Compra CDSS … 91…50/311484,10315v
2. 25.07.2016Compra CDSS …. 91…50/321748,01315v
3. 25.07.2016Compra CDSS … 91…50/333110,09315v
4. 28.07.2016Compra Bijou Brigit 91…50/50354,60316
5. 29.08.2016Compra JOM 91…50/011494,56320v
6. 29.08.2016Compra JOM 91…50/023500320v
7. 24.09.2016Compra JOM LDA 91…50/093524,45323v
8. 30.07.2016Compra Perfumes & Companhia 91…50/63280,75316v
9. 31.07.2016Compra Perfumes & Companhia 91…50/6770316v
10. 1.08.2016Compra Perfumes & Companhia 91…50/78878,30316v
11. 31.08.2016Compra Staples Portugal 91…50/13952,99321
12. 15.09.2016Compra Staples Portugal 91…50/57344,32322
13. 17.09.2016Compra FNAC … 91…50/703423,22322v
14. 22.09.2016Compra Decor…

 91…50/00

1500323v
15. 22.09.2016Compra Decor…

 91…50/01

360323v
16. 22.09.2016Compra Decor…

 91…50/02

230323v
17. 1.09.2016Transferência Banc … 91…50/222200321
18. 3.09.2016Transferência Banc … 91…50/312400321v
19. 25.09.2016Transferência Banc Urb … 91…50/182470324
20. 27.09.2016Transferência Banc … Ma 91…50/25800324
TOTAL €31.125,39

22. Por motivo não apurado, em data indeterminada, mas anterior ao dia 28.09.2016, CC deslocou-se com a arguida ao balcão do Banco Caixa de Crédito Agrícola a fim de anular o seu primeiro cartão bancário associado à conta 81…88 que titulava, onde solicitou novo cartão bancário, bem como respetivo código secreto, mas constando como morada de receção da correspondência a residência da arguida.

23. No seguimento do pedido de CC a Caixa de Crédito Agrícola Mutuo emitiu no dia 28.09.2016 em seu nome o segundo cartão de débito associado à conta do assistente, cartão número 93…99, remetendo-o para a morada da arguida em 30-09-2016 e o respetivo código secreto a 06-10-2016 que abriu as cartas fechadas que os continham, assim tomando conhecimento do respetivo conteúdo e apoderando de ambas, fazendo-as suas, sem conhecimento nem consentimento do assistente CC.

24. Em data não apurada de outubro de 2016, o assistente CC e sua mulher passaram a viver num apartamento próximo da residência dos arguidos, onde também pernoitou, durante cerca de um mês até o casal ir embora, o arguido GG.

25. No período compreendido entre 29.09.2016 e 07-02-2017 inclusive, a arguida AA, que entretanto ficou na posse do novo cartão bancário e respetivo código secreto de CC, sem o consentimento e conhecimento deste, fez movimentos a débito na conta do mesmo para pagamento de compras e serviços, levantamentos em ATM e transferências bancárias devidamente descritas a fls.324 até 339 inclusive do apenso C cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, ressalvados os movimentos a débito que o próprio efetuou por ordem de levantamento ao balcão com a respetiva comissão (descritos no respetivo extrato com designação de “Ord Levantamento” e “Com ordem levant”) e despesas com notificações aos sacadores requisição de módulos de cheques e respetivo imposto de selo (cf. fls.331 do apenso C), no valor total de €177.886,2, de que a arguida se apoderou.

26- No dia 7 de fevereiro de 2017, com o auxílio de MM, CC e a esposa abandonaram o apartamento que lhes havia sido cedido pelos arguidos.

27. Em toda a relatada conduta contra o assistente CC e mulher, a arguida AA agiu bem sabendo e querendo apoderar-se do modo sobredito da quantia total de €280.011,59 (€71.000 +€31.125,39 + €177.886,2), a que sabia não ter direito, ciente de que assim os prejudicava no respetivo montante.

28. A arguida AA agiu com o propósito concretizado de, à revelia, sem conhecimento nem autorização do assistente CC e mulher, preencher e entregar no modo sobredito o aludido cheque de € 71.000 para custear despesa pessoal, utilizando em proveito próprio a quantia correspondente que apôs no cheque debitada na conta do respetivo titular, bem sabendo que atuava contra a vontade e em prejuízo daqueles.

29. Ao atuar da forma descrita, a arguida AA agiu ainda com o propósito concretizado de enganar o banco sacador do referido cheque de €71.000, levando-o a pagar quantia que considerava validamente autorizada pelo titular da conta bancária, bem sabendo aquela que atuava sem consentimento e em prejuízo de CC e da esposa.

30. Ao atuar da forma descrita, o arguido GG agiu com o propósito concretizado de apor no cheque n.º 90…87 uma assinatura como se fosse a de CC e preencher os demais campos do cheque, com o intuito de obterem benefício económico a que sabia não ter direito e causar prejuízo patrimonial a CC e esposa, bem sabendo que atuava sem consentimento daquele.

31. Agiu o arguido GG com o propósito de obter junto do banco sacador desse cheque n.º 90…087 o valor que nele tinha aposto ou mandado apor, fazendo crer que o mesmo tinha sido validamente emitindo por CC, bem sabendo que atuava sem consentimento deste e em seu prejuízo.

32. Ao atuar da forma descrita, o arguido GG agiu com o propósito não concretizado de enganar o banco sacador do referido cheque de €50.000, levando-o a pagar quantia que considerava validamente autorizada pelo titular da conta bancária, o que o arguido GG apenas não logrou por razões alheias à sua vontade.

33. Agiu ainda a arguida AA com o propósito concretizado de utilizar nos movimentos a débito supra referidos dados como provados os dois cartões bancários associados à conta do assistente CC, sem autorização deste e/ou sua mulher, passando a dispor das quantias monetárias correspondentes depositadas na respetiva conta, como se suas fossem, bem sabendo que lhe causava prejuízo patrimonial e que atuava sem consentimento daqueles.

34. A arguida AA atuou também com o propósito concretizado de se apoderar dos dois envelopes postais remetidos pelo banco e do cartão com o n.º 93…99 e respetivo código secreto que vinham no seu interior, procedendo à sua abertura em cada uma das relatadas ocasiões, bem sabendo que os mesmos se destinavam a CC e que atuava sem consentimento deste.

35. Nos movimentos a débito supra referidos dados como provados, a arguida AA agiu ainda com o propósito concretizado de utilizar os referidos dois cartões bancários e digitar os respetivos códigos secretos com vista a obter enriquecimento que sabia ilegítimo por não ter autorização para o efeito, bem sabendo que, desta forma, ludibriava o sistema bancário, que pressupôs, erroneamente, que a ordem era emanada pelo assistente CC ou por alguém com o seu consentimento e, em consequência, autorizou que as respetivas operações bancárias fossem efetuadas, causando prejuízo patrimonial ao assistente e esposa.

36. Em toda a relatada atuação, a arguida AA agiu livre, voluntária e conscientemente, ciente que tal conduta era proibida e punida por lei como crime.

37. As quantias depositadas na referida conta bancária do assistente pertenciam a si e à sua mulher, sendo o marido quem de facto as geria.

38. Em consequência da atuação da arguida AA, o assistente CC sentiu revolta, tristeza por ter sido enganado e ver-se despojado, à sua revelia, das sobreditas quantias depositadas na referida conta bancária.


III - Do ofendido EE

39. Em data não concretamente apurada, mas situada antes de 2 de março de 2017, EE, nascido em ….11.1953, conheceu, através de um anúncio na internet, a arguida AA, a quem manifestou interesse em encetar relacionamento amoroso após contacto telefónico entre ambos.

40. Em tal conversa a arguida AA apresentou-se como NN, disse-lhe que residia em … e que tinha uma casa em Portugal, convidando-o a acompanhá-la a Portugal.

41. Após conversarem, EE aceitou o convite e combinaram que, decorridos alguns dias, alguém se dirigiria a casa de EE para o ir buscar e trazer para Portugal.

42. Volvidos dias, o arguido GG deslocou-se a casa de EE num automóvel da marca Renault, modelo twingo e, tal como combinado, trouxe EE até … .

43. EE trouxe consigo um cão de companhia, uma mala com roupa de valor não concretamente apurado, um telemóvel de marca, modelo e valor não apurado, mas não superior a €80, um computador portátil de marca e modelo não concretamente apurado com o valor de €150,00 (cento e cinquenta euros) e quantia não apurada não inferior a € 400,00 (quatrocentos euros) em numerário.

44. Chegados a … no dia 2.03.2017, o arguido GG levou EE para um apartamento e contactou telefonicamente a arguida AA dando-lhe conta da chegada.

45. Duas ou três horas depois, a arguida AA foi ao referido apartamento, onde se encontrou com EE.

46. Após, EE permaneceu no apartamento na companhia do arguido GG, que ali dormiu também.

47. No dia seguinte, dia 3.03.2017, a arguida AA levou EE a passear e depois levou-o para a sua casa, sita na Urbanização …, em …, onde lhe apresentou o arguido HH, dizendo-lhe que era seu irmão, ali deixando aqueles seus pertences.

48. A arguida AA, com vista a ganhar a confiança de EE, disse-lhe que estava sozinha e que procurava um companheiro.

49. Após o jantar, dirigiram-se para o mencionado apartamento, onde estiveram na companhia um do outro, tendo o ofendido EE ali dormido com o arguido GG.

50. No dia seguinte, quando EE acordou, apercebeu-se que a porta estava fechada e como não tivesse acordado o arguido GG, decidiu sair pela janela e dirigir-se a pé para a referida casa da arguida AA, situada ali perto.

51. Aí chegado foi recebido pelos arguidos HH e AA.

52. Nessa ocasião, EE disse-lhes que não tinha a carteira e queria regressar a França, pedindo-lhes para o levarem ao aeroporto, tendo a arguida insistido para que ficasse e restituído àquele a carteira sem aquele dinheiro que ali continha.

53. Com efeito, na posse da carteira de EE, a arguida AA retirou da mesma aquela quantia em dinheiro, nunca inferior a € 400,00, apoderando-se desta como se sua se tratasse, sem autorização nem conhecimento do ofendido.

54. Cerca das 18h00m, a arguida AA disse a EE que o iriam levar ao aeroporto.

55. De seguida, o ofendido EE e os arguidos AA, HH e GG entraram num veículo automóvel, conduzido pela arguida, e seguiram na direção da fronteira de Vilar Formoso, levando o ofendido consigo apenas a carteira e o seu cão e deixando na casa da arguida o computador portátil, a mala com a roupa e o telemóvel, cuja restituição não lhes pediu.

56. Durante o percurso, em local exato não apurado, mas próximo de Vilar Formoso, a arguida parou o carro, saiu do mesmo, abriu a porta onde o ofendido seguia e ato contínuo ela agrediu-o com murros, altura em que lhe subtraiu a carteira.

57. De imediato, a arguida AA puxou-o para fora do veículo e já no exterior desferiu-lhe pontapés no corpo, permanecendo os demais no interior da viatura.

58. Em consequência das agressões perpetradas pela arguida, o ofendido sofreu equimose no olho esquerdo e dores no maxilar.

59. Nesse momento solicitou à arguida AA que lhe devolvesse a carteira, o que ela fez, atirando-a para o chão.

60. Como lhe perguntasse pelo dinheiro, a arguida AA disse-lhe que ele não precisava do dinheiro.

61. De seguida, os referidos três arguidos ausentaram-se do local, deixando para trás EE.

62. A arguida AA agiu com o propósito concretizado de subtrair e apoderar-se da quantia monetária de EE supra descrita, bem sabendo que não lhe pertencia e que atuava sem consentimento e em prejuízo daquele.

63. A arguida AA agiu com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde de EE, causando-lhe as lesões e dores supra descritas, resultado que representou.

64. Em toda a relatada atuação, a arguida AA agiu livre, voluntária e conscientemente, ciente que tal conduta era proibida e punida por lei como crime.


IV – Do ofendido DD

65. Em data não concretamente apurada, mas situada em maio de 2017, DD, nascido em ….09.1950, conheceu, através de um anúncio na internet, a arguida AA, a quem manifestou interesse em encetar relacionamento amoroso após contacto telefónico entre ambos.

66. A arguida disse chamar-se NN e mostrou-lhe interesse em ter um relacionamento amoroso consigo.

67. Após alguns contatos telefónicos, AA convenceu DD a visitá-la na cidade de …, o que veio a ocorrer no dia 27 de junho de 2017.

68. No referido dia, AA e GG esperaram DD junto ao centro comercial …, sito em …, num veículo da marca Renault, modelo Twingo, de cor verde, tendo o arguido GG conduzido tal veículo até à residência de AA, sita na Urbanização …, n.º 27 e 28, em … .

69. Aí chegados, a arguida AA, que continuava a identificar-se como NN, apresentou a DD a sua família, nomeadamente os arguidos FF e HH, os quais apresentou como seu filho e irmão respetivamente, dizendo que este último se chamava “OO”, tendo ouvido tratar o arguido GG, quer como “PP”, quer como “QQ”.

70. Entre os dias 27 de junho de 2017 e 29 de junho de 2017, o ofendido DD conviveu com os arguidos, com os quais saiu várias vezes, fez compras e levantamentos de dinheiro utilizando o seu cartão bancário na presença dos mesmos.

71. No dia 29 de junho de 2017, a arguida AA, de forma não concretamente apurada, apoderou-se da carteira de DD que continha os seus documentos e o cartão bancário com o n.º 49…21 pertencente à conta n.º 016…97 P do Banco LCL Banque & Assurance, por si titulada, o que tudo fez coisa sua.

72. No dia 29 de junho de 2017, DD apercebeu-se do desaparecimento da carteira dando disso conta à arguida AA que lhe disse resolver o assunto.

73. No dia 30 de junho de 2017, DD consultou os movimentos da sua conta através da internet e apercebeu-se que já haviam sido feitos, sem o seu consentimento, vários levantamentos e pagamentos através da sua conta.

74. Nesse momento, confrontou a arguida AA com o sucedido, manifestando intenção de denunciar a situação junto das autoridades policiais.

75. Ato contínuo, a arguida AA desferiu-lhe um murro no olho esquerdo e disse-lhe que não dormiria mais no quarto, mas sim numa casa de banho ali existente, empurrando-o para dentro dessa casa de banho, onde ficou sem luz, trancando-lhe a porta de seguida.

76. No dia seguinte, a arguida AA abriu a porta e permitiu que o ofendido DD saísse da casa de banho e tomasse um café.

77. Após, ordenou a DD que regressasse à casa de banho, tendo este manifestado oposição.

78. Face à oposição de DD, a arguida AA empurrou-o para o interior da casa de banho, tendo mais uma vez o ofendido resistido.

70. Nesse momento, os arguidos FF e GG intervieram e desferiram vários pontapés e murros em várias partes do corpo de DD, empurrando-o para o interior da casa de banho contra a sua vontade, onde ficou sem luz, tendo-lhe trancado a porta.

80. Em consequência da atuação dos arguidos, o ofendido DD sofreu hematoma periorbitário e dores na cabeça, tronco e abdómen.

81. Durante pelo menos dois dias DD permaneceu no interior da casa de banho, sem comida, água e medicamentos que habitualmente tomava.

82. Decorridos dois dias, a arguida AA abriu a porta e deixou DD fazer a higiene num anexo da casa e alimentar-se, estando, contudo, constantemente vigiado por um homem não concretamente identificado, após o que lhe foi ordenado que voltasse a entrar na casa de banho, o que ele fez com receio de ser agredido novamente, ali permanecendo trancado por um dia.

83. No dia 04 de julho de 2017, enquanto DD se encontrava fechado na casa de banho, os arguidos AA, HH, FF e GG, em conjugação de esforços e intentos entre si, através do computador daquele, acederam à sua conta de facebook com o registo RR e, fazendo-se passar pelo legitimo titular, encetaram conversação escrita com o filho do ofendido, dizendo-lhe, de modo a tranquiliza-lo, que estada tudo bem e que se tinha esquecido do código PIN do seu telemóvel, conforme consta das fotos de fls.52-3 que aqui se dá por inteiramente reproduzido.

84. No dia 05 de julho de 2017, AA abriu a porta da casa de banho e ordenou a DD que a acompanhasse dado que iriam tratar da sua carteira e documentos, ao que DD a acedeu.

85. Chegados junto do carro de DD da marca Peugeot, com a matrícula CC … BX, seguiram ambos nessa viatura para um apartamento, sito em …, seguidos pelo arguido GG que conduzia o veículo da marca Citroen, modelo C3, com a matrícula 98…64.

86. DD foi obrigado pelos arguidos AA e GG a permanecer contra a sua vontade no referido apartamento em … até ao dia 06 de julho de 2017, pelas 20 horas, altura em que lhe permitiram que abandonasse o local.

87. Nesse momento, o ofendido solicitou à arguida AA a entrega das chaves do seu carro, dos documentos pessoais e o do seu cartão bancário, o que lhe foi restituído pelo arguido GG que os tinha consigo na ocasião.

88. Entre os dias 29.06.2017 e 7.07.2017, inclusive, sem conhecimento e consentimento do ofendido DD, os arguidos AA, HH, FF e GG, utilizando o cartão bancário que aquela lhe havia subtraído e introduzindo o código secreto do mesmo, ao qual acederam aquando da realização de operações bancárias por parte de DD na sua presença, em conjugação de esforços e intentos entre si, efetuaram vários levantamentos e pagamentos de compras, no valor total de € 3.538,03 (três mil quinhentos e trinta e oito euros e três cêntimos), melhor descritos no extrato de fls.106 que aqui se dá por inteiramente reproduzidos.

89. Os arguidos AA, FF e GG agiram com o propósito concretizado, em comunhão de esforços e intentos entre si, de molestar o corpo e saúde de DD e de o privar da liberdade por período superior a dois dias.

90. A arguida AA agiu com o propósito concretizado de se apoderar do cartão bancário de DD, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que atuava contra a vontade do mesmo.

91. Os arguidos AA, HH, FF e GG agiram com o propósito concretizado de utilizar o referido cartão e digitar o respetivo código secreto com vista a obter enriquecimento que sabiam ilegítimo por não terem autorização para o efeito, bem sabendo que, desta forma, ludibriavam o sistema bancário, que pressupôs, erroneamente, que a ordem era emanada por DD ou por alguém com o seu consentimento e, em consequência, autorizou que as respetivas operações bancárias fossem efetuadas, causando prejuízo patrimonial ao ofendido.

92. Os arguidos AA, HH, FF e GG agiram também com o propósito concretizado de aceder ao computador do ofendido DD e à sua página de facebook e de se fazer passar por este, bem sabendo que atuavam sem o seu conhecimento e consentimento.

93. Em toda a sua relatada atuação contra DD, os arguidos AA, HH, FF e GG agiram de forma livre, voluntária e consciente, cientes da proibição das suas condutas como crime.


V – Do ofendido BB

94. No dia 14 de outubro de 2017, BB, nascido em ….05.68, conheceu, através de um anúncio na internet, a arguida AA, a quem manifestou interesse em encetar relacionamento amoroso após contacto telefónico entre ambos.

95. Assim, a arguida AA, mostrando-se interessada em manter relação amorosa consigo, convidando-o a deslocar-se a sua casa, sita na cidade de … .

96. BB aceitou o convite e, no dia 16 de outubro de 2017 comprou o bilhete de autocarro de viagem de França para Portugal.

97. Chegado a …, no dia 18 de outubro de 2017, pelas 15h15m, a arguida AA acompanhada do arguido GG deslocaram-se à estação de camionagem de … onde se encontraram com BB.

98. Nesse momento, a arguida AA reiterou a BB que se chamava NN e disse-lhe que o arguido GG se chamava QQ.

99. Após, os dois arguidos conduziram BB até à residência de AA, onde se encontrava o arguido HH que foi apresentado a BB, como irmão da arguida AA e chamando-se OO.

100. Planeando apoderar-se do cartão e código bancário pertencente à conta de BB, a arguida AA convidou BB para a acompanhar a si e ao HH ao supermercado Continente com vista a efetuar compras.

101. Chegados à caixa do referido supermercado foi dito pelos arguidos AA e HH que se haviam esquecido do seu cartão multibanco.

102. Nesse momento, o ofendido BB propôs pagar a conta, que se cifrou em valor próximo de € 100,00 (cem euros), com o seu cartão bancário, com a promessa do dinheiro lhe ser entregue quando chegassem a casa.

103. Para o efeito, BB entregou o cartão bancário à arguida AA e soletrou em voz alta o código que lhe estava associado, permitindo a feitura do pagamento.

104. Quando chegaram a casa, a arguida AA propôs a BB que lhe entregasse a carteira que continha o seu referido cartão bancário, para que esta os guardasse em local seguro, ao que este acedeu.

105. No período compreendido entre o final da tarde do dia 18 de outubro de 2017 e as 07h30m do dia 19 de outubro de 2017, a arguida AA, sem conhecimento e consentimento de BB, na posse do seu cartão bancário e conhecedora do código de acesso ao mesmo procedeu a levantamentos junto de ATM no valor total de €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros).

106. BB recuperou a posse do cartão bancário e seus pertences por intervenção da Polícia Judiciária que no dia 19 de outubro de 2017 se deslocou à residência de AA com vista a cumprir mandados de busca e detenção previamente emitidos nestes autos.

107. A arguida AA agiu ainda com o propósito concretizado de utilizar o cartão bancário de BB, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que lhe havia sido confiado para que esta o guardasse, ciente que atuava contra a vontade e em prejuízo de BB.

108. A arguida AA agiu ainda com o propósito concretizado de utilizar o referido cartão e digitar o respetivo código secreto com vista a obter enriquecimento que sabia ilegítimo por não ter autorização para o efeito, bem sabendo que, desta forma, ludibriava o sistema bancário, que pressupôs, erroneamente, que a ordem era emanada por BB ou por alguém com o seu consentimento e, em consequência, autorizou que as respetivas operações bancárias fossem efetuadas, causando prejuízo patrimonial ao ofendido.

109. A arguida AA, ao empreender tais condutas contra BB, agiu de forma livre, voluntaria e conscientemente, ciente que toda a sua relatada conduta era proibida e punida por lei como crime.


VI – Das apreensões

110. No dia 18 de abril de 2017, na residência dos arguidos foram apreendidos:

- Um livro de cheques da conta n.º 40…49 da Caixa de Crédito Agrícola titulada por CC, com vinte e seis cópias de cheques emitidos, três cheques cancelados e um cheque em branco;

- Cópia do cheque Credit Mutuel titulado por II, no valor de €50.000,00;

- Cinco notas de lançamento da conta titulada por CC;

- Um porta-chaves com uma chave de uma viatura Peugeot;

- Um porta-chaves contendo uma chave de uma viatura Citroen e Peugeot; e

- Um porta-chaves com uma chave de uma viatura Citroen.

111. No mesmo dia no exterior da habitação encontrava-se o veículo de marca e modelo Peugeot 308 Hdi, com a matrícula CC-…-VF, apreendido e examinado a fls.88 e 163 do apenso C, bem como o veículo da marca e modelo Citroen Xsara 1.6 i com a matrícula 55…-…-64, apreendido e examinado a fls.89 e 160 do apenso C, ambos propriedade de CC, bem como certificado de matrícula, a carta internacional de seguro e o documento de verificação técnica.

112. No dia 19 de outubro de 2017, na residência dos arguidos foram ainda apreendidos:

- Dois cheques do Banco Crédit Mutuel, titulados por II, emitidos em nome de SS e outro a TT;

- Dois cartões de saúde mais dois cartões europeus de saúde em nome de CC e II;

- Duas embalagens postais de correspondência em nome destes dois intervenientes;

- Um pen a imitar barra de ouro de marca desconhecida com imagens da arguida AA e CC em poses sexuais/intimas;

- Uma pen da marca Lexar de 32 gb contendo um vídeo com imagens da arguida AA e CC em poses sexuais/intimas;

- uma pen sandisk de 32 gb contendo dois vídeos com imagens da arguida AA e CC em poses sexuais/intimas;

- um portátil da marca Sony modelo Vaio com o n.º de série 28…496 contendo um vídeo com imagens da arguida AA e CC em poses sexuais/intimas;

- um portátil da marca Asus, modelo RS41U com o n.º de série G7N…287 com respetivo carregador um vídeo com imagens da arguida AA e CC em poses sexuais/intimas.

-113. No interior do veículo com a matrícula Renault, modelo Twingo, com a matrícula …-…-FL, foram apreendidos sete cartuchos de calibre 12, com chumbo n.º 6 da marca Mary Arm aptos a ser utilizados numa caçadeira.

114. No mesmo dia 19 de outubro de 2017, o arguido FF tinha no interior da sua residência:

- Um cartão contendo no seu interior sete artefactos pirotécnicos com a indicação de se tratar de “Trueno Detonante Nitro”, categoria F3, 0…3-F3-0…8, com o comprimento de 5 centímetros e apresentando numa das extremidades um pequeno rastilho verde;

- Uma navalha de ponta e mola de cor preta com um clip de transporte onde consta a inscrição mitec, um quebra vidros na base que segura o referido clip e na parte superior uma patilha acionamento de lâmina que se encontra totalmente recolhida no interior do corpo da navalha, apresentando uma lâmina de 6,8 centímetros de comprimento, com apenas um fio de corte e pontiaguda.

- uma navalha de borboleta com cabo metálico com uma lâmina de aço inox pontiaguda com um só fio de corte e com 10 centímetros de comprimento;

- Um canivete da marca Rui com 21 centímetros de comprimento, sendo 9 centímetros de lâmina, alojado num estojo de cordura de cor preto com fecho por molda em material plástico;

- um canivete com cabo em madeira e lâmina de aço carbono da marca Opinel, com o comprimento total de 21 centímetros, sendo 9 centímetros de lâmina; e

- Dois cartuchos próprios para caçadeira de calibre 12 e com chumbo n.º 6,

tudo melhor descrito no auto de exame de fls.497-500 que aqui se dá por inteiramente reproduzido.

115. À data dos factos o arguido FF não era titular de qualquer licença ou autorização que lhe permitisse deter as referidas munições, facas e artefactos pirotécnicos.

116. O arguido FF agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de deter as referidas munições, facas e artefactos pirotécnicos, conhecendo as suas características e sabendo que não detinha autorização para a sua posse, ciente que tal conduta era proibida e punida por lei penal.


VII - Da perda ampliada

A. Arguidos AA e HH

1. AA e HH são casados entre si.

2. AA e HH foram constituídos arguidos nestes autos em 19-10-2017.

3. No período compreendido entre 19 de outubro de 2012 e 19 de outubro de 2017 o arguido HH não exerceu qualquer atividade profissional pela qual tenha auferido rendimento lícito.

