RECURSO PENAL
VIOLAÇÃO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
DOLO
ILICITUDE
PREVENÇÃO GERAL
Sumário


I - O arguido foi condenado pela prática de um crime de violação na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, pena que ele considera excessiva.
II - De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, a medida da pena é determinada, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40.º, n.º 2, do mesmo Código.
III - Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins e motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal).
IV – Como o STJ já afirmou, a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.
V – Na fixação da medida da pena, o acórdão recorrido apreciou devidamente toda a conduta levada a cabo pelo arguido, sendo que, para tanto, teve-se em conta: a elevada intensidade do dolo; a elevada ilicitude dos factos; a traição de uma relação de confiança que existia entre ele e a assistente; a natureza dos actos praticados sem qualquer protecção (cópula, coitos anal e oral); a premeditação, bem como toda a sua conduta em convencer a assistente a ir ao seu encontro, em o acompanhar até ao apartamento, e até ao bar; a forma como a incentivou a ingerir bebidas alcoólicas; a intensidade e a persistência com que praticou os actos; as consequências psicológicas provocadas na pessoa da assistente; e a sua desconsideração pelos bens jurídicos em causa.
VI – Também se à personalidade revelada pelo arguido que não interiorizou o elevado desvalor da sua conduta, nem os malefícios a que deu causa, sendo que manteve com a assistente relações sexuais de cópula oral e anal, sem o uso de preservativo, tendo-a colocado previamente num estado de inconsciência, somente com um único objectivo e que era o de satisfazer os seus intentos e instintos sexuais, sem que aquela pudesse oferecer qualquer tipo de resistência, ou pudesse por qualquer forma manifestar a sua vontade, tendo agido numa perspectiva egoísta, de satisfação pessoal dos seus instintos.
VII - Estamos perante a prática de um crime de violação que provoca alarme social, com reflexo nas vítimas, pelos traumas que causa e pelos valores culturais que ofende gravemente, o que torna especialmente elevadas as necessidades de prevenção geral, exigindo uma resposta punitiva firme. A pena aplicada mostra-se adequada e proporcionada à ilicitude da conduta do arguido e satisfaz as exigências de prevenção, pelo que se mantém, improcedendo o recurso.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 3.ª Secção Criminal:


I - RELATÓRIO


1. Em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, foi o arguido AA, filho de BB, natural de …, República Popular de …, nascido a … de Marco de 1987, solteiro, empresário …, residente na Praceta …, n.º 1, 7º direito, em …, … (T.I.R. de fls. 106 e 107), acusado pela prática, em autoria material e na forma consumada de 1 (um) crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, previsto e punível pelo artigo 165, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, por referência aos artigos 14, n.º 1 e 26 do mesmo diploma legal, em concurso aparente com 1 (um) crime de violação, previsto e punível pelo artigo 164, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

O Ministério Público requereu ainda:

a) ao abrigo do disposto no artigo 8º, n.º 2, da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro, que se procedesse à recolha de amostra de ADN ao arguido;

b) a condenação do arguido na pena acessória de proibição do exercício de profissão, emprego, funções ou atribuições públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado entre dois e vinte anos; e

c) a condenação do arguido na pena acessória de proibição de confiança de menor, em especial, a adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período a fixar entre dois e vinte anos.


2. Procedeu-se a audiência de julgamento no Juízo Central Criminal de … – Juiz 3 do Tribunal Judicial da Comarca de …, com observância do formalismo legal, como se alcança das respectivas actas.

Reaberta a audiência de julgamento, o arguido foi advertido da possibilidade, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 3, do artigo 358, do Código de Processo Penal, de alteração da matéria de facto, passando a considerar-se os seguintes factos:

(10.) A ofendida recusou por diversas vezes encontrar-se com o arguido, contudo, no dia 04 de Março de 2018, o arguido contactou-a novamente sugerindo-lhe encontrarem-se em …, tendo ficado combinado, pelas 18 horas e 51 minutos, encontrarem-se cerca das 14 horas, do dia seguinte, junto da estação de metro da …, nesta cidade.

(11.) Nesse mesmo dia, às 18 horas e 58 minutos, o arguido, através da internet, efectuou a reserva, em seu nome, na empresa de alojamento local com a firma “…, S.A.”, de um apartamento de tipologia T2, para a noite de 05/06 de Marco, com indicação de que seria apenas para uma pessoa, apartamento este com o n.º 505 e que se situava na Rua …, n.º 34, em … .

(29.) Aí chegados, a ofendida dirigiu-se à casa de banho e o arguido dirigiu-se ao balcão, solicitando ao empregado que quando colocasse as bebidas na mesa, 2 (dois) mojitos XXL e dissesse que eram ‘oferta da casa’, comprometendo-se a paga-las posteriormente.

(32.) Entretanto, a ofendida deslocou-se novamente à casa de banho e quando regressou, apercebeu-se que em cima da mesa já se encontravam duas caipirinhas XXL, tendo dito ao arguido que ainda não tinha acabado de beber a outra bebida e já tinha outra para beber.

(33.) A ofendida praticamente não ingeriu a caipirinha.

e de alteração da qualificação jurídica, passando a imputar-se a prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de violação, previsto e punível pelo artigo 164, n.º 1, alínea a), do Código Penal.


3. Por acórdão proferido em 16 de Dezembro de 2019, foi deliberado, julgar a acusação parcialmente procedente e provada e, em consequência:

a) absolver o arguido AA da prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, previsto e punível pelo artigo 165, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, por referência aos artigos 14, n.º 1 e 26 do mesmo diploma legal;

b) condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de violação, previsto e punido pela alínea a), do n.º 1, do artigo 164, do Código Penal, por referência aos artigos 14, n.º 1 e 26, do mesmo diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

c) não aplicar ao arguido AA a pena acessória de proibição do exercício de profissão, emprego, funções ou atribuições públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, prevista no artigo 69-B, n.º 1, do Código Penal;

d) não aplicar ao arguido AA a pena acessória de proibição de confiança de menor, em especial, a adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, prevista no artigo 69-C, n.º 1, do Código Penal;

e) condenar o arguido AA ao pagamento de taxa de justiça que se fixa em 5 (cinco) U.C. e nas custas processuais criminais – cfr. artigos 513 e 514, ambos do Código Penal e n.º 5, do artigo 8º, do Regulamento das Custas Processuais;

f) determinar, ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 8º, da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro, a recolha de amostra de ADN ao arguido AA, com os propósitos referidos no n.º 3, do artigo 18, do mesmo diploma legal, devendo oficiar-se ao L.P.C. da Polícia Judiciária para o efeito.


4. Inconformado, recorre o arguido perante o Supremo Tribunal de Justiça formulando as seguintes conclusões (transcrição):

1. O Acórdão recorrido condenou o Recorrente pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de violação, previsto e punido pela Alínea a), do N.º 1, do Artigo 164º, do Código Penal, por referência aos Artigos 14º, N.º 1 e 26º, do mesmo diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2. Antes de entrar no objecto do recurso impõe-se referir que, desde o início da audiência de discussão e julgamento foi notória por parte do Senhor juiz que presidiu a audiência, uma clara animosidade contra o Recorrente advertindo-o expressamente “... do que o senhor diz e não diz possamos com certeza extrair conclusões e que o seu comportamento e a sua expressão corporal também não nos engane. Nós queremos ver as suas mãos a tremer...”

