RECURSO DE REVISÃO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
PRESCRIÇÃO
Sumário

I - O recurso de revisão, prevendo a quebra do caso julgado, contém na sua própria razão de ser um atentado frontal ao valor da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito, em nome das exigências do verdadeiro fim do processo penal que é a descoberta da verdade e a realização da justiça. 
II - Todavia, o recurso de revisão, dada a sua natureza excepcional, ditada pelos princípios da segurança jurídica, da lealdade processual e do caso julgado, não é um sucedâneo das instâncias de recurso ordinário. 
Só circunstâncias substantivas e imperiosas devem permitir a quebra do caso julgado, de modo a que o recurso extraordinário de revisão se não transforme em uma “apelação disfarçada
III - «Factos novos” ou “meios de prova novos” são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes deste. É insuficiente que os factos sejam desconhecidos do tribunal, devendo exigir-se que tal situação se verifique, paralelamente, em relação ao requerente. Consubstanciaria uma afronta ao princípio da lealdade processual admitir que o requerente da revisão apresentasse os factos como novos não obstante ter interior conhecimento no momento do julgamento da sua existência».
IV - Condição de procedência do recurso de revisão com fundamento na descoberta de novos factos ou novos meios de prova é, por um lado, a novidade desses factos ou meios de prova e, por outro, que tais factos ou meios de prova provoquem graves dúvidas (não apenas quaisquer dúvidas) sobre a justiça da condenação, o que significa que essas dúvidas devem ser de grau superior ao que é normalmente requerido para a absolvição do arguido em julgamento.
V - O artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do CPP exige ainda que os novos factos e/ou os novos meios de prova, por si só, ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
VI - Quanto à gravidade das dúvidas sobre a justiça da condenação, não releva o facto e/ou meio de prova capaz de lançar alguma dúvida sobre a justiça da condenação, reclamando o conceito para tais dúvidas um grau ou qualificação tal que ponha em causa, de forma séria, a condenação, no sentido de que hão-de ter uma consistência tal que aponte seriamente no sentido da absolvição como a decisão mais provável.
VII – Como o STJ tem entendido, não será uma indiferenciada "nova prova", ou um inconsequente "novo facto", que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade, razoavelmente reclamada, por uma decisão judicial transitada. Tais novos factos e/ou provas, têm assumir qualificativo correlativo da "gravidade" da dúvida que hão-de guarnecer e que constitui a essência do pressuposto da revisão que ora nos importa.
VIII - Há-de, pois, tratar-se de "novas provas" ou "novos factos" que, no concreto quadro de facto em causa, se revelem tão seguros e/ou relevantes - seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis - que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato.
 IX - Analisada a decisão condenatória cuja revisão é pedida, verifica-se que foi formada a convicção positiva do tribunal, quanto à prática pelo recorrente do crime pelo qual foi condenado, baseada num conjunto de elementos probatórios merecedores de toda a credibilidade.
X - Os factos/meios de prova agora apresentados não têm qualquer virtualidade para pôr em causa o sedimento fáctico em que assentou a condenação do recorrente ou para afectar de forma relevante os fundamentos em que se estribou a convicção do Tribunal, e, muito menos são susceptíveis de suscitar dúvidas sobre a justiça da condenação.
XI - A questão da prescrição também suscitada pelo recorrente não pode constituir fundamento do recurso extraordinário de revisão por não se integrar manifestamente em qualquer um dos fundamentos enunciados taxativamente no artigo 449.º do CPP.
XII - Transitada em julgado a sentença de condenação do arguido, precludido ficou o direito de requerer ou de conhecer oficiosamente a prescrição do procedimento criminal. A partir do trânsito em julgado da decisão condenatória, já não se pode mais falar em prescrição do procedimento criminal, mas, eventualmente, se for caso disso, em prescrição da pena (art. 122.º, n.º 2 do CP)».

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I – RELATÓRIO


1. AA, arguido no processo n.º 14814/16.6T8LRS, pendente no Tribunal Judicial da Comarca de … - Juízo Local Criminal de … - Juiz 1- vem interpor recurso de revisão, «nos termos do disposto no artigo 449.º, alíneas d) e e) do Código de Processo Penal», doravante CPP, com os seguintes fundamentos:


«I - Do Fundamento do Recurso:



O recurso extraordinário de revisão de sentença transitada em julgado, com consagração constitucional no art.º 29, n.º 6, da Lei Fundamental, constitui um meio processual vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários ou casos de flagrante injustiça, como entendemos, ser o presente, fazendo prevalecer o princípio da justiça material sobre a segurança do direito, e a força do caso julgado. Estes princípios essenciais do Estado de Direito cedem perante novos factos ou a verificação da existência de erros fundamentais de julgamento adequados a porem em causa a justiça da decisão.



No caso concreto, estamos, salvo melhor entendimento, perante a descoberta de novos factos ou meios de prova que, em si mesmos ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, e ainda, perante a forte possibilidade de prescrição do procedimento criminal.


II - Das Novas Provas:



Efetivamente, após o trânsito desta decisão condenatória, tendo confidenciado a vários amigos e conhecidos esta decisão, que para o recorrente é uma ENORME INJUSTIÇA, teve a solidariedade de várias pessoas que desconhecia ter assistido aos factos, e que, tendo ficado estupefatos e indignados com a decisão judicial de condenar o arguido a pena de prisão efectiva, que se dirigiram ao recorrente mostrando a sua estupefação e indignação face a esta condenação, e se dispuseram a ajudá-lo, prestando os depoimentos que fossem necessários no sentido de inverter esta grande injustiça que dizem ter sido cometida, demonstrando que o arguido não agrediu o assistente, nem se encontrava no interior do café "BB".



Foi a notícia da INJUSTIÇA da sentença condenatória, que fez com que estas pessoas se aproximassem do recorrente e se disponibilizassem para o ajudar.



Pessoas que podem testemunhar que o arguido apenas acudiu o assistente e que não o agrediu.



Testemunhas essas que, não têm agora qualquer dúvida, poderiam ter sido MUITO importantes para a decisão a proferir em lª instância, e que pretendem agora, caso lhes seja permitida a revisão, que sejam ouvidas!



São elas:

-   CC, proprietário do estabelecimento comercial "BB", que se encontrava no interior do seu estabelecimento aquando da ocorrência dos factos, a notificar para o seu domicílio: Av. …, nº 8, …;

-    DD, que se encontrava na paragem de autocarro em frente ao café "BB" aquando da ocorrência dos factos, a notificar para a sua residência: Praceta …, Edifício 2, Piso 0 E, … .



Para além das provas que resultarem desses depoimentos, poderem colocar definitivamente em causa a decisão condenatória, existe uma outra questão/prova que não tendo sido considerada, pode agora ser avaliada em sede de eventual julgamento revisório autorizado, e colocar em causa a condenação do arguido.



Referimo-nos à prescrição do procedimento criminal.


10º

Trata-se pois, de um facto que é suscetível de colocar em causa a decisão condenatória, e que, não poderá ser ignorada pelo Tribunal, sob pena de violar a Lei Constitucional.


III - Da Prescrição do Procedimento Criminal:


11º

Os factos ocorreram em 04 de Setembro de 2011.


12º

In casu, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 5 anos, nos termos do disposto no art. 118, n.º 1 alínea c), do Código Penal.


13º

Assim, entendemos que se encontra prescrito o procedimento criminal, mesmo tendo em conta os casos de suspensão e interrupção da prescrição.


14º

A prescrição opera pelo simples decurso do tempo, independentemente de qualquer condição, devendo ser declarada oficiosamente em qualquer fase do procedimento.


15º

O n.º 3 do art. 121 do CP especifica que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.


16º

In casu verificou-se a suspensão da prescrição, nos termos da al. c) do nº l do art. 120º do C.P., por vigorar a declaração de contumácia, proferida no Proc. Nº 946/11.0…, que correu termos no mesmo Juiz 1 Local Criminal de … .


17º

Também, in casu se verificaram casos de interrupção da prescrição.


18º

Mas estes só valem de per si quando não se verifica o condicionalismo previsto no nº 3 do art. 121º do CP.


19º

Neste sentido, citando as actas da Comissão Revisora do Código Penal: Da natureza das causas interruptivas, estas têm o condão de fazer apagar o prazo anteriormente decorrido, mas também nos termos do n.s 3 o legislador pretendeu não alargar o prazo indefinidamente, tendo fixado por conta dessas eventuais e diversas causas interruptivas, o acréscimo de metade do prazo normal. E, desta forma, da natureza do próprio instituto da interrupção da prescrição, que pressupõe a anulação do prazo decorrido anteriormente, com a finalidade de não protelar indefinidamente o prazo de prescrição, adoptou o legislador a solução legal de, por conta das causas interruptivas, diremos nós, se faria acrescer de metade o prazo normal.