4. HH obteve durante o referido lapso de tempo o valor toral de € 1594,31 (mil quinhentos e noventa e quatro e trinta e um cêntimos) a título de rendimentos de capitais, conforme se discrimina na tabela seguinte:

Ano (1)

Juros de capital (2)IRS retido (3)Rendimento Disponível (4) = (2) – (3)NIF da Entidade Bancária
2013€ 109,37€ 30,62€ 78,75500…21
2014€ 997,02€ 239,24€ 757,78500…21
2015€ 997,02€ 239,24€ 757,78500…21
2016€ 0,00---€ 0,00---
2017------------
TOTAL€ 2.103,41€ 509,10€ 1.594,31---


5. No mesmo lapso de tempo, a arguida AA exerceu atividade profissional por conta da sociedade UU,, Unipessoal, Lda, da qual era a única sócia auferindo a quantia total de €18 247,23 (dezoito mil duzentos e quarenta e sete euros e vinte e três cêntimos), assim discriminada:

AnoTrabalho dependente líquidoNIF entidade pagadora
2012€ 512,53 [1]509…34
2013€ 5.179,80 €509…34
2014€ 5.233,20 €509…34
2015€ 4.494,50 €509..34
2016€ 2.830,20 €509…34
2017------
TOTAL€ 18 247,23


6. No mesmo período de tempo os arguidos AA e HH não auferiram qualquer prestação social.

7. Assim, obteve o casal o valor total de €19.844,54 (dezanove mil oitocentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e quatro cêntimos) como se discrimina na tabela seguinte:

AnoRendimento trabalho dependente (AA)Rendimento de capitais (HH)Rendimento disponível a considerar para o período em análise
2012€ 4.562,79---(4.562,79/365)*41=512,53€[2]
2013€ 5.179,80€ 78,75€ 5.258,55
2014€ 5.233,20€ 757,78€ 5.990,98
2015€ 4.494,50€ 757,78€ 5.252,28
2016€ 2.830,20€ 0,00€ 2.830,20
2017---------
TOTAL€ 22.300,49€ 1.594,31€ 19.844,54


8. Apesar do casal apresentar, no período que mediou entre 19/10/2012 e 19/10/2017, rendimentos com proveniência lícita no valor total de apenas €19.844,54 (dezanove mil oitocentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e quatro cêntimos), as contas bancárias por si tituladas apresentam €354.080,31 (trezentos e cinquenta e quatro euros e oitenta cêntimos) de movimentos a crédito, assim distribuídos:






BancoN.º da conta bancáriaRelaçãoVALORES DE CRÉDITOS A CONSIDERAR POR ANO (€)
201220132014201520162017Total Banco
MONTEPIOPT500036…04Titular------10.200,005.099,0211712,312626,9829638,31
MONTEPIO PT500036…85Titular------149.900,00------149 900,00
MONTEPIO PT500036…64Titular22.920,0080.778,0059.585,0011.259,00------174 542,00
Total / Ano22.920,0080.778,00219.685,0016.358,022626,982626,98354 080,31

B – Arguido FF

9. FF foi constituído arguido nestes autos em 19-10-2017.

10. No período compreendido entre 19 de outubro de 2012 e 19 de outubro de 2017 o arguido exerceu atividade profissional auferindo rendimentos no valor global de €112,60 (cento e doze euros e sessenta cêntimos), assim discriminado:

ANOSPRENDIMENTOCATNIF ENTENTIDADE PAGADORA
2016A112,60 €A503…99R… II - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, LDA
TOTAL112,60 €

11. No mesmo lapso de tempo o arguido não auferiu quaisquer prestações sociais.

12. Apesar de apenas ter auferido os rendimentos com proveniência lícita acima indicados, no período que mediou entre 19/10/2012 e 19/10/2017, as contas bancárias tituladas pelo arguido FF apresentaram €3.047,60 (três mil e quarenta e sete cêntimos e sessenta euros) de movimentos a crédito, assim distribuídos:

BancoN.º da conta bancáriaRelaçãoVALORES DE CRÉDITOS A CONSIDERAR POR ANO (€)
201220132014201520162017Total Banco
CGDPT500035…082TITULAR------------1.487,60 €385,00 €1.872,60 €
BPIPT500010000050…113TITULAR---520,00 €655,00 €---------1.175,00 €3
Total / Ano--520,00 €655,00 €---1.487,60 €385,00 €3.047,60 €

C – Arguido GG

13. GG foi constituído arguido nestes autos a 19-10-2017.

 14. No período compreendido entre 19 de outubro de 2012 e 19 de outubro de 2017 o arguido não exerceu atividade profissional da qual resultassem rendimentos lícitos.

15. No mesmo lapso de tempo não recebeu quaisquer prestações sociais.

16. Apesar de não ter auferido quaisquer rendimentos lícitos, no período que mediou entre 19/10/2012 e 19/10/2017, as contas bancárias tituladas pelo arguido apresentam €157.630,16 (cento e cinquenta e sete mil seiscentos e trinta euros e dezasseis cêntimos (cento e cinquenta e sete mil seiscentos e trinta euros e dezasseis cêntimos) de movimentos a crédito, assim distribuídos:

Resumo, dos movimentos a crédito relevantes para o apuramento da vantagem patrimonial:



BancoN.º
conta bancária
RelaçãoVALORES DE CRÉDITOS A CONSIDERAR POR ANO (€)
201220132014201520162017Total Banco
MONTEPIOPT500036…071TITULAR------107.550,00 €45.600,00 €---4.480,16 €157.630,16 €
Total / Ano------107.550,00 €45.600,00 €---4.480,16 €157.630,16 €

17. As moradias arrestadas aos arguidos situadas na Urbanização … valem pelo menos €325.000 cada uma.  

VIII - Da personalidade e condições de vida

Da arguida AA

I - Dados relevantes do processo de socialização

1. AA é natural de …, mas diz-nos ter vivido desde bebé em França (zona de …) onde os pais seriam emigrantes. Embora haja informação da existência de mais irmãos, a arguida apenas nos mencionou uma irmã mais velha, VV, não mantendo aparentemente ligação com os demais. Afirma ter beneficiado de ambiente familiar equilibrado e adequadas condições de vida, com receitas provenientes do negócio dos pais (comércio de … e …). O pai terá falecido há cerca de oito anos, a mãe e irmã residem em … .

2. A arguida diz ter frequentado em França um curso superior de …, não tendo concluído o último ano porque deu primazia à atividade laboral, iniciada quando ainda frequentava o ensino secundário, no setor de …. .

3. Casou aos 18 anos com HH (co-arguido) seis anos mais velho. Segundo a arguida o casal terá vivido algum tempo com os pais dela, depois autonomizaram-se. O primeiro filho (FF, atualmente com 23 anos) nasceu em …, onde viveram até se mudarem para …, na zona de …, segundo a arguida por ser mais um local mais tranquilo e onde, de acordo com o marido, esta já teria casa.

4. Aí AA refere ter iniciado o seu próprio negócio, um espaço de … que aparentemente mantinha a par da … de hotéis e restaurantes, desfrutando de uma boa situação económica. O marido trabalharia no fabrico/manutenção de peças para … .

5. AA afirma que desfrutava de uma vida estável e de uma relação harmoniosa com o marido de quem teve mais dois filhos, XX e ZZ (atualmente com 19 anos e 15 anos). Contudo, diz-nos que a dada altura descobriu uma traição do cônjuge, sendo que desde então não voltaram a relacionar-se como casal na intimidade, embora mantivessem coabitação e uma relação cordial pelo bem dos filhos.

6. Em 2009 AA afirma ter decidido investir em …, onde adquiriu moradia e iniciou um projeto de construção de um salão de … . Diz-nos que continuou a deslocar-se regularmente a França para estar com a família e seguir com os seus negócios. No ano seguinte o marido e filhos fixaram residência em … .

7. Do que nos foi dado apurar, a arguida não regista anteriores condenações pela justiça portuguesa.

8. Embora o tenha omitido na primeira entrevista, quando confrontada na segunda com informações da PSP de …

.

9. II - Condições sociais e pessoais

10. À data dos factos e desde 2009/10 a arguida AA residia, ainda que de forma não permanente, na Urbanização … em …, onde adquiriu duas vivendas geminadas, com piscina, luxuosamente equipadas e pagas, segundo a própria, em 2009.

11. O agregado era constituído pela arguida, marido (HH), os três filhos do casal e ainda um amigo, GG (co-arguido) cidadão … reformado, a quem a arguida se refere como sendo “um pai” para ela.

12. AA não mantinha uma efetiva relação conjugal com o marido, mas o relacionamento continuava a pautar-se pela cordialidade, com uma dinâmica familiar equilibrada, afetivamente estável e coesa.

13. Contudo, a partir de 2013 há notícia do envolvimento dos filhos do casal em práticas delituosas, crescentes na sua gravidade, inicialmente do mais velho (arguido FF) e depois do mais novo (ZZ).

14. Sobressai como fator de risco, a fragilidade no exercício das práticas educativas por parte da arguida e marido, no que toca à autoridade e supervisão dos filhos na tentativa de fazerem passar uma imagem normativa da conduta dos mesmos.

15. Atualmente FF cumpre prisão preventiva à ordem do processo nº1311/17.1…, JCCriminal de …, J3, no qual foi condenado por acórdão ainda não transitado em julgado.

16. ZZ encontra-se no Centro Educativo … desde Julho 2018, inicialmente em medida cautelar de guarda e atualmente em cumprimento de internamento em regime fechado.

17. Em 2009 a arguida adquiriu um espaço comercial na zona da Quinta … em …, para instalação de salão de …, designado UU SPA.

18. Além dos imóveis já mencionados a arguida e o marido custeavam um apartamento ao filho mais velho, a quem sustentavam à semelhança dos mais novos.

19. À data dos factos o marido, arguido HH, não trabalhava.

20. Socialmente, na zona de residência a arguida e demais elementos do agregado não estabeleciam relações de convivência com os vizinhos.

21. III - Impacto da situação jurídico-penal

22. A arguida identifica a prisão preventiva, decretada em 20/10/2017 à ordem da qual ainda se encontra nestes autos (cf. auto de interrogatório judicial de fls.391ss), o principal impacto da situação jurídico-penal, com a qual se diz revoltada, particularmente pelas consequências que teve a nível familiar.

23. Concretiza, considerando que o envolvimento do filho mais novo no consumo de drogas e na prática de crimes que levaram ao seu internamento em Centro Educativo foram consequência direta do desequilíbrio emocional do jovem, decorrente da prisão da mãe.

24. No Estabelecimento Prisional … a arguida tem mantido um comportamento correto.

25. Encontra-se inativa, ocupando-se a ler ou a fazer tricot.

26. No EP … a arguida recebe visitas do marido, filha, mãe, irmã VV e do amigo GG.

27. Não tem antecedentes criminais.

28. Em França a arguida AA tem várias condenações em juízo (cfr.fls.578-9), a saber:

- por decisão de 23.04.2009 foi condenado por crime de execução de trabalho não declarado, por factos de outubro de 2005 a janeiro de 2006, na pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução;

- por decisão de 29.03.2010 foi condenada por crime de lesões involuntárias no exercício da condução e condução de veiculo sem seguro, por factos de 23.02.2008, na pena de 1 mês de prisão suspensa na execução e €300 de multa;

- por decisão de 16.02.2017 foi condenada por crime de uso de cheque falsificado, por factos de março de 2012, na pena de 1 mês de prisão falsificação de cheque.

- por decisão de 27.02.2018 foi condenada no processo nº14…24 do Tribunal Correcional de …, por factos de novembro de 2012 a 31 de março de 2015, por crime de burla e por crime de extorsão com violência e na pena de 4 anos de prisão e no pagamento da multa de €150.000 e no confisco de bens, cuja cópia consta de fls.1980-96/2238-46 que aqui se dá por inteiramente reproduzida.

29. Por sentença transitada em julgado em 18.10.2017, no processo nº1166/12.2…, do JCCível de …, J1, constante de fls.2822-47 que aqui se dá por inteiramente reproduzida, a arguida AA foi condenada a pagar a JJ, a quantia que lhe emprestou de €1.533.600 (um milhão quinhentos e trinta e três mil, e seiscentos euros), acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

30. Do arguido HH

31. I - Dados relevantes do processo de socialização

32. Fruto de uma segunda geração de emigrantes portugueses em França, o arguido terá nascido em março de 1969, na zona de …, onde à época os seus progenitores estariam radicados e onde alegadamente terá vivido até finais da década de 90, quando se mudou para a zona de … .

33. Até à sua vinda para …, em 2009, o arguido referiu ter sempre vivido em França e de nunca ter mantido qualquer tipo de contactos com a família de origem portuguesa, que o mesmo supõe ser originária da zona de … .

34. Até àquela data as escassas referências que manteve com Portugal, terão sido algumas visitas em períodos de férias com o progenitor, no decorrer das quais terá estado por diversas ocasiões, em …, mais precisamente na zona de …, onde terão frequentado a casa de uns tios maternos, dos quais hoje afirma não ter presente nem os nomes, nem a respetiva morada.

35. Em termos escolares terá frequentado o sistema de ensino francês até ao “baccalauréat”, exame que é realizado no final do ensino secundário e que antecipa a entrada no ensino superior.

36. Não obstante ter condições para prosseguir os estudos, optaria por seguir uma vertente mais profissionalizante, tendo então frequentado uma formação na área da compra e venda de artigos on-line.

37. Terá cumprido o serviço militar …, uma tropa de elite francesa, que teve o seu quartel instalado em …, tendo sido no final dessa época que ainda terá tentado uma experiência de emigração na …, onde ainda terá estado cerca de um ano.

38. Casou com AA em abril de 1994 ou 1995.

39. Em finais da década de 90 o casal, que aparentemente já havia registado o nascimento do primeiro dos três filhos da relação, mudar-se-ia então para …, junto a …, onde alegadamente o cônjuge possuiria casa. Terá sido aqui que o casal terá conhecido ocasionalmente o coarguido GG, com quem viriam a estabelecer uma relação de amizade.

40. Por decisão da arguida, o casal e filhos mudaram-se para …. em junho de 2009.

41. II - Condições sociais e pessoais

42. Os primeiros dois anos da vida deste agregado em … terão sido norteados pelo projeto de constituírem uma empresa na área da …, nomeadamente Centro de …, tendo para esse efeito adquirido um espaço comercial na urbanização Quinta …, em … .

43. Assume nunca ter trabalhado, alegando subsistir com base em aforros próprios e no apoio de irmãos que mantém em França.

44. À data dos factos o agregado familiar do arguido era composto, pelo arguido, pelo cônjuge, arguida no presente processo e pelos três filhos do casal, o mais velho dos quais é igualmente arguido no presente processo. Alegadamente e com alguma regularidade, o também arguido no processo, GG integrava este agregado, como amigo da família.

45. Aparentemente e devido àquilo que o arguido identificou como alguns casos de relações extraconjugais de parte a parte, a relação conjugal havia-se degradado significativamente, acabando o casal por se separar fisicamente, tendo o arguido e o filho mais novo passado a ocupar uma parte da casa, enquanto os restantes elementos ocupavam a outra parte.

46. A imagem da família junto da comunidade cedo começou a ficar marcada negativamente pela não correspondência da mesma a algumas obrigações que ia assumindo, circunstância que começou a transparecer para o espaço público, bem como os problemas comportamentais que foram sendo associados, quer ao filho mais velho FF, arguido no presente processo, quer ao mais novo ZZ e que acabariam não só por merecer a intervenção dos serviços competentes da Segurança Social, como a dar origem aos primeiros contactos destes elementos com o sistema de justiça.

47. Com a aplicação da medida de coação de prisão preventiva ao cônjuge e, mais tarde, ao filho mais velho FF, e com a medida tutelar de internamento aplicada ao filho mais novo ZZ, o arguido passou a viver presentemente apenas com a filha XX e com o amigo GG, na casa morada de família.

48. Não exerce qualquer atividade regular remunerada, limitando-se a frequentar através do sistema e-learning uma formação que lhe permitirá futuramente colaborar a partir de casa, com a empresa de telecomunicações francesa … .

49. A filha frequenta um curso profissional na Escola Profissional …, enquanto o amigo GG, também não exerce qualquer tipo de atividade, encontrando-se já reformado.

50. III - Impacto da situação jurídico-penal

51. O arguido expressou um sentimento de injustiça, por ter sido envolvido neste processo, o qual sente ter abalado profundamente o seu agregado familiar, o qual foi desmembrado, com o afastamento de três dos seus elementos, lançando enormes dúvidas sobre o seu projeto pessoal e familiar, a curto prazo.

52. Não tem antecedentes criminais em França nem Portugal.

53. Do arguido GG

54. I - Dados relevantes do processo de socialização

55. O arguido terá nascido em abril de 1955, na zona …l de França, na vila de …, no seio de uma família, com ascendência na linhagem materna no … .

56. Não obstante ter integrado um agregado numeroso, nunca vivenciou ao longo de todo o seu processo de desenvolvimento dificuldades de ordem financeira, uma vez que a profissão do progenitor, polidor …, lhe permitiria retornos significativos.

57. Referiu ter frequentado o sistema de ensino regular até determinado momento, tendo depois optado por uma especialização profissional, vindo a garantir o CAP na área da …, aos 21 anos de idade.

58. Terá trabalhado então em diversas empresas de construção civil, tendo registado passagens mais ou menos prolongadas por várias empresas do setor, acabando nos últimos anos por constituir, conjuntamente com um cunhado a sua própria empresa.

59. Com cerca de 26 anos, assumiu uma união de facto com AAA, com quem viria a ter dois filhos, atualmente com 36 e 28 anos respetivamente, tendo sido na vigência desta relação, que o casal se fixou na zona de …, onde, anos depois, viria a conhecer HH e AA, num período em que aquele trabalhava num … local.

60. Devidos a alegadas divergências acerca da gestão doméstica, o casal acabaria por se separar em 2004, tendo-se o arguido então mudado para a vila de … .

61. Presentemente e desde há alguns anos não mantém qualquer tipo de contactos com os filhos e demais familiares.

62. Na sequência da relação de amizade que se desenvolveu, com os coarguidos AA e HH, acabaria por vir pela primeira vez para …, em Janeiro de 2010, para umas férias de cerca de três semanas e desde então, ter alternado a suas estadas em …, com períodos em que regressava a França.

63. II - Condições sociais e pessoais

64. À data dos facos o arguido terá passado algum tempo em …, onde integrou o agregado familiar dos amigos, onde não exercia qualquer atividade remunerada.

65. Depois dos acontecimentos que deram origem ao presente processo, terá regressado a França onde, no decorrer do ano transato, entre março e novembro de 2018, terá estado a cumprir uma pena de prisão, o que já anteriormente ocorreu, desta vez no estabelecimento prisional de …, por alegada burla.

66. Depois de ter cumprido a pena de prisão que afirma ter cumprido até novembro de 2018, o arguido, sem qualquer estrutura familiar de retaguarda, terá sido acolhido num centro de acolhimento em …, de onde partiria de novo para Portugal, onde se encontra, aparentemente desde o mês de janeiro. Reformado desde 2017, será com base na sua pensão, num montante aproximado de €850,00, que o arguido subsiste, num contexto familiar em que refere ser acolhido gratuitamente por HH.

67.Não obstante evidenciar alguma indefinição quanto ao seu projeto de vida futuro, o mesmo afasta para já a possibilidade de regressar a curto prazo a França e de retomar contactos com a sua rede familiar.

68. III - Impacto da situação jurídico-penal

69. O arguido considerou infundada a sua constituição como arguido, referindo que a única circunstância que o liga e que o leva a ter travado conhecimento com uma das alegadas vítimas, terá sido o facto de à época ele estar acolhido em casa dos outros coarguidos.

70. Demarca-se em consequência disso do teor da acusação, ao mesmo tempo que se afirma pouco intimidado com este novo contacto com o sistema de justiça.

71. Por decisão de 21.11.2005 foi declarada pelo tribunal de comércio de … a insolvência pessoal do arguido GG pelo período de 15 anos – cf. fls.574.

72. Não tem antecedentes criminais em Portugal.

73. Em França o arguido GG tem várias condenações em juízo (cfr.fls.574-7), a saber:

- por decisão de 30.06.2005 foi condenado por execução de trabalho não declarado, por factos de 2003 e 2004, em pena de 8 meses de prisão e €15000 de multa, acrescida de interdição do exercício da atividade profissional;

- por decisão de 29.5.2007 foi condenado por crime de violação de domicilio com ajudas de manobras, ameaça, agressão ou coação, por facto de dezembro de 2006, na pena de 4 meses de prisão que cumpriu;

- por decisão de 29.5.2007 foi condenado por crime de abuso de confiança, por factos de outubro de 2005, na pena de 4 meses de prisão que cumpriu;

- por decisão de 15.06.2007 foi condenado prazo crime de burla para obtenção de combustíveis, por factos de 14.1.2007, na pena de €200 de multa;

- por decisão de 15.06.2007 foi condenado por crime de condução perigosa de veiculo e condução sem seguro por factos de abril de 2007, na pena de 2 meses de prisão e 200€ de multa, com proibição de conduzir por 6 meses, que cumpriu;

- por decisão de 14.03.2008, foi condenado por crime de furto com ajuda de estratagema, por factos de dezembro de 2006, na pena de 60 dias de multa;

- por decisão de 10.05.2011 foi condenado por crime de violação de proibição do exercício da atividade profissional, abuso de bens ou de crédito por gerente de sociedade, por factos de outubro de 2005 a maio de 2006, na pena de 6 meses de prisão e €5000 de multa;

- por decisão de 27.02.2018 foi condenada no processo nº14…24 do Tribunal Correcional de …, por factos de agosto de 2012 a 31 de março de 2015, por crime de burla e por crime de extorsão com violência e na pena de 3 anos de prisão e confisco de bens, cuja cópia consta de fls.1980-96 que aqui se dá por inteiramente reproduzida.

74. Do arguido FF

75. I – Condições pessoais e sociais

76. FF é o mais velho de três irmãos. Nasceu em … – França, cidade onde se encontravam emigrados os seus progenitores. O arguido recorda-se da sua infância como isenta de qualquer dificuldade do ponto de vista material, tendo o seu processo de desenvolvimento decorrido num contexto sócio-familiar normativo, em que se destaca a figura materna, como de maior proximidade afetiva.

77. Quando tinha 14 anos, os pais decidiram regressar definitivamente ao nosso país, fixando-se na cidade de …, justificando-o por motivos profissionais.

78. FF iniciou o seu percurso escolar em França, tendo vindo para Portugal quando havia completado o nível correspondente ao 6º ano de escolaridade. Matriculou-se no 7º ano, na Escola …, registando significativas dificuldades de adaptação, nomeadamente com a língua portuguesa, tendo para o efeito, beneficiado de acompanhamento em termos de compreensão, expressão oral e escrita, ministrada por explicadores na sua residência.

79. Regista a sua primeira retenção aquando da frequência do 9º ano, tendo completado o mesmo no ano letivo seguinte, no Colégio …, em … . Seguidamente, matriculou-se no Curso Profissional de …, no Centro de Formação Profissional …, que lhe daria equivalência ao 12º ano, tendo abandonado a frequência do mesmo, decorridos quatro meses após o seu início.

80. Ao nível da dinâmica familiar, a interação entre os elementos constitutivos do agregado foi relatada pelos progenitores como sendo equilibrada e com estabilidade afetiva e coesão. As práticas educativas são assumidas por ambos os progenitores, mas têm-se revelado ineficazes para garantirem a adequabilidade comportamental do arguido, com envolvimento em diversas práticas criminais. Os seus progenitores tentam passar uma imagem positiva e normativa, justificando o percurso anti-social do arguido coincidente com um período de ausência da sua progenitora, por motivos de alegada doença oncológica, que lhe terá provocado grande instabilidade emocional.

81. Este discurso manipulativo dos seus progenitores é igualmente adotado pelo arguido, adequando o seu discurso com informações que considera expectáveis, somente contrariadas com as informações recolhidas junto das fontes colaterais.

82. De facto, tendo por base o estilo de vida que o arguido tem vindo a adotar, com 50 participações de ocorrência na PSP, sendo a primeira em 2013, continuando em 2014, 2015, 2016 e 2017, com alegado envolvimento numa diversidade de crimes, o arguido segue uma trajetória anti-social, justificada pelas fragilidades na assunção das vertentes de autoridade e de proteção por parte dos seus progenitores.

83. FF apresenta um comportamento problemático, sem cumprimento de regras. Sem qualquer ocupação estruturada, integra um grupo de pares com o mesmo tipo de comportamento. Todas as suas atenções são canalizadas no sentido da satisfação imediata das suas necessidades, manifestando baixos níveis de responsabilidade pessoal e social. Assume consumos de álcool e cannabis.

84. Na fase da adolescência inicia uma relação de namoro com BBB assumindo ambos comportamentos problemáticos, sem que os respetivos progenitores conseguissem reverter a escalada comportamental dos jovens. Em Outubro de 2015 a jovem foi sujeita a uma medida de acolhimento institucional, no Lar de Infância e Juventude da Santa Casa da Misericórdia …, ao abrigo da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, onde permaneceu durante 9 meses, cujo objetivo principal foi promover o afastamento relacional entre a jovem e o arguido. Contudo, o casal manteve a relação, tendo a jovem engravidado.

85. A dinâmica entre o casal terá sido sempre marcada por um clima de conflito, verbal e físico, que o nascimento da filha, em 30 de Dezembro de 2016, não reverteu.

86. Atentas as caraterísticas de personalidade de ambos, nomeadamente o facto de ambos assumirem em relação ao outro uma atitude extremamente possessiva, projetou, desde o início, a relação para níveis de tensão muito elevados, onde a reconhecida imaturidade e impulsividade do casal se revela de forma negativa.

87. FF não cumpriu nenhuma das cláusulas previstas no regime provisório estabelecido pelo Tribunal na Conferência de Pais, no que se refere ao plano de visitas à sua filha, também não cumpriu com a pensão de alimentos determinada, não tendo até à altura da sua detenção, efetivado qualquer esforço no sentido da prática da experiência da parentalidade. O casal evidencia fragilidades ao nível da estabilidade e da comunicação, prevalecendo entre o casal uma dinâmica adversarial, centrada na prevalência de conflitos interpessoais.

88. Os conflitos entre o casal culminaram com a retirada da bebé do agregado familiar dos avós paternos, onde se encontrava com a mãe, em agosto de 2017, na sequência de uma participação à PSP de perigo iminente de subtração de menores, nomeadamente fuga para França. Nesta sequência, a criança foi encaminhada para o Centro de Acolhimento Temporário da Santa Casa da Misericórdia de … e proposto, a título cautelar, a medida de apoio junto de outro familiar – tios maternos/padrinhos da menor, guarda que se mantém até à atualidade.

89. Na mesma data, recorreu ao serviço de urgência do Centro Hospitalar …, sendo encaminhado para o HU… para avaliação psiquiátrica, uma vez que, na altura, não estava o médico da especialidade ao serviço. Segundo aquela unidade de saúde, o arguido deslocou-se ali por diversas vezes (algumas das quais abandonou a unidade de saúde, previamente à triagem), apresentando comportamentos diagnosticados como baixa tolerância à frustração e sem controle dos impulsos.

90. A sua progenitora terá requerido o internamento compulsivo do arguido em junho do mesmo ano. FF residia sozinho num apartamento tipo T3, com boas condições de habitabilidade, que os seus pais adquiriram. Todas as despesas eram asseguradas pelos seus progenitores, não apresentando o arguido rendimentos mensais.

91. No âmbito dos presentes autos o arguido FF foi sujeito no dia 20.10.2017 à medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, assim se mantendo ininterruptamente até 23.02.2018, data em que foi preso preventivamente à ordem do processo nº1311/17.1…, deste JCCriminal de … (cf. auto de interrogatório judicial de fls.391ss e informação da DGRSP de fls.712).

92. Em fevereiro do ano transato, no âmbito do processo 1311/17.1…, foi-lhe aplicada a medida de coação de prisão preventiva, pela alegada prática dos crimes de detenção de arma proibida, tráfico de estupefacientes, lenocínio de menores, pornografia de menores, tráfico de pessoas agravado, acesso ilegítimo, coação e devassa da vida privada.

93. Foi elaborado Plano de Reinserção Social, adaptado às condições de confinamento do arguido. Contudo, FF tem vindo a demonstrar algumas dificuldades de adequação comportamental às normas do meio prisional, tendo-lhe sido já aplicadas duas medidas disciplinares de internamento em cela disciplinar, por posse de estupefacientes. Iniciou o acompanhamento na Equipa de Tratamento do CRI de …, em 23/11/2018, tendo na última consulta, realizada em 07/02/2019, recusado o acompanhamento de psiquiatria, o que coloca em causa o cumprimento das regras de conduta impostas judicialmente, no âmbito da suspensão da pena a que se encontra sujeito.

94. O percurso de vida de FF demonstra dificuldades em adequar o seu comportamento de acordo com as regras e valores vigentes, surgindo negativamente marcado por dificuldades de inserção em várias esferas, apresentando uma escolaridade bastante lacunar, com adesão ao convívio com elementos conotados com comportamentos pouco normativos e práticas criminais. Revela défices ao nível das competências pessoais e da gestão da sua impulsividade. Realça-se a falta de ascendência parental, necessária para alterar o seu estilo de vida.

95. Pese embora os seus anteriores contactos com o sistema da Justiça, mantém uma atitude pouco crítica e de fraca ressonância relativamente ao seu comportamento, denotando-se a falta de motivação para a mudança, aliadas à ausência de crenças adequadas e precisas quanto aos comportamentos normativos.

