IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
RESPONSABILIDADE MÉDICA
CONCEITO DE RESULTADO
LEGES ARTIS
Sumário

I - Na impugnação da decisão proferida em matéria de facto, efectuada a concretização dos meios de prova (discriminação desses meios, no caso de depoimentos, com temporização ao minuto e segundo das passagens da gravação tidas por relevantes, e até com sua transcrição), a não realização de correspondência, pelo recorrente, de cada um desses meios com cada um dos factos impugnados, ponto-por-ponto, só por si, não significa uma impugnação genérica da decisão e não implica um novo julgamento ou uma impugnação não especificada ou não circunscrita da decisão e, consequentemente, não acarreta a rejeição do recurso.
II - O conceito de “resultado” no contrato de prestação de serviços que se estabelece entre o médico e o doente, enquanto obrigação de meios, como deve ser qualificada na grande maioria das prestações clínicas, corresponde ao esforço na ação diligente (pura diligência), a observância das leges artis no diagnóstico e no tratamento.
III - Se, no pós-operatório de uma intervenção cirúrgica ortopédica ao tornozelo é necessariamente aplicada uma tala na perna do doente e, na zona desta surge fictena, é do lesado o ónus da prova da violação, pelos colaboradores do R. hospital, do cuidado devido segundo as regras da leges artis na acção médica ou de enfermagem, sem o que não há cumprimento defeituoso enquanto pressuposto de responsabilidade civil.
IV - A prática médica em consulta hospitalar de urgência implica decisões rápidas e visa sobretudo aliviar o sofrimento, sendo o erro de diagnóstico mais tolerável do que o erro na consulta da especialidade normal, onde o exame e a ponderação devem ser colocados num patamar de exigência superior.

Texto Integral

Proc. nº 18052/16.0T8PRT.P l – 3ª Secção (apelação)

Tribunal Judicial da Comarca do Porto
- Juízo Local Cível do Porto - Juiz 6

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I.
B…, casada, com o NIF …….., residente na Rua …, …, …. – … … … – Maia, instaurou ação declarativa comum contra C…, S.A., com o NIPC ………, onde se integra a Unidade Hospital C1…, com sede na Avenida …, n.º …, …. - … Porto, alegando --- aqui sinopticamente --- que deu entrada nos serviços de urgência da R. em virtude de uma queda que lhe provocou uma torção no pé direito, recebeu ali, a seu pedido, assistência hospitalar, mas de modo deficiente, sem observância de elementares regras médicas. Primeiro, com um diagnóstico errado no episódio de urgência, por a sua lesão não se tratar de um simples entorse de tornozelo, como ali diagnosticado, mas de uma “fratura maléolo peroneal direita oblíqua” (vulgo, fratura do tornozelo) --- como foi posteriormente assegurado pelo médico ortopedista --- determinante de uma cirurgia àquele pé cujo pós-operatório, depois, também foi deficientemente acompanhado pelos serviços da R., daí tendo resultado despesas e dores desnecessárias, flictena ou ulceração do calcanhar e do peito do pé causada pela pressão das talas aplicadas, deixando marcas inestéticas que irão continuar para toda a sua vida e que lhe têm causado e continuarão a causar sofrimento psicológico e prejuízo na sua auto-estima e afirmação social cuja compensação (dano não patrimonial) estima em €8.500,00.
Nas várias deslocações que teve de efetuar aos serviços da R. para tratar as úlceras, a A. alega que gastou €360,00, quantia pela qual entende dever ser reparada.