20º

Neste sentido, aliás, reflectiu a Comissão Revisora do Projecto da Parte Geral do Código Penal, na 333 Sessão, relativa ao então artigo 111°, § 1 e § 2 (cuja redacção se manteve na actualidade com os nºs 2 e 3) que, transcrito no BMJ 151, 44, se refere a esta questão da seguinte forma:

«O efeito interruptivo está contido no § Io, que não parece dar lugar a dúvidas. Simplesmente, admitir um número infinito de interrupções, ou mesmo admitir que a interrupção implica um novo decurso do prazo todo, que pode ser muito longo, significaria aceitar como que uma "perda de paz" que não deve admitir-se. Daí a problemática que há pouco se referiu e a solução que procurou oferecer-lhe através do § 29»".


21º

Assim sendo,

O prazo é o referido no art. 118º, nº1 al. c), do CP. - 5 anos;

O prazo iniciou-se nos termos do nº 1 do art. 119º do CP. - consumação do facto, a 04/09/2011;

A suspensão tem lugar nos casos do art. 120º do CP. - sendo que o arguido esteve declarado contumaz entre 16/12/2016 (data de início) e 03/04/2017 (data de fim declarada já nestes autos).


22º

Da data da prática do crime (04/09/2011) até à declaração de contumácia do arguido (16/12/2016) decorreram 5 anos, 3 meses e 12 dias.


23º

Da data do fim da contumácia até ao trânsito em julgado da decisão de condenação decorreram 2 anos, 5 meses e 1 dia.


24º

Ressalvando-se o período de suspensão, decorreram no total 7 anos, 8 meses e 13 dias.


25º A prescrição tem como prazo máximo o prazo normal, acrescido de metade daquele prazo normal, correspondendo a 7 anos e 6 meses.


26º

Verifica-se que aquando da condenação do arguido, o procedimento criminal já se encontrava prescrito, devendo ter sido oficiosamente declarado.


27º

Aliás, estamos em crer que aquando da declaração de contumácia, muito para lá dos 5 anos, o procedimento em si já se encontrava prescrito, uma vez que não existiram até então qualquer causa de interrupção ou suspensão, porquanto nunca foi o arguido/recorrente notificado, constituído arguido, prestado TIR, o que efectivamente só veio a acontecer a 30/01/2018.


28º

Nestes termos, sendo a prescrição uma causa extintiva ou de exclusão da punibilidade cessando assim a possibilidade do estado de jus puniendi, os presentes autos devem considerar-se extintos e findos.


IV - CONCLUINDO:


29º

Estamos pois, nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 449 face a novos meios de prova, que segundo a jurisprudência atualmente dominante no STJ, não puderam ser apresentados e apreciados ao tempo do julgamento, quer por serem desconhecidos dos sujeitos processuais, quer por não poderem ter sido apresentados a tempo de serem submetidos à apreciação do julgador.


30º

Nos termos do disposto nas alíneas d) e e) do n.º 1 do art.º 449 do CPP, a revisão da sentença transitada em julgado é assim, pelo já exposto, admissível.


31º

Nestes termos, e nos demais de direito que V. Ex.as Sábios Conselheiros, se dignarão a suprir, nos termos do disposto no n.2 1 do art.5 457 do C.P.Penal, o arguido /recorrente pede que lhe seja autorizada a revisão, sendo o processo reenviado ao Tribunal de categoria e composição idênticas às do Tribunal que proferiu a decisão a rever, e que se encontrar mais próximo, dando-se assim provimento ao seu recurso, nos termos e para os efeitos do art,º 449, als. d) e e) do n.º 1 do C.P.P., por terem sido descobertos novos meios de prova, e ter sido demonstrada a prescrição do procedimento criminal, o que, de per si suscita graves dúvidas sobre a justiça da condenação.»


2. Respondeu o Ministério Público, dizendo:


«I. Da pretensão do Recorrente


Nos presentes autos, por sentença proferida em 30 de Novembro de 2018 e transitada em julgado em 9 de Setembro de 2019, foi o arguido AA condenado na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea h), todos do Código Penal.


Vem agora o arguido apresentar recurso de revisão, ao abrigo do disposto no artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, invocando:

- A existência de novas provas, designadamente, duas testemunhas que, segundo o Requerente, terão presenciado os factos e cujos depoimentos poderão colocar em causa a decisão condenatória; e

- A prescrição do procedimento criminal, alegando que o mesmo se encontra prescrito.

A presente pretensão recursiva reporta-se à condenação, alegadamente injusta, transitada em julgado em 9 de Setembro de 2019, por factos ocorridos no dia 4 de Setembro de 2011.

Entendemos não assistir razão ao Recorrente, pelas razões que infra se expenderão.


II. Do mérito do recurso


O recurso de revisão trata-se de um recurso extraordinário, que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento, por a justiça do julgamento efectuado estar seriamente posta em causa, com o propósito da reposição da verdade e da realização da justiça.

O artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa confere dignidade constitucional ao recurso de revisão, ao prever que “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.”

O recurso de revisão, como meio extraordinário para suscitar a reapreciação de uma decisão transitada em julgado, pressupõe que esta esteja inquinada por um erro de facto originado por motivos estranhos ao processo, traduzindo-se o seu fundamento essencial na necessidade de evitar sentenças injustas, reparando erros judiciários, para fazer prevalecer a justiça substancial sobre a formal, ainda que com sacrifício do caso julgado.

Os fundamentos do recurso extraordinário de revisão encontram-se taxativamente enunciados no artigo 449.º, do Código de Processo Penal.


a) Da prescrição do procedimento criminal

O Recorrente invoca, além do mais, a prescrição do procedimento criminal, alegando que aquando da condenação do arguido, o procedimento criminal já se encontrava prescrito.

Nos presentes autos foi deduzida acusação contra o ora Recorrente em 28 de Abril de 2015, foi realizado julgamento, no âmbito do qual o Recorrente esteve presente, tendo sido proferida a sentença ora colocada em crise em 30 de Novembro de 2018, que transitou em julgado no dia 9 de Setembro de 2019.

Ora, a ordem jurídica considera, em regra, sanados os vícios que porventura existissem na decisão com o respectivo trânsito em julgado.

É o que sucede com a questão suscitada pelo Recorrente relativamente à prescrição do procedimento criminal.


Desde logo,


A questão suscitada pelo Recorrente não pode ser levantada em sede de recurso de revisão – artigo 449.º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal – porquanto não constitui fundamento de recurso de revisão.


Não obstante, verifica-se que a sentença que condenou o arguido, ora Recorrente, transitou em julgado no dia 9 de Setembro de 2019.

Ora, transitada em julgado a sentença de condenação do arguido, precludido ficou o direito de requerer ou de conhecer oficiosamente a prescrição do procedimento criminal.

Efectivamente, a questão da prescrição do procedimento criminal tem necessariamente de ser suscitada e apreciada até ao trânsito em julgado da decisão, ficando o eventual erro que tenha sido cometido nesse âmbito coberto pelo caso julgado.

A única prescrição que agora pode vir a ocorrer é a das sanções aplicadas, que tem um regime totalmente específico e só se conta depois do referido trânsito em julgado da decisão condenatória.

Tal questão nem sequer é especialmente debatida nos tribunais superiores, presumivelmente, por se tratar de uma questão pacífica.

Nas palavras de Jorge de Figueiredo Dias (in “Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime”) “Pode (…) afirmar-se, com inteira justiça, que as duas espécies de prescrição se justapõem, no sentido de que (por estranho que tal à primeira vista possa parecer) uma delas começa no preciso momento em que a outra termina, isto é, com o trânsito em julgado da decisão”.

Neste sentido, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 2007, Processo 06P4261 (disponível em www.dgsi.pt), pode ler-se: “Transitada a decisão, ficam precludidas todas as questões que com base nela poderiam ser suscitadas. É o que sucede com a prescrição do procedimento criminal. A partir do trânsito em julgado da decisão condenatória, já não se pode mais falar em prescrição do procedimento criminal, mas, eventualmente, se for caso disso, em prescrição da pena (art. 122.º, n.º 2 do CP)”.

Nesta esteira, vislumbre-se, ainda, a seguinte jurisprudência:


A prescrição do procedimento criminal deve ser suscitada até ao trânsito em julgado da sentença condenatória, sob pena de ficar precludido o direito de a suscitar em virtude do caso julgado entretanto constituído” (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3 de Junho de 2013, processo n.º 1037/08.7PBGMR-A.G1, disponível em www.dgsi.pt).

“… transitada em julgado a sentença de condenação do arguido, precludido ficou o direito de requerer ou de conhecer oficiosamente a prescrição do procedimento criminal, que a questão da prescrição do procedimento criminal tem necessariamente de ser suscitada e apreciada até ao trânsito em julgado da decisão, ficando o eventual erro que tenha sido cometido nesse âmbito coberto pelo caso julgado e que, se a prescrição respeita a momento anterior ao trânsito em julgado da decisão está-se numa situação de prescrição do procedimento criminal e se for posterior àquele momento, então é caso para aludir à prescrição da pena (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18 de Maio de 2016, processo n.º 372/01.0TALRA.C1, disponível em www.dgsi.pt).