96. O arguido FF tem várias condenações em juízo, a saber:

- no processo 694/15.2…, do JLCriminal de … - J2, foi condenado por sentença transitada em julgado em 18.11.2015 na pena de duzentos dias de multa, pela prática em 24.09.2015 do crime de detenção de arma proibida, tendo o mesmo solicitado a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade, que não chegou a iniciar por falta de colaboração. Esta pena encontra-se atualmente extinta por pagamento, cujos progenitores efetuaram, após notificação do arguido.

- no processo 99/14.2…, do JCCriminal J3 de …, foi condenado por acórdão transitado em julgado em 18.12.2017 pela prática em 30.09.2014 de um crime de furto qualificado, em pena de um ano de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano, sob regime de prova;

- no processo 1304/15.3…, do JCCriminal J1 de …, foi condenado por acórdão transitado em julgado em 06-06-2018 pela prática em 7.05.2015 e 7.10.2015 de um crime de dano, um crime de introdução em lugar vedado ao público e de um crime de roubo na pena única de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova.

- no processo 826/17.6…, do JLCriminal J1 de …, foi condenado por sentença transitada em julgado em 19.12.2018 pela prática em 11.06.2017 de um crime de roubo na forma tentada e dois crimes de roubo na forma consumada, na pena única de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova.

97. O arguido apresenta um quadro de Distúrbio de Personalidade Anti-Social, vulgo Psicopata, ou seja, com comportamentos anti-sociais associados à falta de empatia pelos outros, o que não representa uma situação de doença em "strictus sensus", mas antes uma perturbação do carácter para o qual a medicina e nomeadamente um internamento em Enfermaria de psiquiatria não aparta qualquer benefício.

98. Apresentou numa variedade de contextos, antes dos 15 anos de idade, padrão de alterações de comportamento, que incluiu, lutas corporais, roubos, destruição deliberada, mentiras frequentes e consumo de drogas, com incapacidade de manter um comportamento consistente e responsável nas várias áreas da vida (laboral, amigos, relações afetivas, trabalho, etc.), fracasso em se adaptar e respeitar normas éticas e sociais, com comportamentos mal-adaptativos, sem remorsos ou arrependimento.

99. Não apresenta reações ansiógenas quando confrontado com situações de tensão emocional, não dispõe de estratégias adaptativas ou adequadas, demonstra ausência de psicopatologia e de arrependimento para os comportamentos anti-sociais que admite ter praticado (com locus de controle externo, ou seja, a responsabilidade é sempre externa à sua pessoa, são os outros os responsáveis ou culpados, absolvendo-se sistematicamente.

100. Não apresenta alterações da sensopercepção sob a forma de alucinações ou alterações do conteúdo do pensamento sob a forma de delírios, que pudessem apontar para quadro psiquiátrico de psicose, que interfira com o teste da real idade.

101. Apresenta um nível intelectual médio inferior, em relação ao esperado para a sua faixa etária.

102. Apresenta um perfil de personalidade caraterizado por marcado por elevado Neuroticismo, Extroversão e Conscienciosidade;

103. É pessoa vulnerável face a situações de stress e não dispõe de estratégias de coping adequadas para lidar com as situações de ameaça, dano e desafio com que se depara e para as quais não tem respostas de rotina preparadas.

104. Demonstra ausência de psicopatologia, sem presença de níveis clínicos significativos de dificuldades psicológicas.



***

2.2. Da matéria de facto não provada

De resto, não se provaram outros factos relevantes para a boa decisão da causa designadamente:

1. Da associação criminosa

2. Em data não concretamente apurada, mas situada no início de 2016, AA, HH, o filho FF e o amigo GG decidiram que, a partir daí, passariam a atuar de forma concertada no sentido de obterem proventos económicos que lhes sustentassem a sua vida de ócio e ostentação através da prática de crimes.

3. Os arguidos combinaram entre si que, a partir daquele momento, passariam a contactar, através da internet, homens franceses, que ali manifestassem interesse na manutenção de relacionamento amoroso, aliciando-os para encontros amorosos na sua residência, em … .

4. Mais planearam que, quando tais indivíduos já se encontrassem na cidade de …, os arguidos recorreriam a todos os meios, nomeadamente violência e privação da liberdade, com vista a apoderarem-se de bens de que dispunham, nomeadamente cartão bancário e montantes depositados em contas bancárias.

5. Os arguidos definiram, de imediato, as concretas tarefas que cada um deles desempenharia no grupo criminoso que acabavam de formar, planeando que a arguida AA, com os seus atributos físicos, serviria de isco sexual, o arguido GG assumiria o papel segurança e motorista de AA, sendo a pessoa que controlaria todos os movimentos das vítimas para evitar que se apercebessem dos crimes de que estavam a ser alvo e os denunciassem, usando o nome fictício de QQ, enquanto os arguidos HH e FF auxiliariam na tarefa de controlo das vítimas.

6. Os arguidos mais planearam, com vista a consumarem os crimes, que a arguida AA apresentava-se aos ofendidos como uma mulher livre e com vontade de encetar relacionamento amoroso, utilizando os seus dotes físicos para os convencer a deslocarem-se até à cidade de … .

7. Chegados à cidade de …, os ofendidos eram conduzidos para a residência de AA e dos demais arguidos ou para um apartamento próximo, ficando com os seus movimentos totalmente controlados pelos arguidos.

8. Os arguidos atuaram como um grupo organizado, no qual se entreajudavam no controle aos ofendidos e nas tarefas necessárias à subtração dos seus bens e quantias monetárias.

9. Os arguidos mantiveram em funcionamento tal estrutura durante cerca de dois anos, apenas cessando com intervenção das autoridades policiais que procederam à sua detenção.

10. Os arguidos agiram de forma livre e em comunhão de esforços e intentos e com o propósito concretizado de formar um grupo cujo escopo se resumia ao cometimento de crimes, tal como veio efetivamente a suceder.


11. II – Do assistente CC

12. No referido anúncio da internet, o assistente CC mais anunciou a possibilidade de manutenção de futuro relacionamento amoroso consigo;

13. Os arguidos HH, FF e GG tiveram conhecimento de tal anúncio e, de imediato, decidiram dar aplicabilidade prática ao propósito criminoso que haviam delineado.

14. Durante o processo de mudança a arguida AA passou a apresentar-se ao assistente CC acompanhada pelo arguido HH, 

15. Tivesse sido o arguido HH que levou o assistente CC para a sua casa, sita na Urbanização … .

16. Tivesse sido a arguida AA quem sugeriu ao assistente a abertura da conta bancária em … e a transferência das suas poupanças para a mesma;

17. O assistente CC e a arguida combinaram que o pagamento dos cuidados a prestar ao casal seria efetivado através da assinatura de cheques da conta por parte do assistente e da sua entrega à arguida AA que posteriormente preencheria os demais campos, nomeadamente o montante.

18. Ficando combinado que a arguida AA apenas poderia apor nos referidos cheques quantias que se destinassem a custear as referidas despesas.

19. Em cumprimento do combinado, o assistente entregou para o efeito à arguida um conjunto de cheques devidamente assinados.

20. Na posse dos referidos cheques os arguidos HH, FF e GG, ressalvado quanto a este o cheque nº 90…87 constante de fls.42 do apenso C, ou alguém a seu mando preencheram os campos referentes ao valor, à data, ao local de emissão e ao seu beneficiário;

21 - Contrariando o que o assistente CC tinha combinado com a arguida AA, sem conhecimento nem autorização daquele, os arguidos AA, HH, FF e G ou alguém a seu mando utilizaram os seguintes cheques para pagamentos de serviços e compras que efetuaram em seu benefício, apoderando-se, desta forma, das quantias neles apostas, a saber:

Número de cheque

Montante

Beneficiário

54…91€ 725,97CCC, Lda
20…84€ 652,82Ao portador
23…45€ 3013,50DDD
29…83€ 540,00EEE
65…79€ 3000,00VV
40…71 € 1213,62Prosegur Alarmes Dissuasão Portugal Unipessoal, Lda
31…72€ 1140,00Clínica Dentária
13…74€ 880,00FFF
83…77€ 1230,00Activewave
76…67€ 7505,33IGCP, EPE
45…92€ 575,00GGG
67…68€ 2572,20Boconcept
74…78€ 3000,00Construções HHH
92…76€ 6900,00III
49…70€ 7123,54LL
81…88€ 755,00SS
02…86€ 30,95JJJ, Lda
72…89€ 2000,00KKK, Lda
38…82€ 938,99Nos Comunicações
63…90€ 3000,00LLL
56…80€ 900,00MMM

22. Os arguidos AA, HH, FF e GG agiram com o propósito concretizado de, contrariando o combinado com CC, usarem os cheques aludidos no ponto anterior para custear despesas pessoais e/ou de terceiros, contra a vontade e em prejuízo de CC e da esposa;

23. estes mesmos cheques tivessem sido entregues pelo assistente com a finalidade de pagar despesas de alimentação, habitação e higiene daquele e da sua mulher;

24. Relativamente a esses mesmos cheques, os arguidos AA, HH, FF e GG agiram ainda com o propósito concretizado de enganar o banco sacador dos cheques, levando a pagar quantias que considerava validamente autorizadas por CC, bem sabendo que atuavam sem consentimento e em prejuízo de CC e da esposa.

25. Tivessem sido os arguidos AA, HH e FF quem escreveu com o seu punho no cheque número 90…87 a assinatura como se fosse a do próprio titular e preencheram os campos referentes ao valor - € 50 000,00 (cinquenta mil euros), data (02-02-2017) e local de emissão (…) e beneficiário do cheque (GG).

26. Agiram ainda AA, HH, FF com o propósito concretizado de apor ou determinarem outro a apor no cheque n.º 90…87 uma assinatura como se fosse a de CC e preencher os demais campos do cheque, com o intuito de obterem benefício económico a que sabiam não terem direito e causarem prejuízo patrimonial a CC e esposa, bem sabendo que atuavam sem consentimento daquele.

27. Agiram AA, HH, FF com o propósito de obter junto do banco sacador desse cheque n.º 90…87 o valor que nele tinham aposto ou mandado apor, fazendo crer que o mesmo tinha sido validamente emitindo por CC, bem sabendo que atuavam sem consentimento deste e em seu prejuízo.

28. Através do primeiro cartão de débito associado à sua conta bancária, o assistente autorizou a arguida a pagar exclusivamente as despesas com a alimentação, higiene e cuidados prestados ao próprio e à sua esposa;

29. Na posse do referido cartão e código secreto, sem consentimento e conhecimento do assistente, os arguidos HH, FF e GG e ou alguém por sua indicação, no período compreendido entre 20-07-2016 e 27-09-2016, inclusivamente, usaram-no procedendo ao pagamento de compras e serviços, através da conta de CC, devidamente descritas a fls. 314 até 324 inclusive do apenso C cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no valor correspondente a cada movimento a débito, do que se apoderaram;

30. o cancelamento pelo assistente do primeiro cartão bancário tivesse sido motivado por extravio do mesmo;

31. além daqueles dados como provados, a arguida AA tivesse realizado à revelia do assistente CC e mulher quaisquer outros movimentos a débito na conta bancária destes, quer através da utilização dos respetivos cartões de débito associados, quer através de cheques sacados sobre a mesma conta, sacando da conta montantes superiores aos dados como provados;

32. os arguidos HH, FF e GG tivessem usado qualquer dos cartões de débito associados à conta bancária do assistente nomeadamente para compras e transferências bancárias sacadas sobre a mesma;

33. as cartas da Caixa de Crédito Agrícola Mutuo com o segundo cartão e respetivo código secreto foram rececionadas pelos arguidos HH, FF e GG que, sem conhecimento e consentimento de CC, as abriram e se apoderaram do cartão bancário e código secreto;

34. Pretendendo dispor da conta bancária do ofendido sem que este se apercebesse, em outubro de 2016, os arguidos AA, HH, FF e GG informaram CC que a casa iria entrar em obras e que passaria a ocupar junto com a sua esposa um apartamento situado ali próximo;

35. Chegados ao referido apartamento, com vista a controlar todos os movimentos de CC, a arguida AA impôs-lhe que, para além de si e da sua esposa, também ali residisse o arguido GG, impondo inclusive que partilhassem cama;

36. Como já tinha vendido a sua casa em França e receoso do que lhe pudesse acontecer, CC aceitou viver com a sua mulher no referido apartamento na companhia do arguido GG

37. Nessa data, a arguida AA retirou-lhe ainda a CC e à esposa os documentos pessoais, um telemóvel e um computador de valor não concretamente apurado, fazendo-os seus.

38. Após o dia 7 de fevereiro de 2017, CC solicitou à arguida AA a entrega dos veículos automóveis, dos móveis, do computador, telemóvel e documentos pessoais, tendo a arguida recusado a sua entrega, passando a dispor dos mesmos como seus;

39. o computador e telemóvel do assistente valiam a quantia total de €2.000;

40. Com as condutas supra descritas os arguidos HH, FF e GG retiram e/ou apoderaram-se de qualquer quantia, documentos e/ou objetos pertença de CC e da esposa.

41. Os arguidos AA, HH, FF e GG apoderaram-se ainda dos móveis de CC no valor total de €80.000,00 (oitenta mil euros) e dos veículos, telemóvel e computador de valor não concretamente apurado.

42. Em toda a relatada conduta contra o assistente CC e mulher, a arguida AA agiu em comunhão de esforços e intentos com qualquer dos restantes arguidos e de acordo com plano previamente delineado com qualquer deles;

43. Ressalvado aquele cheque de €71.000 dado como provado, a arguida AA agiu com o propósito concretizado de, à revelia, sem conhecimento nem autorização do assistente CC e mulher, preencher e entregar quaisquer outros cheques para custear despesas pessoais, contra a vontade e em prejuízo daqueles, e enganar o respetivo banco sacador;

44. Os arguidos HH, FF e GG agiram com o propósito concretizado de, à revelia, sem conhecimento nem autorização do assistente CC e mulher, preencher e entregar para custear despesas pessoais, contra a vontade e em prejuízo daqueles, qualquer cheque sacado sobre a conta daqueles;

45. Agiram ainda os arguidos HH, FF e GG com o propósito concretizado de utilizarem o cartão bancário n.º 91…50 para além dos limites da autorização concedida por CC, passando a dispor da quantia monetária depositada na conta a que se reportava tal cartão, pertença de CC como se fosse sua, bem sabendo que lhe causavam prejuízo patrimonial e que atuavam sem consentimento deste.

46. Os arguidos HH, FF e GG atuaram também com o propósito concretizado de se apoderar dos dois envelopes postais remetidos pelo banco e do cartão com o n.º 93…99 e respetivo código secreto que vinham no seu interior, procedendo à sua abertura, bem sabendo que os mesmos se destinavam a CC e que atuavam sem consentimento deste.

47. Os arguidos HH, FF e GG agiram ainda com o propósito concretizado de utilizar o referido cartão e digitar o respetivo código secreto com vista a obter enriquecimento que sabiam ilegítimo por não terem autorização para o efeito, bem sabendo que, desta forma, ludibriavam o sistema bancário, que pressupôs, erroneamente, que a ordem era emanada pelo ofendido CC ou por alguém com o seu consentimento e, em consequência, autorizou que as respetivas operações bancárias fossem efetuadas, causando prejuízo patrimonial aos ofendidos CC e esposa.

48. Os arguidos AA, HH, FF e GG agiram também com o propósito concretizado de subtraírem e se apropriarem dos documentos pessoais de CC e da esposa, dos móveis e dos seus veículos supra descritos, bem sabendo que não lhes pertenciam e que atuavam sem consentimento e em prejuízo de CC e esposa;

49. em consequência da atuação dos arguidos, a demandante II sentiu revolta, tristeza por ter sido enganada e ver-se despojada dos seus bens designadamente das quantias depositadas na referida conta bancária;

50. após os factos praticados pelos arguidos, os demandantes ficaram sem economias e viram comprometida a possibilidade de terem um resto de vida condigno, sentindo inquietude e preocupação com o futuro;

51. o esforço feito ao longo da vida para constituir aforro para uma velhice condigna de nada valeu, dado que na prática não gozaram do dinheiro que pouparam;

52. em consequência da atuação dos arguidos, os demandantes sofreram forte e estigmatizante perturbação do equilíbrio sócio-psíquico-emocional, constituindo um grave atentado à sua personalidade moral;


53. III - Do ofendido EE

54. Os arguidos HH, FF e GG visualizaram um anúncio na internet colocado por EE;

55. o telemóvel de EE valia pelo menos € 230,00 (duzentos e trinta euros);

56. a arguida AA serviu-lhe um chocolate quente, onde previamente colocou substância não concretamente apurada que fez com que este adormecesse;

57. a arguida AA subtraiu ao ofendido EE quantia superior à dada como provada;

58. quando o ofendido EE acordou no dia 4.03.2017, logo se apercebeu que já não tinha a carteira com documentos e dinheiro;

59. os arguidos GG e HH disseram a EE que o iriam levar ao aeroporto;

60. tivesse sido em território espanhol que os arguidos pararam o carro e agrediram o ofendido EE;

61. os arguidos HH, FF e GG, ao empreenderem tais condutas contra EE, agiram de forma livre, em comunhão de esforços e intentos de acordo com plano previamente delineado entre si;

62. Os arguidos HH, FF e GG tivessem subtraído e apoderado dos bens e da quantia monetária de EE supra descritos;

63. Os arguidos HH, FF e GG agiram com o propósito concretizado de subtraírem e apoderarem-se dos bens e da quantia monetária de EE supra descritos, bem sabendo que não lhe pertenciam e que atuavam sem consentimento e em prejuízo daquele;

64. Os arguidos HH, FF e GG tivessem molestado o corpo e a saúde de EE, causando-lhe as lesões e dores supra descritas;

65. Os arguidos HH, FF e GG agiram com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde de EE, causando-lhe as lesões e dores supra descritas, resultado que representaram.

66. A arguida AA tivesse subtraído e se apoderado do cartão de identidade, o cartão bancário, do telemóvel e do computador portátil do ofendido EE, sem o consentimento e conhecimento deste;


67. IV – Do ofendido DD

68. A arguida AA disse ao ofendido DD que o arguido FF se chamava “NNN”;

69. tivesse sido a arguida AA que disse ao ofendido DD que o arguido GG se chamava “QQ”;

70. os demais arguidos estivessem com a arguida AA quando abriu a porta do w/c ao ofendido;

71. tivesse sido o arguido GG que vigiou o ofendido enquanto fazia a sua higiene pessoal;

72. o arguido HH tivesse agredido o ofendido DD e empurrado o mesmo para o interior da casa de banho;

73. tivessem sido os arguidos GG, HH e FF quem subtraiu a carteira e o cartão bancário de DD;

74. os arguidos tivessem solicitado ao filho do ofendido DD o código PIN do telemóvel deste;


75. V – Do ofendido BB

76. a arguida apresentou-lhe o arguido FF como sendo de nome “NNN”;

77. os arguidos FF, HH e GG também tivesse planeado apoderar-se do cartão bancário do ofendido;

78. os arguidos FF, HH e GG também tivesse procedido a qualquer levantamento da conta do ofendido através do respetivo cartão bancário associado;

79. os arguidos HH, FF e GG agiram ainda com o propósito concretizado de se apoderarem do cartão bancário de BB, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia, que havia sido confiado a AA para que esta o guardasse e que atuavam contra a vontade e em prejuízo de BB.

80. A arguida AA tivesse subtraído e feito coisa sua os pertences do ofendido BB nomeadamente o respetivo cartão bancário;

81. Os arguidos HH, FF e GG agiram também com o propósito concretizado de utilizar o referido cartão e digitar o respetivo código secreto com vista a obter enriquecimento que sabiam ilegítimo por não terem autorização para o efeito, bem sabendo que, desta forma, ludibriavam o sistema bancário.


82. VI – Das apreensões

83. Os sete cartuchos apreendidos no interior do Renault, modelo Twingo, eram pertença e/ou estavam em poder da arguida AA;

84. 146. A arguida AA agiu de forma livre e com o propósito concretizado de deter as referidas munições, conhecendo as suas características.


85- VII - Da perda ampliada

86. 5. No dia 20 dezembro de 2016, o arguido adquiriu o veículo da marca Renault, twingo, com a matrícula …-…-FL por preço não concretamente apurado, mas pelo menos situado em € 500,00 (quinhentos euros);


87. Da Contestação do arguido HH

88. O arguido HH desde há mais de 10 anos que não faz vida de casado com a arguido AA, existindo total independência entre si a nível pessoal e profissional;

89. O arguido HH não faz ideia da forma como a arguida AA rege a sua vida;

90. A arguida AA não faz ideia da forma como o arguido HH rege a sua vida;

91. Nenhuma quantia creditada nas contas tituladas pelo arguido HH foi recebida em resultado do cometimento de crimes ou como proventos de qualquer atividade ilícita;

92. No ano de 2014 o irmão do arguido HH, através da sociedade de que é sócio-gerente, denominada OOO, emprestou-lhe a quantia de €15.000;

93. A soma do valor dos quatro prédios urbanos titulados ou co-titulados pela arguida excede os €800.000.


94. Da Contestação da arguida AA

95. A arguida nunca ludibriou quem quer que fosse, nem alguma vez fez uso de dinheiro que não lhe tivesse sido válida, licita e esclarecidamente dado ou emprestado;

96. Sempre pautou a sua vida por hábitos e princípios de trabalho, fosse em França ou em Portugal;

97. A arguida encontra-se inserida pessoal, familiar e profissionalmente.

98. Nenhuma quantia creditada nas contas tituladas pela arguida AA foi recebida em resultado do cometimento de crimes ou como proventos de qualquer atividade ilícita;

99. No ano de 2013 o cidadão PPP entregou à arguida quantia superior a €30.000;

100. No ano de 2014 o arguido GG emprestou à arguida quantia superior a €101.000, disponibilizando-lhe liquidez para os diversos investimentos que tinha em mente;

101. No ano de 2014 o cidadão QQQ ofereceu à arguida a quantia de €3790;

102. No ano de 2014 o irmão do arguido HH, através da sociedade de que é sócio-gerente, denominada OOO, emprestou-lhe a quantia de €15.000;

103. A soma do valor dos quatro prédios urbanos titulados ou co-titulados pela arguida excede os €800.000;  


104. Da Contestação do arguido FF

105. O arguido FF é trabalhador, responsável, educado e bem conceituado no meio social;

106. O arguido sempre exerceu atividade remunerada como prestador de serviços;

107. Nenhuma quantia depositada nas duas contas bancárias id.s a fls.1970 tituladas pelo arguido foram resultado da prática de crimes e/ou qualquer outra atividade ilícita.

Motivação da decisão de facto

Quanto às condições/modo de vida e personalidade dos arguidos o tribunal baseou-se nas declarações dos próprios conjugadas com os respetivos relatórios sociais e certificados de registo criminal, bem assim no depoimento das testemunhas de defesa da arguida, sua irmã VV, e RRR, bem assim o depoimento da testemunha de defesa do arguido HH, o filho do casal, ZZ, que depuseram sobre a vivência destes arguidos.

Já sobre os factos típicos, no silêncio em audiência dos arguidos FF e GG, sendo que este também não prestou declarações em interrogatório judicial, e a negação genérica dos factos pelo arguido HH já no final da produção de prova em julgamento, o tribunal serviu-se desde logo da confissão parcial da arguida AA.

Assim, a arguida, que apenas depôs no final da produção da restante prova em julgamento, reconheceu os laços familiares e/ou de amizade com os demais arguidos e começou por afirmar que até hoje não percebe onde possa ter errado.

Esclareceu em interrogatório judicial de 20.10.2017, cujas declarações foram validamente lidas/reproduzidas em julgamento, que vive em …, desde 2009, altura em que veio de frança com os três filhos, sendo que só depois veio o marido, aqui arguido HH.

Veio, disse, com o propósito de abrir um …, que jamais abriu, vivendo do aforro angariado já que o seu marido também não tem rendimentos.

Por isso comprou também duas lojas em … à …, na altura em que veio para Portugal.

Conheceu o GG antes de vir de frança, o qual vive em sua casa de forma intermitente, pois também vai a frança, mas desde 2009 que fica em sua casa, depois comprou e vendeu mais tarde um apartamento, e agora desde há dois meses e meio que vive em casa dela.

A arguida afirmou que vive com o marido em duas moradias contiguas, que comprou em finais de 2008, mas não há relação de casal entre ambos, habitando ela na moradia nº27 e o marido na moradia do nº28, embora ambas sejam comunicantes pelo interior.

Comprou-as, afirmou, em grande parte com dinheiro que lhe foi entregue por JJ, individuo com quem manteve um relacionamento amoroso, o qual igualmente lhe ofereceu dinheiro para sustento da própria e família, bem assim para comprar um apartamento na Quinta … para o filho FF, aqui arguido, embora ainda não tivesse feito escritura.

Relativamente aos factos imputados afirmou então que o marido HH, o filho FF e o amigo GG não têm responsabilidade por nada, só ela sendo responsável pelos levantamentos bancários feitos e só com autorização dos respetivos titulares da conta.

Negou ter agredido e/ou sequestrado quem quer que fosse.

Confessou as circunstâncias em que conheceu CC, EE, DD e BB e os contatos havidos com cada um deles perante o propósito de manterem consigo um relacionamento amoroso já que responde a anúncios para encontros amorosos na internet, com o nome de NN, algumas das quais vindas de França.

Embora o negasse em declarações para memória futura, já em julgamento a arguida confessou os casos em que apresentou o marido, como seu irmão e com o nome de OO, e o amigo GG como tendo o nome de QQ, o que fez para preservar a identidade deste perante a exposição a que estavam sujeitos aquando dos relacionamentos amorosos que ela desenvolvia com os clientes.

Negou, todavia, alguma vez ter apresentado o arguido FF com o nome da “NNN”, aceitando que pudessem ter feito confusão a fonética em francês do nome … .


Quanto ao DD esteve em contato com ele, o qual conheceu através da internet e recebeu cerca de uma semana em sua casa em … e depois acabou por ir embora, usando um veículo de marca Peugeot.

Apresentou-lhe a cidade de … e fizeram inclusivamente compras.

Fez compras e levantamentos da conta desse DD, em montantes que não recorda, mas com autorização do próprio, o qual – como tantos outros - até lhe entregou o cartão para o efeito.

O DD chegou a ir com ela a … no carro dele, só os dois, mas ninguém mais foi com eles.

No mais, afirmou, mas sem convencer, alguma vez ter agredido e/ou sequestrado na casa de banho o ofendido DD, jamais se tendo apropriado da carteira dele.

Quando regressou a França o ofendido DD queria que a AA fosse com ele e ela não quis, assim justificando a denúncia apresentada.

Também em julgamento a arguida depôs sobre as comprovadas circunstâncias em que conheceu e se relacionou consigo após ter chegado a …, a convite da própria, levando-o para sua casa, onde apresentou os familiares e o arguido GG.

Confessou que entre os dias 27 de junho de 2017 e 29 de junho de 2017, o ofendido DD conviveu com os arguidos, com os quais saiu várias vezes, fez compras e levantamentos de dinheiro utilizando o seu cartão bancário na presença dos mesmos.

Confirmou que chegou a fazer levantamentos e pagamentos com o cartão bancário do ofendido DD, embora dizendo sem convencer que aquele lhe entregou o cartão e o código PIN para o efeito.

Também sem convencer negou alguma vez ter agredido ou fechado o ofendido DD no w/c, sem que alguma vez se tivesse queixado do desaparecimento da carteira, embora sem conseguir explicar as lesões apresentadas pelo ofendido no episódio de urgência no Hospital no dia 7.07.2017 – cf. fls.65-6.

Confessou, contudo, que chegou a estar em … com o ofendido DD, na companhia do arguido GG, embora regressassem a …, disse, onde pernoitou mais alguns dias e acabou por abandonar a cidade sem dizer nada.

Contudo, sobre as circunstâncias da ida para … o tribunal baseou-se no depoimento do ofendido DD.

Negou ter sido ela quem escreveu a mensagem de 4.07.2017 de fls.52 e 53 verso, desconhecendo quem o tenha feito, assim como negou ter feito qualquer transferência interbancária a crédito para a conta bancária do mesmo no dia 29.07.2017 no valor de 7.200€.