Concluiu como seguinte pedido:
«(…)
a) Ser a Ré condenada a pagar à Autora uma indemnização a título de dano não patrimonial no valor de €8.500,00 (oito mil e quinhentos Euros);
b) Ser a Ré condenada a pagar à Autora uma indemnização a título de dano patrimonial no valor de €360,00 (trezentos e sessenta Euros), bem como o montante que também a esse título se vier a apurar em liquidação de execução de sentença;
c) Ser a Ré condenada a pagar à Autora o montante dos juros legais vencidos e vincendos desde a data citação, à taxa legal em vigor, até total e efectivo pagamento;
d) Ser a Ré responsável pelo pagamento de custas e dos demais encargos do processo.» (sic)

Citada, a R. deduziu contestação. Começou por pedir a intervenção principal provocada da sociedade seguradora D… – Companhia de Seguros, S.A., invocando um contrato de seguro entre elas celebrado, designado por contrato de seguro de responsabilidade civil geral e profissional, com cobertura de indemnização por danos que lhe viesse a ser exigida, e que resultassem, nomeadamente, de atos de negligência médica praticados no exercício da sua actividade médica.
Por impugnação, a R. opôs-se a grande parte da matéria de facto alegada na petição inicial, defendendo que os médicos assistiram a A. nos seus serviços de modo adequado, praticando os atos médicos exigíveis, adequados e necessários, tendo em conta a situação clínica da A. em cada momento, em conformidade com a leges artis.
Terminou no sentido de que deve ser absolvida do pedido e de que seja a D… chamada à ação.
O tribunal admitiu a D… – Companhia de Seguros, S.A. como interveniente principal, ordenando a sua citação.
A interveniente também contestou a ação, alegando que não tem qualquer responsabilidade perante a A. e que deveria intervir apenas como parte acessória.
Invocou a prescrição do direito da A., a inaplicabilidade do contrato de seguro e ainda que a A. não podia ter relegado para oportuna liquidação quantias que alega ter suportado, por já estarem quantificadas.
Concluiu pela absolvição das RR. do pedido.
Foi depois proferido despacho saneador, onde o tribunal julgou improcedente a exceção a prescrição.
Foi realizado exame médico pelo INML, cujos relatórios foram juntos a 22.3.2018 e a 27.5.2019.
Teve lugar a audiência final, após a qual foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Nestes termos, julgando a ação totalmente improcedente, decido, absolver as rés do pedido.
Custas pela autora.»
*
Inconformada com a decisão final, a A. apelou, CONCLUINDO as suas alegações nos seguintes termos:
«A) O presente recurso incide sobre a matéria de facto e de direito.
B) Impõe-se a alteração da matéria de facto dada como não provada, nos seguintes termos: Deve ser alterado para provado o ponto 1 dos factos não provados nos seguintes termos “e informou a autora de que não via qualquer problema a nível ósseo”.
Devem ainda ser alterados para provados os seguintes factos não provados: pontos 9, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 21 e 22.
C) No que concerne aos pontos 13 e 17 da factualidade não provada, por força da factualidade dada como provada sob o ponto P, impõe-se necessariamente a alteração desses factos para provados.
D) Acresce que, a prova documental junta aos autos impõe a alteração para provada da matéria de facto não provada acima descrita, nomeadamente: As fotografias juntas à petição inicial que são demonstrativas do estado em se encontra o pé direito da A. e os relatórios da Delegação do Instituto de Medicina Legal Ciências Forenses de 22.03.2018 e 27.05.2018, dos quais consta que a A. apresenta área cicatricial na face dorsal do pé direito com cerca de 5 cm por 2 cm de maiores dimensões e que as cicatrizes não são passíveis de melhoria do ponto de vista estético, podendo apenas ser melhorada do ponto de vista de qualidade cicatricial com enxerto de gordura.
E) Também a prova testemunhal impõe decisão diferente da matéria de facto supra referida.
F) A Sra. Juiz do Tribunal a quo não valorou os depoimentos do marido (veja-se Audiência de julgamento do dia 15/11/2019, às 09h30, gravada em CD, aos 2min36-2min39, 9min34-9min40, 18min08-18min37, 19min34-19min45, 27min05-27min42, 28min15-28min20, 30min22-30min35, 31min24-31min55, 32min09-32min16, 35min11-35min25, 37min07-37min31, 37min32-38min12, 41min45-41min50) e filho da A. (veja-se Audiência de julgamento do dia 15/11/2019, às 09h30, gravada em CD, aos minutos 3min57-4min08, 9min15-9min36, 9min39-9min44, 9min44-9min53, 12min21-12min28, 12min59-13min07) que foram particularmente importantes para provar o estado pós-operatório da A. e o estado em que ficou o seu pé.