3. Mais, não se coibiu o Senhor Juiz de repreender constantemente o Recorrente pela maneira dele se expressar, tendo-lhe chamado a atenção por usar, segundo o Senhor Juiz, a expressão ou seja, fora de contexto.

4. Pese embora não façam parte do objecto do recurso, por respeito ao Recorrente, não nos podíamos coibir de fazer referência às supra referidas questões.

5. A convicção do Tribunal assentou na análise crítica da prova, tendo em conta as regras da experiência comum e da normalidade das coisas, sobretudo face à tipologia habitual dos casos como o dos autos.

6. Da matéria de facto dada como provada e da prova junta aos autos resulta claro que o Recorrente descreveu, sempre que foi ouvido em declarações, quer em sede de inquérito, quer em sede de audiência de discussão e julgamento, os actos sexuais que praticou com a Ofendida, negando todavia, tê-los praticado sem o consentimento dela.

7. Efectivamente, a Ofendida nada trouxe aos autos para além do facto de ter assumido ab initio, ter sido violada.

8. Para além desta afirmação e do nervosismo demonstrado pela Ofendida nos momentos posteriores - em julgamento prestou declarações, na qualidade de Assistente, na presença do Recorrente de forma calma – nada de relevante trouxe aos autos quanto aos actos sexuais praticados com o Recorrente.

9. Não resulta, contrariamente ao que resulta do ponto 35. da matéria dada como provada, do relatório médico que constitui fls (…) dos autos, que o Recorrente tenha ejaculado.

10. Pese embora, não esteja, neste recurso em causa a decisão tomada pelo Tribunal de 1ª Instância quanto à matéria de facto e, com o respeito que a Ofendida nos merece, não podemos deixar de referir, para além do que referimos supra, que a mesma tinha 22 anos de idade à data da prática dos factos, que iniciou a vida sexual com 15 anos de idade, que tinha tido relações sexuais com o namorado há cerca de cinco dias atrás e que ingeriu bebidas alcoólicas, quatro, num período de cinco ou mais horas sem ter sido a isso coagida, pelo Recorrente.

11. Feitas estas considerações cumpre-nos referir que:

Nos termos do disposto no Artigo 40º, do Código Penal, a aplicação das penas e das medidas de segurança visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e no seu N.º 2, refere-se que em em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

12. Resulta desta disposição legal que é a prevenção geral ou positiva ou de integração o factor principal a ter em conta na aplicação da pena.

13. No quadro da moldura penal abstracta existe um limite mínimo que corresponde às expectativas da comunidade face à norma jurídica violada e um limite máximo balizado pela culpa do agente e de forma alguma ultrapassável.

14. É entre estes limites mínimo e máximo que se satisfazem as necessidades de prevenção especial ou de socialização.

15. O que significa que a pena não é entendida como um factor de retribuição. Tem um sentido pedagógico e ressocializador.

16. Chegados aqui impõe-se a pergunta: sendo o Recorrente delinquente primário, tendo decorrido cerca de dois anos desde a data da prática dos factos e tratando-se de uma pessoa perfeitamente integrada pessoal, social e profissionalmente que sentido faz enviar este homem para a prisão pelo período de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses?

17. Nenhum, na nossa humilde perspectiva!

18. Face à matéria dada como provada no que concerne às condições pessoais, sociais e profissionais do Recorrente, à primariedade do mesmo, ao tempo decorrido desde a prática dos factos, entendemos que a pena é manifestamente excessiva por desadequada e desproporcional devendo ser manifestamente reduzida.

19. Dos factos dados como provados, a saber, as declarações do Recorrente que descreveu exaustivamente o que se passou, entre ele e a Ofendida, naquelas tarde e noite de 5 de Março de 2018, das condições do mesmo resulta que para além da pena dever ser manifestamente reduzida, consideramos que se verificam os requisitos que permitem a V. Exas. proceder à suspensão da execução da pena.

20. Vejamos:

Desde logo a primariedade do Recorrente, sendo este o seu primeiro embate com o sistema penal.

21. Nunca teve nenhuma reclusão ou lição a retirar de cumprimento de pena.

22. Acresce que não se verificam factores de risco associados a problemas de comportamento que revelem disfuncionalidade na vertente afectiva ou dificuldade de autocontrolo dos impulsos que cumpra acautelar.

23. Não se compreende aliás a referência, perfeitamente gratuita, feita no Acórdão recorrido de que “se impõe colocar um travão ao comportamento do arguido, e transmitir de forma absolutamente clara de que este tipo de comportamento não pode ser transmitido a outrem.”.

24. Nada foi trazido ao processo que permita ao Tribunal a quo retirar este tipo de conclusão e ademais a mesma não se enquadra minimamente na forma de estar e viver do Recorrente.

25. Resulta do Ac. de 11-01-2001, processo N.º 3095/00-5 que: “A prognose social favorável em que assenta o instituto da suspensão da pena, conclui que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo, para tal, atender à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste...”.

26. Do exposto resulta que é possível realizar esse juízo de prognose favorável ao Recorrente, pois perante a sua personalidade, condições de vida e conduta anterior e posterior ao crime é extremamente possível que sinta uma condenação com suspensão da execução da pena como uma solene advertência.

Normas violadas: Artigos 40º, 50º e 71º, todos do Código Penal.

Termos em que, concedendo V. Exas. provimento ao Recurso requer-se a revogação do Acórdão recorrido, substituindo-se o mesmo por outro que:

a) Reduza a pena aplicada;

b) Suspenda a mesma na sua execução.


5. Respondeu o Ministério Público, dizendo:

«O arguido vem recorrer do acórdão que o condenou, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação, previsto e punido pela alínea a), do n.º 1, do artigo 164º, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

De acordo com as conclusões, que delimitam o objecto do recurso, apenas se contesta a medida da pena aplicada, argumentando-se que, face à matéria dada como provada no que concerne às condições pessoais, sociais e profissionais do recorrente, à primariedade do mesmo e ao tempo decorrido desde a prática dos factos, a pena é manifestamente excessiva por desadequada e desproporcional, devendo ser reduzida.

Nessa sequência, defende que se verificam os requisitos que permitem a suspensão da execução da pena, por ser possível fazer um juízo de prognose favorável.

No entendimento do recorrente, o acórdão viola os arts. 40º, 50º e 71º do Código Penal.


*


Entendemos não assistir razão ao recorrente pelas razões que em seguida se explanam:

Antes do mais, é preciso não esquecer a moldura penal abstracta aplicável. Ora, o crime de violação é punido com pena de 3 (três) a 10 (dez) anos de prisão.

Os aspectos focados pelo recorrente e que lhe são favoráveis não foram de forma alguma esquecidos na determinação da medida da pena. Simplesmente, outros factores relevantes que depõem contra o arguido foram devidamente valorados e impõem a aplicação de pena mais severa.

