INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
RECURSO CONTENCIOSO
Sumário


Tendo o Autor requerido a extinção da acção por inutilidade superveniente da lide e verificando-se a ocorrência de circunstâncias posteriores à instauração da lide que, efectivamente, revelam que a pronúncia judicial nos autos se mostra desnecessária, há que deferir o requerido, irrelevando para o efeito qualquer interesse da Administração no prosseguimento dos autos.

Texto Integral

Processo n.º 16/19.3YFLSB

Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório

1. AA, Juiz …, no Tribunal da …, ao abrigo do disposto nos artigos 164º, n.º 1, e 168º, n.º 1, ambos do Estatuto dos Magistrados Judiciais (doravante EMJ), aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho,veio interpor recurso contencioso (agora, ação administrativa de impugnação de ato administrativo) da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (doravante CSM) de …2019, que ratificou o despacho do Exmo Senhor Vice-Presidente de … 2019, que admitiu a prorrogação, por mais dez dias, do prazo de realização da instrução, nos termos do artigo 114.º, n.º2.º, do EMJ.
Imputando à deliberação os vícios de nulidade por preterição do direito de audiência prévia e por absoluta inexistência - formal e material - de fundamentação pediu que seja declarada a nulidade da mesma.
Para o efeito alega essencialmente:
- ter sido notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 114.º, n.º3, do EMJ, em 19-11-2018, do início da instrução do procedimento disciplinar (n.º 2018-370/PD), que resultou da conversão do Processo de Inquérito n.º ..., determinada por deliberação do Plenário do CSM de …-2018, da qual interpôs recurso contencioso em face da sua ilegalidade e inconstitucionalidade, que se encontra pendente de decisão no Supremo Tribunal de Justiça;
- ter sido notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 114.º, n.º3, do EMJ, em …2018, do despacho do Vice-Presidente do CSM de …2018, que admitiu a prorrogação, em 60 dias, do processo disciplinar, despacho que foi posteriormente ratificado por deliberação do Plenário do CSM de …. -2019, da qual, igualmente, interpôs recurso arguindo a sua nulidade com fundamento em falta de fundamentação e por não lhe ter sido conferido o direito ao contraditório, encontrando-se o mesmo pendente de decisão no Supremo Tribunal de Justiça.
- que as lacunas existentes no EMJ, designadamente no que se refere a fundamentação decisória, audiência prévia ou densificação do conceito de excepcional complexidade, devem ser preenchidas por reporte ao Código Penal (doravante CP) e ao Código de Processo Penal (doravante CPP) e não por aplicação do Código de Procedimento Administrativo (doravante CPA) e do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA), conforme defendido pelo CSM;
- constituir procedimento obrigatório, nos termos do artigos 121.º, n.º1, do CPA e 32º, n.º1 e 267.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), a audiência prévia do Arguido na decisão de prorrogação do prazo do processo disciplinar, gerando nulidade a preterição de tal formalidade por ofensa grave do direito constitucional do interessado;
- constituir ainda procedimento obrigatório a audição do arguido em processos disciplinares de especial complexidade e com grande impacto na espera jurídica daquele por força do que dispõe o n.º4 do artigo 215.º do CPP, e n.º2 do artigo 110.º do EMJ;
- assumir indiscutível impacto na sua esfera jurídica (pelo número de prorrogações e por estar em causa um prazo de instrução de 110 dias) a decisão de nova prorrogação do prazo de instrução;
- não ter o CSM procedido - em termos formais e materiais – à indispensável fundamentação da decisão de prorrogação carecendo de sentido para o efeito invocar a necessidade de audição do arguido aos 80 dias da instrução do processo.

2. Cumprido o artigo 174.º, do EMJ, o CSM apresentou resposta concluindo pela improcedência do recurso contencioso por a deliberação impugnada não merecer qualquer reparo, invocando fundamentalmente:
- a aplicação, na situação sob apreciação, do regime do CPA (ex vi do LGTFP) aos casos omissos, designadamente quanto aos prazos de instrução e prorrogação do procedimento disciplinar;
- não ocorrer, no caso, violação do dever audiência prévia do interessado e a considerar-se nesse sentido impor-se-ia aplicar o princípio do aproveitamento do acto por a intervenção procedimental do Requerente se mostrar insusceptível de influenciar, em sentido inverso, a decisão final proferida;
- não se verificar qualquer ausência ou deficit de fundamentação.

3. Cumprido o artigo 176.º, do EMJ, o CSM apresentou alegações reiterando o posicionamento assumido nos autos, tendo o Autor (em …-2020) vindo requerer a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide nos termos do artigo 277.º alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigos 178.º n.º1, do EMJ e 1.º, do CPTA por terem cessado os efeitos práticos da impugnação da deliberação face à cessação da suspensão preventiva do exercício de funções.

4. O CSM e o Ministério Público pronunciam-se no sentido de ser declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, conforme o requerido pelo Autor/Recorrente.