G) Os depoimentos das aludidas testemunhas revestiram-se de segurança, consistência, credibilidade, revelando perfeito conhecimento dos factos aqui em causa, por neles terem tido intervenção.
H) A Sra. Juiz do Tribunal a quo não analisou ainda criticamente o depoimento do médico E… (veja-se Audiência de julgamento do dia 15/11/2019, às 09h30, gravada em CD, aos minutos 5min55-6min15, 11min11-11min24, 15min55-16min01, 20min01-20min21, 34min37-34min49, 42min20-42min36, 42min47-42min50, 47min33-47min48) que de modo encapotado, tentou esconder qual a verdadeira razão do aparecimento da úlcera de pressão no pé da A., fazendo um depoimento vago e genérico, do qual se concluiu que disse muito menos do que aquilo que podia e sabia dizer.
I) Finalmente, temos o depoimento da testemunha – enfermeira F… (veja-se Audiência de julgamento do dia 15/11/2019, às 09h30, gravada em CD, aos minutos 7min08-7min21), que disse sem qualquer dúvida que a úlcera de pressão é causada pela tala. Daí a necessidade de os pensos serem realizados com frequência para vigiar a pele; para evitar este tipo de situações, de flictrena ou úlcera de pressão.
J) De todo o exposto, conclui-se QUE A MATÉRIA DE FACTO DOS PONTOS 1, 9, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 21 e 22 DA FACTUALIDADE NÃO PROVADA DEVE SER ALTERADA PARA PROVADA, sendo o ponto 1 apenas nesses termos “e informou a autora de que não via qualquer problema a nível ósseo”.
K) Com efeito, dúvidas não há que a R. C… não cumpriu os deveres de cuidado a que estava obrigada:
L) Não diagnosticou corretamente a lesão sofrida pela A. no pé, pois inicialmente diagnosticou com sendo uma simples entorse, tendo apurado uma semana depois tratar-se de uma fractura, a A. foi operada de imediato, operação que se não fosse a conduta da R. já teria ocorrido aquando do primeiro diagnóstico, ou seja, 8 dias antes, tudo isto evitando sobretudo que a A. sofresse as dores que sofreu.
M) A R. C… não cumpriu os deveres a que estava obrigada, pois não evitou que a pressão da tala causasse como causou a ulceração do calcanhar e do peito do pé da A., o que originou marcas que ainda hoje permanecem no pé da A.
N) Como resulta da douta sentença recorrida, in casu, foi estabelecido um vínculo jurídico entre a Autora e a R. C…, nomeadamente um contrato de prestação de serviços médicos.
O) Ora, o devedor que faltar culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causar ao credor (artigo 798.º do CC), sendo o devedor responsável pelos actos das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor (artigo 800.º, nº 1 do CC).
P) No caso dos autos, face à alteração da matéria de facto nos termos supra descritos, resulta que a R. C… não diagnosticou corretamente a lesão sofrida pela A. no pé, pois inicialmente diagnosticou com sendo uma simples entorse, tendo apurado uma semana depois tratar-se de uma fractura, a A. foi operada de imediato, operação que se não fosse a conduta da R. já teria ocorrido aquando do primeiro diagnóstico, ou seja, 8 dias antes, tudo isto evitando sobretudo que a A. sofresse as dores que sofreu.
Q) Ademais, a R. C… não cumpriu os deveres a que estava obrigada, pois não evitou que a pressão da tala causasse como causou a ulceração do calcanhar e do peito do pé da A., o que originou marcas que ainda hoje permanecem no pé da A.
R) Ora, in casu, se a R. C… não omitisse os deveres de cuidado a que estava obrigada, jamais a A. ficaria com o pé no estado em que ficou.
S) Na verdade, não fosse a acção omissiva das mais elementares legis artis por parte dos profissionais da ré, a autora não teria o pé no estado em que o mesmo se encontra.