Quanto ao ofendido BB, a arguida confirmou em interrogatório judicial que efetivamente esteve em … e ela levantou 450 euros da conta do BB, afirmando, todavia, ter sido ele que lhe deu o cartão para o efeito porque ela lhe disse que não tinha dinheiro, tendo ele ficado em casa nesse momento.

Confirmou ter guardado os pertences deste BB no seu escritório, a pedido deste.

Também em julgamento confessou as comprovadas circunstâncias em que conheceu e se relacionou com o ofendido BB, que veio a … de autocarro, a convite da própria, o qual foi receber no dia 18 de outubro de 2017 à central de camionagem desta cidade e levou para sua casa, onde lhe apresentou os familiares.

Em julgamento confirmou também que chegou a deslocar-se sozinha com o ofendido ao supermercado Continente com vista a efetuar compras, tendo sido o próprio que quis pagar as compras e lhe entregou o cartão bancário com o PIN para o efeito.

Chegados a sua casa, confessou, propôs a BB que lhe entregasse os seus pertences, nomeadamente carteira onde se encontrava o referido cartão bancário, para que esta os guardasse em local seguro, ao que este acedeu, assim justificando a posse dos seus pertences aquando da busca à residência.

Recordou ter efetuado dois levantamentos de dinheiro e pagamentos de compras com o cartão do ofendido, movimentos que reconheceu no extrato de fls.678, mas – disse sem convencer – com a autorização e conhecimento do próprio.

Quanto ao EE reconhece que ele esteve poucos dias em …, a viver num apartamento da Urbanização …, de uns idosos franceses, tudo indicando tratar-se do casal CC, e depois o deixou na estação de comboios de Vilar Formoso.

Ele veio de comboio ou autocarro de França para Portugal dias depois de falar consigo ao telefone, negando assim que tivesse sido o arguido GG que o foi buscar a frança de carro, o que o próprio ofendido afirmou convincentemente.

Afirmou sem convencer que jamais retirou qualquer dinheiro nomeadamente a quantia de 6 mil euros até porque ele não os tinha, já que ligava para frança a reclamar com serviços para obter ajudas financeiras de frança.

Em relação ao ofendido EE, a arguida AA confessou em julgamento as comprovadas circunstâncias em que conheceu e se relacionou com o mesmo, apresentando-se como NN, aceitando o convite para vir a Portugal, o que fez na companhia do arguido GG que o foi buscar no automóvel da marca Renault, modelo twingo.

Confirmou ainda em … aquele EE permaneceu no apartamento onde CC vivera com a sua mulher e até então o arguido GG pernoitava, ali continuando após a chegada daquele EE e onde a arguida se encontrou com o mesmo, por mais de uma vez, nas circunstâncias dadas como provadas, conforme explicado pela própria.

Negou, todavia, que lhe tivesse subtraído qualquer dinheiro da carteira, o que foi infirmado por EE que afirmou ter recebido desta a carteira sem o dinheiro que subtraiu do seu interior, à sua revelia.

Referiu a arguida que, a pedido de EE, o foi levar sozinha no seu Citroen à estação de comboios – disse - à …, onde o deixou, sem o ter agredido, mas sem explicar as circunstâncias em que aquele apareceu em Vilar Formoso.

Quanto ao CC e mulher II, a arguida afirmou aquando do seu interrogatório judicial que este casal vivia como arrendatários do apartamento da …, onde esteve a pernoitar o EE após aqueles terem ido para frança, mantendo-se ali a viver ao tempo o GG.

Os dois cheques apreendidos em sua casa foram passados pelo CC ou a sua mulher para pagar a uns indivíduos que trabalharam para o casal CC, mas vieram devolvidos para sua casa.

Já em julgamento a arguida confirmou as comprovadas circunstâncias e motivos de ter conhecido e contactado o assistente CC, com quem manteve um relacionamento sexual ainda em França, antes de vir viver para … com a sua mulher e vender a sua casa em França.

Confessou que o casal trouxe o mobiliário da casa e os dois carros descritos, tendo inicialmente ficado a viver primeiramente na casa da arguida e depois num apartamento sito também na Urbanização …, a quem apresentou os seus familiares, arguidos incluídos, e o amigo aqui arguido GG.

Com a abertura da conta bancária no balcão de … do Banco de Crédito Agrícola, por vontade e interesse do próprio, o assistente foi provisionado essa conta com transferências a crédito cujo valor desconhece.

Mais confirmou ter combinado com o assistente CC que ela providenciaria pelos cuidados de alimentação, habitação e higiene ao próprio e à esposa.

Adiantou que o assistente a autorizou a utilizar livremente qualquer dos seus cartões bancários para pagamento de despesas pessoais da arguida, independentemente do seu valor e natureza, o que não convenceu perante a forma circunstanciada, lógica e coerente como o assistente explicou tais movimentos efetuados pela própria, negando categoricamente o consentimento daquelas dadas como provadas efetuadas até ao dia em que pediu o segundo cartão bancário, este emitido em 28-09-2016, e todas as outras realizadas posteriormente a essa data até ao dia 07-02-2017, estas realizados pela arguida com o segundo cartão, cuja utilização desconhecia e jamais autorizou por ter sido enviado com o PIN para a morada da arguida.

Como a própria arguida confessou em julgamento e consta da informação de fls.1564-8 e 1711, na sequência do pedido de CC a Caixa de Crédito Agrícola Mutuo emitiu no dia 28.09.2016 em seu nome o segundo cartão de débito associado à conta do assistente, cartão número 93…99, remetendo-o para a morada da arguida em 30-09-2016 e o respetivo código secreto a 06-10-2016.

Por conseguinte, a partir das declarações do assistente ficou claro que todos os movimentos efetuados pelo menos a partir do dia 28.09.2016, inclusive, foram realizados pela arguida, sem conhecimento, nem consentimento do assistente CC, tendo ela própria confessado que efetuou alguns deles também com o segundo cartão e, portanto, a posse do mesmo.

De referir que embora a arguida afirmasse em julgamento não se recordar de ter feito as quatro transferências bancárias, no valor de 2500€ cada, no dia 5.02.2017, constantes a fls.338 verso do apenso C, certo é que tendo sido feitas com cartão bancário numa caixa ATM, à semelhança do levantamento anterior de 200€, no mesmo lugar, só a arguida poderia ter feito tais movimentos já que tinha em seu poder o referido cartão.

A arguida afirmou em julgamento que nenhum outro arguido alguma vez utilizou os cartões bancários do assistente, circunstância que efetivamente não foi desmentida por nenhum outro meio de prova, nada nem ninguém tendo feito referência a essa utilização pelos demais arguidos.

Já em relação aos cheques a arguida afirmou em julgamento que o assistente a autorizou a preencher livremente os cheques descritos na acusação, o que fez após ele lhos ter assinado e entregue para o efeito, não sendo possível infirmar tal versão perante a dúvida, esquecimento ou mesmo confirmação do assistente quanto a tal anuência, ressalvado apenas o cheque de €71.000 que o próprio afirmou jamais ter autorizado a entregar para pagamento do sinal do aludido apartamento, ainda que não negasse tê-lo assinado, corroborando a arguida o total desconhecimento do assistente CC quanto à utilização desse cheque descontado na conta no dia 28.09.2016 (cf. extrato de fls.324 do apenso C).

Com efeito, a arguida confessou que, apesar de o ter assinado, o assistente desconhecia e não lhe autorizou o preenchimento e entrega desse cheque nº36…93, no valor de €71.000, a favor de KK, para pagamento do sinal e preço do apartamento que a arguida lhe prometeu comprar, o qual posteriormente viria a ser escriturado a fls.221 do apenso C, por indicação da arguida, em nome de LL, como a própria confessou.

De resto, inquirida em audiência, a testemunha KK, 42 anos, …, depôs sobre as circunstâncias e condições que acordou com a arguida AA a promessa de compra e venda do apartamento identificado na escritura de fls.221 do apenso C, pelo preço de €71.000 que lhe pagou com a entrega do cheque em referência.

Contudo, na escritura de compra, a pedido da arguida que também esteve presente nesse ato, figurou como comprador LL, o que este confirmou em julgamento, quando inquirido como testemunha, embora desconhecesse as circunstâncias em que o cheque de 71.000€ foi anteriormente entregue pela arguida à vendedora KK.

Confirmou que o cheque de 7.123,54€ de fls.206 apenso C em seu nome, sacado sobre a conta do assistente CC, o qual nunca conheceu nem lhe prestou qualquer serviço, lhe foi entregue pela arguida AA para pagar serviços de canalização/eletricidade à própria.

Esclareceu ainda a testemunha LL, 49 anos, …, que a III é uma empresa da qual é socio-gerente o seu irmão SSS, a quem foi entregue pela arguida AA o cheque de €6.900 de fls.211 do apenso C para pagar serviços prestados pela III à própria arguida.

Recordou ainda a arguida em julgamento que alguns desses cheques serviram efetivamente para pagar despesas do casal CC, o que sucedeu com os cheques de € 880,00 e €755,00 para as empregadas FFF e SS

Negou ter assinado e/ou preenchido o cheque de número 90…87 constante de fls.42 do apenso C, no valor de €50.000,00 referente à conta bancária titulada pelo assistente CC, o qual foi atempadamente cancelado por ordem do assistente, conforme extrato de fls.339 do apenso C, afirmando a arguida desconhecer quem o assinou e preencheu.

Ora, o assistente CC afirmou convincentemente que jamais assinou e/ou preencheu esse cheque, como se comprovou.

Contando desse cheque a menção do arguido GG como seu beneficiário, o qual à data da apresentação do cheque ao banco se encontrava a residir com o assistente CC, tal circunstância faz crer, à luz das regras da experiência e da lógica, ter sido aquele arguido que sabia e quis escrever a assinatura e preenchimento do cheque, à revelia do respetivo titular, em seu proveito.

A arguida confessou que em outubro de 2016, o assistente CC e sua mulher passaram a viver num apartamento próximo da sua residência, ali pernoitando também o arguido GG, o que a arguida justificou por vontade do próprio assistente, o facto de ambos se relacionarem bem, falar também francês e poder acompanhar o casal idoso durante a noite.

Justificação esta que se oferece lógica, tanto mais o arguido GG continuou ali a viver, após o abandono do casal do referido apartamento, onde iam livremente várias pessoas a prestar serviço doméstico, com liberdade de deambulação do assistente, nada permitindo concluir que o referido arguido ali estivesse para controlar os movimentos do casal.

Confessou ainda em audiência que ficou com documentos pessoais e os carros com as respetivas chaves e documentação, o que tinha consigo a pedido e por vontade do próprio assistente e porque o casal se foi embora sem lhe dizer nada, jamais lhe tendo solicitado a entrega do que fosse, mobiliário incluído que nunca ficou à sua responsabilidade, o que foi confirmado pelo assistente, o qual a autorizou a utilizar as viaturas que ela própria e o arguido GG conduziram de frança para Portugal a pedido do assistente.

De resto, ainda que apreendidos, não existe prova segura de que anteriormente à sua saída de Portugal o assistente tivesse efetivamente reclamado a entrega dos carros e seus documentos pessoais.

Quanto ao telemóvel e computador a arguida afirmou em julgamento que estavam em poder do assistente.

Finalmente, quanto aos cartuchos apreendidos no veículo com a matrícula Renault, modelo Twingo, com a matrícula …-…-FL, cuja posse a arguida sempre negou, dado que essa viatura também era habitualmente conduzida pelo arguido GG não é possível formar convicção segura sobre a posse ou propriedade daquelas munições.

- Já em interrogatório judicial de 20.10.2017, o arguido HH, cujas declarações foram validamente lidas/reproduzidas em julgamento, confirmou que ele e a sua mulher viviam em moradias separadas, desde há 4 anos, embora comunicantes entre si, as quais foram compradas pela arguida com dinheiro cuja origem desconhece.

De resto, as testemunhas TT e VV, adiante melhor identificadas, relataram que o casal dormia em quartos separados, embora saíssem e comessem juntos.

Continuando, o arguido HH afirmou que quando vieram para Portugal quiseram abrir comércio, mas, entretanto, não abriram nenhum, vivendo desde então do aforro que obtiveram.

Negou alguma vez ter agredido ou sequestrado quem quer que fosse, não conhecendo sequer os ofendidos EE e DD, nada sabendo da subtração de dinheiro ou movimentações bancárias à revelia dos titulares das contas.

O BB foi o último homem que veio, mas nada sabe sobre deslocação do mesmo ao supermercado Continente.

O GG veio de frança, o qual conhece desde há 20 anos, o qual vive na moradia nº28 com a arguida AA, o qual não tem rendimentos.

A irmã da AA e a avó vivem em … .

O Renault Twingo, cor verde, é do GG, embora os arguidos HH e AA também o conduzissem.

Afirmou que a arguida AA nunca lhe entregou qualquer dinheiro recebido de outros homens nomeadamente do DD.

Finalmente o arguido FF em interrogatório judicial de 20.10.2017, cujas declarações foram validamente lidas/reproduzidas em julgamento, confirmou que ao tempo vivia sozinho no apartamento desde há um ano, na Urbanização Quinta …, perto do …, enquanto as moradias dos pais ficam em … . Antes disso vivia com os seus pais.

Negou qualquer plano com os demais arguidos para tirar dinheiro a outros.

Iam homens a casa da sua mãe.

Enquanto viveu com os pais eles viviam e dormiam juntos.

Não conhece qualquer dos ofendidos nomeadamente o DD mostrado na foto, negando que lhe tivesse sido apresentado como NNN, com ressalva do BB que viu lá em casa, mas não sabe quem é.

As facas e bombas pirotécnicas eram suas, mas nunca quis usar isso nem vê mal na sua detenção, pensando que só eram proibidas as munições de bala, o que não é verossímil perante a anterior condenação do arguido por idêntico crime e a circunstância de anteriormente ter sido interrogado judicialmente no processo nº1311/17.1…, JCCriminal de …, J3, no qual foi condenado por acórdão ainda não transitado em julgado, tendo sido confrontado com a prática ali imputada da posse ilegal de armas idênticas (faca borboleta).

Negou qualquer sequestro ou agressões ao ofendido DD.

- Inquirida a testemunha RRR, 43 anos, técnica de gestão por conta da …, que nessa qualidade acompanha e promove a vendas do imobiliário dessa empresa, disse que as moradias arrestadas aos arguidos, vendidas por aquela sociedade, situadas na Urbanização …, valem pelo menos €325.000 cada uma.  

Contudo, relativamente aos factos típicos o tribunal serviu-se fundamentalmente das declarações prestadas pelos ofendidos CC, EE, DD e BB, quer em julgamento quer ainda em sede de memória futura em declarações ali prestadas, onde confirmaram integralmente aquelas outras anteriormente proferidas perante a PJ, concretamente:

- o ofendido BB em declarações para memória futura em 30/05/2018 – cf. fls. 1047, tendo ali confirmado integralmente aquelas outras anteriormente proferidas perante a PJ no dia 19/10/2017 que constam de fls. 314 a 315-v.;

- o ofendido EE em declarações para memória futura em 21/06/2018- cf. fls. 1236, tendo ali confirmado integralmente aquelas outras anteriormente proferidas aquando da denúncia que apresentou em 4/03/2017 – cf. fls. 4 e 5 apenso A;

- o ofendido DD em declarações para memória futura em 30.05.2018, tendo ali confirmado integralmente aquelas outras anteriormente proferidas perante a PJ no dia 7.07.2017 – cf. fls.41-47;

- o ofendido CC em declarações para memória futura em 6.07.2018.

Com efeito, cada um dos referidos ofendidos relatou as comprovadas circunstâncias em que conheceram a arguida AA, com o nome de NN, e os contatos havidos com ela perante o propósito de manterem consigo um relacionamento amoroso, ainda que o ofendido CC também para cuidar da sua mulher, já que ela se encontrava incapaz de cuidar de si.

Em declarações para memória futura de 6.07.2018, o assistente CC confirmou além do mais que ainda em França começou esse relacionamento amoroso com a arguida, que conheceu em março/abril de 2016, e depois veio para Portugal com a mulher em julho de 2016, dizendo-se a arguida em processo de divórcio com o marido HH que lhe chegou a apresentar.

Confirmou ter trazido para Portugal os carros e mobiliário apreendidos, tendo o casal passado a viver primeiramente na residência da arguida AA, acabando depois por ir viver para um apartamento ali próximo, a pretexto da casa dela precisar de obras, como explicou.

Nesse momento, disse, o relacionamento amoroso com a AA diminuiu bastante, embora se mantivesse até janeiro de 2017.  

A AA e marido tinham três filhos, FF, ZZ e XX, os quais conheceu.

Nesse apartamento vivia com eles o arguido GG, por imposição da arguida AA, embora sem lhe explicar o motivo.

Afirmou que na sua opinião o arguido GG estava no apartamento para os controlar, mas não concretizou qualquer comportamento do mesmo para o efeito.

Tanto mais que em memória futura referiu que era livre de sair do apartamento, mas não tinha a chave, logo não podiam voltar a entrar. Era o GGe que levava a comida para eles. O arguido GG viveu no apartamento até o assistente sair, mas nesse momento não estava lá em casa.

Tinham uma senhora que fazia a limpeza lá no apartamento.

A sua mulher não estava acamada e saíam os dois à rua.

Foi viver com a mulher para esse apartamento em outubro de 2016, onde esteve a viver até inícios de fevereiro de 2017.

Como se extraviou o seu primeiro cartão bancário, ele pediu um segundo cartão bancário para ser enviado para a casa da AA e vai-lhe perguntando por ele.

E logo adiante referiu que a dada altura a AA pediu-lhe o código do primeiro cartão bancário para pagar pequenas contas do casal, que ele lhe dá, mas como, entretanto, se apercebeu que não era só para pagar as despesas do casal, ele pediu o tal segundo cartão bancário que foi para casa da AA.

Neste sentido, já em julgamento, o assistente CC manteve ter pedido o cancelamento do primeiro cartão e a emissão de outro por discordar à data de diversos movimentos entretantos realizados pela arguida AA nessa sua conta, através do referido cartão de débito, chegando mesmo afirmar que na altura a arguida tinha consigo esse primeiro cartão e como recusou entregar-lho o assistente procedeu ao seu cancelamento e pediu outro.

Perante esta contradição não é possível formar convicção sobre o motivo desse cancelamento do cartão, o que naturalmente fez em data anterior à emissão do segundo no dia 28.09.2016 após se ter deslocado, disse, com a arguida ao balcão do Banco Caixa de Crédito Agrícola para esse efeito.

Contudo, sempre confirmou que esse novo cartão e respetivo código secreto foram enviados para a morada da arguida, que assim os recebeu, mas, segundo a AA, nunca mais chegavam, podendo formar-se convicção segura de que a partir pelo menos de 28.09.2016 o assistente desconhecia quaisquer movimentos na sua conta, independentemente do cartão utilizado.

Com o primeiro cartão bancário ela fez alguns levantamentos, mas o assistente nunca chegou a ver o segundo cartão bancário porque ela sempre disse que não tinha chegado.

Até essa data, 28.09.2016, quando confrontado em julgamento com a necessidade de explicar vários dos movimentos efetuados sobre a sua conta, o assistente CC acabou por afirmar categoricamente não ter autorizado pelo menos aqueles dados como provados, contrariamente a outros que admitiu tê-los consentido à arguida AA ou mesmo outros que disse não se recordar, já que por vezes lhe entregava o cartão bancário para levantar dinheiro no ATM ou fazer pagamentos.

De resto, é natural que essa autorização à arguida tivesse ocorrido em relação a vários movimentos já que o assistente, a própria arguida e também as testemunhas TT e SS, 52 anos, doméstica, que prestaram serviço doméstico ao casal CC, confirmaram que era a arguida que geralmente tratava e pagava as compras e serviços do casal, explicando ambas as funcionárias a existência de cheques do assistente em nome delas nomeadamente o de €755 a fls.210 do apenso C em nome de SSl para pagar serviços prestados ao casal, muitas vezes entregues pela arguida AA na presença do assistente, o mesmo motivo que sugere ter estado subjacente à emissão daqueles dois cheques originais constantes de fls.517 do Banco Crédit Mutuel, titulados por II, emitidos em nome de SS e outro a TT, apreendidos no dia 19 de outubro de 2017, na residência dos arguidos.

De referir que esta testemunha SS explicou que o casal saía habitualmente à rua com as funcionárias, o que a própria fez, ainda que o arguido GG também vivesse no referido apartamento, nada sugerindo sobre o comportamento deste arguido no sentido de controlar e condicionar o comportamento do casal CC.

Confirmou também a testemunha SS acompanhada pela testemunha TT, 34 anos, filha da testemunha MM, que os carros do casal eram utilizados pelos arguidos AA e HH, inclusivamente quando os CC foram morar para o apartamento, reiterando ambas que quando deixou esse apartamento o assistente não tinha consigo as chaves do mesmo, os documentos pessoais e cartões bancários que aquele lhes dizia estarem em poder da arguida AA.

De resto, a testemunha TT confirmou que fez serviço doméstico em casa da arguida AA e depois no apartamento do casal CC quando este para ali foi morar em outubro de 2016, arrendado por este casal e onde o GG também dormiu, disse, durante cerca de um mês até os CC irem embora para França.

Explicou a ida do casal CC para o referido apartamento como forma de todos assegurarem a respetiva privacidade, recordando que aquele casal tinha muitas empregadas a cuidar de si alternadamente, a testemunha TT recordou seis, entre elas VV (irmã da arguida), inclusivamente uma empregada durante a noite e um fisioterapeuta e médico que ali se deslocavam quando necessário.

Relativamente ao pagamento de compras de roupa, o assistente afirmou ter autorizado o pagamento de algumas, cuja marca não recordou, ficando assim a dúvida sobre as concretas compras de roupa que não autorizou até 28.09.2016, não convencendo o limite por si indicado de €400 quando lhe consentiu outras despesas e lhe ofereceu prendas, disse, de valor muito superior, recordando o fio oferecido no natal de 2016 no valor de €1.300.

Esteve desde outubro 2016 até inícios de fevereiro de 2017 no apartamento, sendo a queixa do dia 8 de fevereiro. Nesse entretanto ficou escondido numa outra casa arrendada pelo seu amigo, MM, até ao dia 14 de fevereiro, o mesmo que o acompanhou à agência bancária, confirmando que todos os levantamentos feitos ao balcão o foram por ordem e vontade do próprio que ali se deslocou para o efeito.

Após se ter apercebido do desaparecimento do cartão bancário, só mais tarde se apercebeu do desaparecimento do seu dinheiro na sua conta bancária.

Também mais tarde se apercebeu do desaparecimento dos seus documentos o cartão cidadão, cartão da segurança social, carta de condução, etc.

Tem em depósito na sua conta bancária no dia 13.9.2016 no valor de 160.000 e tal euros que era dinheiro da sua mulher transferido para a sua conta bancária.

Tem outro depósito na sua conta de 219.000 euros em 13.09.2016 que foi da venda da sua casa.

Referiu em memória futura que perguntou à arguida pelos seus dois carros, pois após chegarem a Portugal nunca mais os conduziu, ficando com a arguida AA, a qual lhe recusou a entrega das chaves, sendo Peugeot 308, cinza, e um Citroen, mas depois ele conseguiu as chaves do veículo marca Peugeot e escondeu-as.

Entretanto o genro veio buscar os dois carros a Portugal e levou-os para França.

Perante todo este circunstancialismo, não é possível formar convicção segura que a arguida tivesse subtraído os carros ao assistente, mas antes que ele próprio lhos confiou, abandonando-os com a arguida quando deixou Portugal.

Não sabe em qual das casas vivia quando pediu o segundo cartão bancário.

Quando chegou a Portugal abriu uma conta e pediu cheques dessa conta que entregou, já assinados por ele, à AA para pagar despesas do casal nomeadamente as da empregada de limpeza e alimentação. 

Contudo em julgamento afirmou ter assinado e entregue vários outros que recordou nomeadamente o de 880€ constante de fls.361 do apenso C à empregada FFF, €7505,33 ao IGCP, EPE constante de fls.368/369 do apenso C, para pagamento de impostos da arguida, € 900,00 para pagar gasóleo de aquecimento, €3000,00 para pagar uma divida da arguida à irmã VV, o de 549,95€, € 2572,20 à Boconcept, €1230,00 constante de fls.368/369 do apenso C para pagar reparação da piscina à Activewave, €1140,00 constante de fls.360 do apenso C serviços de clinica dentária da filha da arguido e do assistente, €3000,00 constante de fls.399 do apenso C para pagar honorários prestados à arguida pelo seu advogado Dr. LLL, e outros ainda que não exclui por não se lembrar, como o cheque de € 6900,00 a favor da III, € 652,82 ao portador, € 7123,54 a LL, €755, €30,95 e €2.000,  €938,99 à Nos Comunicações, € 725,97 à CCC, Lda, € 1213,62 à Prosegur Alarmes Dissuasão Portugal Unipessoal, Lda e aqueles constantes de fls.324 verso.

Ouvida a testemunha LLL, advogado com escritório em …, 56 anos, confirmou que o cheque de €3000 de fls. 207 do apenso C lhe foi entregue pelo próprio assistente CC, na presença da arguida AA, no escritório da testemunha, para pagamento de honorários que a arguida lhe devia, tendo aquele assinado o referido cheque na sua presença e que a testemunha preencheu, estado o assistente perfeitamente ciente de que o cheque a tanto se destinava.

A testemunha VV, 45 anos, irmã da arguida AA, que prestou serviço doméstico em casa desta e no apartamento do casal CC, afirmou não se recordar do cheque de 3000€ de fls.207 do apenso C depositado na sua conta conforme informação de fls.357 do mesmo apenso.

Por tudo isto apenas foi possível formar convicção segura sobre o cheque de €71.000, o único que afirmou com certeza jamais ter entregue à arguida e anuído no preenchimento do mesmo nos termos e para o efeito dado como provado.

Neste contexto afirmou, ainda em julgamento, que assinava e entregava à arguida os cheques para pagar serviços e dividas que ela lhe dizia, sendo indiferente os montantes, até porque confiava nela.

Negou em memória futura e julgamento ter assinado o citado cheque de 50.000€ a favor do arguido GG, embora não tendo conhecimento de qualquer facto que revele de forma inequívoca quem o assinou e preencheu.

Em relação às transferências bancárias a partir da sua conta sempre afirmou expressamente jamais ter realizado ou consentido qualquer delas.

Recordou em julgamento que não tinha acesso online à sua conta bancária, o que jamais solicitou sequer.

Declarou que a arguida AA também ficou com o mobiliário que ficou no apartamento, os quais constam relação de fls. 69-70, no valor total de €80.000, mas sem referir sequer que alguma vez lhos tivesse reclamado após o ter abandonado, antes referindo em julgamento inclusivamente ter oferecido alguns deles à testemunha MM, o que este confirmou em audiência, acrescentando a testemunha que na ocasião o assistente o autorizou ainda a doar o que não quisesse para si.

Confirmou ainda em julgamento que as quantias depositadas na referida conta bancária pertenciam a si e à sua mulher, embora fosse ele quem de facto as geria, por motivo de doença da mulher, sentindo-se ele revoltado, triste por ter sido enganado e despojado, à sua revelia, das sobreditas quantias depositadas na referida conta bancária.

Consequências emocionais perfeitamente plausíveis, à luz das regras da experiência, perante a grandeza dos valores de que o assistente CC se viu desapropriado, o que foi confirmado também pelas testemunhas MM e pela filha TT que os acompanharam aquando do abandono do apartamento de …, recordando que a sua mulher II não tinha nem teve qualquer noção do que se estava a passar, atento o seu estado de saúde.

De resto, a testemunha MM, 58 anos, pai da testemunha TT, o qual depôs sobre as circunstâncias em que contatou com o assistente CC e depois o ajudou abandonar o apartamento onde vivia em ... , sendo que – disse – o assistente apenas se queixou para si da atuação da arguida e nenhum outro arguido.

Confirmou ter acompanhado o assistente ao balcão do seu banco para levantamento de diversas quantias em numerário, o que fez, altura em que ordenou o cancelamento do cheque de 50.000€, por ali e encontrar para cobrança a favor do arguido GG, logo afirmando ser falsa a sua assinatura.