“…entre o regime da prescrição cível e o da prescrição penal/contraordenacional existe pelo menos uma diferença incontornável no respetivo instituto, o da contiguidade ou justaposição da prescrição da pena em relação à do procedimento, ou seja, ‘a primeira começa no preciso momento em que a outra termina’, (…) que tal mutação se mostra balizada pelo trânsito em julgado da decisão condenatória, já que é esse, precisamente, o fator que a produz; a atual jurisprudência, mormente a imanada pelo Supremo Tribunal de Justiça, converge na possibilidade da sua apreciação até ‘ao trânsito em julgado da decisão, (…) e que verificado este, ‘o eventual erro que tenha sido cometido nesse âmbito, fica coberto pelo caso julgado’, não podendo ser objeto sequer de recurso de revisão” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Junho de 2017, processo nº 51/15.0YUSTR.G.L1-5, disponível em www.dgsi.pt).

Assim, não restam quaisquer dúvidas de que, transitada em julgado a sentença que condenou o arguido, ora Recorrente, precludido ficou o direito de requerer ou de conhecer oficiosamente a prescrição do procedimento criminal.

O Recorrente parece, pois, confundir, de forma crassa, a prescrição do procedimento criminal com a prescrição das sanções penais.

Acresce que,

Além de a questão suscitada pelo Recorrente se encontrar precludida, conforme já anunciámos, sucede que tal questão também não constitui fundamento para recurso de revisão.

Neste sentido, vejamos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2006: “O decurso do prazo prescricional não configura, para efeitos da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, a descoberta de novos factos ou meios de prova.”

Refere, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 2019 [proferido no processo n.º 739/09.5TBTVR-C.S1 – 3.ª Secção], (disponível em www.dgsi.pt) que: “Sucede, porém, que, como acima ficou referido, no recurso de revisão tais questões não poderão ser apreciadas. Trata-se, na verdade, de questões que devem ser suscitadas em sede de recurso ordinário, tendo o caso julgado um efeito preclusivo absoluto sobre a sua reapreciação. O recurso de revisão não se destina a recuperar questões definitivamente julgadas, estabilizadas pelo caso julgado. Se fosse assim, poderia manter-se indefinidamente a discussão das matérias controvertidas no processo, e dessa forma nunca estaria garantida a paz jurídica, que é essencial, como se disse, para a própria paz social. O recurso de revisão é um meio excecional que visa dar um espaço indispensável, mas circunscrito, à justiça material, em situações muito específicas, taxativamente indicadas, sob pena de subversão do caso julgado. Quanto à medida concreta da pena, e como acima foi referido, a lei é expressa ao excluir do âmbito do recurso de revisão a correção da pena (n.º 3 do art. 449.º do CPP).”

Nesta conformidade, tal questão invocada pelo Recorrente, além de não merecer acolhimento, pelas razões supra expostas, tão-pouco constitui fundamento para a revisão da sentença.


b) Dos novos meios de prova


O Recorrente interpôs recurso extraordinário de revisão, ao abrigo do disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo 449.º, do Código de Processo Penal.

Para o efeito, vem indicar duas testemunhas que, presumivelmente, terão assistido aos factos em causa nestes autos, as quais, segundo alega, só agora tomou conhecimento que existiam.

Conforme refere Germano Marques da Silva (in Direito Processual Penal Português – Do Procedimento, 2.ª reimpressão 2018), “O princípio da justiça exige que a verificação de determinadas circunstâncias anormais permita sacrificar a segurança que a intangibilidade do caso julgado exprime, quando dessas circunstâncias puder resultar um prejuízo maior do que aquele que resulta da preterição do caso julgado…

Preceitua o artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, que a revisão de sentença transitada em julgado é admissível se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Suscita-se, desde logo, a questão de saber o que se entende por “novos meios de prova”, sendo essa uma das principais divergências jurisprudenciais neste âmbito.

Por um lado, existe uma corrente que entende como novos factos, aqueles cuja existência era ignorada ao tempo do julgamento, ou seja, aqueles que não foram valorados neste por serem desconhecidos do tribunal, embora pudessem ser conhecidos do arguido no momento em que aquele teve lugar.

Contrariamente, outra parte da jurisprudência considera serem facto novos, aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes deste, sendo insuficiente que os factos sejam desconhecidos do tribunal, devendo exigir-se que tal situação se verifique, paralelamente, em relação ao recorrente. Ou seja, para esta corrente jurisprudencial, os factos ou meios de prova devem não só ser novos para o tribunal, como inclusivamente para o arguido recorrente.


Esta é a corrente que acolhemos e que também tem sido maioritariamente acolhida na jurisprudência, que tem vindo a defender que os factos devem não só ser novos para o tribunal, como inclusivamente para o próprio arguido recorrente. Isto porque, é o julgamento o momento adequado para a produção de prova e disso estão cientes todos os sujeitos processuais, o que significa que, se o arguido, por inércia ou negligência, não apresenta certos meios de prova em julgamento, ou se por qualquer outra razão, opta por ocultá-los, não faz qualquer sentido que possa valer-se, caso venha a sofrer uma condenação, de um recurso excepcional, com vista a permitir o suprimento de lacunas unicamente imputáveis à defesa.

Esta é a única interpretação que se harmoniza com o carácter excepcional do recurso de revisão e que respeita os princípios constitucionais de segurança jurídica, da lealdade processual e da protecção do caso julgado.

Como refere Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª edição actualizada, página 1198), “se o arguido (…) conhecia os factos e os meios de prova ao tempo do julgamento e os podia apresentar, devia ter requerido a investigação desses factos e a produção desses meios de prova (…). A lei não permite que a inércia voluntária do arguido em fazer actuar os meios ordinários de defesa seja compensada pela atribuição de meios extraordinários de defesa (…)”.


Não nos parece, pois, que tenha sido objectivo do legislador, através do recurso de revisão, abrir portas a meras estratégias de defesa, nem dar cobertura a inércias ou desleixos dos sujeitos processuais, pois tal resultaria na banalização deste recurso, que é extraordinário, o que prejudicaria, desrazoavelmente, a estabilidade do caso julgado.

Descendo ao caso concreto, analisemos se os novos meios de prova apresentados pelo arguido recorrente eram daquele desconhecidos aquando do julgamento.

Antes de mais, importa relembrar que está em causa a prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, praticado pelo arguido e outros dois indivíduos também condenados, por sentença transitada em julgado, tendo os factos ocorrido no dia 4 de Setembro de 2011, à porta do estabelecimento comercial denominado “BB”, onde, tanto os três agressores, como a vítima/assistente se encontravam.

Como refere a douta sentença proferida pelo tribunal a quo, o assistente prestou um depoimento totalmente credível, admitindo não ter quaisquer dúvidas sobre a intervenção do ora Recorrente nos factos praticados no dia 4 de Setembro de 2011.

Com efeito, o assistente refere, além do mais, “é uma imagem que nunca mais vou esquecer na vida, ver os três a pontapear-me”.


Urge referir que, durante todo este período temporal, o Recorrente nunca pediu desculpas ao assistente, nem apresentou qualquer justificação para tal atitude.

Aliás, o assistente chega a referir que, já em 2018, cruzou-se com o arguido numa esplanada, que o “ameaçou de morte se não retirasse a queixa”, tendo o assistente, inclusivamente, apresentado queixa junto da Polícia de Segurança Pública de …, por, alegadamente, o arguido lhe ter desferido duas chapadas.

Posto isto,

O Recorrente apresenta duas novas testemunhas: o proprietário do café “BB” e um indivíduo que se encontraria numa paragem de autocarro nas imediações, aquando da ocorrência dos factos.

Nos termos do disposto no artigo 453.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor.

Atendendo, então, ao teor de lei, sempre se dirá que as testemunhas indicadas pelo Recorrente contrariam a primeira parte do n.º 2, do artigo 453.º, do Código de Processo Penal, porquanto são indicadas testemunhas que, precisamente, não cumprem o requisito de “não poder indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo”.

Tal facto, só por si, não obstará à revisão, contudo, recai sobre o Requerente o ónus de justificar que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor.

Desde logo, o Requerente não invoca qualquer impossibilidade de depor das testemunhas ora indicadas, alegando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão, referindo que, “após o trânsito da decisão condenatória, tendo confidenciado a vários amigos e conhecidos esta decisão (…) teve a solidariedade de várias pessoas que desconhecia ter assistido aos factos”.

Mais menciona que “Foi a notícia da INJUSTIÇA da sentença condenatória, que fez com que estas pessoas se aproximassem e se disponibilizassem para o ajudar”.