T) Verifica-se, assim, que a R. praticou um facto ilícito (cumprimento defeituoso dos deveres emergentes do contrato), com culpa (que, aliás, se presume, sendo que o devedor não logrou ilidir essa presunção de culpa), provocou um dano e existe nexo de causalidade entre o facto e o dano.
U) Em face do exposto, a sentença ora recorrida enferma claramente de um erro na aplicação da norma jurídica que deveria ter sido aplicada face aos factos e matéria de facto apurada em audiência de julgamento, não decidindo, como deveria ter feito, pela condenação dos réus no pedido.
V) Assim, deve ser dado provimento ao recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida, substituindo-se por outra que condene os Réus no pedido formulado pela Autora.» (sic)
Pediu, assim, a revogação da decisão e a sua substituição por outra decisão que julgue a ação totalmente procedente, por provada.
*
A D…, S.A. respondeu em contra-alegações que sintetizou assim:
«1. O recurso apresentado pela Autora não poderá merecer qualquer acolhimento, nem provimento, uma vez que não se verifica erro notório na apreciação da prova que justifique a pretendida alteração da decisão da matéria de facto.
2. O Autor não logrou demonstrar, com recurso à prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento e demais elementos existentes nos presentes autos, de que forma se justifica a pretendida alteração da matéria de facto, concretamente, os pontos considerados não provados constantes dos números 1, 9, 11, 73, 14 7 c 17, 18, 21 e 22.
3. Não existe qualquer prova documental, pericial ou testemunhai que fundamente a alteração da referida matéria de facto.
4. Para além disto, a sentença encontra-se devidamente fundamentada e corresponde a uma correta aplicação da Justiça.
5. Também não merece qualquer reparo o julgamento da matéria de Direito realizado pelo Tribunal a quo.
6. Assim sendo, deverá improceder o recurso apresentado pela Autora.» (sic)
*
A C…, S.A. também apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:
«i. A Autora, ora Recorrente, assenta o seu recurso, desde logo, na alteração da matéria de facto dada como não provada.
ii. Quanto a esta, o Código de Processo Civil, no seu artigo 640º, impõe nomeadamente que a Recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; os meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
iii. Aquilo que a Recorrente faz, salvo o devido respeito, é uma mera impugnação em bloco de um conjunto vasto de pontos da matéria de facto, limitando-se depois a fazer longas transcrições dos depoimentos. Não fazendo uma relação entre os meios probatórios e cada um dos pontos da matéria de facto, com a respetiva apreciação critica.
iv. Analisando o caso concreto, aquilo que parece ocorrer é que a Recorrente se limita a impugnar um vasto conjunto da matéria de facto (os pontos 1, 9, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 21 e 22) e que a seguir transcreve longas passagens dos depoimentos.
v. Muito pouco mais faz do que isso, para além de umas escassas, genéricas e vagas considerações sobre os depoimentos das testemunhas. Não existindo a mínima preocupação, em tentar relacionar os meios de prova com cada um dos pontos impugnados e fazendo a respetiva apreciação critica.
vi. Podendo verificar-se que os próprios factos elencados pela Recorrente nem todos estão ligados entre si, ou seja, estamos perante matérias diferentes que não permitem uma apreciação em bloco e acrítica como aquela que a Recorrente efetua.
vii. Em suma, salvo melhor opinião, por inadmissível, deve-se rejeitar a impugnação do julgamento da matéria de facto.
viii. Sem conceder,
ix. Relembramos que é alegado pela Recorrente a omissão da Recorrida dos procedimentos exigíveis de acordo com a legis artis, no fundo, que o ato médico não teve lugar de acordo com as melhores práticas médicas.
x. Ora, da prova produzida (documental, pericial e testemunhal), não resulta um único indício de má prática médica. Desde logo, e em relação à prova pericial, a única que teve lugar refere-se à avaliação do dano corporal, logo, não teve por objeto a prática médica.