Com efeito, conforme se extrai do acórdão recorrido, são elevadas a intensidade do dolo, a ilicitude do facto e a culpa do arguido, considerando sobretudo os seguintes aspectos:

- a traição de uma relação de confiança estabelecida entre o arguido e a assistente;

- a natureza dos actos – cópula, coitos anal e oral – praticados sem qualquer protecção;

- a premeditação e organização levadas a cabo pelo arguido, na criação de uma justificação para que a assistente fosse ao seu encontro e o acompanhasse até ao apartamento e ao bar, para aí continuar a incentivar a ingestão de bebidas alcoólicas já iniciada no apartamento;

- a intensidade e persistência com que o arguido praticou os actos;

- as consequências psicológicas dos actos na pessoa da assistente;

- a ausência de sentido crítico à conduta adoptada.

Acresce que, como bem se assinala no acórdão, mesmo as satisfatórias condições socioeconómicas e a integração profissional e familiar do arguido, se por um lado o favorecem, “constituem simultaneamente um elevado factor de risco para a prática de ilícitos de idêntica natureza, considerando o meio profissional e a capacidade financeira que o arguido procura transmitir ser possuidor”.

De salientar ainda as exigências de prevenção geral associadas à infracção em causa, que exige uma resposta institucional intensa e eficaz, sobretudo de carácter preventivo.

Aliás, é neste contexto da prevenção geral que o acórdão recorrido refere a necessidade de “colocar um sério travão ao comportamento do arguido”, porquanto se impõe transmitir à sociedade, de forma absolutamente clara, que este tipo de comportamento não pode ser admitido. Não se compreende, pois, a indignação do recorrente quanto a esta questão.

Os critérios legais que concorrem para a determinação da medida da pena, foram assim devidamente valorados, considerando o circunstancialismo concreto, as políticas de reinserção social e as exigências de prevenção geral e especial, concluindo-se – e quanto a nós correctamente – que a pena deverá fixar-se nos 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Repare-se que, apesar dos factores desfavoráveis apontados, a pena concretamente aplicada situa-se bem mais próximo do limite mínimo do que do limite máximo da moldura penal do crime de violação.

Pelo exposto, não colhem os argumentos alegados, afigurando-se adequada a pena fixada, e consequentemente o acórdão não enferma de qualquer vício, devendo ser mantido na íntegra.»


6. Também a assistente apresentou a seguinte resposta

«[…]

É do conhecimento geral que os recursos são meros “remédios jurídicos” que visam corrigir erros “in judicando” ou “in procedendo” que devem ser expressamente indicados pelo recorrente com a indicação dos meios de prova que impõem decisão diversa.

Não explicitando o recorrente em que ponto ou pontos do texto da sentença encontra os vícios que lhe aponta e, revisitada a douta decisão a quo, não se vislumbrando qualquer dos vícios prevenidos no artigo 410.º do Código de Processo Penal, assim sendo o recurso não pode deixar de ser rejeitado, por ser manifesta a sua improcedência.

Os vícios previstos no artigo 410 n.°2, do CPP, nomeadamente, o erro notório na apreciação da prova, não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova, princípio inscrito no art. 127.° do CPP

Não podendo, neste tipo de análise, prevalecer-se de prova documentada nem se encontrando perante prova legal ou tarifada, não pode o tribunal superior sindicar a boa ou má valoração daquela, e querer discutir, nessas condições, a valoração da prova produzida; é, afinal, querer impugnar a convicção do tribunal, olvidando a citada regra.

Na verdade o que faz o recorrente com o presente recurso é um exercício falacioso onde apenas pretende, substituir-se ao julgador na aplicação do direito.

Com efeito, bem tenta o recorrente, distanciando-se da realidade censurar o Tribunal por este ter realizado uma correta apreciação de todos os elementos de prova.

O Tribunal a quo fundamentou e partilhou o modo como atingiu as respostas e no sentido em que as cristalizou.

Nessa perspectiva, fundou a convicção judicial nos depoimentos de todas as testemunhas e nas declarações da assistente e do arguido.

Aliás, é o próprio recorrente que ao remeter-se unicamente à possibilidade de suspensão da pena de prisão que ao contrário do que sucedeu em audiência de julgamento, reconhece a prática dos factos que lhe eram imputados, desvalorizando no entanto os mesmos, quando considera exagerada a aplicação de uma pena de prisão efectiva de 5 anos e seis meses.

Em bom rigor, e à míngua de melhor argumentário, o recorrente utiliza os presentes autos, para tentar furtar-se as suas próprias responsabilidades para com isso evitar a prisão efectiva.

Salienta-se por último, que face ao que consta do douto acórdão, compaginado com toda prova recolhida, especialmente a prova testemunhal e documental, dúvidas não restam, que a tese do recorrente é no mínimo desprovida de apoio factual.

Só por distracção, se poderá imputar ao Tribunal a quo que haja inobservado os critérios legais atinentes à aplicação da medida da pena.

Para além, da demonstrada premeditação, aproveitando-se da relação anterior de confiança que o recorrente mantinha com a assistente e que quebrou de forma extremamente censurável, este foi incapaz de em algum momento reconhecer e admitir o crime grave que cometeu.

Pelo que, só agora e em sede de recurso o reconhece, ainda que de forma indirecta e com o intuito desesperado de evitar a aplicação de uma pena de prisão efectiva.

Mais, toda a estratégia do recorrente foi exclusivamente apostada na desvalorização e descredibilização da assistente, tendo esbarrado no entanto na crueza dos factos, que como se verificou em sede julgamento foram absolutamente esclaredores quanto ao crime de violação cometido pelo recorrente.

Por outro lado, as exigências de prevenção geral face ao crime cometido pelo arguido/recorrente não podem de modo nenhum ser defraudadas e obrigam a uma resposta que não ponha em causa as expectativas da sociedade e do direito.

Porquanto, é inevitável, por justa, criteriosa e legal, a manutenção do acórdão recorrido proferido pelo Tribunal a quo, por ser este o corolário da perfeita subsunção jurídico-penal, ancorada no apuramento fáctico exaustivo rigoroso e silogístico, imerecedora de reparos, de resto completamente infundados.

Pelo exposto, o douto acórdão sob recurso não violou qualquer norma, designadamente as invocadas pelo recorrente, pelo que deve ser mantido nos seus exactos termos, negando-se provimento ao recurso.

TERMOS EM QUE DEVERÁ O RECURSO INTERPOSTO SER JULGADO IMPROCEDENTE,

MANTENDO-SE O ACÓRDÃO NOS SEUS EXACTOS TERMOS, POR ASSIM SER DE INTEIRA,

JUSTIÇA!»


7. Neste Supremo Tribunal, emitiu a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta o douto parecer que se transcreve (com omissão do respectivo relatório):

«[…]

III – Parecer

O recorrente AA, alega que a pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão que lhe foi aplicada é manifestamente excessiva, por desadequada e desproporcional, devendo ser reduzida.

O recorrente AA alega ser primário, terem já decorrido cerca de dois anos desde a data da prática dos factos, estar perfeitamente integrado pessoal, social, e profissionalmente, não fazendo sentido enviá-lo para a prisão, pelo período de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses.