Tal justificação para apresentar novos meios de prova, no entendimento do Ministério Público, não colhe, não tendo o arguido/requerente logrado justificar, cabalmente, por que motivo não indicou estas testemunhas antes de ser tomada a decisão em crise, ou se as mesmas, por motivo plausível, não podiam se utilizadas.

Senão vejamos,

Não nos parece verosímil que os meios de prova ora apresentados (duas novas testemunhas) fossem ignorados pelo arguido ao tempo do julgamento ou que não pudessem ter sido apresentados antes deste. E menos verosímil nos parece que tais meios de prova tenham surgido decorridos oito anos sobre a prática dos factos. Sobretudo, atento o tipo de ilícito e factualidade em questão.

O arguido nunca durante o período em que o poderia ter feito, requereu quaisquer diligências de prova. Senão vejamos: notificado da acusação, não requereu abertura de instrução; poderia ter requerido diligências de prova, designadamente, que se apurasse quem se encontrava no local onde os factos ocorreram (a fim de que alguém pudesse corroborar a versão que apresenta) - o que à primeira vista, nos parece a diligência mais óbvia, atenta a factualidade em causa, já que afirma não ter participado na prática dos mesmos – contudo, não o fez.

É bom de ver que o arguido não envidou quaisquer esforços nesse sentido. Só quando confrontado com uma sentença condenatória em pena de prisão efectiva, é que iniciou o seu percurso impugnativo, atacando uma decisão judicial ponderada, devidamente fundamentada e já confirmada em Segunda Instância.

No que respeita à testemunha CC – proprietário do estabelecimento comercial “BB”, que, segundo o Recorrente, se encontrava no interior do estabelecimento aquando da ocorrência dos factos – não olvidemos que se trata do café em frente do qual decorreram as agressões perpetradas sobre o assistente, resultando da factualidade dada como provada na sentença proferida, que o arguido, os outros dois agressores e o assistente tinham acabado de abandonar aquele café.

Ora, nas regras da experiência comum e da lógica, aquela seria das primeiras testemunhas a indicar pela defesa, uma vez que seria provável que a mesma - a encontrar-se no interior do estabelecimento naquela data - tivesse assistido à ocorrência dos factos, o que nunca foi feito.

Assim, não nos parece minimamente crível que esta testemunha, a ter, efectivamente, testemunhado os factos, fosse ignorada pelo Recorrente ao tempo do julgamento, como aquele faz crer.

Ora, não sendo desconhecida do Recorrente, aquando do contraditório, esta nova testemunha, não pode ser agora utilizada para fundamentar o pedido de revisão de sentença.


Quanto à testemunha que, presumivelmente, se encontrava na paragem de autocarro, não podemos deixar de questionar: como é que alguém que se encontrava numa paragem de autocarro no dia 4 de Setembro de 2011, entre as 23h00m e as 23h50m, volvidos mais de oito anos, localiza o Recorrente, que, supostamente, não conhecerá de lado algum (sim, porque se conhecesse, com certeza que aquando dos factos tê-lo-ia feito), dizendo-lhe ter assistido ao ocorrido e recordando-se se aquele teve ou não intervenção nas agressões praticadas por mais dois indivíduos sobre o assistente ????????


É, igualmente, estranho que o Recorrente, tendo recebido uma acusação por um crime que afirma não ter cometido, não tivesse logo comentado com os “vários amigos e conhecidos” e não tivesse diligenciado, a fim de apurar quem se encontrava nas imediações do local da prática dos factos.


Se o Recorrente defende não ter cometido os factos por que vem condenado e pelos quais foi julgado, não se compreende que não tenha envidado todos os esforços, aquando do julgamento -pois nesse momento tinha já pleno conhecimento dos factos pelos quais vinha acusado – para provar a sua inocência.


As regras da experiência dizem-nos que é improvável, para não dizer inverosímil, que tal suceda.

Atento o supra exposto, entendemos que as testemunhas ora indicadas não podem fundamentar um pedido de revisão da sentença, tendo em consideração que, no que respeita à testemunha CC (proprietário do café “BB”), tal como supra se explanou, já poderia ter sido apresentada, não tendo o Recorrente conseguido justificar que ignorava a sua existência ao tempo da decisão.

Por seu turno, relativamente à testemunha DD, pelos motivos acima elencados, não nos parecendo crível que tenha presenciado os factos […].

Aliás, está explícito como bem consta antes que "pelos motivos acima elencados, não nos parecendo crível que tenha presenciado os factos,"


Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de 1 de Julho de 2004, “não será uma indiferenciada nova prova que, por si só, terá a virtualidade para abalar a estabilidade resultante de uma decisão judicial transitada em julgado. A nova prova deverá revelar-se tão segura e (ou) relevante – seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade –, que o juízo rescindente que nela se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato.

De acordo com o artigo 128.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova – que credibilidade merecerá, de forma a colocar em causa a justiça da condenação do ora Recorrente, uma testemunha que, presumivelmente, assistiu a factos ocorridos há mais de oito anos e que só agora, surpreendentemente, surge, não se percebendo, sequer, de que maneira aparece.

Parece-nos, pois, evidente que esta nova testemunha não tem qualquer conhecimento directo do que aconteceu, pelo que, não pode considerar-se um novo meio de prova, cuja existência o arguido desconhecia ao tempo da decisão.

Assim, não se verifica o fundamento de revisão de sentença previsto na alínea d), do n.º 1, do artigo 449.º, do Código de Processo Penal, pelo que, deve o presente recurso ser julgado improcedente, negando-se desde já a realização das diligências peticionadas, devendo ser igualmente negada a revisão por inadmissibilidade legal, devendo ainda ser condenado o Requerente, nos termos do artigo 456.°, do Código de Processo Penal, por ser manifestamente infundado o presente pedido.


III. Conclusões


1. O arguido AA foi condenado, por sentença proferida em 30 de Novembro de 2018 e transitada em julgado em 9 de Setembro de 2019, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea h), todos do Código Penal.

2. O recurso de revisão trata-se de um recurso extraordinário, que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento, por a justiça do julgamento efectuado estar seriamente posta em causa, com o propósito da reposição da verdade e da realização da justiça.

3. A prescrição do procedimento criminal tem necessariamente de ser suscitada e apreciada até ao trânsito em julgado da decisão, ficando o eventual erro que tenha sido cometido nesse âmbito coberto pelo caso julgado.

4. A prescrição do procedimento criminal não poder ser levantada em sede de recurso de revisão – artigo 449.º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal – porquanto não constitui fundamento de recurso de revisão.

5. O Recorrente interpôs recurso extraordinário de revisão, ao abrigo do disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo 449.º, do Código de Processo Penal, tendo indicado duas novas testemunhas que, presumivelmente, terão assistido aos factos em causa nestes autos, as quais, segundo alega, só agora tomou conhecimento que existiam.

6. Preceitua o artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, que a revisão de sentença transitada em julgado é admissível se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

7. Nos termos do disposto no artigo 453.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o Requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor.

8. O Requerente não invoca qualquer impossibilidade de depor das testemunhas ora indicadas.

9. O Recorrente não logrou fundamentar, de forma cabal, que ignorava a existência das testemunhas apresentadas ao tempo da decisão.

10. O Recorrente não conseguiu justificar que desconhecia a existência da testemunha CC ao tempo do julgamento.

11. Não sendo desconhecida do Recorrente, aquando do contraditório, esta nova testemunha, não pode ser agora utilizada para fundamentar o pedido de revisão de sentença.

12. De acordo com o artigo 128.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova, não podendo merecer credibilidade uma testemunha que, presumivelmente, assistiu a factos ocorridos há mais de oito anos, nunca tendo surgido anteriormente no processo.

13. As testemunhas ora indicadas não podem fundamentar o pedido de revisão da sentença


Por tudo quanto fica exposto, bem andou o Tribunal a quo, ao proferir a douta sentença proferida, que não merece qualquer reparo.


Termos em que deverá o presente recurso extraordinário de revisão ser rejeitado e manter-se a decisão judicial transitada em julgado


3. Foi prestada a seguinte informação sobre o mérito do pedido:

«Nos termos do disposto no art. 454º, in fine, do C.P.P., vem informar-se Vossas Excelências que, considerando os depoimentos prestados na diligência ocorrida em 10/7/2020, entende-se não existir fundamento para a revisão da sentença proferida nos autos.

Com efeito, a testemunha CC (explorador do café “BB”) mencionou não ter assistido às agressões, uma vez que estava dentro do seu estabelecimento, com as cortinas fechadas e a analisar os proventos daquela noite, apenas tendo ouvido umas vozes alteradas, cujo conteúdo não conseguiu apreender.

Por outro lado, a testemunha DD, apesar de referir ter estado presente na paragem de autocarro, a cerca de 40 metros da porta do café supramencionado, acabaria por reconhecer que não assistiu às agressões perpetradas (por parte de qualquer um dos três agressores, i.e., AA, EE ou FF), o que é compatível com a circunstância de ter entrado no autocarro das 22:30 ou das 23:00 e ter sido dado como provado que as agressões decorreram entre as 23:00 e as 23:50, do dia 4/9/2011.