Confirmou que à data o casal não tinha os documentos de identificação, telemóveis, computador, cartões de crédito e/ou débito, nem as chaves do apartamento, embora por si só tal facto não permita concluir, sem mais, que a arguida lhos tivesse subtraído ainda que estivessem em seu poder.

Confirmou a situação de demência da demandante II, mulher do assistente, situação corroborada pela sentença adiante referida junta aos autos, o que não permite formar convicção positiva sobre o sofrimento e consciência da mesma em resultado da atuação ilícita da arguida.

Já a testemunha EE, 66 anos, reformado, que confirmou integralmente em memória futura de 21/06/2018- cf. fls. 1236, as suas declarações proferidas aquando da denúncia que apresentou em 4/03/2017 – cf. fls. 4 e 5 apenso A, acabou por relatar na ocasião as comprovadas circunstâncias e modo como veio para …, após ter conhecido a arguida AA que se apresentou como NN, tendo vindo com alguém com a descrição que coincide com o arguido GG e que o foi buscar a França por indicação da arguida, num veiculo de marca Renault mod.Twingo.

Descreveu em memória futura e no julgamento os objetos e dinheiro que trouxe consigo, nomeadamente um cão de companhia.

Relatou em memória futura o modo e lugar onde ficou alojado em … e os contatos e vivência que aqui manteve com a arguida, quer na residência desta quer no apartamento, onde pernoitou e acabaria por sair de manhã pela janela, dado tratar-se de um r/c, já que a porta estava fechada com o arguido GG a dormir também no interior, mas não despertou.

Narrou também em memória futura as comprovadas circunstâncias em que se viu desapossado da sua carteira que pediu aos arguidos AA e HH, este apresentado como seu irmão, tendo aquela restituído a carteira, mas em dinheiro.

Em julgamento acabou por não ir além dos 400€ como quantia mínima em numerário que lhe foi subtraída da carteira.

Na ocasião, referiu em memória futura, logo lhes disse que queria ir embora, ao que a arguida acabaria por anuir, transportando-o na companhia dos arguidos HH e GG num veículo automóvel, conduzido pela arguida, e seguiram na direção da fronteira de Vilar Formoso, levando o ofendido consigo apenas a carteira e o seu cão e deixando na casa da arguida o computador portátil, a mala com a roupa e o telemóvel, cuja restituição não lhes pediu.

Confirmou em memória futura e no julgamento que no percurso a arguida parou o carro e o agrediu nas circunstâncias e modo relatados, provocando-lhe as lesões descritas, e subtraindo-lhe a carteira que lhe devolveria ainda nessa ocasião arremessando-a para o chão.  

Ainda nesse momento, como lhe perguntasse pelo dinheiro, a arguida AA disse-lhe que ele não precisava do dinheiro.

Contudo, quer em memória futura, quer no julgamento, EE afirmou que os arguidos GG e HH não o agrediram, jamais aludindo ao arguido FF.

A fls.1270-6 juntos emails trocados com a arguida AA, fotos da residência desta e do apartamento sito no r/c, onde pernoitou e antes viveram os CC, bem assim do seu extrato bancário que documenta a ocorrência de movimentos na conta efetuados em Portugal nos referidos dias.

Inquirida a testemunha DD, 68 anos, reformado, relatou em declarações para memória de 30.05.2018, tendo ali confirmado integralmente aquelas outras anteriormente proferidas perante a PJ no dia 7.07.2017 – cf. fls.41-47, as comprovadas circunstâncias em que conheceu a arguida AA, que se apresentou como NN, e o convenceu a visitar …, o que veio a ocorrer no dia 27 de junho de 2017, tendo sido recebido pela própria e pelo arguido GG que o levaram até à residência daquela e onde viria a conhecer os seus familiares nomeadamente o arguido HH que aquela lhe apresentou como sendo seu irmão, tendo ali ouvido tratar o arguido GG, quer como  “PP”, quer como “QQ”.

Confirmou os contatos e convivência havida com os arguidos até ao dia 29.06.2017, com os quais saiu várias vezes, fez compras e levantamentos de dinheiro utilizando o seu cartão bancário na presença dos mesmos, data esta em que deu conta do desaparecimento da sua carteira, o que logo transmitiu à arguida, como tudo explicou.

Já no dia 30 de junho de 2017, DD consultou os movimentos da sua conta através da internet e apercebeu-se que já haviam sido feitos, sem o seu consentimento, vários levantamentos e pagamentos através da sua conta, com o que confrontou a arguida e manifestou intenção de denunciar a situação.

Em consequência, relatou ainda em memória futura, a arguido agrediu-o e fechou-o no w/c, ali ficando até ao dia seguinte, altura em que saiu e como ele resistisse ali regressar foi agredido pelos arguidos FF e GG que o voltaram a fechar no w/c, em consequência do que sofreu hematoma periorbitário e dores na cabeça, tronco e abdómen, tudo descrevendo de forma escorreita, assertiva, circunstanciada e convincente.

De referir que no relatório de fls.65-6 consta o episódio de urgência do dia 7.07.2017, às 18.54 horas, no qual o ofendido DD foi atendido no Hospital de …, queixando-se de ter sido sequestrado e agredido, apresentando as lesões ali registadas, cuja origem os arguidos não explicaram, referindo a arguida desconhecer esse atendimento no hospital.

Durante pelo menos dois dias, referiu em memória futura, permaneceu no interior da casa de banho, sem comida, água e medicamentos, após o que a arguida abriu a porta e deixou-o fazer a higiene e alimentar-se, findo o que voltou a entrar na casa de banho, o que ele fez com receio de ser agredido novamente, ali permanecendo trancado por um dia, como tudo explicou pormenorizadamente.

Nesse período, afirmou, alguém acedeu ao seu computador e à sua conta de facebook com o registo RR e encetou conversação escrita com o filho do ofendido, o que mulher resulta ilustrado nas fotos de fls.52-3 que aqui se dá por inteiramente reproduzidas.

Dessas fotos resulta que no dia 04 de julho de 2017, enquanto DD se encontrava fechado na casa de banho, através do computador daquele, já que de outro modo não teriam o respetivo código, alguém acedeu à sua conta de facebook com o registo RR e, fazendo-se passar pelo legitimo titular, conversou com o filho do ofendido, dizendo-lhe, de modo a tranquiliza-lo, que estava tudo bem e que se tinha esquecido do código PIN do seu telemóvel, conforme consta das fotos de fls.52-3.

Sabendo os arguidos da situação de clausura do ofendido, cujo cartão bancário usavam nesse período, lógico se torna concluir, à luz das regras da experiência, terem sido aqueles, em conjugação de esforços e intentos, quem acedeu à conta de facebook do ofendido e efetuou aquela conversação, na qual não se lê que tivessem solicitado o código PIN do telemóvel.

Prosseguindo, o ofendido DD referiu, quer em memória futura, quer no julgamento, que lhe foram efetuados através do respetivo cartão bancário, à sua revelia, os movimentos debitados na conta que fez constar da listagem de fls. 107, com tradução a fls. 133-5, no total de €3.506,58, melhor identificados no extrato junto a fls. 106 que aqui se dá por inteiramente reproduzido.

Contudo, para além da soma dos valores parcelares ali escritos perfazer o total de €3550,83, certo é que o movimento lançado com a data de 3.07.2017, no valor de 12,80€, com a referência CRIME AP-1 Arabat Zara 27.06.2017, foi efetuado ainda antes da subtração do cartão já que o ofendido sempre afirmou que ele próprio fez o levantamento do dia 29.06.2017 de €20 no … e o pagamento dos croquetes para o cão da arguida na TTT em 28.06.2017, talão de fls.50 e fatura de fls.526, também descritos no extrato de fls. 106, únicos movimentos que - disse - efetuou.

De resto, nos fotogramas do dia 29.06.2017 no … constantes de fls.145-7 vê-se o ofendido DD na companhia dos arguidos AA, FF e GG, procedendo aquele a uma operação na caixa ATM ali situada, o que sugere tratar-se do levantamento dessa data, no valor de 20€ descrito no extrato de fls.106.

Assim, excluído o valor de 12,80€, com a referência CRIME AP-1 Arabat Zara 27.06.2017, obtemos a soma de €3.538,03 (três mil quinhentos e trinta e oito euros e três cêntimos) correspondente aos movimentos que o ofendido reconhece como efetuados à sua revelia através do respetivo cartão bancário.

Contudo, visto esse extrato de fls. 106, com os movimentos ali lançados a débito na conta do ofendido:

- observando-se, como sobredito, nos fotogramas de fls. 145-7 do dia 29.06.2017 no …, o ofendido DD na companhia dos arguidos AA, FF e GG, procedendo aquele a uma operação na caixa ATM, o que com forte verosimilhança sugere tratar-se do único levantamento/movimento dessa data, no valor de 20€ descrito no extrato de fls. 106;

- constando dos fotogramas de fls. 166-172 que os arguidos HH e AA se apresentaram no Hipermercado Continente de … para fazer compras, que constam do referido extrato nos valores de 515,93 + 389,63 + 161,87 + 127,5, todas logo desse dia 29.06.2017, entre as 16.25 horas e as 18.40 horas;

- dada a correspondência com os talões do JUMBO de fls.84-6 no valor de €18,32 e €13,84 e os fotogramas de fls.87-92, todos do dia 30.06.2017, nos quais surgem os arguidos HH, AA e o filho de ambos, FF, a efetuar o pagamento na caixa direta com uso do cartão bancário, observando-se novamente nos fotogramas de fls.148-9 os três arguidos a deambular no interior do centro comercial;

- constando dos fotogramas de fls. 156-8 que o arguido HH se apresentou no Hipermercado Continente de … para fazer compras, que constam do referido extrato no valor de 327,55, no dia 2.07.2017, por volta das 20.30 horas;

- constando dos fotogramas de fls. 173 que a arguida AA se apresenta no Hipermercado Continente de … para fazer compras, que constam do referido extrato no valor de 316,41€, no mesmo dia 2.07.2017, por volta das 19.08 horas.

- dada a correspondência com os talões do JUMBO de fls.151-2 no valor de €53,56 e os fotogramas de fls. 150, todos do dia 5.07.2017, nos quais surgem os arguidos HH e AA a fazerem compras;

então é de concluir que todos os arguidos utilizaram em seu proveito, em conjugação de esforços e intentos entre si, o cartão bancário do ofendido DD para fazer compras que pagaram desse modo.

Tanto mais que foi o arguido GG quem restitui ao ofendido esse mesmo cartão, por indicação da arguida AA, quando lho restituíram, conforme explicado pelo ofendido em memória futura por si relatada circunstanciadamente.

De referir que nos fotogramas juntos com o auto de diligência de fls.255-261 surgem perfeitamente ilustrados entre outros os arguidos AA, GG e FF com um perfil e vestuário em tudo idêntico ao que apresentam nos fotogramas atrás referidos.  

De resto, nesse ato o ofendido relatou o tempo que esteve fechado no w/c, nas condições que descreveu, e quando a arguida AA ali voltou para o deixar sair no dia 05 de julho de 2017, foi encaminhado pela arguida AA, disse, para um apartamento em …, no carro do ofendido, ambos seguidos pelo arguido GG que conduzia outra viatura, como tudo explicou.

Ali permaneceu, disse, contra a sua vontade até ao dia 06 de julho de 2017, pelas 20 horas, altura em que lhe permitiram que abandonasse o local, altura em que solicitou à arguida AA a entrega das chaves do seu carro, dos documentos pessoais e o do seu cartão bancário, o que lhe foi restituído pelo arguido GG que os tinha consigo na ocasião, como o ofendido relatou circunstanciadamente.

Em toda a relatada conduta é assim de crer que os quatro arguidos agiram com o propósito concretizado de utilizar o referido cartão, que a arguida subtraíra, com vista a obter enriquecimento que sabiam ilegítimo por não terem autorização para o efeito, bem sabendo que, desta forma, ludibriavam o sistema bancário, que pressupôs, erroneamente, que a ordem era emanada por DD ou por alguém com o seu consentimento e, em consequência, autorizou que as respetivas operações bancárias fossem efetuadas, causando prejuízo patrimonial ao ofendido.

Daí que só eles tivessem interesse em sossegar os familiares do ofendido na conversação através do facebook, sendo de crer que tivesse sido a arguida a subtrair lhe o cartão bancário, dado que a mesma logo o representou nesse dia 29 para fazer compras e se fez desentendida quando nesse dia foi confrontada pelo ofendido com o seu desaparecimento e no dia seguinte a confrontou com os débitos na sua conta, como o próprio descreveu em memória futura, mas logo o agredindo quando lhe disse que ia denunciar a situação às autoridades policiais.

De resto, a foto da busca de fls.283-4 retrata que era a arguida quem habitualmente guardava a carteira com documentação e cartões bancários dos clientes, no caso de UUU melhor retratado a fls.518.

Negou, todavia, em julgamento que o arguido HH o tivesse agredido e empurrado para o w/c.

Finalmente, o ofendido BB, 50 anos, …, relatou também em declarações para memória futura de 30/05/2018 – cf. fls. 1047, onde confirmou integralmente aquelas outras anteriormente proferidas perante a PJ no dia 19/10/2017 que constam de fls. 314 a 315-v., as circunstâncias em que conheceu e contatou com a arguida AA, a qual se apresentou como NN, acabando por vir a ... a convite da própria, o que fez de autocarro, aqui chegando no dia 18 de outubro de 2017, como tudo explicou em memória futura.

Em …, explicou circunstanciadamente, a arguida AA e o arguido GG, que apresentou como QQ, foram busca-lo à estação de camionagem e seguiram para a residência da arguida, onde conheceu o arguido HH como sendo irmão daquele e com o nome OO.

Confirmou em memória futura e no julgamento que foi com a arguida fazer compras a um supermercado e como ela e o “OO” afirmassem não ter consigo o cartão bancário, ele próprio se dispôs pagar a conta de cerca de 100€, aceitando que corresponda ao movimento de 109,60€ assinalado a amarelo na listagem do extrato de fls.678. Para o efeito entregou à arguida o seu cartão bancário, a quem soletrou em voz alta o respetivo código, permitindo a feitura do pagamento.

Chegados a casa, confirmou em memória futura e no julgamento, a arguida AA propôs-lhe que lhe entregasse os seus pertences, nomeadamente carteira onde se encontrava o referido cartão bancário, para que esta guardasse em local seguro, ao que ele acedeu.

No dia 19 de outubro de 2017, de manhã, um funcionário do banco ligou-lhe a dizer que tinham sido debitados 450€ da sua conta bancária, momento em que teve conhecimento dos movimentos, no valor total de €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros), na sua conta e assinalados a amarelo na listagem de fls.678, excluído o de 109,60€ que o próprio efetuou.

Aceitando-se que o ofendido quando ouvido pela PJ no dia 19 de outubro de 2017 ainda não tivesse conhecimento de outros movimentos da sua conta para além daqueles levantamentos no total de 450€, correspondentes a levantamentos de €200 + €200 + €50 do dia anterior, constantes de fls.678, com a referencia Ret Dab Hiper Modelo, …, 18/10, certo é que em memória futura do dia 30.05.2018, já depois de ter feito juntar o extrato de fls.678 manteve que se sentia prejudicado em apenas 550 euros.

Posteriormente, no dia 19 foi feita a busca na residência da arguida, tendo então recuperado a posse do cartão bancário e seus pertences por intervenção da Polícia Judiciária, quando a arguida momentos antes foi confrontada pelo ofendido com aqueles movimentos bancários e lhe disse que possivelmente efetuados por quem lhe roubara o cartão.

Mais se baseou o tribunal no Relatório de investigação do Gabinete de Recuperação de Ativos junto a fls.197-230 do apenso A sobre a situação financeira e patrimonial dos arguidos a partir dos anexos em suporte digital e papel dos registos de móveis e imóveis, declarações de rendimentos e mapas/extratos bancários dos movimentos e saldos das contas de que os arguidos são titulares.

Sobre o resultado e circunstâncias das apreensões/buscas efetuadas, o tribunal baseou-se nos autos correspondentes adiante referidos.

Todas aquelas declarações na estrita medida em que os inquiridos revelaram ter conhecimento seguro dos factos sobre que depuseram e conjugados com as regras da experiência, os autos e documentos adiante referidos, se afigurou deporem de forma séria, verdadeira e coerente e assim permitiram formar uma dada convicção conscienciosa, disso persuadindo, no sentido dado como provado.

No tocante aos elementos subjetivos dos crimes foram consideradas as regras da experiência comum em face do contexto e condições em que os factos foram praticados e da atuação dos arguidos.

Por fim, o tribunal assentou ainda a sua convicção no exame em audiência:

- Do processo principal: 

- em relação ao ofendido DD: auto de notícia de fls.3-4 e 30-4 (exclusivamente quanto aos factos ali descritos como resultantes da perceção direta do autuante), foto do ofendido, cartão de cidadão e carta de condução de fls.7-9, talões de movimentos bancários de fls.50 e fatura de fls.526, cópia de conversações no facebook de fls. 35-36 e 52-53, fotos extraídas do tablet do ofendido de fls.58, relatório de episódio de urgência de fls.65-6, extratos e listagem de movimentos bancários de fls.80 e 106-7, faturas, talões de pagamento e fotogramas de fls.84-92, 145-152, 156-8, 166-173, relatório de exame de fls.120-5 do veiculo de DD da marca Peugeot, com a matrícula CC … BX, auto de tradução/retroversão de fls.133-5, 142-3

- em relação ao ofendido BB: cópia de cartão bancário de fls.347, extrato bancário de fls.678;

- em relação ao ofendido EE: auto de notícia de fls.4-5 do apenso A de 4.03.2017 do Posto da GNR de Vilar Formoso (exclusivamente quanto aos factos ali descritos como resultantes da perceção direta do autuante), carta e cartão de identificação de fls.503-4, emails trocados com a arguida AA, fotos da residência desta e do apartamento sito no r/c, onde pernoitou e antes viveram os CC, bem assim do seu extrato bancário que documenta a ocorrência de movimentos na conta efetuados em Portugal nos referidos dias, constantes de fls.1270-6,

- em relação ao assistente CC e mulher: auto de notícia de 8.02.2017 de fls.4-7 e 12-3 do apenso C (exclusivamente quanto aos factos ali descritos como resultantes da perceção direta do autuante), cópia de documentação pessoal de fls.516, cheques de fls.517, carta de condução de fls.518-9, talões de transferência de fls.520-1, certidão de sentença que decretou medida de acompanhamento de II de fls.2159-66,

 - relatório pericial informático de fls.1823-1902, fotografias do Google de fls.55-7, auto de diligência externa de fls.59-64, 81-3, 255-261, print de registo automóvel e seguro do veiculo de matricula …-…-FL de fls.68-9, prints de identificação civil e fotos dos filhos dos arguidos AA e HH de fls.95-8, fotos dos arguidos AA e HH de fls.103, assento de casamento dos arguidos AA e HH de fls. 205-206, registo de imoveis de fls.251-3, auto de busca e apreensão do dia 19.10.2017 de fls. 266-287, 295-296, auto de constituição dos arguidos AA de fls.289-290, HH de fls.292-3, FF de fls.303-4, GG de fls.312, auto de exame às armas de fls. 497-500, auto de destruição dos petardos de fls.2218, registo criminal francês dos arguidos de fls.437-442, 447-452, traduzidos a fls.566-580, e fls.3003-16 e 3065, traduzidos a fls.3046-53, cópia da condenação dos arguidos AA e GG constante de fls.1980-96/2238-46 do processo nº143…24 do Tribunal Correcional de …, certificados de registo criminal de fls.2546-50, 2555-6, informação bancária de fls. 1586-1711, 1718, 1782-1784, 1786-1798, certidão do relatório de avaliação psicológica e psiquiatra do arguido FF constantes de fls.2417-24, relatório social do arguido FF de fls.2588-90, do arguido GG de fls.2591-2, do arguido HH de fls.2593-5 e da arguida AA de fls2596-8, contrato de arrendamento de 30.08.2016 de fls.2703-6 ao arguido FF do apartamento sito no r/c na Quinta …, outorgando como fiadores o casal CC, contrato de arrendamento de 13.09.2016 de fls.2715-18 ao casal CC do apartamento sito no r/c na Quinta …, Lote …, …, print de registo predial de fls.2722-35, relatório de inspeção tributária de fls.2743-53, certidão de sentença transitada em julgado em 18.10.2017, do JCCível de …, J1, constante de fls.2822-47 que aqui se dá por inteiramente reproduzida, a arguida AA foi condenada a pagar a JJ, a quantia de €1.533.600 (um milhão quinhentos e trinta e três mil, e seiscentos euros), acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento, cópia do cheque nº36…93 de fls.3023, no valor de €71.000,00

Do apenso A: - Relatório de investigação do Gabinete de Recuperação de Ativos junto a fls.197-230 do apenso A sobre a situação financeira e patrimonial dos arguidos a partir dos anexos em suporte digital e papel dos registos de móveis e imóveis, declarações de rendimentos e mapas/extratos bancários dos movimentos e saldos das contas de que os arguidos são titulares;

- Termos de constituição de arguidos de fls. 2-11 do apenso A da investigação patrimonial e financeira;

- Informações do instituto de registo e notariado de fls. 63-68 do apenso A da investigação patrimonial e financeira;

- Assento de nascimento de fls. 71 do apenso A da investigação patrimonial e financeira;

- Certidão de matrícula de fls. 76-79 do apenso A da investigação patrimonial e financeira;

- Certidões prediais de fls. 82-108, 123-139, 192-195 do apenso A da investigação patrimonial e financeira;

- Informações da Autoridade Tributária de fls. 141-152 do apenso A da investigação patrimonial e financeira;

- Informação do Banco de Portugal de fls. 153-157 do apenso A da investigação patrimonial e financeira;

Do apenso B: - informações bancárias de fls. 146 do apenso B da investigação patrimonial e financeira e do CD constante da contracapa do apenso A da investigação patrimonial e financeira;

Do apenso C: - extratos bancários de fls.19-27, informação bancária e cópia de cheque de 50.000€ a favor do arguido GG de fls.42 e 67 do apenso C,  informação bancária de fls.310-339, 357, 359-369, 375-401 do apenso C, Lista de bens de fls. 69-70 do apenso C, auto de busca e apreensão de fls. 87-91 do apenso C; cópia de cheque de fls.94 de Crédit Mutuel de €50.000, Livro de cheques de fls. 101 do apenso C ; cópia de cheque de €7505,33 ao IGCP, EPE constante de fls.368/369 do apenso C, notas de lançamento de transferências bancárias de fls.96-100, documentação dos veículos de fls.102-7, Auto de exame direto dos bens apreendidos de fls.108-111, fotos de fls. 113-151 do apenso C do mobiliário do casal CC, auto de exame direto de fls. 160 e 163 do apenso C (para prova do ponto I e II e VI); informações de fls. 189-192, 215 do apenso C , fatura da Soveco de fls.167, fatura de Benetronica de fls.189-91, auto de diligência e extrato de conta corrente de fls. 197-198 do apenso C , cópias de cheques da conta de CC de fls.200-211, escritura de compra e venda de fls.221-4, informação, extratos e cheques bancários da conta de CC de fls.310-339, 360-5 e 376-9, 388-92, 399, 401 informação do Banco Santander de fls.357 e do Novo Banco de fls.358-9, CGD de fls.380-6, do BPI de fls.387, 393-6 , do Millennium de fls.398 e 400 sobre depósito de cheques sacados sobre a dita conta de CC.

Quanto aos factos não provados, a convicção do tribunal alicerçou-se na análise da prova produzida em julgamento e falta de consistência de outra sobre os mesmos produzida, em resultado, nomeadamente, de não terem sido carreados outros elementos probatórios credíveis e com força bastante para os sustentar.

Na verdade, não se produziu em audiência de julgamento qualquer prova que permitisse dar como provados outros factos para além daqueles que nessa qualidade se descreveram, designadamente por não ter sido produzida qualquer prova testemunhal ou por declarações bastantes que conduzisse a distinto resultado probatório, nem tal resultado ser alcançado pela análise dos documentos juntos aos autos.”


§II.B). – DE DIREITO.

§II.B).1. – QUESTÃO PRÉVIA: - ADMISSIBILIDADE DO RECURSO QUANTO Á CONDENAÇÃO DA ARGUIDA PELOS CRIMES DE SEQUESTRO E OFENSAS Á INTEGRIDADE FISICA.

Reitera a recorrente a sua oposição à condenação pelo crime de ofensa à integridade física (artigo 143º, nº 1 do Código Penal), efectivado na pessoa de DD, na pena de 9 (nove) meses de prisão, por estimar que “o sequestro é o objectivo principal e único da conduta dos arguidos sendo as ofensas o meio de realizar aquele objectivo” e, pour cause, deve “a arguida ser absolvida do crime de ofensas à integridade física praticado sobre o ofendido DD, mantendo-se a sua condenação apenas quanto ao crime de sequestro agravado.”

A lei ordinária, com respaldo na lei fundamental, regula o direito ao recurso, permitindo um duplo grau de jurisdição corrector e asseverante do direito que qualquer imputado pela prática de um ilícito penalmente punível, e por ele condenado, tem de ver o seu caso apreciado e revisto por um tribunal de rango superior aquele que procedeu à análise do caso em primeira instância.

Deste princípio basilar e incontrastável retira a lei consequências no caso de o caso haver sido apreciado por uma segunda instância de recurso.

Manda o artigo 400º, nº 1, alínea f) do Código de Processo Penal que “não é admissível recurso” de: “acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.  

Com o comando contido na alínea f) do citado preceito o legislador de 2007 consagrou a figura da dupla conforme, isto é, a confirmação por um tribunal, sem discrepância de fundamentos essenciais, de facto e de direito, da decisão proferida em 1ª Instância. Prevaleceu-se o legislador, na sua opção jusnormativa, do facto de os intervenientes processuais manterem intactos o direito ao recurso, pelo direito que exerceram de apresentarem as razões da sua discordância perante um tribunal de rango superior – na acepção jusconstitucional do irremível direito ao recurso – e de evitar um prolongamento do procedimento por uma escalada de recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, quando o caso já havia obtido uma confirmação, itera-se sem discrepâncias de dois órgãos jurisdicionais, de um parelho e concordante veredicto jurídico.

A criação da figura da dupla conforme, ou seja da confirmação (concordante e similar, na sua essencialidade) de uma decisão de um tribunal inferior por uma decisão de um tribunal de rango superior, concita consequências no plano do direito ao recurso, quando verificada a situação de conformidade, a saber o da não admissibilidade do recurso que o prejudicado pretenda interpor da decisão confirmatória da primeva decisão. Vale por dizer que a constituição/formação de uma situação de dupla conformidade ilaqueia o eventual prejudicado pelas decisões concordantes de ver reapreciado seu caso por um outro tribunal.   

As razões processual/estruturais que ditaram a opção do legislador, foram conspicuamente dissecadas pelo Conselheiro Abrantes Geraldes, no acórdão de 20 de Novembro de 2014, (in www.dgsi.pt,), ao asseverar que (sic): “Com a reforma do regime dos recursos de 2007, a necessidade de racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça determinou a consagração de uma restrição assente na dupla conforme: confirmação, sem voto de vencido e ainda que com fundamento diverso, da decisão da 1ª instância.

Esta medida foi objecto de largo debate entre os defensores da manutenção do sistema anterior que não previa este impedimento ao terceiro grau de jurisdição e aqueles que sublinhavam a necessidade de reduzir a quantidade de recursos, como forma de racionalizar o uso dos meios processuais e de valorizar a intervenção do Supremo, proporcionando reais condições para a criação de correntes jurisprudenciais estáveis.

Se, em abstracto, a multiplicidade de graus de jurisdição constitui elemento potenciador de maior segurança jurídica, também é certo que os meios disponíveis para a tarefa de Administração da Justiça são limitados e que a necessidade de alcançar uma decisão definitiva em tempo razoável não é compatível com o esgotamento da multiplicidade de recursos.