II - Apreciando
Na sequência do já ocorrido no âmbito de processo similar aos dos presentes autos (Processo n.º …), o Autor veio requerer a extinção da presente instância invocando a inutilidade superveniente da lide manifestando inequívoca falta de interesse no prosseguimento da lide, fazendo evidenciar que o processo já não assume utilidade para a tutela dos seus interesses.
No caso (tal como no Processo n.º …), como resulta do relatório supra, o Autor visava a declaração de nulidade da deliberação do plenário do CSM que prorrogou (por 10 dias) o prazo de instrução do procedimento disciplinar que lhe foi instaurado no âmbito do qual foi suspenso do exercício de funções.
Considera o Requerente que a cessação da suspensão preventiva do exercício de funções (em 22-07-2019, por ter sido atingido o limite previsto no n.º3 do artigo 116.º do EMJ) e o reiniciar do exercício das mesmas retiram utilidade ao prosseguimento do processo.
Na caracterização da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide refere o Supremo Tribunal Administrativo (STA) no acórdão de 21-03-1985 (proferido no Processo n.º 014295, citado pelo Ministério Público no parecer junto aos autos e bem assim no acórdão proferido no Processo n.º ...), “Se, na pendência do processo, a Administração pratica acto que o recorrente considera satisfazer o interesse que se propunha e tornar inútil o prosseguimento do recurso, há que julgar extinta ainstancia”.(http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/14b75cdf9317897a802568fc0036efc3?OpenDocument)
No mesmo sentido foi considerado no acórdão do mesmo STA de 03-06-2003, proferido no Processo n.º 0555/02 (citado também no Processo n.º ...) que “o recurso contencioso de anulação não é um meio processual destinado à tutela dos interesses da Administração que dela não carece por gozar do privilégio de execução prévia. Donde que, nos casos, como o dos autos, em que o recurso contencioso foi intentado por particulares, os interesses relevantes a cuja luz se há-de apreciar da utilidade ou inutilidade da lide, serão apenas os dos recorrentes e só esses. São de excluir os da Administração uma vez que se os mesmos não têm, à face da lei processual, força bastante, para justificar a propulsão da instância por iniciativa da Administração, pela mesma razão, não podem servir para legitimar o prosseguimento da lide quando os recorrentes tiverem já obtido satisfação da sua pretensão.
E, naturalmente, como decorre do princípio do dispositivo, também não é de considerar para o efeito, o suposto interesse dos recorrentes na lide, se apenas invocado pela autoridade recorrida, à margem ou contra a vontade daqueles.http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/78a23e7c1eecd3c780256d4800466b64?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1
Nesta seguimento, analisando a pretensão do Requerente e conforme foi realçado no Processo n.º ..., o posicionamento do Autor ao justificar a inutilidade superveniente da acção parece revelar “alguma confusão entre a deliberação que prorrogou o prazo para o decurso da instrução e entre a deliberação que o suspendeu do exercício de funções”.
Ocorreram porém circunstâncias, posteriormente à instauração da presente lide, que, efectivamente, revelam que a pronúncia judicial nestes autos se mostra desnecessária pois que não só a acção interposta pelo Autor relativa à deliberação que determinou a suspensão do exercício de funções (Processo n.º 42/19.2YFLSB) foi declarada extinta por inutilidade superveniente da lide, como entretanto foi terminado o processo disciplinar instaurado ao Autor (com a aplicação da pena de demissão objecto de impugnação para este Tribunal).
Igualmente não pode deixar de assumir relevância na ponderação da pretensão do Requerente sob apreciação a decisão proferida no âmbito do Processo n.º … (acórdão de …-2019, que julgou a improcedente a acção administrativa interposta pelo Autor contra a deliberação do plenário do CSM de …-.-2019 que prorrogou em 12 dias o prazo de instrução no âmbito do procedimento disciplinar instaurado) na qual foi considerado que “o Sr. Inspetor Judicial Extraordinário justificou a necessidade da prorrogação do prazo da instrução para que pudesse ser efetivado o direito de audição do arguido, frisando que a prorrogação do prazo da instrução por doze dias se destinava a permitir a efetivação da audição nas datas referidas, uma vez que estávamos em …2019 e as datas sugeridas e pelo Exmo. Mandatário do arguido foram 8 de março ou no dia 15 de março (cfr. cota de fols. 92).Concluímos assim que a prorrogação do prazo da instrução foi devidamente justificado, bem como a necessidade da prorrogação por doze dias, pelo que não se verifica a invocada nulidade da deliberação recorrida, por preterição do dever de fundamentação, atento o disposto nos art.º 97.º, n.º 5, 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1 alínea a), todos do Código de Processo Penal.”.
Com efeito, como se encontra referido no acórdão proferido no Processo n.º ..., ao requerer nestes autos a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide o Autor já tinha conhecimento da decisão proferida nos autos .º … (notificado ao mandatário do Autor, via Citius a ….2019) sendo lícito presumir que também nessa tomada de posição tenha sido perspectivada a possibilidade de eventual decisão de improcedência a ser proferida neste processo (dada a similitude das situações a apreciar em ambos os processos e a identidade do coletivo de juízes).

III – Decisão
Nos termos expostos, acordam os Juízes que constituem a Secção do Contencioso, do Supremo Tribunal de Justiça, em declarar extinta a instância, nos termos dos artigos 277.º, alínea e), e 285.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 1.º, do CPTA.
Custas pelo Autor, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC’s.
Valor da causa: € 30.000,01.

Lisboa, 30 de Junho de 2020

Graça Amaral (Relatora)
Oliveira Abreu
Pedro Lima Gonçalves
Maria da Graça Trigo
Manuel Augusto de Matos
Joaquim António Chambel Mourisco
Helena Isabel Moniz
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Presidente)


Tem voto de conformidade dos Senhores Conselheiros Adjuntos (artigo 15ºA, aditado ao DL 10-A/2020, de 13/3, pelo DL 20/2020, de 1/5).