No que diz respeito à invocada prescrição do procedimento criminal, não só este Tribunal considera que não se verificou, como é matéria que não cabe no âmbito de um recurso extraordinário de revisão.»


4. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu o douto parecer que se transcreve:

«Do recurso

1 - AA vem interpor recurso extraordinário de revisão do acórdão proferido nos presentes autos, invocando o disposto no art. 449, nº 1, als. d) e e), do Código de Processo Penal.

Conforme decorre dos autos, o recorrente foi condenado por sentença proferido pelo Juízo Local Criminal de …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, em 30/11/2018, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts 143, nº 1, 145, nºs 1, al. a) e 2 e 132, nºs 1 e 2, al. h), do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

Inconformado com esta decisão, o então arguido e ora recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 19/06/2019, julgou improcedente o recurso e manteve na íntegra a sentença recorrida, decisão que transitou em julgado em 09/09/2019.

2 - No presente recurso, o recorrente invoca como fundamento o disposto nas alíneas d) e e), do n.º 1, do artigo 449.º do C.P.P.


Alega que após o trânsito em julgado da decisão teve conhecimento de que 2 pessoas, não ouvidas nos autos, presenciaram os factos e que os seus depoimentos conjugados com os demais elementos de prova apreciados no processo, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Alega, ainda, que se está perante “a forte possibilidade de prescrição do procedimento criminal”.

Termina pedindo o provimento do recurso, autorizando-se a revisão e o envio do processo ao Tribunal competente para apreciação dos novos meios de prova.

3 - A Magistrada do Mº Pº na 1ª Instância apresentou resposta ao recurso, concluindo no sentido da sua rejeição, por se não verificarem os respectivos fundamentos, uma vez que a questão da prescrição do procedimento criminal não constitui fundamento do recurso de revisão, antes questão a ser apreciada em sede de recurso ordinário e que, no que respeita à indicação de novos meios de prova, o recorrente não demonstra que não teve conhecimento da existência das testemunhas, que agora pretende que sejam inquiridas, durante a pendência do processo e que não pudessem ter sido atempadamente apresentadas em julgamento.

4 - O Tribunal recorrido procedeu à inquirição das testemunhas indicadas pelo recorrente e na informação prestada nos termos do disposto no art. 454, do CPP, sobre o mérito do recurso, considerou não se verificarem os fundamentos invocados para a revisão da decisão.

Desde logo porque da inquirição das testemunhas indicadas não resultou qualquer prova relevante, dado que nenhuma delas tinha presenciado os factos e no que respeita à invocação da prescrição do procedimento criminal, que a mesma não ocorreu e não constitui matéria que caiba no âmbito de um recurso de revisão.

Do mérito

5 - O recurso de revisão, tal como se sumariou no acórdão deste Supremo Tribunal de 14/05/2008, (Processo 08P1417, disponível em www.dgsi.pt.) “constitui um meio extraordinário de reapreciação de uma decisão transitada em julgado, e tem como fundamento principal a necessidade de se evitar uma sentença injusta, de reparar um erro judiciário, por forma a dar primazia à justiça material em detrimento de uma justiça formal.” E “assenta num compromisso entre a salvaguarda do caso julgado, que é condição essencial da manutenção da paz jurídica, e as exigências da justiça. Trata-se de um recurso extraordinário, de um “remédio” a aplicar a situações em que seria chocante e intolerável, em nome da paz jurídica, manter uma decisão de tal forma injusta (aparentemente injusta) que essa própria paz jurídica ficaria posta em causa – cf. Ac. deste Supremo Tribunal de 04-07-2007, Proc. n.º 2264/07 - 3.ª.” – (Ac. STJ 29/04/2019, proc. 15189/02.6DLSB.S1, disponível em www.dgsi.pt.)

O recurso de revisão representa a procura do adequado equilíbrio entre aqueles dois valores – estabilidade da decisão derivada do caso julgado e as exigências de justiça – e, por isso, é apenas admissível em casos muito específicos, os previstos no art. 449, do CPP. De outro modo tornar-se-ia num expediente fácil e frequente, pondo em causa a estabilidade do caso julgado e subvertendo a sua própria razão de ser.


6 - O recorrente invoca como fundamentos da revisão os previstos nas als d) e e), do nº 1, do referido art. 449, do CPP, no entanto os elementos e a argumentação que apresenta não preenchem, a nosso ver, os requisitos em causa.


Desde logo não enuncia qualquer fundamento recondutível à previsão da alínea e) – “se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos nºs 1 a 3, do art. 126.º.

Por outro lado, e tal como realça a Magistrada do Mº P.º na 1ª Instância, não demonstra que apenas teve conhecimento dos meios de prova que apresenta após o trânsito em julgado da decisão, como afirma.

Na verdade, como se sumariou no acórdão de 17/05/2017 (proc.53/14.4PTVIS-A.S1, in C.J., acórdãos do STJ, Tomo II, 2017) e constitui jurisprudência por este Supremo Tribunal, novos factos ou novos meios de prova, para efeito do disposto na al. d), do nº 1, do art. 449, do CPP, “são aqueles que eram ignorados pelo(a) recorrente ao tempo do julgamento e que por essa razão não puderam ser considerados pelo Tribunal”.

“A alínea d) exige, como pressuposto da revisão, por um lado, o surgimento de factos novos – simples alteração da lei não preenche o conceito de facto e portanto não pode ser erigida em fundamento de revisão – factos novos relativamente aos considerados na sentença revidenda e, por outro, que esses novos factos suscitem dúvidas qualificadas «graves» sobre a justiça da condenação, não bastando apenas que haja dúvidas sobre essa realidade. A novidade que se exige terá de sê-lo, não apenas para o tribunal como para o recorrente. (…) Se este os conhecia e não invocou aquando do julgamento faltou, certamente por estratégia de defesa, ao dever de lealdade e colaboração com o tribunal, pelo que, seria iníquo permitir-lhe agora invocar factos que só não foram oportunamente apreciados por mero calculismo” – (Pereira Madeira in Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª edição revista, em anotação ao art. 449).


Mas mesmo não questionando a actualidade do conhecimento pelo recorrente da existência das testemunhas agora indicadas, a verdade é que tendo as mesmas sido inquiridas ao abrigo do disposto no art. 453, nº 1, do CPP, nada de relevante declararam, não se verificando qualquer fundamento para a revisão pretendida.


7 - No que respeita à invocação da eventual prescrição do procedimento criminal é questão que tem de ser apreciada em sede de recurso ordinário, por isso antes do trânsito em julgado da decisão e que não constitui fundamento de um recurso de revisão.


Subscrevemos as considerações expendidas quanto a esta questão pela Magistrada do Mº Pº no Tribunal recorrido na sua resposta ao recurso.


O recurso de revisão é um recurso “extraordinário” que como atrás referimos, só é admissível em casos específicos e não pode ter como fundamento questões que pudessem ter sido invocados, em recurso ordinário, de outro modo tornar-se-ia num expediente fácil e frequente, pondo em causa a estabilidade do caso julgado e subvertendo a sua própria razão de ser.


*


Em conformidade com o exposto, consideramos que se não verificam os fundamentos para que se determine a revisão da decisão recorrida e emite-se parecer no sentido da improcedência do recurso interposto.


5. Com dispensa de vistos, atenta a situação de pandemia vigente, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO


1. Enquadramento normativo

1.1. O recurso extraordinário de revisão constitui um direito fundamental com consagração no artigo 29.º da Constituição da República. O n.º 6 desse preceito, aditado pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro, proclama que:


«6. Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.»


Garante-se, pois, o direito à revisão de sentença e o direito à indemnização por danos (patrimoniais e não patrimoniais) sofridos no caso de condenações injustas, constituindo, como assinalam J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, «um caso tradicional de responsabilidade do Estado pelo facto da função jurisdicional o ressarcimento dos danos por condenações injustas provadas em revisão de sentença»[1].


Perante o conflito que se pode desenhar entre os valores da certeza e da segurança jurídica, que se apresentam como condição fundamental para a paz jurídica da comunidade que todo o sistema jurídico prossegue, e as exigências da verdade material e da justiça, que são também, afirma-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 14-03-2013, proferido no Proc. n.º 693/09.3JABRG-A.S1 – 3.ª Secção[2],  «pressuposto e condição de aceitação e legitimidade das decisões jurisdicionais, o recurso de revisão pretende encontrar um ponto de equilíbrio, uma solução de concordância prática que concilie até onde é possível esses valores essencialmente contraditórios».


Na verdade, como pondera FIGUEIREDO DIAS, a segurança é um dos fins prosseguidos pelo processo penal, «o que não impede que institutos como o do recurso de revisão contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser, só, no fundo, a força da tirania»[3].