O recorrente AA alega ser possível proceder-se a um juízo de prognose favorável, face à sua personalidade, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior aos factos, no sentido de permitir a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena

O recorrente AA alega que o acórdão recorrido violou os arts. 40º, 50º, e 71º, todos do Cod. Penal.

Consideramos que não assistirá razão ao recorrente AA, subscrevendo a resposta apresentada pela Ilustre Magistrada do Ministério Público em 1ª Instância.

Com efeito, entende-se que o acórdão recorrido apreciou devidamente toda a conduta levada a cabo pelo recorrente AA, sendo que, para a escolha da medida da pena, teve em conta: a elevada intensidade do dolo; a elevada ilicitude dos factos; a traição de uma relação de confiança que existia entre si e a assistente CC; a natureza dos actos praticados sem qualquer protecção (cópula, coitos anal e oral); a premeditação, bem como toda a sua conduta em convencer a assistente a ir ao seu encontro, em o acompanhar até ao apartamento, e até ao bar; a forma como a incentivou a ingerir bebidas alcoólicas; a intensidade e a persistência com que praticou os actos; as consequências psicológicas provocadas na pessoa da assistente; e a sua desconsideração pelos bens jurídicos em causa.

E, o acórdão recorrido também atendeu à personalidade revelada pelo recorrente AA, que não interiorizou o elevado desvalor da sua conduta, nem os malefícios a que deu causa, sendo que manteve com a assistente CC relações sexuais de cópula oral e anal, sem o uso de preservativo, tendo-a colocado previamente num estado de inconsciência, somente com um único objectivo e que era o de satisfazer os seus intentos e instintos sexuais, sem que aquela pudesse oferecer qualquer tipo de resistência, ou pudesse por qualquer forma manifestar a sua vontade, tendo agido numa perspectiva egoísta, de satisfação pessoal dos seus instintos

Posto isto, há que apurar se a medida da pena aplicada ao recorrente AA, revela-se justa e adequada, tendo em conta a sua personalidade, a natureza do crime por si praticado (de elevada gravidade e alarme social), as circunstâncias que rodearam a sua prática, e as consequências que daí advieram.

E, para o efeito, há que apurar se o acórdão recorrido atendeu ao disposto no art. 40° do Cod. Penal, que refere que a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), não podendo a pena em caso algum ultrapassar a medida da culpa.

E, também há que apurar se o acórdão recorrido atendeu ao disposto no art. 71º, nº 1 do Cod. Penal, que refere que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, e dentro dos limites definidos na lei.

No caso em apreço, apesar de não serem conhecidos antecedentes criminais ao recorrente AA, os actos por si praticados revelam que o mesmo não teve qualquer consideração para com a assistente, pessoa que conhecia desde meados de 2013, tendo demonstrado uma elevada e determinada resolução criminosa.

Desta forma, não se mostra possível formular um juízo de prognose favorável no sentido de poder ser aplicado o instituto da suspensão da execução da pena, a que alude o art. 50º do Cod. Penal.

Com efeito, tendo em conta as finalidades de prevenção geral positiva de integração (protecção de bens jurídicos), e as finalidades de prevenção especial (integração do agente), entende-se que a aplicação de uma pena não privativa da liberdade não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Na verdade, as exigências de prevenção geral relativamente a este tipo de crimes revelam-se prementes, face ao aumento deste tipo de criminalidade, ao alarme social, e ao forte sentimento de repulsa que provocam na comunidade, impondo-se uma intervenção firme por parte da Justiça.

E, apesar da conduta do recorrente AA consubstanciar a prática de um crime único e isolado, há que atender ao elevado grau da ilicitude dos factos, ao elevado grau de lesividade de bens jurídicos em causa, ao elevado desvalor do seu resultado, o que determina a aplicação de uma pena detentiva da liberdade.

Na verdade, atendendo ao contexto em que os factos foram praticados, encarados na sua globalidade, entende-se que a aplicação de uma pena não privativa de liberdade, através da utilização do instituto da suspensão da execução da pena, não realizaria de uma forma adequada e suficiente as finalidades preventivas da punição, uma vez que só a execução da pena de prisão permitirá dar resposta às exigências de prevenção.

Desta forma, entende-se não ter sido ofendido o critério da adequação e da suficiência, a que alude o já citado art. 40º do Cod. Penal, não sendo excessiva a aplicação de uma pena privativa de liberdade, atendendo ao comportamento assumido pelo recorrente AA, que foi devidamente analisado e valorado, designadamente a forma egoísta como logrou satisfazer os seus intentos e instintos sexuais, ao colocar a assistente CC numa situação de total impossibilidade de poder oferecer qualquer tipo de resistência.

E, também se entende não ter sido ofendido o critério estabelecido na determinação da medida concreta da pena, a que alude o já citado art. 71º do Cod. Penal, uma vez que o acórdão recorrido atendeu a todas as circunstâncias que depunham a favor ou contra o recorrente AA.

Estamos perante a prática de um crime de violação que causa alarme social, com reflexo nas vítimas, pelos traumas que gera, e pelos valores culturais que ofende gravemente, o que torna especialmente elevadas as necessidades de prevenção geral, exigindo uma resposta punitiva firme.

Assim, também se entende que o acórdão recorrido atendeu ao critério estabelecido no art. 50º do Cod. Penal, que enuncia os pressupostos da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, já que atendeu ao grau de ilicitude dos factos, ao seu modo de execução, às circunstâncias em que os mesmos foram praticados, às consequências provocadas na vítima, não existindo quaisquer circunstâncias anteriores, ou posteriores aos factos, que diminuam de forma acentuada a culpa do recorrente AA.

E, apesar do recorrente AA não registar antecedentes criminais, e encontrar-se familiar e laboralmente inserido, tal circunstância não obstou a que praticasse os factos, de uma forma premeditada, e contra uma pessoa que conhecia desde meados de 2013, aproveitando-se da sua vulnerabilidade, incentivando-a a ingerir bebidas alcoólicas em excesso “(…) de molde a colocá-la num estado de inconsciência tal, que lhe permitisse manter com a mesma as descritas relações sexuais e satisfazer os seus intentos e instintos sexuais sem que aquela pudesse oferecer qualquer tipo de resistência ou manifestasse a sua vontade, o que conseguiu (…).” e que devido “(…) à ingestão de diversas bebidas alcoólicas a ofendida ficou embriagada e sem plena consciência dos seus actos, encontrando-se incapaz de se opor a qualquer ato que lhe fosse pessoalmente dirigido por outrem por não conseguir avaliar o sentido e o alcance do mesmo, facto que o arguido sabia e do qual se aproveitou, ”colocando-a numa situação oportunidade proporcionada pelo facto desta se encontrar a passar férias na sua casa.(…)”, como resulta do acórdão recorrido.

Concluindo, entende-se que o acórdão recorrido ponderou devidamente a gravidade dos factos praticados pelo recorrente AA, as finalidades da punição, face aos imperativos da prevenção geral e especial que se fazem sentir, pelo que não se afigura minimamente desproporcionada a pena que lhe foi aplicada, sendo que todo o circunstancialismo em que os factos ocorreram não permite formular um juízo positivo quanto ao seu comportamento futuro, de forma a serem criadas condições para que o seu processo de ressocialização possa decorrer em liberdade.