Foi consagrada no âmbito daquela revisão do regime de recursos cíveis a regra da inadmissibilidade de recurso em situações de dupla conforme, com excepção das três situações particulares enunciadas no nº 1 art. 721º-A do anterior CPC.

O regime entretanto foi modificado.

Inicialmente a aludida medida restritiva era totalmente independente da fundamentação de cada uma das decisões: a dupla conforme verificava-se sempre que a Relação confirmasse, sem voto de vencido, e mesmo com fundamentação diversa, a decisão da primeira instância. Já com o NCPC o regime restritivo deixa de se aplicar quando a Relação empregue para a confirmação da decisão da 1ª instância “fundamentação essencialmente diferente” (art. 671º, nº 3).

Efectivamente, em tais circunstâncias, embora o resultado final seja idêntico, o facto de as instâncias divergirem, de modo substancial, no enquadramento jurídico da questão que se mostre verdadeiramente decisiva para o atingir é revelador de uma cisão que deve permitir, nos termos gerais, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, sem necessidade de invocar alguma das situações típicas da revista excepcional. Intervenção, aliás, justificada pela missão que é especialmente atribuída ao Supremo no campo da identificação, interpretação e aplicação do regime jurídico ajustado aos casos.

O quotidiano forense é susceptível de nos revelar diversas situações que impedem a verificação de uma situação de dupla conforme com aquele motivo.

Assim ocorre designadamente:

- Quando, depois de a 1ª instância assumir uma determinada qualificação contratual, a Relação adopte uma outra distinta ou envolva a decisão num enquadramento jurídico substancialmente diverso;

- Quando uma eventual condenação tenha sido sustentada na aplicação das regras de um determinado contrato, sendo a decisão confirmada ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa ou de normas que regulam os efeitos da nulidade do mesmo contrato;

- Quando um determinado resultado tenha sido sustentado na apreciação da validade de um contrato e a Relação, oficiosamente, reconheça a existência de nulidade que nenhuma das partes invocou;

- Ou ainda, nos casos em que a primeira decisão tenha absolvido o réu da instância com fundamento numa determinada excepção dilatória e a Relação tenha encontrado motivo para a mesma decisão noutra excepção.

Em cada uma destas situações que nos limitámos a exemplificar, posto que o resultado final seja idêntico, a diversidade do percurso seguido acaba por infirmar as razões que levaram o legislador de 2007 a restringir o acesso ao terceiro grau de jurisdição, justificando que, nos termos gerais, a parte vencida suscite a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça como órgão jurisdicional que tem a primazia na aplicação do direito.

4. Todavia, a atenuação do condicionalismo legal de que depende a verificação de uma situação de dupla conforme não pode ser interpretada como um regresso ao modelo recursório anterior à reforma de 2007, fazendo depender o recurso de revista unicamente do valor do processo ou da sucumbência em conexão com a alçada da Relação. O relevo atribuído à fundamentação jurídica para evitar a formação de uma situação de dupla conformidade decisória não pode servir de pretexto para, na prática, restaurar de pleno o terceiro grau de jurisdição que o legislador de 2007 limitou, sustentado nas vantagens que uma tal restrição assegura, na medida em que evita o recurso indiscriminado ao Supremo Tribunal de Justiça, só porque o valor do processo ou da sucumbência o permitem.

Assim, a alusão à natureza essencial da diversidade da fundamentação implica que prevaleça o seu núcleo fundamental, ou seja, os aspectos que verdadeiramente se mostram decisivos para a obtenção do resultado, levando a desconsiderar, para este efeito, as divergências marginais, secundárias, periféricas, que não representam efectivamente um percurso jurídico diverso. O mesmo acontece nas situações em que a diversidade de fundamentação se traduza apenas na não aceitação, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado pela 1ª instância ou que não tenha sido admitido e que sirva para reforçar o mesmo resultado.

Se, como é natural, a sistematização das decisões ou a variedade dos argumentos jurídicos empregues numa e noutra das decisões é susceptível de conduzir a resultados formalmente diversos ou não inteiramente coincidentes, releva unicamente para o caso a essencialidade da fundamentação que, seguindo trilhos diversos, sustente uma e outra das decisões.

Para o efeito importa não devem confundir-se questões jurídicas com argumentos jurídicos, sendo relevante que os resultados tenham sido motivados por respostas diversas à mesma questão de direito essencial para ambos os resultados.”

No mesmo sentido o acórdão do mesmo Exmo. Conselheiro de 28 de Abril de 2014, em que expendeu que (sic): “No horizonte desta modificação legal estiveram situações em que, por exemplo, a confirmação da decisão da 1ª instância se processa a partir de um quadro normativo substancialmente diverso, como sucede nos casos em que a uma determinada qualificação contratual se sucede uma outra distinta, com um diverso enquadramento jurídico. Outrossim quando uma eventual condenação tenha sido sustentada na aplicação das regras de um determinado contrato, sendo confirmada pela Relação, mas ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa ou das normas que regulam os efeitos da nulidade do mesmo contrato. Ou quando um determinado resultado tenha sido sustentado na apreciação da validade de um contrato e a Relação, oficiosamente, reconheça a existência de nulidade que nenhuma das partes invocou. Ou, ainda, quando a primeira decisão tenha absolvido o réu da instância com fundamento numa determinada excepção dilatória e a Relação tenha encontrado motivo para a mesma decisão noutra excepção.

Na realidade, em cada um destes exemplos, ainda que o resultado final seja idêntico, a diversidade do percurso acaba por revelar duas decisões substancialmente diversas, não se justificando a ablação de terceiro grau de jurisdição em situações em que o mesmo resultado seja alcançado no final de um percurso jurídico substancialmente diverso.

A alusão à natureza essencial ou substancial da diversidade da fundamentação claramente nos induz a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não revelam um enquadramento jurídico alternativo. O mesmo se diga quando a diversidade de fundamentação se traduza apenas na não aceitação, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido.

A restrição ao conceito de dupla conformidade que decorre agora do art. 671º, nº 3, do NCPC, com atribuição de relevo à fundamentação jurídica, não pode servir de pretexto para, na prática, se restaurar de forma irrestrita o terceiro grau de jurisdição que o legislador de 2007 limitou, sustentado nas vantagens que uma tal restrição assegura, por evitar o recurso indiscriminado ao Supremo Tribunal de Justiça, só porque o valor do processo ou da sucumbência o permite.

Não podem para o efeito exponenciar-se as objecções dirigidas àquela opção legislativa, nem superar, por via de meros juízos valorativos, o pressuposto negativo representado pela dupla conforme, agora circunscrita aos casos em que a fundamentação jurídica seja essencialmente idêntica.

Em suma, a admissão, fora das regras da revista excepcional, do recurso de revista interposto de um acórdão da Relação que confirmou a decisão da 1ª instância, depende da verificação de uma situação em que o núcleo essencial da fundamentação jurídica é diverso. Já se for substancialmente idêntica a resposta que as instâncias deram à questão ou questões jurídicas que, em concreto, se revelem em concreto essenciais para o resultado, a situação contém-se nos limites da dupla conforme, dependendo a admissibilidade da revista da demonstração de algum dos fundamentos previstos no art. 672º, nº 1, do NCPC.”

Em sentido que se nos figura similar, os arestos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Julho de 2015, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, em que se doutrinou que (sic): “No que respeita à existência ou não de fundamentação essencialmente diferente entre a sentença apelada e o acórdão recorrido, adere-se inteiramente à argumentação expendida no despacho que considerou procedente a questão prévia da recorribilidade – sendo manifesto, aliás, que na sua argumentação os reclamantes confundem os conceitos de fundamentação diferente e de fundamentação essencialmente diferente, como instrumento para, no âmbito da figura da dupla conforme, delimitar as possibilidades de acesso ao STJ, perante decisões inteiramente sobreponíveis, nos respectivos segmentos decisórios: não basta, para quebrar o limite à recorribilidade decorrente da regra da dupla conforme, identificar uma qualquer alteração ou nuance na fundamentação jurídica acolhida no acórdão recorrido, sendo indispensável que se trate de uma alteração ou modificação qualificada da base jurídica da decisão, resultante do apelo a um diferente enquadramento normativo do pleito: não cabem, pois, seguramente no referido conceito de fundamentação essencialmente diferente os casos em que – movendo-se inquestionavelmente a Relação, no que respeita à efectiva ratio decidendi do acórdão proferido, no campo dos mesmos institutos ou figuras jurídicas – se limita a aditar um mero reforço argumentativo no que toca à idêntica solução jurídica do pleito que alcançou.

Por outro lado, não é exacto que possa inferir-se do direito fundamental de acesso à justiça, plasmado no art. 20º da Constituição, um amplo direito de acesso a um terceiro grau de jurisdição a exercitar pelo STJ, sem que ao legislador e à jurisprudência seja legítimo delimitar ou filtrar, em termos proporcionais e adequados, os litígios em que deva intervir em via de recurso ainda o STJ: na verdade, o acesso à justiça e a tutela judicial efectiva bastam-se com a obtenção de uma decisão jurisdicional, em tempo útil, sobre os litígios de direito privado, sendo certo que no caso a sentença proferida foi objecto de reapreciação pela 2ª instância, que manteve inteiramente o sentido decisório questionado pelo recorrente; ora, não está seguramente compreendido naqueles princípios fundamentais um direito de aceder ao STJ sempre que a parte vislumbre alguma nuance ou alteração menor na fundamentação jurídica seguida pelas instâncias.

Note-se, por outro lado, que a regra da dupla conforme, tal como se mostra delineada no actual CPC, não pode perspectivar-se como traduzindo a imposição de um limite formal à recorribilidade: na verdade, ela não se consubstancia em qualquer regra de forma, tendo antes a ver com a substância das decisões proferidas nos autos, delimitando a acesso ao STJ, em revista normal, em função da identidade essencial das decisões e respectivos fundamentos, proferidas anteriormente nos autos, vedando o acesso a um terceiro grau de jurisdição nos casos em que a fundamental coincidência do unanimemente decidido na 1ª instância e na Relação torna plausível a adequação e legalidade substantiva da solução normativa alcançada para o litígio.” [[3] 

Tendo como horizonte este quadro doutrinário, haver-se-á de concordar que a questão que a recorrente pretende ver reapreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça, já mereceu reapreciação, em tribunal de recurso, sendo que a fundamentação não se revela essencialmente diferente.     

No recurso que apresentou para a Relação, concernente à questão que de novo traz para conhecimento deste tribunal – punição da arguida pelo crime de ofensa à integridade física, acoplado com o crime de sequestro agravado – argumentou nas respectivas alegações (concluídas) que (sic): “12ª - A arguida AA foi acusada da prática de um crime de sequestro agravado p. e p. no art. 158.º, n.º 1 e 2.º, alíneas a) e b) do Código Penal, e de um crime de ofensa à integridade física p. e p. no artigo 143º n.º 1 do Código Penal, crimes estes praticados sobre o ofendido DD.

13ª - Realizado o julgamento, veio a mesma a ser condenada, por ambos os crimes (sendo que no tocante ao crime de sequestro agravado não o foi pela alínea b), mas apenas pela alínea a), em concurso real, nas penas de 3 anos e 9 meses para o primeiro crime e 9 meses para o segundo crime.

14ª - Entendem a Recorrente/Arguida AA que os factos provados não revelam que tenha sido praticado na pessoa do ofendido DD, um crime de sequestro agravado em concurso efectivo com o crime de ofensas à integridade.

15ª - Não partilhamos deste entendimento, e estamos convictos de ter sido decidido de forma errada.

16ª - Primeiro, porque ficou claro no texto do Acórdão que o objectivo dos arguidos foi privar o Ofendido da liberdade para dessa impedi-lo de denunciar os factos às autoridades, por um lado, e poderem continuar a utilizar o cartão bancário, por outro lado.

17ª - Segundo, porque as agressões só foram praticadas face à oposição e resistência que era exteriorizada pelo Ofendido (atente-se que da última vez que lhe deram ordens para regressar ao wc o Ofendido fê-lo sem mostrar resistência o que fez com receio de ser agredido novamente…).

18ª - Terceiro, refere o Acórdão que o Ofendido já tinha 66 anos, nada mais dizendo quanto à sua complexão física, vitalidade, força e destreza pelo que é impossível responder se as agressões eram, ou não, necessários ou desproporcionais, tanto que os outros intervenientes eram uma mulher, um homem praticamente da mesma idade, e um jovem, tanto que as lesões não são de grande monta.

19ª - Por assim ser, e na esteira dos ensinamentos do Prof. Doutor Américo Taipa de Carvalho no livro Comentário Conimbricense do Código Penal – Tomo I – Coimbra Editora, considerando que o sequestro é o objectivo da conduta, sendo as ofensas corporais o meio (violento) de realizar (crime-meio) aquele objectivo. Há mero concurso aparente entre o crime de ofensas corporais simples (art. 143º do Código Penal) e o crime de sequestro, respondendo o agente apenas por este crime.

20ª - Os factos provados não permitem concluir que a Recorrente e os outros dois intervenientes, ao agredirem o Ofendido, tivessem outro propósito que não fosse o de o impossibilitarem de dar o alarme às autoridades, e assim continuarem a utilizar o cartão bancário.

21ª - Pode assim dizer-se que toda a privação da liberdade de movimento do ofendido esteve associada à realização dos levantamentos bancários, não se detectando nos factos provados outra motivação, que não a utilização do cartão.

22ª - Deve, assim, a arguida ser absolvida do crime de ofensas à integridade física praticado sobre o ofendido DD.

23ª - O crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no art. 143.º, n.º 1 do Código Penal, (praticado em coautoria e na forma consumada relativamente ao ofendido EE e DD) é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.”

Depois de haver decidido a questões de facto que haviam sido objecto de impugnação, o tribunal de 2ª instância tomou expressa posição quanto a esta questão tendo glosado os seus argumentos no troço de prosa que a seguir queda transcrito:

“Punição, em concurso real, do crime de sequestro e ofensa à integridade física.

Com relevância para a decisão, há que atender aos seguintes factos:

No dia 30 de junho de 2017, DD consultou os movimentos da sua conta através da internet e apercebeu-se que já haviam sido feitos, sem o seu consentimento, vários levantamentos e pagamentos através da sua conta.

Nesse momento, confrontou a arguida AA com o sucedido, manifestando intenção de denunciar a situação junto das autoridades policiais.

Ato contínuo, a arguida AA desferiu-lhe um murro no olho esquerdo e disse-lhe que não dormiria mais no quarto, mas sim numa casa de banho ali existente, empurrando-o para dentro dessa casa de banho, onde ficou sem luz, trancando-lhe a porta de seguida.

No dia seguinte, a arguida AA abriu a porta e permitiu que o ofendido DD saísse da casa de banho e tomasse um café.

Após, ordenou a DD que regressasse à casa de banho, tendo este manifestado oposição.

Face à oposição de DD, a arguida AA empurrou-o para o interior da casa de banho, tendo mais uma vez o ofendido resistido.

Nesse momento, os arguidos FF e GG intervieram e desferiram vários pontapés e murros em várias partes do corpo de DD, empurrando-o para o interior da casa de banho contra a sua vontade, onde ficou sem luz, tendo-lhe trancado a porta.

Em consequência da atuação dos arguidos, o ofendido DD sofreu hematoma periorbitário e dores na cabeça, tronco e abdómen.

Durante pelo menos dois dias DD permaneceu no interior da casa de banho, sem comida, água e medicamentos que habitualmente tomava.

Decorridos dois dias, a arguida AA abriu a porta e deixou DD fazer a higiene num anexo da casa e alimentar-se, estando, contudo, constantemente vigiado por um homem não concretamente identificado, após o que lhe foi ordenado que voltasse a entrar na casa de banho, o que ele fez com receio de ser agredido novamente, ali permanecendo trancado por um dia.

No dia 05 de julho de 2017, AA abriu a porta da casa de banho e ordenou a DD que a acompanhasse dado que iriam tratar da sua carteira e documentos, ao que DD acedeu.

Chegados junto do carro de DD da marca Peugeot, com a matrícula CC … BX, seguiram ambos nessa viatura para um apartamento, sito em …, seguidos pelo arguido GG que conduzia o veículo da marca Citroen, modelo C3, com a matrícula 98…64.

DD foi obrigado pelos arguidos AA e GG a permanecer contra a sua vontade no referido apartamento em … até ao dia 06 de julho de 2017, pelas 20 horas, altura em que lhe permitiram que abandonasse o local.

Os arguidos AA, FF e GG agiram com o propósito concretizado, em comunhão de esforços e intentos entre si, de molestar o corpo e saúde de DD e de o privar da liberdade por período superior a dois dias.

Diante desta factualidade, o tribunal recorrido considerou:

«No caso, aquelas concretas ofensas corporais infligidas ao ofendido DD, ao tempo com 66 anos de idade, pelos arguidos AA, FF e GG, que atuaram em conjugação de esforços e intentos, não só se mostram desnecessárias, como desproporcionadas a conseguir privar o ofendido da liberdade durante vários dias.

Vale isto dizer que no quadro do circunstancialismo descrito era perfeitamente possível aos três arguidos fecharem o ofendido no w/c, sem usar daquela violência ou pelo menos de tanta violência, havendo os agentes de responder em concurso efetivo pela (excesso) violência utilizada para cometer o sequestro».

Já o Recorrente defende que os arguidos, ao agredirem o assistente, não tiverem outro propósito que não fosse a privação da liberdade, para impedir que aquele os denunciasse às autoridades e impedissem a utilização do cartão bancário, concluindo, assim, que entre o crime de ofensas corporais e o crime de sequestro, existe um concurso aparente.

Que dizer?

A questão dogmática do concurso de crimes é resolvida pelo legislador penal através do critério teleológico-normativo, referido ao bem jurídico, em que se atende à pluralidade de sentidos sociais autónomos dos ilícitos típicos cometidos [Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, 2ª ed. Coimbra Ed., 2007, pág. 990].

Estabelece o artigo 30º, nº 1 do Código Penal, que o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.

De acordo com o indicado critério, o segmento «crimes efectivamente cometidos» permite delimitar as situações de concurso efectivo – pluralidade de crimes através da mesma conduta ou complexo de condutas compreendidas numa unidade natural de acção [Figueiredo Dias, ob. cit, pág. 984.] - daquelas em que, apesar de preenchidos vários tipos de crime, deve considerar-se que existe um desvalor jurídico-social predominante e que impede – torna injusta - a dupla valoração.

Ensina Figueiredo Dias: «A pluralidade de normas típicas concretamente aplicáveis ao comportamento global constitui sintoma legítimo ou presunção prima facie de uma pluralidade de sentidos autónomos daquele comportamento global e, por conseguinte, de um concurso de crimes efectivo, puro ou próprio. Casos existem, no entanto, em que uma tal presunção pode ser elidida porque os sentidos singulares de ilicitude típica presentes no comportamento global se conexionam, se intercessionam ou parcialmente se cobrem de forma tal que, em definitivo, se deve concluir que aquele comportamento é dominado por um único sentido de desvalor jurídico-social; por um sentido de tal modo predominante, quando lido à luz dos significados socialmente relevantes – dos que valem no mundo da vida e não apenas no mundo das normas -, que seria inadequado e injusto incluir tais casos na forma de punição prevista pelo legislador quando editou o art. 77º» [Figueiredo Dias, ob. cit, pág. 1011].

No âmbito do concurso aparente, distinguem-se três categorias distintas: especialidade, subsidiariedade e consumpção. É em relação a esta última, que se que se coloca o problema em análise, ou seja, saber se o conteúdo do crime de sequestro já inclui em regra o desvalor da ofensa à integridade física.

Podemos estar perante um dos exemplos de relação instrumental entre dois tipos de crime, ou seja, em que «um ilícito singular surge, perante o ilícito principal, unicamente como meio de o realizar e nesta realização esgota o seu alcance e os seus efeitos» [Figueiredo Dias, ob. cit, pág. 1018. Interessa ainda referir o que o mesmo autor refere em nota inserida na mesma página, ou seja, o aviso de que a formulação desse critério não significa que exista em todos os casos – sempre – uma consumpção do crime-meio pelo crime-fim].

Quando assim acontece, a solução passa por reconhecer que existe concurso aparente e prevalece o crime dominante: o crime-fim. Simplesmente, existem situações em que o agente ultrapassa a fronteira da instrumentalidade e, para além do necessário à realização do crime-fim, prossegue na conduta lesiva do bem jurídico tutelado pelo crime-meio. Também nessas situações, não se encontra violação da proibição jurídico-constitucional da dupla valoração, pois a danosidade social não se esgota na relação de instrumentalidade e deve ser afirmado o concurso efectivo.

O crime de sequestro previsto e punido pelo artigo 158º, n.º 1 e 2.º, alíneas a) do Código Penal, é punido com pena de prisão de dois a dez anos se a privação da liberdade durar por mais de dois dias.

O bem jurídico protegido neste tipo de crime é a liberdade de locomoção, a liberdade física ou corpórea de mudar de lugar, de se deslocar de um sítio para outro.

A simples privação da liberdade contra a vontade do visado, seja por ação (detiver ou prender), seja por omissão (mantiver presa ou detida), constitui um ato objetivo do crime de sequestro.

O crime de ofensa à integridade física tutela a integridade física da pessoa humana.

Os crimes de sequestro e de ofensa à integridade física, visam, assim, proteger interesses diferentes; inserindo-se em capítulos diferentes dos crimes contra as pessoas.

Como se lê, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31 de Janeiro de 1996 (www.dgsi.pt):

O crime de sequestro «é um crime contra a liberdade que, conforme se escreveu no acórdão de 3 de Outubro de 1990 deste Supremo Tribunal de Justiça, in Col. Jur. ..., "protege a liberdade ambulatória das pessoas, o jus ambulandi, a capacidade de cada homem se fixar ou movimentar livremente no espaço físico contra a ilícita restrição, por qualquer forma e medida temporal desse direito"; trata-se de "um crime de execução não vinculada", para cuja consumação "se não exige o preenchimento de um específico período de tempo, o qual, porém, pode qualificar o crime, como entre nós sucede (…) "; o crime de ofensas corporais graves, tem em vista proteger a integridade física das pessoas, relativamente a condutas susceptíveis de ocasionarem qualquer das lesões, incapacidades ou tipos de doença previstos naquele artigo 143.

Por isso e num caso como o dos presentes autos, nada obsta a que se considere a verificação de concurso real daqueles dois tipos de crime», como o entendeu o Colectivo.

Estando demonstrado nos autos que os arguidos, AA, FF e GG agiram com o propósito concretizado, em comunhão de esforços e intentos entre si, de deter e manter detido o ofendido DD contra a vontade deste, privando-o da sua liberdade durante um período superior a dois dias, mostra-se configurada inequivocamente a prática, sob a forma de coautoria material, de um crime de sequestro agravado, p. p. pelo art.158.º, n. º1 e 2.º, alíneas a), do Código Penal.

Por outro lado, assim que o ofendido DD transmitiu à arguida a intenção de denunciar às autoridades policiais o desaparecimento de dinheiro da sua conta bancária, aquela desferiu-lhe um murro no olho esquerdo e disse-lhe que não dormiria mais no quarto, mas sim numa casa de banho ali existente, empurrando-o para dentro dessa casa de banho, onde ficou sem luz, trancando-lhe a porta de seguida.

No dia seguinte, como o deixasse sair e ele recusasse regressar ao w/c, a arguida empurrou-o, tendo mais uma vez o ofendido resistido, mas nesse momento, os arguidos FF e GG desferiram-lhe vários pontapés e murros em várias partes do corpo, empurrando-o para o interior da casa de banho contra a sua vontade, onde ficou sem luz, tendo-lhe trancado a porta, e ali permanecendo por mais alguns dias.

Em consequência da atuação dos arguidos, o ofendido DD sofreu hematoma periorbitário e dores na cabeça, tronco e abdómen.

Neste contexto, não vemos, como possa, razoavelmente, questionar o cometimento do crime de ofensa à integridade física do assistente, em concurso real com o de sequestro, pois para além, da privação de liberdade, ainda foi vítima de lesões corporais decorrentes das agressões físicas que lhe foram infligidas.

Tais agressões mesmo que facilitadoras dos propósitos dos arguidos em privarem o assistente de liberdade, ainda assim, constituíram um meio desproporcional e desnecessário aos propósitos dos arguidos, assim se autonomizando do crime de sequestro.

Bem andou assim a primeira instância em punir as agressões perpetradas pelos arguidos no assistente, como crime de ofensa à integridade física em concurso real com o crime de sequestro.”

Fica, de acordo com a regra de recurso em duplo grau de jurisdição, satisfeita a pretensão recursiva da arguida, dado que a questão que traz para apreciação deste Supremo Tribunal já obteve um duplo julgamento (concordante e conforme) em duas instâncias. Tratando-se de crime punido com pena de prisão inferior a 8 (oito) anos e de acordo com a regra normativa estabelecida na alínea f) do nº 1 do Código de Processo Penal, tendo ocorrido um duplo julgamento que manteve inalterada – quanto à sua fundamentação essencial e nuclear – a decisão recorrida, não é admissível um novo grau de recurso. 

Com a motivação que se deixou expendida, não se admite o recurso, nesta parte, pelo que deverá ser rejeitado a final.


§II.B).2. – DETERMINAÇÃO JUDICIAL DA PENA CONJUNTA (OU ÚNICA).

§II.B.2)(i). - SÍNTESE DOS PRESSUPOSTOS DA IMPOSIÇÃO DA PENA.

Ensaiando um bosquejo (sumário) do conceito e fins das penas, poder-se-ia dizer que com a pena, o Estado através do sistema penal instituído dispõe-se a rechaçar e reagir ao desrespeito que alguém assume perante um comando legal que contenha uma proibição de fazer, agir ou omitir pretendendo com essa reacção confirmar a inteireza da norma e a sua validade social. Dir-se-á que com a pena o sistema pretende negar a negação consumada pelo agente de um preceito social válido. (Numa definição impressiva, Jesus-Maria Silva Sánchez, refere que “A pena (estatal) associa-se substancialmente à inflicção pelo Estado de um mal simbólico-comunicativo ao agente responsável de um delito, a quem se reprova juridicamente. Constitui, pois, uma reacção estatal ao delito. A ela só lhe é consubstancial o sofrimento inerente à própria comunicação, que tem lugar em virtude da sua imposição como tal pena incluso sem esta mediante a declaração do injusto culpável responsavelmente cometido” – “Malum passionais. Mitigar el dolor del Derecho Penal”, Atelier, 2018, 113-114. (tradução do castelhano)    

A pena, na asserção de Claus Roxin, “só resulta legítima quando é preventivamente necessária e, ao mesmo tempo, é justa no sentido de que evita ao autor qualquer carga que vá além da culpabilidade do facto”, (Claus Roxin, “La Teooria del Delito en la Discussión actual”, Editorial Grijley, 2007, p.71.) actuando a culpabilidade como pressuposto fundamentador da pena “posto que nunca pode impor-se uma pena se ela não estiver presente, assim como tão pouco a pena pode ir além da sua medida. No entanto a tarefa da pena é igualmente preventiva, pois ela não deve retribuir mas sim impedir a comissão de delitos (crimes). Em câmbio, a culpabilidade só tem a função de limitar, ema aras da liberdade dos indivíduos, magnitude dentro da qual devem perseguir-se objectivos preventivos. Disto resulta, por política criminal, aquele princípio da dupla limitação que caracteriza a minha sistematização da categoria da responsabilidade: a pena não deve ser imposta nunca sem uma legitimação preventiva, mas tão pouco pode haver pena sem culpabilidade ou mais além da medida desta. A pena de culpabilidade é limitada através do preventivamente indispensável; a prevenção é limitada através do princípio da culpabilidade.” (Claus Roxin, op. loc. cit. ps. 52-53.) (“A praxis de responsabilizar segundo a medida do merecido pode definir-se e legitimar-se num sistema de imputação ética e jurídica que opere debaixo da ideia de liberdade como expressão de respeito ante o autor que se haja servido da sua capacidade para configurar o mundo arbitrariamente de um modo concreto (isto é, de forna contrária ao dever) e não de outro (isto é, conforme ao dever.” – (Michael Pawlik, “Confirmación de la Norma y Equilibrio en la Identidad. Sobre la Legitimación de la Pena Estatal, Editorial Atelier, Barcelona, 2019, p. 57)

Na perspectiva funcionalista de Günther Jakobs, “a transgressão da norma constitui em maior ou menor medida uma perturbação da confiança da generalidade na validade da norma. Por isso a segurança existencial necessária no tráfico social deve restabelecer-se mediante a estabilização da norma à custa do autor. A culpabilidade esvazia-se aqui de conteúdo, o qual dependerá de factores externos”. (Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualización Judicial de la Pena”, Ediciones Universidad Salamanca, 1999, p. 121) “A um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” (Para uma abordagem mais aprofundada sobre a acepção «social de culpabilidade» veja-se Bernd Schünemann, págs. 98 a 114, “La Culpabilidad: Estado de la Questión”; in “Sobre el Estado de la Teoria del Delito” (Seminário en la Universitat Pompeu Fabra), Claus Roxin, Günther Jakobs, Bernd Schünemann; Wolfang Frish e Michael Köhler; Cuardernos Civitas, 2016.) 