xi. Depois, é preciso analisar com cuidado o depoimento do único médico ouvido em sede de julgamento, E…. Este depoimento é particularmente relevante na medida em que este médico foi aquele que operou por duas vezes a Autora.
xii. Tendo diagnosticado a fratura e recomendado a cirurgia no dia seguinte, a qual se terá processado de forma normal e sem ocorrências, com as dores normais e usuais neste tipo de cirurgia.
xiii. De acordo com as notas de enfermagem, a testemunha referiu que existiu uma normal cicatrização e na verdade, consultado, o processo clinico / diário de enfermagem (junto pela Ré por requerimento datado de 12 de julho de 2017), pode-se ler que no dia da alta (dia 26 de setembro de 2013), a Autora não apresentava queixas alérgicas; que o penso da ferida cirúrgica no membro inferior direito tinha a ligadura externamente seca e limpa; que o membro inferior direito não apresentava comprometimento neurovascular e que a sutura não tinha sinais inflamatórios – vide factos provados F´, G´ e I´.
xiv. Sendo que na consulta oito dias depois da cirurgia, notou-se a existência de uma flictena (ou seja, uma bolha), num processo que por vezes ocorre e descrito pelo médico, reafirmando que a flictena não existia no momento da alta, ou seja, a flictena surgiu já depois da alta e antes da primeira consulta, oito dias depois da cirurgia.
xv. Sendo que tal flictena estava no dorso do pé, não tendo qualquer relação com a cicatriz (que é lateral, na parte externa do tornozelo), nem com a tala que tinha sido colocada.
xvi. Sendo que tal ocorrência não era evitável e é um risco da própria intervenção. Podendo ocorrer por um conjunto vasto e incerto de razões como excesso de gelo ou de movimentos da paciente, entre outras razões.
xvii. Tendo a Recorrente recuperado a mobilidade total e passados dois anos voltado a recorrer aos serviços deste médico para realizar a segunda cirurgia, o que não deixa de ser sintomático que a própria Recorrente nunca perdeu a confiança na Ré e no médico que a tratou.
xviii. A testemunha refere ainda que eventuais dores que a paciente tenha sofrido ou que sofra hoje, bem como problemas de mobilidade, em nada estão relacionadas com a flictena mas apenas com a fratura, sendo que os registos clínicos só confirmam esta opinião.
xix. Também as testemunhas G…, H… e F… confirmaram o depoimento da testemunha Dr. E….
xx. Assim, em relação a esta flictena, aquilo que se pode afirmar, sem margem para dúvidas, é que a mesma efetivamente ocorreu e que tal ocorrência se terá verificado já após a alta (isto porque de acordo com os registos clínicos, nomeadamente, as notas de enfermagem e de acordo com os depoimentos das testemunhas acima citadas, quando foi dada alta, não existia qualquer flictena).
xxi. A causa e razão de ser da flictena não foi apurada, podendo se especular como referiu muito detalhadamente, e por diversas vezes, no seu depoimento, a testemunha Dr. E…, inclusive por um maior descuido da Autora no colocar do gelo ou nos movimentos enquanto esteve em casa ou por uma mera reação do corpo.
xxii. A Recorrente não conseguiu produzir uma única prova que pudesse contrariar esta tese, limitando-se a arrolar como testemunhas o seu marido e filho que (até por falta de formação médica) nada acrescentaram de relevante limitando-se a reproduzir os queixumes daquela e a ensaiar tímidas explicações para a dita flictena.
xxiii. A Recorrente refere ainda que existiu um diagnóstico incorreto da lesão numa fase inicial, ao não ter sido apurada a existência da fratura, o que evitava as dores que alegadamente a aquela sofreu.
xxiv. Ora, a Recorrente aqui altera por completo aquilo que referiu na sua Petição Inicial e a forma como desenhou a sua pretensão e causa de pedir. Em nenhum momento da sua Petição Inicial, a Autora invoca a existência de danos e reclama o pagamento de indemnização fruto do primeiro diagnóstico.
xxv. Toda a pretensão da Recorrente assenta naquilo que (alegadamente) ocorreu na cirurgia e no aparecimento da dita flictena.