Daí, entender-se que a pena de prisão aplicada ao recorrente AA mostra-se justa e adequada, face à moldura penal aplicável ao crime violação, pelo qual o mesmo foi condenado, ao bem jurídico protegido, que é o da liberdade de determinação sexual, não se mostrando viável nem a diminuição desta pena de prisão, nem a suspensão da sua execução.

Face ao exposto, somos de parecer que o recurso deve improceder, subscrevendo no demais, a resposta apresentada pela Ilustre Magistrada do Ministério Público em 1ª Instância.»


8. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, doravante CPP, tendo recorrente reiterado «o teor da Motivação e Conclusões do Recurso oportunamente apresentado dando provimento ao mesmo».


9. Com dispensa de vistos, atenta a situação de pandemia vigente, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir:


II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Factos

Considerou o Tribunal Colectivo provada a seguinte matéria de facto:

1. O arguido AA exerceu, desde data não concretamente apurada e pelo menos até 05 de Marco de 2018, a profissão de empresário no ramo …, cabendo-lhe, entre outras, as funções de angariar jovens e adolescentes para participarem em ‘videoclips’ ou ‘anúncios’ de diversas naturezas, designadamente de marcas de roupa e de música.

2. A ofendida CC encontra-se a residir em Portugal, desde meados do ano de 2013, tendo vindo para território português para estudar.

3. A ofendida conheceu o arguido em meados do ano de 2013, porque o mesmo era namorado de DD, prima do seu, então, namorado EE.

4. Em meados do ano de 2015, a relação de namoro com EE terminou, tendo, a ofendida, a partir dessa altura se afastado da família daquele.

5. Não obstante, a partir do ano de 2016, o arguido começou a enviar mensagens escritas à ofendida, através do Facebook e do Whatsapp, perguntando-lhe como estava, se já tinha terminado a licenciatura, desta forma procurando manter contacto com a mesma.

6. Em data não concretamente apurada do mês de Janeiro de 2018, mas anterior ao dia 08, o arguido engendrou um plano que consistia em convidar a ofendida para se encontrar consigo e com a mesma manter relações sexuais.

7. Para o efeito, no dia 08 de Janeiro de 2018, entre as 19 horas e 14 minutos e as 23 horas e 33 minutos, o arguido AA enviou várias mensagens escritas para o Facebook da ofendida, questionando-a se estaria interessada em participar num anúncio publicitário para uma marca de roupa, indicando que, caso aceitasse, lhe pagaria entre € 200 (duzentos euros) e € 300 (trezentos euros), afirmando, ainda, que precisava de mulheres bonitas e que de preferência nunca tivessem participado em vídeos.

8. Primeiramente, a ofendida respondeu às mensagens enviadas pelo arguido declinando o convite.

9. Não obstante a ofendida ter recusado tal proposta, por entender que não se enquadrava nesse tipo de trabalho, o arguido continuou a insistir com a mesma para que participasse no dito anúncio, sugerindo-lhe que se encontrassem para que pudesse verificar se esta devia ou não participar em tal “spot publicitário”.

10. A ofendida recusou por diversas vezes encontrar-se com o arguido, contudo, no dia 04 de Março de 2018, o arguido contactou-a novamente sugerindo-lhe encontrarem-se em …, tendo ficado combinado, pelas 18 horas e 51 minutos, encontrarem-se cerca das 14 horas, do dia seguinte, junto da estação de metro da …, nesta cidade.

11. Nesse mesmo dia, às 18 horas e 58 minutos, o arguido, através da internet, efectuou a reserva, em seu nome, na empresa de alojamento local com a firma “…, S.A.”, de um apartamento de tipologia T2, para a noite de 05/06 de Março, com indicação de que seria apenas para uma pessoa, apartamento este com o n.º 505 e que se situava na Rua …, n.º 34, em … .

12. Assim, em 05 de Março de 2018, cerca das 14 horas, o arguido efectuou o check-in do aludido apartamento e após dirigiu-se para o local do encontro.

13. No dia combinado, 05 de Março de 2018, a ofendida apanhou o metro com destino à estação da … .

14. Chegada à estação de metro da …, sito na Avenida …, em …, a ofendida telefonou para o telemóvel do arguido, dizendo-lhe que já se encontrava no local combinado.

15. Como o arguido ainda não havia chegado e de forma à ofendida ir ter consigo, aquele forneceu-lhe indicações para que esta se encontrasse com ele junto ao Banco BBVA, sito na Avenida …, o que a ofendida fez.

16. Assim, o arguido esperou pela ofendida junto ao Banco BBVA tendo esta ido ao seu encontro.

17. Verificando que o arguido se encontrava sozinho, a ofendida perguntou-lhe pela DD, tendo o mesmo referido que a relação não estava bem.

18. Depois, o arguido disse à ofendida que ainda não tinha almoçado e que lhe apetecia comida indiana, ao que a ofendida respondeu que já tinha almoçado.

19. Na sequência, começaram a descer a Avenida …, dirigindo-se para o restaurante, o qual estava fechado, pelo que se dirigiram a um restaurante próximo da estação de metro …, local onde o arguido encomendou comida.

20. Enquanto aguardavam pela entrega da comida, a ofendida pediu ao arguido que lhe fornecesse mais elementos sobre o anúncio e que lhe mostrasse do que se tratava no telemóvel, tendo este referido que apenas o podia mostrar no computador.

21. Nessa altura, a depoente apercebendo-se que o arguido provavelmente a iria levar à sua residência para ver o anúncio no computador, enviou uma mensagem à sua prima FF, dizendo-lhe que se tinha ido encontrar com um rapaz e que afinal era para ir à casa dele.

22. Entretanto, saíram daquele local, percorrendo várias ruas de …, tendo o arguido encaminhado a ofendida para a Rua …, n.º 34, local onde se encontrava o apartamento que havia reservado no dia anterior, referindo-lhe, propositadamente e com o intuito de suscitar maior confiança na ofendida que estava a viver na casa da sua mãe, mas era ele quem pagava a renda, no valor de € 900 (novecentos euros) mensais.

23. Aí chegados, cerca das 18 horas e 30 minutos, subiram de elevador até ao quinto andar, entrando ambos no apartamento n.º 505, cuja propriedade o arguido havia referido ser da sua mãe.

24. Uma vez no interior do apartamento, primeiramente comeram, tendo o arguido oferecido um copo de sangria à ofendida, que o aceitou e ingeriu, e posteriormente mostrou à ofendida um vídeo promocional da roupa que teria que usar no anúncio, assim como outros anúncios que já tinha realizado.

25. Depois de terem comido, bebido e conversado sobre o anúncio, o arguido perguntou à ofendida o que ia fazer à noite, tendo a mesma respondido que costuma treinar … mas, como o instrutor, que é o seu namorado, não estava, iria treinar musculação, dando-lhe, desta forma, a entender que não pretendia passar a noite na sua companhia.