A doutrina tem referenciado esse ponto de equilíbrio, essa concordância prática, entre o princípio da imutabilidade do caso julgado e os valores da verdade material e da justiça. Assim, consideram SIMAS SANTOS e LEAL-HENRIQUES que o legislador, «com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material», consagrou a possibilidade de revisão das sentenças penais, limitando a respectiva admissibilidade aos fundamentos taxativamente enunciados no art. 449.º, n.º 1, do Código de Processo Penal[4].


Para estes Autores, o recurso extraordinário de revisão apresenta-se precisamente como «um ensaio legislativo com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material»[5].


A propósito do equilíbrio que se pretende entre a segurança jurídica e a necessidade de realização de justiça material, pode convocar-se o que foi escrito no acórdão deste Supremo Tribunal de 18.02.2016, proferido no processo n.º 87/07.5PFLRS-A.S1 – 5.ª Secção, também recentemente citado no acórdão de 11-01-2018, proferido no processo n.º 995/14.7JAPRT-C.S1 - 3.ª Secção (inédito), em que o ora relator interveio como adjunto:


«O artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República, estatui que «os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos».

Na concretização desse princípio, o Código de Processo Penal, entre os recursos extraordinários, consagra o de revisão, nos artigos 449.º e ss., que “se apresenta como um ensaio legislativo com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material” M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II volume, 2.ª edição, Editora Rei dos Livros, p. 1042.

O recurso de revisão, prevendo a quebra do caso julgado, contém na sua própria razão de ser um atentado frontal ao valor da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito, em nome das exigências do verdadeiro fim do processo penal que é a descoberta da verdade e a realização da justiça. 

Com efeito, se se erigisse a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal, “ele entraria, então, constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania” Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I volume, Coimbra Editora, Limitada, 1974, p. 44.

“Entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse contraposto de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade e, através dela, a justiça, o legislador escolheu uma solução de compromisso que se revê no postulado de que deve consagrar-se a possibilidade – limitada – de rever as sentenças penais.” M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, ob. cit., p. 1043».


Em suma, o recurso de revisão é justificado, particularmente no processo penal, em nome da verdade material e para evitar o cumprimento de sentenças injustas. Na síntese de CONDE CORREIA, «nenhuma razão de Estado, nem mesmo as emergentes necessidades de segurança colectiva, justificam a manutenção e a execução de uma sanção injusta»[6].


Todavia, o recurso de revisão, dada a sua natureza excepcional, ditada pelos princípios da segurança jurídica, da lealdade processual e do caso julgado, não é um sucedâneo das instâncias de recurso ordinário. 

Só circunstâncias substantivas e imperiosas devem permitir a quebra do caso julgado, de modo a que o recurso extraordinário de revisão se não transforme em uma “apelação disfarçada”[7].


1.2. Na concretização da norma consagrada no citado artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República, dispõem os artigos 449.º e 450.º do CPP, sobre os fundamentos e a admissibilidade da revisão e sobre a legitimidade, respectivamente.


É reconhecida legitimidade para requerer a revisão ao condenado ou seu defensor «relativamente a sentenças condenatórias» - artigo 450.º, n.º 1, alínea c), do CPP.


Os fundamentos e admissibilidade da revisão estão taxativamente enumerados no artigo 449.º do CPP, invocando a recorrente o fundamento previsto nas alíneas d)e e) do seu n.º 1.


De acordo com tal preceito, a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:


«d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126º.»


1.2.1. Novos factos ou meios de prova


O fundamento de revisão previsto na alínea d) desdobra-se nos seguintes elementos:

(a) que, após o trânsito em julgado da decisão condenatória, tenham sido descobertos factos ou elementos de prova novos; e

(b) que tais factos suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.


Quanto à novidade dos factos dos factos e/ou dos meios de prova, considera PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE que «factos ou meios de prova novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes deste, não bastando que os factos sejam desconhecidos do tribunal, só esta interpretação fazendo jus à natureza excepcional do remédio da revisão e, portanto, aos princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da protecção do caso julgado»[8].


Como se dá conta no acórdão deste Supremo Tribunal de 09-02-2012 (Proc. 795/05.5PJPRT-A.S2 – 3.ª Secção), constituiu entendimento deste Tribunal, vertido em alguns acórdãos aí citados, de que os factos ou meios de prova deviam ter-se por novos quando não tivessem sido apreciados no processo, ainda que não fossem ignorados pelo arguido no momento em que foi julgado.

Esta jurisprudência foi sendo abandonada e actualmente encontra-se sedimentada uma interpretação mais restritiva do preceito, mais adequada, do nosso ponto de vista, à natureza extraordinária do recurso de revisão e à busca da verdade material e ao consequente dever de lealdade processual que impende sobre todos os sujeitos processuais, sendo novos tão só os factos e/ou meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal.


Factos ou meios de prova novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes deste, sendo insuficiente que os factos sejam desconhecidos do tribunal, devendo exigir-se que tal situação se verifique, paralelamente, em relação ao recorrente (vide acórdão deste Supremo Tribunal de 10-11-2000, proferido no processo n.º 25/06.2GALRA-A.S1 – 3.ª Secção).


Neste sentido, também o acórdão do STJ de 25-02-2015 (Proc. n.º 2014/08.0PAPTM-D.S1 – 3.ª Secção[9], em cujo sumário se pode ler: «Factos novos” ou “meios de prova novos” são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes deste. É insuficiente que os factos sejam desconhecidos do tribunal, devendo exigir-se que tal situação se verifique, paralelamente, em relação ao requerente. Consubstanciaria uma afronta ao princípio da lealdade processual admitir que o requerente da revisão apresentasse os factos como novos não obstante ter interior conhecimento no momento do julgamento da sua existência».


Os factos ou meios de prova devem não só ser novos para o tribunal, como inclusivamente para o arguido recorrente, sendo esta, como se afirma no já citado acórdão deste Supremo Tribunal de 14-03-2013, «a única interpretação que se harmoniza com o carácter excepcional do recurso de revisão.

Na verdade, essa excepcionalidade não é compatível com a complacência perante situações como a inércia do arguido na dedução da sua defesa, ou a adopção de uma estratégia de defesa incompatível com a lealdade processual, que é uma obrigação de todos os sujeitos processuais.


Condição de procedência do recurso de revisão com fundamento na descoberta de novos factos ou novos meios de prova é, por um lado, a novidade desses factos ou meios de prova e, por outro, que tais factos ou meios de prova provoquem graves dúvidas (não apenas quaisquer dúvidas) sobre a justiça da condenação, o que significa que essas dúvidas devem ser de grau superior ao que é normalmente requerido para a absolvição do arguido em julgamento.

São novos apenas os factos que fossem ignorados ou não pudessem ser apresentados ao tempo do julgamento, quer pelo tribunal, quer pelas partes


Quanto ao momento do conhecimento dos factos novos, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 27.01.2010, proferido no processo n.º 543/08.8GBSSB-A.S1 - 3.ª Secção[10], em que se sumariou:


«I - Para efeitos de revisão, os factos ou provas devem ser novos e novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes do julgamento e apreciados neste. A “novidade” dos factos deve existir para o julgador (novos são os factos ou elementos de prova que não foram apreciados no processo) e, ainda, para o próprio recorrente.

II - Se o recorrente tem conhecimento, no momento do julgamento, da relevância de um facto ou meio de prova, que poderiam coadjuvar na descoberta da verdade e se entende que o mesmo é favorável deve informar o Tribunal. Se o não fizer, jogando com o resultado do julgamento, não pode responsabilizar outrem, que não a sua própria conduta processual. Se, no momento do julgamento, o recorrente conhecia aqueles factos ou meios de defesa e não os invocou, não se pode considerar que os mesmos assumem o conceito de novidade que o recurso de revisão exige encontrando-se precludida a mesma invocação.»


Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 18-04-2012, proferido no processo n.º 153/05.1PEAMD-A.S1 – 3.ª Secção, «a lei ao estabelecer que a revisão de sentença transitada em julgado só é admissível quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, impõe que os factos e os meios de prova fundamentadores da revisão só hajam sido conhecidos posteriormente (após o trânsito em julgado da decisão), designadamente por quem os invoca, ou seja, pelo requerente ou recorrente. Não basta, pois, à verificação deste pressuposto de revisão de sentença a circunstância de (os novos) meios de prova não terem sido produzidos ou considerados no julgamento. Torna-se necessário, ainda, que (os novos) meios de prova, aquando da condenação fossem desconhecidos do requerente ou recorrente».


A novidade do meio de prova, lê-se ainda no mesmo acórdão, «não tem, pois, por referência apenas o processo, ou seja, não basta que o meio de prova não haja sido produzido ou considerado no julgamento para que se deva considerar novo. A novidade do meio de prova deve ser aferida, também, em função do seu desconhecimento pelos sujeitos processuais, designadamente pelo peticionante da revisão, a menos que, sendo conhecido, não fosse possível, aquando do julgamento, a sua apresentação ou a sua produção».


O artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do CPP exige ainda que os novos factos e/ou os novos meios de prova, por si só, ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.


Quanto à gravidade das dúvidas sobre a justiça da condenação, não releva o facto e/ou meio de prova capaz de lançar alguma dúvida sobre a justiça da condenação.

O conceito reclama para tais dúvidas um grau ou qualificação tal que ponha em causa, de forma séria, a condenação, no sentido de que hão-de ter uma consistência tal que aponte seriamente no sentido da absolvição como a decisão mais provável.

Como se refere no citado acórdão de 09-02-2012, «não releva o facto e/ou meio de prova capaz de lançar alguma dúvida sobre a justiça da condenação. A lei exige que a dúvida tenha tal consistência que aponte seriamente para a absolvição do recorrente como a decisão mais provável».


A dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada; há-de elevar-se do patamar da mera existência, para atingir a vertente da “gravidade” que baste, tendo os novos factos e/ou meios de prova de assumir qualificativo correlativo da “gravidade” da dúvida.

Por estarmos perante um recurso extraordinário, o mesmo tem de ser avalizado rigorosamente, não podendo, nem devendo, vulgarizar-se, pelo que haverá que encará-lo sob o prisma das graves dúvidas, e como graves só podem ser as que atinjam profundamente um julgado passado.


Como se acentua no acórdão do STJ de 01-06-2016, proferido no processo n.º 4262/00.5TDLSB-A – 3.ª Secção, «relativamente ao segundo pressuposto previsto no texto legal, certo é que graves dúvidas sobre a justiça da condenação são todas aquelas que são de molde a pôr em causa, de forma séria, a condenação de determinada pessoa, sendo que as dúvidas terão de incidir sobre a condenação enquanto tal, a ponto de se colocar fundadamente o problema de o arguido dever ter sido absolvido».


A revisão constitui um meio extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento. Do carácter extraordinário deste recurso decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respectiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários.


Cumprindo salientar que o recurso extraordinário de revisão não se destina a sindicar a correcção de decisão condenatória transitada em julgado, debruçando-se o julgador mais uma vez sobre a factualidade dada por provada e por não provada, ou sobre a prova em que se baseou.


1.2.2. Condenação fundada em provas proibidas


De acordo com a alínea e) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, é admissível a revisão se se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126º.

A condenação fundou-se em métodos proibidos de prova sendo nulas, conforme disposto no artigo 126.º do CPP, preceito para o qual o artigo 449.º remete, não podendo ser utilizadas as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.


2. Apreciação


2.1. Em conformidade com o disposto no artigo 449.º, n.º 1, alínea e), do CPP, seria admissível a revisão de uma sentença condenatória transitada em julgado se se descobrisse que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126º do mesmo diploma.


Ora, é manifesto que tal fundamento não se verifica no caso presente, não existindo qualquer sinal de que tenham sido utilizadas, para a sua condenação provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.

Nem, aliás, o recorrente o invoca.

2.2. Mais concretamente, a pretendida revisão tem por fundamento a descoberta de novos meios de prova e ainda a «prescrição do procedimento criminal».


2.2.1. Os novos meios de prova


Indica o recorrente duas testemunhas que, alegadamente, terão assistido aos factos, de cuja existência só obteve conhecimento após o trânsito da decisão condenatória, testemunhas «que podem testemunhar que o arguido apenas acudiu o assistente e que não o agrediu»: o proprietário do café “BB”, estabelecimento frente ao qual os factos ocorreram, e um outro indivíduo que se encontrava na paragem do autocarro


Como refere a Ex.ma Magistrada do Ministério Público na sua muito bem elaborada resposta ao recurso:


«Nos termos do disposto no artigo 453.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor.

Atendendo, então, ao teor de lei, sempre se dirá que as testemunhas indicadas pelo Recorrente contrariam a primeira parte do n.º 2, do artigo 453.º, do Código de Processo Penal, porquanto são indicadas testemunhas que, precisamente, não cumprem o requisito de “não poder indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo”.

Tal facto, só por si, não obstará à revisão, contudo, recai sobre o Requerente o ónus de justificar que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor.

Desde logo, o Requerente não invoca qualquer impossibilidade de depor das testemunhas ora indicadas, alegando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão, referindo que, “após o trânsito da decisão condenatória, tendo confidenciado a vários amigos e conhecidos esta decisão (…) teve a solidariedade de várias pessoas que desconhecia ter assistido aos factos”.

Mais menciona que “Foi a notícia da INJUSTIÇA da sentença condenatória, que fez com que estas pessoas se aproximassem e se disponibilizassem para o ajudar”.

Tal justificação para apresentar novos meios de prova, no entendimento do Ministério Público, não colhe, não tendo o arguido/requerente logrado justificar, cabalmente, por que motivo não indicou estas testemunhas antes de ser tomada a decisão em crise, ou se as mesmas, por motivo plausível, não podiam se utilizadas».


Também se nos afigura, secundando as judiciosas considerações contidas na citada resposta, «não ser verosímil que os meios de prova ora apresentados (duas novas testemunhas) fossem ignorados pelo arguido ao tempo do julgamento ou que não pudessem ter sido apresentados antes deste. E menos verosímil nos parece que tais meios de prova tenham surgido decorridos oito anos sobre a prática dos factos. Sobretudo, atento o tipo de ilícito e factualidade em questão».


Acresce que, inquiridas ao abrigo do disposto no artigo 453.º, n.º 1, do CPP, tais testemunhas, como justamente dá nota a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, «nada de relevante declararam».


Na verdade, como consta da informação sobre o mérito do pedido, «a testemunha CC (explorador do café “BB”) mencionou não ter assistido às agressões, uma vez que estava dentro do seu estabelecimento, com as cortinas fechadas e a analisar os proventos daquela noite, apenas tendo ouvido umas vozes alteradas, cujo conteúdo não conseguiu apreender.

Por outro lado, a testemunha DD, apesar de referir ter estado presente na paragem de autocarro, a cerca de 40 metros da porta do café supramencionado, acabaria por reconhecer que não assistiu às agressões perpetradas (por parte de qualquer um dos três agressores, i.e., AA, EE ou FF), o que é compatível com a circunstância de ter entrado no autocarro das 22:30 ou das 23:00 e ter sido dado como provado que as agressões decorreram entre as 23:00 e as 23:50, do dia 4/9/2011».


Razões por que, em suma, se não tenha como “novos” os meios de prova factos apresentados pelo recorrente.


Como eixo essencial da apreciação do fundamento previsto no artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do CPP, na sua relevância para a procedência do recurso de revisão, e como se sublinha no acórdão deste Supremo Tribunal, de 20-02-2013, proferido no processo n.º 67/09.6SWLSB-B.S1 - 3.ª Secção, «importa ponderar da sua força probatória como fundamento de um juízo de existência de graves dúvidas sobre a justiça da condenação. No que respeita, e como refere João Conde Correia (O Mito do Caso Julgado e a Revisão Propter Nova pag 603), a dúvida relevante para a revisão de sentença tem, pois, de ser qualificada; há-de elevar-se do patamar da mera existência, para subir a vertente da "gravidade" que baste».


Daí que, lê-se no mesmo acórdão:


«não será uma indiferenciada "nova prova", ou um inconsequente "novo facto", que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade, razoavelmente reclamada, por uma decisão judicial transitada. Tais novos factos e/ou provas, têm assumir qualificativo correlativo da "gravidade" da dúvida que hão-de guarnecer e que constitui a essência do pressuposto da revisão que ora nos importa.


Há-de, pois, tratar-se de "novas provas" ou "novos factos" que, no concreto quadro de facto em causa, se revelem tão seguros e/ou relevantes - seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis - que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a invocação e prova de um quadro de facto "novo" ou a exibição de "novas" provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão revidenda.


Se a condenação assenta num juízo valorativo da prova produzida no qual está afastada toda a dúvida razoável sobre a existência dos pressupostos de responsabilização criminal o juízo de revisão, nesta hipótese concreta, fundamenta-se exactamente em prova de sentido contrário.


Significa o exposto que os novos factos ou meios de prova devem suscitar a dúvida sobre a forma como se formou a convicção de culpa que conduziu á condenação.       A estrutura lógica subsuntiva em que assenta a decisão condenatória deve, assim, ser afectada, ser corroída, nos seus fundamentos probatórios por tal forma que a dúvida surja sobre a sua razoabilidade.»


Analisada a decisão condenatória cuja revisão é pedida, verifica-se que foi formada a convicção positiva do tribunal, quanto à prática pelo recorrente do crime pelo qual foi condenado, baseada num conjunto de elementos probatórios merecedores de toda a credibilidade.


Os factos/meios de prova agora apresentados não têm qualquer virtualidade para pôr em causa o sedimento fáctico em que assentou a condenação do recorrente ou para afectar de forma relevante os fundamentos em que se estribou a convicção do Tribunal.