A pena foi assumida no Estado liberal com uma dupla função, de prevenção de delitos e retribuição por um mal cometido. Num Estado com uma preocupação social e de raiz democrático, o direito penal “deve assegurar a protecção efectiva de todos os membros da sociedade, pelo que há-de tender para a prevenção de delitos (Estado social), entendidos como aqueles comportamentos que os cidadãos entendem danosos para os seus bens jurídicos - “bens” não num sentido naturalista nem ético-individual, mas sim como possibilidades de participação nos sistemas sociais fundamentais –, e na medida em que os mesmos cidadãos considerem graves tais factos (Estado Democrático). Um tal direito penal deve, pois, orientar a função preventiva da pena com arrimo (“arreglo”) aos princípios de exclusiva protecção de bens jurídicos, de proporcionalidade e de culpabilidade.” Para este autor “são dois, pois, os aspectos que deve adoptar a prevenção geral no Direito penal de um Estado social e democrático de Direito: junto ao aspecto intimidatório (também chamada a prevenção geral negativa), deve concorrer o aspecto de uma prevenção geral estabilizadora ou integradora (também denominada prevenção geral ou positiva).” (Santiago Mir Puig, “Estado, Pena e Delito. Função da Pena no Estado Social e Democrático de Direito”, Editorial Bdef, Montevideu e Buenos Aires, pág. 105.)    

 (No mesmo eito pode colher-se lição em Enrique Bacigalupo, in “Justicia Penal y Derechos Fundamentales”, Marcial Pons, 2002, p. 117, quando assevera que “A gravidade da culpabilidade determina o limite máximo da pena, mas não obriga – como na concepção de Kant – à aplicação da pena adequada á culpabilidade. Por debaixo desse limite é possível observar exigências preventivas que, inclusive, podem determinar uma redução da pena adequada á culpabilidade. Dito de outra maneira: a retribuição da culpabilidade, que provém das teorias absolutas, só determina o limite máximo da pena aplicável ao autor, sem excluir a possibilidade de dar cabida às necessidades preventivas, proveniente das teorias relativas, até ao limite fixado pela culpabilidade.”)

Hassemer afirma que «la función de la pena – afirma – es la prevención general positiva”, que “no opera mediante la intimidación sino que persigue la proteción efectiva de la fiscalización social de la norma. Ello supone dos cosas: por una parte, que la pena ha de estar limitada por la proporcionalidad, – por la retribuición por en hecho; por outra parte, que la misma ha de suponer un intento de resocialización del delincuente, entendida como ayuda que ha de prestársele en la medida de lo posible.”

O ordenamento jurídico-penal português, e com as alterações introduzidas pela revisão do Código Penal em 1995, consagrou uma concepção preventivo-ética da pena, quando se estatuí que “as finalidades da pena (e da medida de segurança) são exclusivamente preventivas, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto (“conditio sine qua non”) e de limite da pena”. (Cfr. Américo Taipa de Carvalho, “Prevenção, Culpa e Pena – Um concepção preventivo-ética do direito penal”, in Liber Discipulorum, Coimbra Editora, pag.317 e segs.)

Para este Professor [Taipa de Carvalho], as penas devem visar, em primeira linha privilegiar a prevenção especial (positiva e negativa), devendo a prevenção geral constituir-se como limite mínimo da justificação e fundamento para a imposição de uma pena ou medida de segurança e a culpa como limite máximo atendendo ao critério da prevenção especial, “o objectivo da pena, enquanto meio de protecção dos bens jurídicos, é a prevenção especial, positiva e negativa (isto é, de recuperação social e/ou de dissuasão). Este é o critério orientador, quer do legislador quer do tribunal”. (Américo Taipa de Carvalho, op. loc. cit.,pag. 327)

A ordem jurídico-penal viger, estabelece no art. 71 nº 1 do C.P. que "a determinação da pena dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Resulta de uma chã leitura deste preceito que a culpa (indiciador de um radical pessoal) e a prevenção (que insinua a vertente societária e comunitária para a reprovação do comportamento do agente e a correlata necessidade no asseguramento da confiança (da sociedade) na norma, traduzido na punibilidade de condutas contrárias ao sentido conformador-normativo) constituem os princípios regulativos em que o juiz se deve ancorar no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. Mediante o estabelecimento e indicação de critérios, o legislador fornece ao juiz orientações para a formação cognitiva de juízos avaliativos e condensadores dos pressupostos e da fixação de premissas que possibilitam a conformação e determinação das escolhas a realizar perante um concreto responsável em face da realidade factual ressumada pela facticidade adquirida pelo julgamento. Assim na individualização da pena o juiz, assumindo as intencionalidades e as vinculações do sistema jurídico-penal, desempenha uma insubstituível tarefa mediadora, construtiva e constitutiva das reacções penais ajustadas ao caso e convincentes da sua justeza perante a sociedade que se destinam a influenciar.

Na determinação concreta da pena caberão todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:

– O grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente;

– A intensidade do dolo ou negligência;

– Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

– As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

– A conduta anterior ao facto e posterior a este;

– A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. (Paragonado com o estabelecido no artigo 71º do nosso ordenamento jurídico-penal, pontua-se no apartado II do § 46 do StGB, que o tribunal deverá na “medición” da pena ponderar as circunstâncias favoráveis e contrárias ao autor. “com este fim se contemplarão particularmente: - os fundamentos da motivação e os fins do autor; - a intencionalidade que se deduz do facto e a vontade com a qual se realizou o facto; - a medida do incumprimento do dever; - o modo de execução e os efeitos inculpatórios do facto; - os antecedentes do autor, a sua situação pessoal e económica, assim como a sua conduta depois do facto, especialmente os seus esforços para reparar os danos, e os seus esforços para acordar uma compensação com o prejudicado.”)

 Pena contém na sua impressão conotativa e ontológica dois vectores axiais (i) a culpa do agente produtor de um resultado contrário a uma proibição legal (comando estipulado pela normação emanada do Estado); e (ii) a prevenção que com a imposição de uma inflicção se pretende alcançar na comunidade em que as normas vigentes imperam e, por outro lado, fazer reflectir o agente da sua contradição cognitiva ao sistema de leis vigente e prevalente na sociedade em que se insere e, eventualmente, impulsionar a respectiva reversão, por forma a conformar a sua pauta de conduta com o conceito sociopolítico prevalente.  

Num seminário sobre os fins das penas, (Claus Roxin, “Fundamentos Politico-criminales del Derecho Penal” (“La determinación de la pena a la luz y de la teoria de los fines de la pena), Hammarabi, Buenos Aires, págs. 143 a 166) Claus Roxin advoga, acompanhando Hans Scultz, que na determinação da pena se trata de retribuir a culpabilidade (“O princípio – fundamentado segundo opinião generalizada na Constituição – nulla poena sine culpa (princípio da culpabilidade) não significa nesta situação senão que «o suposto de facto e a consequência jurídica devem estar em proporção adequada», quer dizer, a imputação ao autor deve ser necessária, por estar descartada a possibilidade de resolver o conflito sem castigar o autor. Também a medida da culpabilidade se vê limitada pelo necessário. Sobretudo, o conteúdo da culpabilidade não é algo prévio ao Direito, sem consideração às situações sociais.” – Günther Jakobs, op. loc. cit. pág. 588-589.), devendo na operação de determinação aplicar a «teoria da margem de liberdade», que a jurisprudência alemã formulou da forma seguinte: “Não se pode determinar com precisão que pena corresponde à culpabilidade. Existe aqui uma margem de liberdade (Spielraum) limitada no seu grau máximo pela pena adequada (à culpabilidade). O juiz não pode ultrapassar o limite máximo. Não pode, portanto, impor uma pena que na sua magnitude ou natureza seja tão grave que já não se sinta por ela como adequada à culpabilidade, No entanto, o juiz…poderá decidir até donde pode chegar dentro dessa margem de liberdade.” (À teoria da margem da liberdade opõe-se a teoria da «pena exacta», segundo a qual «a la culpabilidad» só pode corresponder una pena exactamente determinada (punktuell). – Clus Roxin, op. loc. cit. P. 146.) 

Para Bacigalupo a culpabilidade só logra a sua função de parâmetro delimitador da pena, se for referido à «culpabilidade do facto». “Isto requer excluir das considerações referentes à culpabilidade as que se referem a uma ponderação geral de personalidade como objecto do juízo de reprovação (“juicio de reproche”). Concretamente o juízo de culpabilidade relevante para a individualização da pena, deve excluir como objecto do mesmo referências à conduta anterior ao facto (sobretudo a penas sofridas), a perigosidade, ao carácter do autor, assim como á conduta posterior ao facto (que só pode compensar a culpabilidade do momento da execução do delito.”    

Noutra perspectiva, o conteúdo de culpabilidade, impõe a “a um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” (Cfr. Gunther Jakobs, in loc.cit. supra, pag. 13.)

Na análise a que procede sobre o Estado, a Pena e o Delito, e escrutinando as distintas doutrinas que se têm vindo a impor no espectro da aplicação das penas Santiago Mir Puig opina que: «El princípio de culpabilidade en sentido amplio, aqui manejado, no debe confundirse com la exigência de cierta proporción entre la pena y la gravedad del delito.

Entendida como possibilidad de relacionar un hecho com un sujeto y no como posibilidad de convertir en demérito subjectivo el hecho realizado, la culpabilidad no indica la cuantía de la gravedad del mal que debe servir de base para la graduación de la pena. Dicha cuantia viene determinada por la gravedad del hecho antijurídico del cuaI se culpa al sujeto. La concepción contraria sólo puede ser admitida por quien acepte que la pena no se impone para prevenir hechos lesivos, sino como retribución de la actitud interna que el hecho refleja en el sujeto.- pág. 206.

Por una parte la prevención general puede manifestarse por la via de la intimidación de los posibles delincuentes, o también como prevalecimiento o afirmación del Derecho alos ojos de la colectividad.. En el primer sentido, la amenaza de la pena persigue Imbuir de un temor que sirva de freno a la posible tentación de delinquir. Se dirige solo a los eventuales delincuentes. En el segundo sentido, como afirmación del derecho, la prevención general persigue, más que la finalidad negativa de inhibición, la internalización positiva en la conciencia colectiva de la reprobación jurídica de los delitos y, por otro lado, la satisfacción del sentimiento jurídico de la comunidad. Se dirige a toda la sociedad, no solo a los eventuales delincuentes. – pág. 43

De ahí, pues, un primer limite que la prevención encuentra en si misma: la gravedad de las penas tendientes a evitar delitos no puede negar hasta el máximo de lo_que aconsejaría la pura intimidación de los eventuales delincuentes, sino que debe respetar el limite de tina cierta proporcionalidad com la gravedad social del hecho. Por outra parte la exigencia de proporcionalidad_se desprende también de la conveniência de resaltar lo más grave respcto de lo menos grave en orden a frenar en mayor grado lo más grave.- pág. 44

Frente al delincuente ocasional, la prevención especial exigiria solo la advertência que implica la imposición de la pena. Para el delincuente no ocasional corregible, seria precisa la resocialización mediante la aplicación de un tratamiento destinado aobtener su corrección. Por último, para el delincuente incorregible la única forma de alcanzar la prevención especial seria innoculizarlo, evitando así el perigro mediante su internamiento asegurativo. El efecto de advertência se designa a veces como “intimidación especial”, para expresar que se dirige solo ai delincuente y no a la colectividad, como a intimidación que persigue la prevención general. La resocialización adopta a veces modalidades especiales: así, como tratamiento educativo o como tratamiento terapêutico para sujetos com anomalias mentales. (Cfr. Santiago Mir Puig, in “Estado, Pena y Delito” Editorial B de f, Montevideu – Buenos Aires, 2006 Págs. 43, 44, e 206)

Do mesmo passo, o autor (Santiago Mir Puig) faz derivar desta função preventiva uma concepção de pena em que “a pena há-de cumprir (e só está legitimada para cumprir) uma missão política de regulação activa da vida social que assegure o seu funcionamento satisfatório, mediante a protecção dos bens jurídicos dos cidadãos. Isso supõe a necessidade de conferir à pena a função de prevenção dos factos que atentem contra esses bens, e não basear o seu encargo, ou incumbência, numa hipotética necessidade ético-jurídica de não deixar sem resposta, sem retribuição, a infracção da ordem jurídica.” (Santiago Mir Puig, ibidem, pág. 114.)

Partindo da ideia de que a eficácia preventiva da pena pode estar referida aos potenciais delinquentes (prevenção geral) ou aqueles que já hajam delinquido (prevenção especial), e de que a pena pode produzir um efeito preventivo de formas diversas, consideramos que a legitimidade do recurso à mesma há-de vincular-se à sua eficácia preventiva e ao respeito do princípio de proporcionalidade, que (sem prejuízo da eficácia preventiva derivada da sua vigência e da sua importância para estabelecer as penas dos distintos delitos) teria uma função de limite garantístico: a pena é legítima quando, sem rebaixar os limites que derivam do princípio de proporcionalidade, resulta eficaz desde o ponto de vista preventivo; mais concretamente, quando proporciona a máxima eficácia preventiva, atendendo tanto à sua eficácia preventiva geral, como à sua eficácia preventiva especial, e aos distintos sentidos (“cauces”) através dos quais o recurso à pena pode produzir um efeito preventivo (função preventiva limitada pelo princípio da proporcionalidade).

Como o resto das teorias preventivas, a proposta pressupõe aa eficácia preventiva da pena. A sua singularidade radica em que faz depender todas as decisões relacionadas com ela (classe e duração da pena que se ameaça com impor, classe e duração da pena imposta e, no concreto caso, forma de execução da pena) do saldo preventivo global das distintas alternativas e do respeito pelo princípio da proporcionalidade. Para que primeiro o legislador, e a seguir o Juiz (e, no caso concreto, a administração penitenciária), adoptem aquelas decisões tendo em conta a sua eficácia preventiva, deverão conhecer a eficácia preventiva das distintas alternativas. A complexidade da conduta humana, e as limitações do próprio ser humano para conhecer os elementos que influem nela, dificultam a aplicação prática daquela proposta, como também dificultam a de qualquer teoria preventiva. No entanto, tais dificuldades não obrigam a abandoná-las. Obrigam a ser prudentes, tentar obter o máximo conhecimento possível sobre a eficácia preventiva da melhoria pena, reconhecer os limites do conhecimento disponível e promover a melhoria do mesmo. E, no caso concreto, também obrigam a reconhecer os limites da capacidade da pena para produzir um efeito preventivo, e a valorar as consequências de intentar incrementá-lo.” (Cfr. Sergi Cardenal Montraveta, “Eficacia Preventiva General Intimidatória de la Pena”, Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia”, (RECPC 17-18 (2015), pág. 3.)

As escoras da pena assentam, na concepção dominante, na culpa e na prevenção, devendo o tribunal, na individualização concreta da pena, ponderar, aquilatar e idear os factores concretos que podem intervir e equivaler os interesses em jogo.    

Na doutrina estrangeira sugere-se que “na decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o seu comportamento posterior ao delito”. (Winfried Hassemer (Winfried Hassemer, “Fundamentos del Derecho Penal”, Editorial Bosch, Barcelona, 1984, pág. 127).

Pondera-se, na jurisprudência, que a escolha e determinação da medida, ou para medição, da pena “reger-se-á pelo objectivo e critério da prevenção especial: recuperação social do infractor (prevenção especial positiva), desde que tal objectivo não seja incompatível com a necessidade mínima de dissuasão individual. Ou seja: o “fim” é a reintegração social do infractor, fim este que tem, como limite mínimo, a eventual necessidade de dissuasão do infractor da prática de futuros crimes”. (“A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade)” – (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2007; proferido no processo nº 28/07)

Consignada a pena nos preditos moldes, e arredada, por não interessar ao caso em apreço, a figura da “determinação legal da pena, ainda que para a operação de individualização judicial da pena não nos possamos alhear deste conceito, por constituir o limite que o legislador consignou como sendo aquele que protege de forma prevalente e eficaz, e num dado momento histórico, um determinado bem jurídico”, procuraremos indagar quais os critérios e justificações que deverão guiar e lastrar a determinação da medida concreta de uma pena, o que vale por dizer quais serão ou deverão ser os princípios rectores em que poderá ancorar-se uma adequada valoração da conduta de um agente infractora norma protectora de bens jurídicos. (Na procura de directivas e vectores de orientação que ajudem na determinação concreta da pena seguem-se de perto os ensinamentos colhidos em Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualização judicial da Pena”, Ediciones Universidade Salamanca, bem como dos ensinamentos recolhidos na obra já citada supra de Gunther Jakobs, de Winfried Hassemer, in “Fundamentos del Derecho Penal”, de Claus Roxin, in “Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal” e Anabela Miranda Rodrigues, in “A Determinação da Pena Privativa de Liberdade” e Adriano Teixeira, “Teoria da Aplicação de uma Determinação Judicial da Pena Proporcional ao Fato”, Marcial Pons, 2015.)

A culpa serve, na determinação concreta da escolha, um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial. Dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou segurança individuais. «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas». (Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111 e ainda Anabela Rodrigues (- Problemas fundamentais de Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin (2002), “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, 177/208, estudo também publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2 Abril – Junho de 2002, 147/182.)

Anabela Rodrigues, bem como Taipa de Carvalho, ao defenderem que o limite mínimo da pena nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima, limite este que coincide com o limite mínimo da moldura penal estabelecida pelo legislador para o respectivo crime em geral, devendo eleger, em cada caso, aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto. Tutela dos bens jurídicos não, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada. Neste sentido, constitui indicador razoável afirmar-se que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2, da CRP, consagra. (“O princípio da proporcionalidade do art. 18.º da Constituição refere-se à fixação de penalidades e à sua duração em abstracto (moldura penal), prendendo-se a sua fixação em concreto com os princípios da igualdade e da justiça.

[Deve na determinação concreta da pena atender-se ao] “grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente); – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura.” – (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.02.2007).

Discorrendo sobre o princípio da proporcionalidade, refere Mata Barranco que, “no momento judicial o âmbito de projecção do princípio da proporcionalidade manifesta-se claramente tanto na fase judicial de concreção da pena legalmente prevista – se se prefere, de determinação judicial da pena – como na individualização em sentido específico. Diz-se inclusivamente que a denominada aritmética penal, que não é senão a completa técnica que o tribunal tem que levar a cabo para determinação da pena que corresponde ao autor, está inspirada no princípio da proporcionalidade.

Em primeiro lugar, o Código estabelece determinadas regras vinculadas à determinação judicial da pena em relação, por exemplo, ao grau de execução do delito, à participação, ao erro de proibição, à concorrência de eximentes incompletas, de atenuantes e agravantes ou aspectos concursais, modulando-se a resposta penal com base na diferente gravidade do facto e da culpabilidade do autor nos supostos concretos. (…)

Em segundo lugar, ao juiz fica-lhe sempre uma margem de arbítrio, mais ou menos amplo, na determinação quantitativa da pena, ou inclusivamente qualitativa quando o preceito penal contemple penas alternativas, penas de imposição potestativa ou a possibilidade de aplicar substitutos penais que permita um melhor ajuste entre a gravidade do facto – em toda a sua complexidade – e a gravidade da pena, que tem que aplicar – de todo o modo proporcional – atendendo ao conjunto de circunstâncias objectivas e subjectivas do delito cometido, tal e como costumava exigir, por outro lado a própria normativa penal.

Aquela primeira função judicial, ainda que próxima a esta de individualização judicial propriamente dita, se entende conceptualmente separável da verdadeira função autónoma individualizadora do juiz, que não procede a uma delegação do legislador, diz-se, mas sim que se apresenta como competência exclusiva da jurisdição enquanto se trata de determinar uma pena em função das peculiaridades de cada caso e de cada autor (…) por isso se qualifica este acto de individualização judicial como de discricionariedade juridicamente vinculada, pois o juiz pode mover-se livremente, em princípio, dentro do marco legal do delito – que quele concreta -, mas orientado por princípios que haverão de extrair-se desde logo das declarações expressas da lei, quando existam, assim como dos fins do Direito penal no seu conjunto, ou ainda dos fins da pena partindo da função e limites do Direito penal.”) (Norberto J. de la Mata Barranco, “El Princípio de Proporcionalidad Penal”, Tirant lo Blanch, “Colección Delitos”, Valência, 2007, 221-223.)      

Como se alcança do que a doutrina vem ensinando “o conceito de proporcionalidade, o juízo sobre a proporcionalidade de uma norma – não só de uma sanção, mas também de uma norma enquanto ao que prescreve ou proíbe e enquanto á consequência do seu incumprimento – afecta, e deve fazê-lo, tanto à delimitação da tutela que trata de conseguir como ao mecanismo sancionatório que prevê para o lograr e, por isso mesmo, ideia de proporção deve poder permitir restringir tanto a sanção desnecessária ou excessiva como limitar comportamentos susceptíveis dela. (…) O princípio de proporcionalidade penal rechaça, com se disse, o estabelecimento de cominações legais - proporcionalidade em abstracto – e a imposição de consequências jurídicas – proporcionalidade em concreto – que careçam de relação valorativa com o facto cometido, contemplado este no seu significado global. De uma forma mais sintética, exige que as consequências da infracção penal, previstas ou impostas, não sejam mais graves – se é que se pode equiparar a gravidade de umas e outras – à entidade da mesma. (…) mas também – ou justamente por isso – se há-de destacar a necessidade e vincular o conceito de proporção à relação entre a medida imposta e a finalidade pretendida pela norma a aplicar e com os fins, no nosso caso, da pena e do Direito penal; serão estes – tratando de garantir uma convivência na qual se maximize a liberdade de cada um sem detrimento superior da do resto – os que determinam a gravidade do facto a «enjuiciar».” (Norberto J. de la Mata Barranco, ibidem, pág. 289-290. “A exigência de proporção tem umas implicações, em todo o caso, que talvez não captam os conceitos de razoabilidade, racionalidade ou ausência de arbitrariedade, por quanto permite incorporar um conteúdo limitador da actuação estatal que, em princípio, estes não têm que atender. Com ser difusa a ideia de proporção, porque não indica mais que uma correspondência ou correlação de magnitudes, sem dúvida oferece uma base de actuação mais concreta – no âmbito penal – que a estes conceitos e nesse sentido aporta um plus de segurança, relativa, na restrição de liberdades porque, ao menos, remete para determinadas magnitudes ou referências a partir das quais pode efectuar uma ponderação de qual deve ser o grau de intervenção.” – ibidem, p.291)

Iterando a vertente da pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável –, certo é dever corresponder à sanção que o agente merece, ou seja, deve corresponder ao desvalor social do injusto cometido. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade. O “merecido”, porém, não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral. (Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), 96/98.); Cfr. ainda por mais recentes os acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 20.02.2008 e 09.04.2008; proferidos, respectivamente, nos proc.s nºs 07P4724 e 08P1011; disponíveis em www.stj.pt.)

A imposição de uma pena depende do estabelecimento/consolidação de um juízo de culpabi-lidade que pressupõe exigências de verificação a) “de um princípio de responsabilidade pelo facto. “Exige um “direito penal do facto” e opõe-se a castigar o carácter ou o modo de ser – directa ou indirectamente. Ainda que o homem contribua para a formação da sua personalidade, esta escapa em boa parte ao seu controle. Deve rechaçar-se a teoria da “culpabilidade pela conduta de vida” ou a “culpabilidade do carácter”. Este princípio [da responsabilidade pelo facto] entronca com o da legalidade e a sua exigência de tipicidade dos delitos: o “mandato” e determinação da lei penal reclama uma descrição diferenciada da cada conduta delitiva”; b) a exigência de imputação objectiva do resultado lesivo a uma conduta do sujeito. Nos delitos de conduta positiva, isso requer a relação de causalidade entre o resultado e a acção do sujeito, mas para além disso são precisas outras condições que exige a moderna teoria de imputação objectiva e que giram em torno da necessidade de criação de um risco tipicamente relevante que se realize no resultado”; c) a exigência do dolo ou culpa (imputação subjectiva). Considerada tradicionalmente a expressão mais clara do princípio de culpabilidade, faz insuficiente a produção de um resultado lesivo ou a realização objectiva de uma conduta nociva para fundar a responsabilidade penal”; d) A necessidade de culpabilidade em sentido estrito, que exige a imputabilidade do sujeito e a ausência de causas de exculpação- também a possibilidade ed conhecimento da antijuridicidade, se esta não se inclui no dolo.” (Santiago Mir Puig, ibidem. “Sobre o Princípio de Culpabilidade como Limite da Pena”, pág. 203.)        

Ainda que concordemos que a função da pena deva assumir-se como um pendor marcadamente preventiva, não podemos deixar de, na escolha e determinação concreta da pena, considerar o facto conduzido pela vontade de delinquir do agente – desvalor da acção – e o resultado em que a acção desvalorativa se concretizou. A imposição de uma pena que, partindo destes dois parâmetros definidores da conduta ilícita e típica do agente, seja colimada pela culpabilidade do agente impõe como paradigma da pena proporcional ao facto que deve encampar a actividade do julgador na hora de ponderar o quantum penológico a impor.    

Factor de ponderação inarredável na formação de uma pena justa e arrimada com os valores constitucionalmente consagrados é a proporcionalidade entre o desvalor da acção referido ao conteúdo do bem jurídico contido na norma violada, o desvalor do resultado enquanto atingimento e vulneração histórico-social e concreta de um sentimento socialmente relevante e o retraimento social que se pretende com a imposição da sanção da sanção penal.

No ensinamento de Silva Sanchez (Individualización judicial de la Pena”, p.139) “é difícil, na realidade, falar de discricionariedade no âmbito da individualização judicial da pena e que, seguindo a terminologia da doutrina alemã, afinal do que poderá falar-se é de uma “discricionariedade juridicamente vinculada. A maioria da doutrina entende sim possível continuar aludindo a uma certa discricionariedade no exercício da actividade judicial, limitada, submetida a uma conjunto de critérios valorativos, que não permita tomar decisões com base em considerações opostas a princípios cuja transgressão afasta o arbítrio das pautas de racionalidade, mesura e proporcionalidade que lhe devem presidir; sem embargo autor explica, em meu juízo com acerto, que isso já não é uma verdadeira discricionariedade, mas sim autêntica aplicação pura, regrada do Direito, pois não se trata de eleger entre várias possibilidades igualmente correctas, que é o que caracteriza a discricionariedade, mas sim concretar os juízos de valor da lei e conseguir os fins daquela em cada passo. Determinando a pena concreta. (…)

Por isso o Tribunal Supremo distinguiu o que a discricionariedade enquanto uso motivado das faculdades de arbítrio não susceptíveis de revisão em apelação, cassação ou amparo – quando se executa correctamente –, da arbitrariedade, definida pela ausência de motivação do uso de tais faculdades, vetada e revisível, diz-se numa diferenciação que não obstante reside somente no facto da motivação da individualização (…).” (Norberto J. de la Mata Barranco, ibidem, pág. 229-230.)     

Resenhados, em traços largos e, quiçá, imprecisos os fins das penas e os pilares axiais em que assenta – culpa e prevenção – encarreiremos para o caso que nos ocupa, ou seja, a pena derivada da imposição de mais de uma pena por crimes que entre si confluam num concurso de infracções.      