26. O arguido serviu mais um copo de sangria à ofendida, que esta ingeriu, e cerca das 19 horas, sugeriu-lhe que fossem a um bar próximo do apartamento onde se encontravam, tendo aquela aceite tal convite, já que, por mensagem, a sua amiga GG lhe havia dito que não iria treinar.

27. Quando se preparavam para sair de casa, a ofendida pegou na sua mala, tendo o arguido lhe dito que não valia a pena levá-la porque iriam voltar ali.

28. Na sequência, o arguido e a ofendida saíram do apartamento e deslocaram-se para o tal bar, denominado “HH”, sito na Rua …, n.º 40-A, no …, em … .

29. Aí chegados, a ofendida dirigiu-se à casa de banho e o arguido dirigiu-se ao balcão, solicitando ao empregado que quando colocasse as bebidas na mesa, 2 (dois) mojitos XXL e dissesse que eram ‘oferta da casa’, comprometendo-se a paga-las posteriormente.

30. Assim, quando a ofendida regressou e se sentou na mesa onde o arguido se encontrava, o empregado de balcão dirigiu-se à mesma, colocando sobre a mesa as bebidas.

31. Depois, o arguido dirigiu-se ao balcão, regressando depois com dois ‘shots’ de bebida, oferecendo um à ofendida, que o ingeriu, e o outro foi ingerido pelo arguido.

32. Entretanto, a ofendida deslocou-se novamente à casa de banho e quando regressou, apercebeu-se que em cima da mesa já se encontravam duas caipirinhas XXL, tendo dito ao arguido que ainda não tinha acabado de beber a outra bebida e já tinha outra para beber.

33. A ofendida praticamente não ingeriu a caipirinha.

34. Verificando que a ofendida se encontrava embriagada e sem controlo sobre os seus movimentos e comportamentos, o arguido, tal como havia planeado, chamou um táxi e transportou-a consigo para o supra referido apartamento, o qual havia reservado previamente, local onde chegaram cerca das 21 horas e 24 minutos, tendo para o efeito carregado a ofendida pelos braços.

35. Uma vez no interior de tal apartamento, o arguido, verificando que a ofendida se encontrava inconsciente e sem reacção, dirigiu-a para um dos quartos, despiu a roupa que aquela trajava, deitou-a sobre a cama e manteve com a mesma relações sexuais de cópula vaginal, anal e oral, tendo introduzindo o seu pénis erecto tanto na vagina como no ânus daquela, efectuando com o mesmo movimentos de vaivém, aí o friccionando até ejacular, tendo ainda colocado a sua boca e língua vagina da ofendida, lambendo-a.

36. Cerca das 23 horas, a ofendida acordou, sentindo sobre o seu corpo, o corpo do arguido. 37. De imediato, a ofendida empurrou o corpo do arguido, fazendo com que o mesmo saísse de cima do seu corpo, levantando-se de seguida da cama, deslocando-se para a sala, momento em que se apercebeu que estava desnudada, tendo apenas o soutien vestido.

38. Acto contínuo, a ofendida pegou no seu telemóvel e enviou mensagens escritas tanto a GG, como ao seu namorado e a um amigo, com o seguinte teor “Chama a polícia, por favor ”.

39. Entretanto, o seu namorado telefonou-lhe, tendo falado com o mesmo, momento em que o arguido apareceu na sala e retirou da mão da ofendida o telemóvel, para que a mesma não pudesse mais, por aquela via, solicitar ajuda.

40. Depois, a ofendida dirigiu-se para o quarto do apartamento, vestiu a roupa que o arguido lhe havia despido e voltou novamente para a sala.

41. Já na sala, a ofendida empurrou o corpo do arguido, fazendo com que caísse ao solo desamparado, momento em que lhe retirou o telemóvel e logo após saiu do apartamento para procurar ajuda, tendo tocado a várias campainhas mas ninguém abriu a porta.

42. Já no hall de entrada do prédio, a ofendida deparou-se com II, a quem pediu ajuda, tendo o mesmo a transportado à esquadra da Polícia de Segurança Público, do Largo … .

43. Na sequência da supra descrita conduta, o arguido provocou lesões no corpo da ofendida, designadamente na região anal e perianal, a mesma apresentava entre as 12 horas e as 03 horas, uma área com múltiplas escoriações, uma das quais ligeiramente mais profunda, que acompanham o sentido do pregueado radiário, friável e sangrante ao toque e escoriação linear localizada às 05 horas, no sentido do pregueado radiário, com cerca de 0,4 cm (zero vírgula quatro centímetros) de comprimento e a nível da região genital e peri-genital, apresentava escoriação na porção posterior da face interna do grande lábio esquerdo, linear, com cerca de 0,3 cm (zero vírgula três centímetros) de comprimento, escoriação na fúrcula posterior, sobre a linha média, irregular, medindo cerca de 0,3 cm (zero vírgula três centímetros) de maior eixo, ambas não sangrantes, lesões estas resultantes do traumatismo causado pelas relações sexuais, não consentidas, supra referidas.

44. Também na sequência das bebidas alcoólicas que o arguido ofereceu e deu a ingerir à ofendida, a mesma apresentava ainda e várias horas depois, uma taxa de etanol no sangue periférico estimada entre 0,26/0,03 g/l.

45. O arguido actuou de forma premeditada, com o intuito de incentivar a ofendida a ingerir bebidas alcoólicas em excesso, de molde a colocá-la num estado de inconsciência tal, que lhe permitisse manter com a mesma as descritas relações sexuais e satisfazer os seus intentos e instintos sexuais sem que aquela pudesse oferecer qualquer tipo de resistência ou manifestasse a sua vontade, o que conseguiu.

46. Devido à ingestão de diversas bebidas alcoólicas a ofendida ficou embriagada e sem plena consciência dos seus actos, encontrando-se incapaz de se opor a qualquer ato que lhe fosse pessoalmente dirigido por outrem por não conseguir avaliar o sentido e o alcance do mesmo, facto que o arguido sabia e do qual se aproveitou.

47. O arguido sabia que a ofendida se encontrava em estado de embriaguez e inconsciência, sabendo, por via disso, que esta não se encontrava em condições físicas e psicológicas para decidir ou se opor à prática de relações sexuais, sendo incapaz de formular a sua vontade para a prática de tais actos, que com aquela praticou, facto do qual se aproveitou, logrando os seus intentos.

48. Ao actuar como actuou, o arguido bem sabia que atentava contra a vontade e a autodeterminação sexual da ofendida, agindo à revelia da sua vontade e dispondo do seu corpo e da sua sexualidade sem que para tal a vítima estivesse consciente e pudesse prestar o seu consentimento.

49. Mais sabia o arguido que, forçando a ofendida, no estado de inconsciência que se encontrava, provocado pela acção do mesmo, a manter consigo as descritas relações sexuais, as mesmas eram aptas a provocar-lhe lesões nas regiões anal e perianal assim como na região genital e per genital, o que efectivamente aconteceu, conformando-se com o seu resultado.