xxvi. Por isso mesmo é que a Recorrente vem invocar a existência de um dano estético (artigo 46º da Petição Inicial) acrescido de um dano patrimonial com despesas para tratamento daquilo que designa por “úlceras do pé e calcanhar” (artigo 53º da Petição Inicial). Não existe qualquer dano descrito fruto do alegado errado diagnóstico na primeira observação / consulta.
xxvii. Aliás, lendo a própria Petição Inicial, não resulta claro a existência e a alegação de qualquer erro de diagnóstico ou erro médico aquando dessa primeira observação.
xxviii. Sem conceder, note-se que não está demonstrado que a Recorrida deva ser responsabilizada por qualquer alegado erro e, mais do que isso, que a Recorrente tenha sofrido quaisquer danos fruto desse facto.
xxix. Não existe, uma vez mais, uma testemunha, um documento, que tenha confirmado a existência do erro aquando dessa primeira observação e qualquer nexo de causalidade com qualquer dano.
xxx. Aliás, a demonstração mais óbvia da improcedência da pretensão da Recorrente está no facto da flictena não existir aquando da cirurgia, logo, a flictena nunca pode ter tido origem no alegado atraso de diagnóstico, aquando da primeira observação (a flictena, na verdade, só apareceu durante o período de tempo em que a Recorrente esteve em causa, após a alta médica – vide facto provado E´´).
xxxi. Faça-se ainda notar que de acordo com o facto provado H), “A autora transmitiu à médica em causa que melhorava das dores depois de colocar gelo no pé e de tomar anti-inflamatórios, mais tendo relatado um bom estado geral à médica e negando limitações funcionais”.
xxxii. Assim, nada fazendo prever a necessidade ou urgência da realização de qualquer cirurgia. Tendo a mesma médica, tido o cuidado de escrever “no processo clinico que a situação clinica da doente teria de ser revista em consulta de ortopedia”, facto provado M).
xxxiii. Daqui decorre que não se encontra nestes factos provados, a imputação de qualquer responsabilidade ou má prática da médica em causa.
xxxiv. Por tudo o que se disse acima, é mais do que evidente que a Recorrente não conseguiu fazer prova dos factos demonstrativos do incumprimento ou cumprimento defeituoso das legis artis e da diligência que é exigida às equipas médicas.
xxxv. Devendo, deste modo, manter-se a douta sentença agora objeto de recurso, sendo este julgado improcedente e assim se fazendo JUSTIÇA!» (sic)
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II.
As questões a decidir --- exceção feita para o que for do conhecimento oficioso --- estão delimitadas pelas conclusões da apelação da A. recorrente (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º, do Código de Processo Civil).

Para apreciar, na apelação, estão:
1 - O invocado erro de julgamento na decisão proferida em matéria de facto;
2 - As consequências jurídicas da (eventual) modificação daquela decisão.

Previamente, porém, há que apreciar e decidir a questão suscitada nas contra-alegações da R. C…, S.A.:
- Falta de uma relação entre os meios probatórios e cada um dos pontos da matéria de facto impugnada, com a respetiva apreciação crítica.
*
III.
A 1ª instância deu como provada a seguinte matéria: Por transcrição.
A) - A autora é professora do ensino secundário e exerce a sua profissão no Agrupamento de Escolas I… (artigo 7.º da petição inicial).
B) - A ré é um grupo empresarial que se dedica à gestão e exploração de estabelecimentos de saúde com internamento, atividades de prática médica de clínica especializada, clínica geral em ambulatório, atividades de ambulância e transporte de doentes, no qual se enquadra o Hospital C1… (artigo 8.º da petição inicial).
C) - No dia 16 de setembro de 2013 (segunda-feira) a autora, logo pela manhã, deu entrada nas urgências do Hospital C1…, em virtude de ter sofrido uma queda que lhe provocou uma torção no membro inferior direito (pé direito) (artigo 9.º da petição inicial).