A prática de uma pluralidade de infracções pelo mesmo agente, antes que de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, importa a cumulação das penas que venham a ser impostas (parcelarmente) ao agente – cfr. artigo 77º do Código Penal.   

São dois os pressupostos que alei exige para a aplicação de uma pena única:

- prática de  uma pluralidade de crimes pelo mesmo arguido, formando um concurso efectivo de infracções, seja ele concurso real, seja concurso ideal  (homogéneo ou heterogéneo);

- que esses crimes tenham sido praticados antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, ou seja: a decisão que primeiro transitar em julgado fica a ser um marco intransponível para se considerar a anterioridade necessária à existência de um concurso de crimes.” (Artur Rodrigues da Costa, “O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ”.)

A adveniência de conhecimento de uma situação de concurso, induz a exigência de realização de uma operação conducente à formação/composição de uma pena conjunta – cfr. artigo 78º, nº 1 do Código Penal. (“Se depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.”) 

Claus Roxin, in Derecho Penal, Parte General, Tomo II, Especiales Formas de Aparición del Delito”, Civitas e Thomson Reuters, 2014, na Seccion11ª, sob a epigrafe “Concursos”, define o concurso real quando “uma pluralidade de factos puníveis é julgado no mesmo procedimento ou se submete a posterior formação de uma pena global ou conjunta (§ 53 I)” (Estipula o § 53 I do Código Penal Alemão (StGB) sob a epigrafe “Concurso real de delitos”: “Quando alguém haja perpetrado vários delitos que sejam julgados simultaneamente, e por isso se lhe devam aplicar várias penas privativas de liberdade ou várias multas, condenar-se-á numa pena conjunta”. (Tradução nossa do Código Penal Alemão, traduzido por Emilio Eiranova Encinas (Coord.), Marcial Pons, 2000, Madrid, pág. 37.) (…) “o conceito de pluralidade de factos se interpreta por si mesmo: todas as acções submetidas a uma condenação independente, que não estejam em concurso ideal e que são susceptíveis de formação de uma pena conjunta ou global, estão em concurso real. Portanto, a delimitação de unidade de acção e pluralidade de acções aclara já aclara o que significa haver cometido vários factos puníveis.” (Claus Roxin, op. loc. cit. pág. 981.) 

Depois de descrever as várias situações em que pode ocorrer a formação de uma pena conjunta e as penas particulares que a podem integrar – somente uma pluralidade de penas privativas de liberdade, somente uma pluralidade de penas de multa, uma pluralidade de penas privativas de liberdade e uma pluralidade de penas multas (em caso de distintos factos e no caso de a oena de privativa e pena corresponder ao mesmo facto punível – o Autor fixa-se na formação da pena conjunta ou global.

Na formação da pena conjunta ou global, regulada no § 54 do StGB (:- § 54, sob a epígrafe “Formação da pena conjunta”: “Quando uma das penas particulares seja uma pena para a vida (“de por vida”), condenar-se-á á pena privativa de liberdade para a vida (“de por vida”) como pena conjunta. Em todos os demais casos se formará apena conjunta pelo aumento da pena mais alta em que esteja incurso, em caso de penas de distintas classes, pelo aumento da sua classe segundo a pena mais grave” – tradução nossa. (StGB citado).), ensina o Emérito Mestre que ela se desenvolve em três passos: (a) a fixação ou atribuição (“asignación”) das penas particulares; (b) a determinação da pena de arranque ou base de partida; (c) a agravação conforme ao princípio da “asperación” ou agravamento (“asperación” do latim “asperare” [agravar]”. (Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 987 a 992.)     

No primeiro dos indicados passos – fixação ou “asignación” das penas particulares -, refere o Autor que vimos seguindo, que há que fixar uma pena independente para cada facto particular daqueles que estão em concurso real. “Para isso na medição da pena basicamente haverá que proceder com se o facto tivesse sido enjuizado (“enjuiciado”) ; pois a valoração global de todos os facto puníveis não se produz até à fixação da pena conjunta ou global.”

No segundo passo “haverá que determinar ou calcular a pena mais grave das penas particulares (a denominada pena de arranque, base ou de partida). No caso de várias penas privativas de liberdade a mais grave é aquela que condena à maior ou mais larga privação de liberdade”.

O último passo “incrementa-se com arrimo (“arreglo”) ao princípio de “asperación” [agravamento].” “Decorrente deste facto forma-se um novo marco penal cujo limite inferior consiste num momento da pena de arranque ou base de partida e cujo limite superior não pode alcançar a soma das penas particulares”. (Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 987 a 989.)

 “Dentro do marco penal assim formado a fixação concreta da pena conjunta precisa de um acto independente de medição da pena, no qual se valorem conjuntamente a pessoa do réu e os concretos factos puníveis (§ 54 I 3). “Não basta, portanto, fundamentar as penas particulares e em consequência (“a continuación”) relativamente à pena conjunta ou global constatar na sentença unicamente: “a pena conjunta que há-de ser formada (“que hay que formar“) parece adequada em quantum de cinco anos. Pelo contrário, é necessária uma fundamentação adicional especifica, que se baseia na concepção do legislador de “que os factos particulares são emanação da personalidade única do sujeito e por isso hão-de ser “enjuiciados” não como uma mera soma, mas antes como um conjunto. Há-de efectuar-se uma “visão global de todos os factos”. “A este respeito dá que considerar diversos factores, a saber, a relação dos factos particulares entre si, em espacial a sua conexão, a sua maior ou menor autonomia, e além disso a frequência da comissão, igualdade ou diversidade dos bens jurídicos lesionados e dos modos comissivos assim como o peso total do suposto que haja que julgar.”         

Com a valoração global dos factos opera a personalidade do autor. “A este respeito haverá que tomar em conta juntamente com a sua sensibilidade à pena sobretudo a sua maior ou menor culpabilidade em relação à totalidade do sucesso. Também é importante determinar “se os vários factos puníveis procedem de uma tendência criminal ou nos factos imprudentes de uma disposição de ânimo geral de indiferença ou se pelo contrário se trata de delitos ocasionais sem vinculação interna.” (Claus Roxin, op. loc. cit. pág. 991)

Na teorética que coenvolve a dogmática jurídica da formação da pena conjunta ou global, refere o mesmo Autor, que se coloca uma primeira questão, qual seja “de se os factores ou critérios de medição da pena que já hajam sido considerados em cada pena particular, também podem voltar a desempenhar um papel na determinação da pena conjunta”. “Contra esta possibilidade aduz-se a “proibição da dupla utilização ou valoração. A favor desta posição, a jurisprudência e um sector da doutrina, partem da base de que não é praticável uma total separação dos pontos de vista decisivos para a pena particular e a pena conjunta. Circunstâncias como as relações pessoais e económicas do réu, a sua vida interior e a atitude interna expressada no facto, que já … devem ser tidas em conta na fixação das penas particulares, têm também uma importância essencial na formação da pena global ou conjunta. As ditas circunstâncias podem ser por uma parte consideradas isoladamente para o facto particular e por outra “sinteticamente como conjunto” na sua repercussão sobre a totalidade dos factos.”          

Por outro lado também se coloca a questão de “se os factos puníveis em serie têm importância na formação da pena conjunta com carácter agravante ou atenuante.” 

O correcto parece ser julgar estes supostos diferenciando. Assim, se diversos furtos representam só a realização sucessiva de um dolo global unitário, em que antes se admitiu um delito continuado, ou se vários factos similares se devem a que o sujeito haja caído na mesma tentação, a comissão “formaliter” pode ser julgado de modo mais benigno.”  

A pena conjunta surge no ordenamento jurídico-penal como necessidade de obter uma configuração final, genérica e de visão global de uma personalidade (tendencialmente propensa a delinquir ou pelo menos a praticar actos que se revelam contrárias à preservação e manutenção de um quadro valorativo penalmente prevalente e saliente) e de uma pluralidade de condutas e acções típicas perpetradas pelo mesmo arguido num lapso de tempo confinado por uma avaliação jurisdicional. (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Abril de 2011, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro, de que ressaltamos o respectivo sumário: “IV - A formação da pena conjunta é, assim, a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida em que os foi praticando (Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, edição da FDUC, 2005, pág. 1324). V -Propondo-se o legislador sancionar os factos e a personalidade do agente no seu conjunto, em caso de cúmulo jurídico de infracções, é de concluir que o agente é punido pelos factos individualmente praticados, não como um mero somatório, em visão atomística, mas antes de forma mais elaborada, dando atenção àquele conjunto, numa dimensão penal nova, fornecendo o conjunto dos factos a gravidade do ilícito global praticado, levando-se em conta exigências gerais de culpa e de prevenção, tanto geral, como de análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). (…) XI - O cúmulo retrata, assim, o atraso da jurisdição penal em condenar o arguido, tendo em vista não o prejudicar por esse desconhecimento ao fixar limites sobre a duração das penas. XII - Imprescindível na valoração global dos factos, para fins de determinação da pena de concurso, é analisar se entre eles existe conexão e qual o seu tipo; na avaliação da personalidade releva sobretudo se o conjunto global dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, dando-se sinais de extrema dificuldade em manter conduta lícita, caso que exaspera a pena dentro da moldura de punição em nome de necessidades acrescidas de ressocialização do agente e do sentimento comunitário de reforço da eficácia da norma violada ou indagar se o facto se deve à simples tradução de comportamentos desviantes, meramente acidentes de percurso, que toleram intervenção punitiva de menor vigor, expressão de uma pluriocasionalidade, sem radicar na personalidade, tendo presente o efeito da pena sobre o seu comportamento futuro – Prof. Figueiredo Dias, op. cit . § 421. XIII - Quer dizer que se procede a uma reconstrução da sanção, descendo o julgador do aspecto parcelar penal para se centrar num olhar conjunto para a globalidade dos factos e sobre a relação que tem com a sua personalidade enquanto suporte daquele conjunto de manifestações que exprimem a sua relação com o dever de qualquer ser para com a ordem estabelecida, enquanto repositório de bens ou valores de índole jurídica, normativamente imperativos. XIV - A avaliação da personalidade é de feição unitária, conceptualmente como um todo referível a uma unidade delituosa e não mecanicamente por uma adição criminosa. XV - Quando o tribunal aplique em concurso uma única pena de multa como pena principal ou alternativa à de prisão, com uma multa substitutiva da prisão, nos termos do art. 43.º, do CP, tais penas devem acumular-se materialmente, atenta a sua diferente natureza. (…) XXI - A Lei 59/2007, de 04-09, suprimiu o requisito anterior que excluía do concurso superveniente a hipótese de a pena se achar cumprida, prescrita ou extinta, não a englobando no cúmulo jurídico e no desconto na pena única. XXII - Actualmente, o art. 78.º, n.º 1, do CP, considera que o cumprimento leva ao desconto na pena única formada, em inteira benesse para o arguido, mas já não se, por exemplo, ela se mostrar extinta por qualquer outro motivo, designadamente por amnistia, mas sem abdicar das regras do concurso, entre as quais a da mesma natureza das penas em presença. XXIII - O legislador não fornece qualquer critério de ordem matemática, em termos de a compressão aritmética a observar na formação da pena de conjunto, não dever ultrapassar “1/3 e que muitas vezes se queda por 1/6 e menos”, à luz da jurisprudência do STJ, segundo diz, mas apenas um guia na formação da pena de concurso: o da atendibilidade da avaliação global dos factos e personalidade do agente, com o significado, contornos e amplitude já indicados. XXIV - A liberdade individual, de acordo com o princípio da ponderação de interesses conflituantes, só pode ser suprimida ou limitada “quando o seu uso conduza, com alta probabilidade, a prejuízo de outras pessoas que, na sua globalidade, pesa mais do que as limitações que o causador do perigo deve sofrer”, na expressão de Roxin, citado pelo Prof. Figueiredo Dias, op. cit., pág. 430, nota 35.”

No quadro das valorações consequenciais advertidas pelas condutas antijurídicas e tipicamente eleitas importa obter um quadro referencial do individuo actuante como forma de propiciar uma imposição punitiva que tenha como pressuposto a culpabilidade colocada na prática das acções típicas, mas igualmente aquilatar e aferir das necessidades de prevenção (geral e especial), bem assim de representar e sugerir para a comunidade a reposição da normalidade contrafáctica resultante da infracção de uma norma penal.   

A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, tem doutrinado de forma proficiente o modo de obter, ponderadamente e pragmaticamente, a composição ajustada da pena conjunta. (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1.07.2015, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral (sic): “Como já referimos em Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 4/05/2011 é uniforme o entendimento de que, após o estabelecimento da respectiva moldura legal a aplicar, em função das penas parcelares, a pena conjunta deverá ser encontrada em consonância com as exigências gerais de culpa e prevenção. Porém, como afirma Figueiredo Dias, nem por isso dirá que estamos em face de uma hipótese normal de determinação da medida da pena uma vez que a lei fornece ao tribunal para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 72 do Código Penal um critério especial que se consubstancia na consideração conjunta dos factos e da personalidade.

Igualmente se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13/9/2006 que o sistema de punição do concurso de crimes consagrado no artº 77º do CPenal, aplicável ao caso, como o vertente, de “conhecimento superveniente do concurso”, adoptando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente». Por isso que, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa. Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que [esteve] na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido.

Ainda na esteira de Figueiredo Dias dir-se-á que tal concepção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso… “só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da «arte» do juiz… – ou puramente mecânico e portanto arbitrário», embora se aceite que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo artº 71º. O substrato da culpa não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (...). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a "atitude" da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena.

Fundamental na formação da pena conjunta é, assim, a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação “desse bocado de vida criminosa com a personalidade. A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares”.

Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos, acentuando-se a relação dos mesmos factos entre si e no seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também o receptividade á pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.

Também Jeschek se situa no mesmo registo referindo que a pena global se determina como acto autónomo de determinação penal com referência a princípios valorativos próprios. Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve reflectir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delito ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspectiva de existência de uma pluralidade de acções puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais.

Afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta quer no que respeita á culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita á prevenção, bem como, em sede de personalidade e factos considerados no seu significado conjunto. Só por essa forma a determinação da medida da pena conjunta se reconduz á sua natureza de acto de julgamento, obnubilando as críticas que derivam da aplicação de um critério matemático quer a imposição constitucional que resulta da proibição de penas de duração indefinida -artigo 30 da Constituição.

O Supremo Tribunal de Justiça, sublinhando o exposto, tem vindo a considerar impor-se um especial dever de fundamentação na elaboração da pena conjunta, o qual não se pode reconduzir á vacuidade de formas tabelares e desprovidas das razões do facto concreto. A ponderação abrangente da situação global das circunstâncias específicas é imposta, além do mais, pela consideração da dignidade do cidadão que é sujeito a um dos actos potencialmente mais gravosos para a sua liberdade, elencados no processo penal, o que exige uma análise global e profunda do Tribunal sobre a respectiva pena conjunta.

Aliás, tal necessidade é imposta a maior parte das vezes por uma situação de debilidade em termos de exercício de defesa resultante da anomia social e económica em que se encontram os condenados plúrimas vezes.

A explanação dos fundamentos, que á luz da culpa e prevenção conduzem o tribunal à formação da pena conjunta, deve ser exaustiva, sem qualquer ruptura, por forma a permitir uma visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso do arguido. É uma questão de cidadania e dignidade que o arguido seja visto como portador do direito a uma ponderação da pena á luz de princípio fundamentais que norteiam a determinação da pena conjunta e não como mera operação técnica, quase de natureza matemática.

Como é evidente, na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele “pedaço” de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão á face da respectiva personalidade.

Estes factos devem constar da decisão de aplicação da pena conjunta a qual deve conter a fundamentação necessária e suficiente para se justificar a si própria sem carecer de qualquer recurso a um elemento externo só alcançável através de remissões.

Da aplicação do excurso produzido ao caso vertente ressalta desde logo a ideia de que no mesmo algo não converge com os princípios que devem presidir à elaboração do cúmulo jurídico.

Na verdade, falamos dum apuramento global da responsabilidade criminal do arguido o qual tem como pressuposto o conhecimento da pluralidade de penas a que a sua actuação parcelar deu motivo e tal conhecimento, que será equacionado com a aferição duma culpa e ilicitude conjunta em função de razões de prevenção geral e especial, não se compadece com visões sectoriais que apenas se focam num segmento de tal responsabilidade.

Se é aquele pedaço de vida que revela na sua força narrativa um percurso de vida e de vida no domínio do ilícito pergunta-se de qual é o interesse, ou relevância, de efectuar um cúmulo jurídico sabendo antecipadamente que o mesmo está incompleto porquanto não estão presentes as penas parcelares correspondentes a infracções que deveriam ser consideradas.

Aliás, a elaboração do cúmulo jurídico nestes termos, não tendo qualquer consequência benéfica em termos do estatuto jurídico do arguido, apenas o poderá prejudicar na medida em que cria uma referência que servirá de patamar em futuros cúmulos. Na verdade, é por demais conhecido o fenómeno que se verifica em relação a cúmulos jurídicos sucessivos em que cada uma de tais operações tende a caracterizar-se por uma progressão matemática na medida da pena aplicada.

Entendemos, assim, que, estando adquirido que as penas a considerar para efeito de cúmulo eram também outras, que não somente as tomadas em conta na decisão recorrida, esta incorre em colisão com o disposto nos artigos 77 e 78 do Código Penal.

Reforçando o exposto e, nomeadamente, à forma linear como se condena o arguido numa pena conjunta de dezassete anos de prisão, o repristinar da ideia da necessidade de explanação dos fundamentos que, á luz da culpa e prevenção, conduzem o tribunal á formação da pena conjunta deve ser exaustiva, sem qualquer ruptura, por forma a permitir uma visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso do arguido. Como já se referiu é uma questão de cidadania e dignidade que o arguido seja visto como portador do direito a uma ponderação da pena á luz de princípio fundamentais que norteiam a determinação da pena conjunta e não como mera operação técnica, quase de natureza matemática.”); Vide ainda, por interessantes, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 27.02.2013, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar; de 23 de Março de 2014, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes; de 17 de Março de 2016, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro, todos em www.dgsi.pt.) 


§II.B.2.(ii). – A SOLUÇÃO DO CASO.

Sobra a questão da pena única imposta à arguida/recorrente.

Em argumentação adiantada na fundamentação do recurso, a recorrente entende que (i) “o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas à arguida AA, será a moldura penal abstracta correspondente aos crimes em concurso, a de prisão de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses como limite mínimo e 18 (dezoito) anos como limite máximo; (ii) ponderando, em conjunto, os factos, a data da sua ocorrência, a sua gravidade, as suas consequências e a personalidade da arguida, entendemos ser de aplicar a pena unitária de 7 (sete) anos e (5) cinco meses de prisão, ao invés da pena de 9 anos.

A decisão recorrida sustentou a imposição da pena única no sequente juízo fáctico-cognitivo (sic): “Por último, defende a Recorrente, AA, que a pena única de 9 anos de prisão viola o disposto no artigo 77º, do Código Penal, sem que, contudo, indique quaisquer fundamentos de facto que justifique a diminuição da pena única de 9 anos de prisão para 7 anos e 5 meses de prisão.

Ora, se tivermos em atenção que a pena única há-se ser encontrada entre uma moldura penal abstracta situada no mínimo de 5 anos e nove meses prisão e no máximo de 18 anos de prisão (artigo 77º, nº 2, do Código Penal), e bem assim os factos e personalidade da recorrente no seu conjunto (nº 1, do preceito e diploma citados), a pena única de 9 anos de prisão nenhuma censura merece.

Com efeito, na esteira do defendido pelo Digno Procurador na resposta ao Recurso, se tivermos em conta a extensa amplitude temporal do conjunto dos crimes objecto da decisão recorrida; a diversidade e multiplicidade dos crimes praticados, dos bens jurídicos violados e das vítimas atingidos pelos mesmos; o elevado grau de ilicitude dos factos; o modo de execução destes, a revelar refinamento e premeditação na execução e tenacidade no propósito criminoso; as gravosas consequências da conduta da arguida no que concerne ao crime de burla qualificada, de burla informática agravado e de sequestro agravado; a elevada culpa da arguida, pois que a mesma actuou com dolo directo, intenso e persistente; a sua personalidade, contrária àquela pressuposta pelo direito, com traços violentos e comportamentos egoísticos e socialmente desajustados, visando apenas a obtenção de benefício económico ilícito, sem olhar a meios e às consequências daí advenientes, revelando um profundo desprezo pelos bens jurídicos protegidos pelas normas violadas; a falta de qualquer gesto para reparar as consequências de tais condutas; a sua falta de consciência crítica para os factos e ausência de arrependimento; os seus já vastos antecedentes criminais; as elevadas exigências de prevenção, visto o supra referido, a que se alia a sua falta de inserção profissional e a ausência de um projecto de vida orientado para um dever-ser normativo; e as elevadas exigências de prevenção geral, atenta a gravidade de alguns dos crimes cometidos e a vasta ressonância social que os mesmos tiveram na comunidade, chega-se à conclusão que a pena única de nove anos de prisão aplicada à arguida recorrente mostra-se adequada à gravidade dos factos e à sua culpa, sendo que qualquer pena fixada abaixo de tal limite poria em causa de forma irremediável a crença da comunidade na validade das normas jurídicas violadas e por essa via dos sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico penais e não se mostraria suficiente para acautelar as elevadas exigências de prevenção especial que se fazem sentir.

Tudo isto para dizer que improcede, também, este segmento do Recurso da Recorrente.”

A arguida/recorrente foi acusada e veio a ser condenada por crimes contra o património (burla qualificada (1) e furto (2); dois (2) crimes contra a integridade física da pessoa; um crime contra a liberdade e mobilidade das pessoas; e dois (2) crimes contra a confiança e integridade das comunicações e meios informáticos.

Recenseando o trajecto pessoal da arguida – ainda que (enfileirando, como tendemos a enfileirar) a teoria da medição da pena proporcional ao facto (Adriano Teixeira, “Teoria da Aplicação da Pena. Fundamentos de uma Determinação Judicial da Pena Proporcional ao Facto”, Marcial Pons, 2015, pags. 97-114) se mostre avessa à ponderação de factores externos à realidade factológica (injusta) que é objecto de julgamento –, ajustado ao passado mais recente, – concretamente após o retorno de França – exploraria um salão ..., em …; viveria com os demais arguidos num condomínio privativo. A partir de determinado momento – por motivos que não lograram ser apurados, ou pelo menos os relatórios sociais não elucidam – encetou um modo de vida engendrado no embuste, na insídia, na solércia conducentes ao escamoteamento de bens alheios à custa da necessidade, da boa-fé, da debilitação das faculdades cognitivas, da elanguescência dos sentidos das pessoas que elegeu como alvos, do dessoramento da capacidade de discernir os objectivos vitais dessas mesmas pessoas e da defecção avaliativa concernente com os propósitos enovelados que as acções e propósitos submergem. A arguida, a partir de 2016, engendrou, e/ou teceu, um corrilho tendente a obter meios financeiros à custa de pessoas com idade avançada e em que depreendeu necessidade de ajuda psicológica e afectivo-sentimental, para lograr obter meios financeiros para suportar as eventuais exigências das pessoas que consigo conviviam. O despojamento de escrúpulos, a frieza, planeamento para obtenção de objectivos, evidenciado na forma como concebeu e levou a cabo enredo de meios para consecução dos proveitos financeiros atinentes à primeva vítima, é revelador de um carácter calculista, desprovido de autocensura e deserção de capacidade de registo dos factores comunicativos e intersociais que conlevam em situações similares, notadamente em que as pessoas envolvidas se encontram fragilizadas e carentes de auxílio, tornando-se, por isso, vulneráveis e predispostas a aceitar e acolher as propostas e sugestões de pessoas que se mostrem solícitas, amigáveis e propensas a propinar os benefícios que almejam e por que anelam. 

Os meios para consecução dos objectivos – meios financeiros que sabia que as vítimas possuíam – utilizados pela arguida são suspicazes e capciosos e revelam uma personalidade deformada e desquiciada dos valores prevalentes e regentes da sociedade em que nos cabe comunicar e interagir. Não cabe olvidar, nesta análise, a violência e desconsideração pela liberdade pessoal que a arguida envidou com o sequestro para consecução dos fins a que propunha, com desrespeito pela idade da pessoa envolvida; e da dureza e constrangimento que uma situação como essa é susceptível de criar em pessoas com alguma idade, como fosse, a exemplo, o síndroma de claustrofobia ou outras morbilidades, eventualmente, causantes de desfechos extremos.  

Para além dos factores idiossincráticos e caracterológicos da arguida – que nem de perto nem de longe, decerto, logramos esquissar – na medição e apuramento da pena única, não podem deixar de relevar factores como os quantitativos sacados e a reiteração da prática que a determinado tempo se “arraigou”.  

Cabem aqui, por judiciosas e ponderadas, as considerações expostas no douto parecer subscrito pela Senhora Procuradora-geral Adjunta, que, data vénia, subscrevemos e adjungimos ao acabado de expor.

A arguida, pela intensidade dos factores de perversão sócio-pessoal evidenciados, e que transportou para as acções injustas que perpetrou, não concita um merecimento de ajuda penológico. A arguida, em nosso juízo, e tendo em conta o desvalor ético-jurídico e comunicativo-social das condutas que perpetrou, não projecta uma aceitação dos valores que prevalecem na sociedade, onde se encontra histórico-socialmente inserida, pelo que a punição ajustada aos factos praticados e ao conspecto geral que dele reverberam se mostra adequada e absolutamente consentânea.

Neste eito de argumentação, desestima-se a pretensão da recorrente.                


§III. – DECISÃO.

Na defluência do que fica exposto, acordam os juízes, neste colectivo, na 3ª secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Desatender a pretensão requestada pela arguida AA, e, consequentemente, julgar improcedente o recurso interposto,

- Condenar a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 3 Uc´s.                                            


Lisboa, 9 de Setembro de 2020


Gabriel Martim Catarino (Relator)


Manuel Augusto de Matos

(Declaração nos termos do artigo 15º-A da Lei nº 2072020, de 1 de Maio: O acórdão tem a concordância do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro adjunto, Dr. Manuel Augusto de Matos, não assinando, por a conferência se haver realizado por meios de comunicação à distância.)

____________

[1] Considerado apenas o rendimento de 41 dias uma vez que o período em análise se inicia apenas a 19-10-2012, valor apurado de acordo com a seguinte fórmula € 4.562,79 – rendimento total do ano /365 dias x 41 dias de rendimento considerado.

[2] Para o ano de 2012 apenas foi considerado “41” dias de rendimento, uma vez que o período a considerar se inicia a 19/10/2012
[3] cfr. no mesmo sentido o acórdão prolatado pelo mesmo Exmo. Relator de 19 de Fevereiro de 2015, em que se escreveu (sic): “Esta alteração do conceito de dupla conformidade, enquanto obstáculo ao normal acesso em via de recurso ao STJ, operada pelo actual CPC, obriga o intérprete e aplicador do direito– analisada a estruturação lógico argumentativa das decisões proferidas pelas instâncias, coincidentes nos respectivos segmentos decisórios - a distinguir as figuras da fundamentação diversa e da fundamentação essencialmente diferente: não é, na verdade, qualquer alteração, inovação ou modificação dos fundamentos jurídicos do acórdão recorrido relativamente aos seguidos na sentença apelada, qualquer nuance na argumentação jurídica assumida pela Relação para manter a decisão já tomada em 1ª instância, que justifica a quebra do efeito inibitório quanto à recorribilidade, decorrente do preenchimento da figura da dupla conforme.
É necessário, na verdade, que estejamos confrontados com uma modificação qualificada ou essencial da fundamentação jurídica em que assenta, afinal, a manutenção do estrito segmento decisório – só aquela se revelando idónea e adequada para tornar admissível a revista normal.
Note-se que este regime normativo (que sucedeu ao inicialmente editado pelo DL 303/07, estabelecendo a absoluta irrelevância da fundamentação para aferir da existência ou inexistência de dupla conforme) destina-se a permitir ao STJ sindicar, em revista normal, o decidido pela Relação nos casos em que – sendo coincidentes os segmentos decisórios da sentença apelada e do acórdão proferido na apelação – a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância.”