50. O arguido agiu em tudo livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei Penal.

*

Mais resultou provado:


51. Do certificado do registo criminal do arguido AA nada consta. *

52. O arguido AA, natural da República Popular de …, cresceu integrado no agregado familiar dos progenitores até aos 4 (quatro) anos de idade, altura em que os mesmos se separaram.

53. Do agregado familiar faziam ainda parte 4 (quatro) irmãos mais velhos.

54. O agregado familiar subsistia das actividades profissionais do progenitor – militar (…) – e da progenitora – funcionária na área … de um hospital.

55. O arguido não tem significativas memórias do progenitor, uma vez que o mesmo passava muito tempo ausente, por razões profissionais, e por ter outra família.

56. Após a separação dos progenitores, as condições económicas do agregado familiar sofreram restrições, uma vez que o progenitor nem sempre contribuiu para a economia familiar.

57. A sua progenitora refez a vida pessoa com outro companheiro, elemento que passou a integrar o agregado familiar.

58. Deste novo relacionamento da progenitora, o arguido teve mais 3 (três) irmãos, sendo que o novo companheiro da mãe – empresário – também estava frequentemente ausente do agregado familiar.

59. Neste contexto, a progenitora foi a principal figura no processo de crescimento do arguido, descrita como uma figura de autoridade, rígida e firme, responsável pela educação dos seus filhos.

60. O percurso escolar do arguido iniciou-se um ano mais tarde do que é habitual, por alegada indocumentação pessoal, que se prolongou por o progenitor ter então paradeiro desconhecido.

61. Estudou até ao 9º ano de escolaridade, em … .

62. Com cerca de 18 (dezoito) anos de idade, conjuntamente com a progenitora, o companheiro desta e os irmãos mais novos vieram viver para Portugal.

63. Foi com esta idade, em 2005, que o arguido iniciou o seu percurso profissional, inicialmente na construção civil, depois na área das remodelações e pintura, e depois em trabalho de escritório, até 2010.

64. Reiniciou os estudos em 2013, contando com o apoio financeiro da progenitora e do companheiro desta, e aos 26 (vinte e seis) anos de idade obteve a equivalência ao 12º ano de escolaridade, concluindo o curso profissional de … .

65. Nesta área de formação começou a realizar trabalhos – videoclips musicais.

66. Devido a dificuldades económicas desistiu da frequência do 1º ano do curso de …, da Faculdade … .

67. Após a realização de diversos trabalhos na área da publicidade e de videoclips, o arguido realizou o primeiro trabalho para o “Grupo …” – agência na área de produção de eventos de artistas musicais.

68. O arguido, no desenvolvimento desta actividade, procede à selecção e escolha de jovens raparigas, da rede de conhecimentos do arguido, para participarem na promoção de eventos.

69. Em 2017, o arguido iniciou actividade na área de produção de filmes, de vídeos e de programas de televisão, regularizando a sua situação em Portugal.

70. No plano das relações, o arguido conheceu a sua namorada – actual companheira – numa discoteca, local onde a mesma trabalhava em part-time, iniciando uma relação de união de facto há cerca de 3 (três) anos – 2016.

71. O arguido mantém a vivência com a companheira em casa arrendada, numa relação descrita como gratificante, saudável e de apoio mútuo.

72. Presentemente a selecção das jovens para os vídeos que o arguido produz está a cargo de uma agência profissional de modelos.

73. Atenta a instabilidade laboral na área da produção de filmes, de vídeos e de programas de televisão, o arguido, por intermédio de empresa de trabalho temporário, iniciou actividade na área …, há cerca de 5 (cinco) meses.

74. O agregado familiar subsiste com os rendimentos laborais do arguido – na ordem dos € 622 (seiscentos e vinte e dois euros) pela actividade na área da informática, de natureza regular, e € 1 500 (mil e quinhentos euros) por trabalhos na área da produção, com natureza variável – e da companheira – que aufere o salário mínimo como empregada de restaurante, a que acrescem € 200 (duzentos euros) mensais pelo trabalho de part-time como empregada numa discoteca.

75. O encargo mais significativo é o da renda, no valor mensal de € 400 (quatrocentos euros). 76. Ocupa os seus tempos livres com a prática de exercício físico e em actividades com a companheira e familiares e ambos.

77. Os presentes autos tiveram impacto na vida do arguido, que tem mais cuidado no modo como se relaciona com as pessoas, determinando a alteração do processo de recrutamento das pessoas que participam nos seus vídeos e na relação com a namorada, em virtude da traição que assumiu, por ter mantido relações sexuais com a ofendida.


*


Matéria de facto não provada:

1. O plano do arguido referido em 6. dos factos provados visava manter relações sexuais sem o seu consentimento da ofendida.

2. As bebidas referidas em 29. dos factos provados eram uma caipirinha para si uma caipirinha XXL (750ml) para a ofendida.


2. Âmbito do recurso

Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP (neste sentido, o acórdão n.º 7/95 do Pleno da Secção Criminal, de 19-10-1995, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995), e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites de cognição do Tribunal Superior.

   

Das conclusões do recurso, extrai-se serem as seguintes as questões que o recorrente propõe à apreciação deste Supremo Tribunal:

- Excesso da pena aplicada.

- Suspensão da execução da pena.


3. Apreciação


3.1. Medida da pena

O recorrente não questiona a qualificação jurídica dos factos provados, integradores do crime pelo qual foi condenado, não existindo fundamentos para que tal qualificação seja objecto de alteração por este Supremo Tribunal no âmbito deste processo.


Foi condenado o recorrente pela prática de um crime de violação na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, pena que considera excessiva.

Revisitando considerações que tecemos no acórdão de 09-03-2016, proferido no processo n.º 26/14.7GAAMR.S1 – 3.ªSecção[1]:

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, a medida da pena é determinada, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40.º, n.º 2, do mesmo Código.

Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins e motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal).

Sobre a determinação da pena, em razão da culpa do agente e das exigências de prevenção, lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 15 de Dezembro de 2011, proferido no processo n.º 706/10.6PHLSB.S1, convocado, mais recentemente no acórdão de 27 de Maio de 2015 (proc. n.º 445/12.3PBEVR.E1.S1):

«Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objectivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização, ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º n.º 1 do CP).

Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências.

Neste sentido é que se diz que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, pp. 227 e ss.).

Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites óptimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstracta correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão actuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 231).

Ora, os factores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infracção do princípio da proibição da dupla valoração.»


Acompanhando o acórdão deste Supremo Tribunal, de 3 de Julho de 2014 (proc. n.º 1081/11.7PAMGR.C1.S1), «a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização».

Como justamente refere MARIA JOÃO ANTUNES, «[s]e a medida da pena é a protecção de bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na sociedade, e se a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa (artigo 40.º, n.os 1 e 2, do CP), então a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, sem ultrapassar a medida da culpa, actuando os pontos de vista de prevenção especial de socialização entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de tutela de tais bens»[2].

A medida da pena, considera a mesma autora, «há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, face ao caso concreto, num sentido prospectivo de tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida»[3].


Será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social.


A decisão sob recurso fundamentou a pena de prisão fixada nos seguintes termos:

«Da determinação da medida da pena:

O crime de violação é punido com pena de 3 (três) a 10 (dez) anos de prisão.