        

Muito menos são susceptíveis de suscitar dúvidas sobre a justiça da condenação.


Não basta, como tem sido sistematicamente repetido, alegar-se um qualquer «facto novo» ou um «meio de prova novo». Esse facto ou meio de prova têm de fazer sentido no contexto e de serem portadores de verosimilhança que os credite para evidenciar a alta probabilidade de um erro judiciário e desse modo potenciar a alteração do que antes ficou provado[11].


Como se considera no acórdão deste Supremo Tribunal de 10-03-2011 (Proc. 19/04.2JALRA-B.S1 - 3.ª Secção), o recurso de revisão de sentença é um meio de impugnação extraordinário das decisões judiciais, que visa a realização de um novo julgamento, por a justiça do julgamento efectuado estar seriamente posta em causa, devido a facto ou meio de prova posteriormente conhecido, razão pela qual só perante facto verdadeiramente relevante ou face a novo meio de prova de reconhecida credibilidade é admissível a revisão da sentença.

Sendo que, na situação prevenida na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, exige-se a descoberta de novos factos ou novos meios de prova e que estes sejam de molde a suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação a ponto de se colocar fundadamente o problema de o arguido dever ter sido absolvido.


Lê-se no acórdão do STJ de 15-03-2012 (Proc. n.º 2875/07.3TAMTS-A.S1 – 3.ª Secção): a dúvida relevante para a revisão de sentença tem de ser intensa, há-de ultrapassar a mera existência, para atingir «gravidade» que baste. Não é uma nova «prova» ou um inconsequente «facto» que, por si só, rerão virtualidade para abalar a estabilidade razoavelmente reclamada por uma decisão judicial transitada.


Reafirmando-se: novos factos ou novas provas, nos termos do artigo 449.º, do CPP «serão aqueles que, no concreto quadro de facto em causa, se revelem tão seguros e/ou relevantes – seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis – que o juízo rescidente que neles se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a invocação e prova de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportarem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão revidenda» (acórdão de 08-10-2015, proferido no processo n.º 173/14.5PAAMD.S1 - 3.ª Secção).


Enfim, um «facto novo» ou um «meio de prova novo» que possam ser considerados para permitir uma revisão, com a ultrapassagem do caso julgado, além do seu carácter de novidade, têm também de ter verosimilhança e consistência de veracidade que permita, em contraponto, considerar que há dúvida sobre a justiça da condenação, que esta se suportou num erro judiciário, atributos de que, manifestamente, não gozam os factos e meios de prova apresentados pelo recorrente.


Pode concluir-se, pois, que os factos/meios de prova apresentados se devem considerar insusceptíveis de levantar graves dúvidas sobre a justiça de condenação, e por isso é que o presente recurso, baseado na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, não pode proceder.


Pelo exposto, o pedido de revisão da sentença, com suposto fundamento na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP mostra-se sem qualquer viabilidade, pelo que é negado.


2.2.2. A prescrição do procedimento criminal


Alega o recorrente que, aquando da sua condenação, o procedimento criminal já se encontrava prescrito.

A questão da prescrição agora suscitada não pode constituir fundamento do recurso extraordinário de revisão por não se integrar manifestamente em qualquer um dos fundamentos enunciados taxativamente no artigo 449.º do CPP.

Acresce que, como muito bem se sublinha na resposta ao recurso, «transitada em julgado a sentença de condenação do arguido, precludido ficou o direito de requerer ou de conhecer oficiosamente a prescrição do procedimento criminal.

Efectivamente, a questão da prescrição do procedimento criminal tem necessariamente de ser suscitada e apreciada até ao trânsito em julgado da decisão, ficando o eventual erro que tenha sido cometido nesse âmbito coberto pelo caso julgado.

A única prescrição que agora pode vir a ocorrer é a das sanções aplicadas, que tem um regime totalmente específico e só se conta depois do referido trânsito em julgado da decisão condenatória.»


Neste sentido, como se considera no acórdão deste Supremo Tribunal de 11-01-2007, (Proc. n.º 06P4261):


«Transitada a decisão, ficam precludidas todas as questões que com base nela poderiam ser suscitadas. É o que sucede com a prescrição do procedimento criminal. A partir do trânsito em julgado da decisão condenatória, já não se pode mais falar em prescrição do procedimento criminal, mas, eventualmente, se for caso disso, em prescrição da pena (art. 122.º, n.º 2 do CP)».


No mesmo sentido a jurisprudência das Relações citada pela Ex.ma Magistrada do Ministério Público:


«A prescrição do procedimento criminal deve ser suscitada até ao trânsito em julgado da sentença condenatória, sob pena de ficar precludido o direito de a suscitar em virtude do caso julgado entretanto constituído” (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3 de Junho de 2013, processo n.º 1037/08.7PBGMR-A.G1, disponível em www.dgsi.pt).


«… transitada em julgado a sentença de condenação do arguido, precludido ficou o direito de requerer ou de conhecer oficiosamente a prescrição do procedimento criminal, que a questão da prescrição do procedimento criminal tem necessariamente de ser suscitada e apreciada até ao trânsito em julgado da decisão, ficando o eventual erro que tenha sido cometido nesse âmbito coberto pelo caso julgado e que, se a prescrição respeita a momento anterior ao trânsito em julgado da decisão está-se numa situação de prescrição do procedimento criminal e se for posterior àquele momento, então é caso para aludir à prescrição da pena (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18 de Maio de 2016, processo n.º 372/01.0TALRA.C1, disponível em www.dgsi.pt).


«…entre o regime da prescrição cível e o da prescrição penal/contraordenacional existe pelo menos uma diferença incontornável no respectivo instituto, o da contiguidade ou justaposição da prescrição da pena em relação à do procedimento, ou seja, ‘a primeira começa no preciso momento em que a outra termina’, (…) que tal mutação se mostra balizada pelo trânsito em julgado da decisão condenatória, já que é esse, precisamente, o factor que a produz; a actual jurisprudência, mormente a imanada pelo Supremo Tribunal de Justiça, converge na possibilidade da sua apreciação até ‘ao trânsito em julgado da decisão, (…) e que verificado este, ‘o eventual erro que tenha sido cometido nesse âmbito, fica coberto pelo caso julgado’, não podendo ser objecto sequer de recurso de revisão” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Junho de 2017, processo nº 51/15.0YUSTR.G.L1-5, disponível em www.dgsi.pt).»


Também o Supremo Tribunal de Justiça considerou que «[o] decurso do prazo prescricional não configura, para efeitos da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, a descoberta de novos factos ou meios de prova.” (acórdão de 12-07-2006 – Proc. n.º 06P2259)  


Expressando a mesma ideia, cita-se igualmente o acórdão deste Supremo Tribunal (igualmente citado na resposta a este recurso) de 06-11-2019, proferido no processo n.º 739/09.5TBTVR-C.S1 – 3.ª Secção]:

«O recurso de revisão não se destina a recuperar questões definitivamente julgadas, estabilizadas pelo caso julgado. Se fosse assim, poderia manter-se indefinidamente a discussão das matérias controvertidas no processo, e dessa forma nunca estaria garantida a paz jurídica, que é essencial, como se disse, para a própria paz social. O recurso de revisão é um meio excepcional que visa dar um espaço indispensável, mas circunscrito, à justiça material, em situações muito específicas, taxativamente indicadas, sob pena de subversão do caso julgado».


Termos em que improcede o invocado fundamento da prescrição do procedimento criminal para a requerida revisão.


III – DECISÃO


Termos em que acordam os Juízes da 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em:


1. Negar a revisão – artigo 456.º do CPP;

2. Condenar o recorrente AA em custas, fixando-‑se a taxa de justiça em 4 UC – artigos 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.


SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 23 de Setembro de 2020

(Texto elaborado e revisto pelo relator que assina digitalmente)

Tem voto de conformidade da Ex.ma Conselheira Adjunta Conceição Gomes.


Manuel Augusto de Matos (Relator)

Conceição Gomes

Pires da Graça

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[1] Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, p. 498.
[2] Disponível, como os demais que se citarem sem outra indicação, nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt.
[3] Direito Processual Penal, I Volume, Coimbra Editora, 1974, p. 44.
[4] Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 2.ª edição, p. 129.
[5] Código de Processo Penal Anotado, II volume, pp. 1042-1043.
[6] O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova, Coimbra Editora, 2010, p. 559.
[7] Neste sentido PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, anotação 12 ao artigo 449.º.
[8] Comentário do Código de Processo Penal, cit., p. 1212.
[9] Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Criminais, Janeiro-Dezembro 2015.
[10] Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, Janeiro – Dezembro de 2010, Assessoria Criminal.
[11] V. acórdão do STJ de 14-01-2016 (Proc. n.º 139/13.2JELSB-B.S1 – 5.ª Secção), em Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais – ano de 2016.