Os critérios constantes dos artigos 40, 70 e 71, todos do Código Penal consagram o entendimento de que toda a pena tem como suporte axiológico normativo uma culpa concreta e que o julgador se encontra limitado pelo respeito da dignidade da pessoa humana, pelas exigências de prevenção geral e especial.

Os factores concretos a ter em conta na determinação da medida da pena são, de acordo com a sistematização do n.º 2, do artigo 71, do Código Penal, fundamentalmente, os que estão relacionados com a execução do facto (alíneas a), b), e c)), os relativos à personalidade do agente (alíneas d) e f)) e, por último, os factores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto.

In casu, ter-se-á em atenção:

►a elevada intensidade do dolo com que o arguido actuou – na modalidade de dolo directo – cfr. artigo 14, n.º 1, do Código Penal;

►a ilicitude do facto que é elevada, considerando:

►a traição de uma relação de confiança estabelecida entre o arguido e a assistente;

►a natureza dos actos – cópula, coitos anal e oral – praticados sem qualquer protecção – leia-se: preservativo;

►a premeditação e organização levadas a cabo pelo arguido, na criação de uma justificação para que a assistente fosse ao seu encontro e o acompanhasse até ao apartamento e ao bar, para aí continuar a incentivar a ingestão de bebidas alcoólicas já iniciada no apartamento;

► a respectiva intensidade e persistência com que praticou os atos;

► as consequências psicológicas dos actos na pessoa da assistente;

►a culpa do arguido também ela elevada, atendendo à desconsideração pelos bens jurídicos salvaguardados;

►o comportamento anterior do arguido, sem registo de condenações penais;

►as condições socioeconómicas e integração profissional e familiar do arguido, que atingem níveis satisfatórios, mas constituem simultaneamente um elevado factor de risco para a prática de ilícitos de idêntica natureza, considerando o meio profissional e a capacidade financeira que o arguido procura transmitir ser possuidor;

► a ausência de sentido crítico à conduta adoptada.

Evidentemente, todos estes factores terão de ser valorados negativamente na medida da pena, excepto o facto de não existirem condenações penais anteriores do arguido.


*


A tudo isto acrescem as exigências de prevenção geral, porquanto, se trata de infracção que exige uma resposta institucional intensa e eficaz, sobretudo de carácter preventivo.

Note-se que a gravidade do conjunto dos factos ora em julgamento é muito elevada, impondo-se colocar um sério travão ao comportamento do arguido, e transmitir, de forma absolutamente clara, que este tipo de comportamento não pode ser transmitido a outrem.

"Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, na expressão de Jakobs, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida" - cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Editorial Notícias, 1993, pp. 72 e 73.

Atentas as exigências de prevenção especial e geral, impõe-se afastar a aplicação da pena de multa, nas situações em que são, alternativamente, aplicáveis.

A concretização dos dias de prisão far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção: "como limite que é, a medida da culpa serve para determinar um máximo de pena que não poderá em caso algum ser ultrapassado, (...) não para fornecer em última instância a medida da pena: esta dependerá, dentro do limite consentido pela culpa, de considerações de prevenção" - cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Editorial Notícias, 1993, p. 238).

Nestes termos e ponderando, em conjunto, os critérios enunciados, entende-se adequado condenar o arguido AA, numa pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão».


Estas considerações merecem igualmente a nossa concordância.


Relativamente ao crime de violação, sublinham JOSÉ MOURAZ LOPES e TIAGO CAIADO MILHEIRO que ele «é porventura o crime sociologicamente mais impressivo do conjunto dos crimes sexuais, não só por ser um dos mais comuns, como também por ser aquele que, ainda hoje, assume maior repercussão social.

Como na coacção sexual, também aqui se trata de criminalizar condutas que atentam gravemente contra a liberdade da vontade do sujeito, através de coacção grave ou violência»[4].

E acrescentam:

«A carga negativa associada à terminologia “violação”, perfeitamente interiorizada na sociedade, traduz a forma mais gravosa e desrespeitosa de atentado à liberdade sexual e da utilização do corpo como manifestação da sexualidade»[5].

São muito intensas as necessidades de prevenção geral neste tipo de crimes dada a extrema sensibilidade da comunidade em relação aos mesmos e a premente necessidade de os prevenir.

Como judiciosamente sublinha a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer:

«[…] entende-se que o acórdão recorrido apreciou devidamente toda a conduta levada a cabo pelo recorrente AA, sendo que, para a escolha da medida da pena, teve em conta: a elevada intensidade do dolo; a elevada ilicitude dos factos; a traição de uma relação de confiança que existia entre si e a assistente CC; a natureza dos actos praticados sem qualquer protecção (cópula, coitos anal e oral); a premeditação, bem como toda a sua conduta em convencer a assistente a ir ao seu encontro, em o acompanhar até ao apartamento, e até ao bar; a forma como a incentivou a ingerir bebidas alcoólicas; a intensidade e a persistência com que praticou os actos; as consequências psicológicas provocadas na pessoa da assistente; e a sua desconsideração pelos bens jurídicos em causa.

E, o acórdão recorrido também atendeu à personalidade revelada pelo recorrente AA, que não interiorizou o elevado desvalor da sua conduta, nem os malefícios a que deu causa, sendo que manteve com a assistente CC relações sexuais de cópula oral e anal, sem o uso de preservativo, tendo-a colocado previamente num estado de inconsciência, somente com um único objectivo e que era o de satisfazer os seus intentos e instintos sexuais, sem que aquela pudesse oferecer qualquer tipo de resistência, ou pudesse por qualquer forma manifestar a sua vontade, tendo agido numa perspectiva egoísta, de satisfação pessoal dos seus instintos».

Como se lê no mesmo parecer, [e]stamos perante a prática de uma crime de violação que causa alarme social, com reflexo nas vítimas, pelos traumas que causa e pelos valores culturais que ofende gravemente, o que torna especialmente elevadas as necessidades de prevenção geral, exigindo uma resposta punitiva firme».

Perante o exposto, reafirmando a nossa concordância com a fundamentação da medida da pena constante do acórdão recorrido, concluimos que a mesma se mostra adequada e proporcionada à ilicitude da conduta do arguido e satisfaz as exigências de prevenção, pelo que se mantém, improcedendo o recurso.


3.2. Suspensão da execução da pena


Tendo em consideração a pena fixada e o disposto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, fica prejudicada a questão da suspensão da execução da pena.


III – DECISÃO


Em face do exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto por AA, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente com 3 UC de taxa de justiça.


Texto processado e revisto pelo relator que assina digitalmente.


Tem voto de conformidade da Ex.ma Juíza Adjunta, Conselheira Conceição Gomes (artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio).


SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 16 de Setembro de 2020.


Manuel Augusto de Matos (Relator)

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[1] Disponível como os demais que se citarem sem outra menção da fonte, nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt.
[2] Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, p. 44.
[3] Idem, ibidem.
[4] Crimes Sexuais – Análise Substantiva e Processual, Coimbra Editora, p. 59.
[5] Idem, p. 60.