D) - A autora que apresentava notório inchaço no pé direito, dificuldade de locomoção e intensa dor, foi observada pela médica Dr. J… que ordenou a realização de uma Radiografia ao referido membro inferior (artigo 10.º da petição inicial – matéria aceite).
E) - A referida médica analisou o resultado do exame e recomendou aplicação de gelo na zona inchada, bem como a aconselhou a andar apoiada em duas canadianas – muletas (artigo 11.º da petição inicial).
F) - Em consequência, foi atribuída à autora uma incapacidade temporária para o trabalho pelo período de 5 (cinco) dias, com términus a 20 de setembro de 2013 (sexta – feira) (artigo 12.º da petição inicial – matéria aceite).
G) - A autora relatou à médica de serviço, a Dra. J…, no referido dia 16.09.2013, que tinha “feito entorse tornozelo D há 2 dias (escorregou)” (artigo 13.º da contestação da 1.ª ré).
H) - A autora transmitiu à médica em causa que melhorava das dores depois de colocar gelo no pé e de tomar anti-inflamatórios, mais tendo relatado um bom estado geral à médica e negando limitações funcionais (artigo 15.º da contestação).
I) - A médica em causa, depois observação clínica, pediu nesse dia a realização de um Raio x de Tíbio-társica (2 incisões), lado direito, e medicou a autora (artigo 16.º da contestação).
J) - A médica informou ainda que seria importante que a autora ficasse atenta à evolução dos sintomas, designadamente ao edema lateral e também às dores (artigo 18.º da contestação).
L) - Advertindo-a de que deveria retornar imediatamente ao serviço caso os sintomas piorassem ou persistissem, para reavaliação (artigo 19.º da contestação).
M) - A Dra. J… escreveu no processo clínico que a situação clínica da doente teria que ser revista em consulta de ortopedia (artigo 20.º da contestação da 1.ª ré).
N) - Foi dito à autora pela médica (i) para colocar gelo no pé para reduzir o edema, (ii) para não forçar o pé e (iii) o manter elevado e em repouso, recomendações adequadas em face da lesão sofrida (artigo 23.º da contestação da 1.ª ré).
O) - Tendo a médica emitido atestado de doença para permitir uma situação de repouso durante o período de 5 dias, até dia 20.09.2013 – sexta-feira (artigo 24.º da contestação da 1.ª ré).
P) - Assim que terminou o período de incapacidade temporária absoluta, e no dia em que teria a autora que regressar ao trabalho é que esta decidiu voltar ao Serviço de Urgência, para indicar que as dores se mantinham (se bem que frisou que estava melhor do edema) (artigo 25.º da contestação da 1.ª ré).
Q) - Decorrida a referida semana, a autora apenas sentiu melhoria no inchaço do pé, sendo que as dores e a dificuldade em caminhar persistiam (artigo 13.º da petição inicial – matéria aceite).
R) - No dia 23 de setembro de 2013 (segunda-feira) dirigiu-se novamente ao Serviço de Urgências do Hospital C1… (artigo 14.º da petição inicial – matéria aceite).
S) - Nesta nova deslocação a autora foi observada por uma outra médica (artigo 15.º da petição inicial).
T) - Logo após informou esta de que seria necessário ser observada por um médico ortopedista (artigo 16.º da petição inicial).
U) - Tendo sido observada pelo Dr. E…, médico ortopedista, foi-lhe explicado à autora que a correção da “fractura meleolo peroneal direita oblíqua”, vulgo fratura do tornozelo direito, teria indicação cirúrgica para redução e osteossíntese com 2 parafusos interfragmentários (artigo 29.º da contestação da 1.ª ré e artigo 17.º da petição inicial).
V) - A cirurgia foi agendada para o dia seguinte, 24 de setembro de 2013 (terça – feira), pelas 17:00h (artigo 18.º da petição inicial – matéria aceite).
X) - A autora deu entrada no Hospital C1… na manhã de dia 24, tendo sido encaminhada para o 4.º andar onde a prepararam para a cirurgia (artigo 19.º da petição inicial – matéria aceite).
Z) - A cirurgia correu sem intercorrências (artigo 37.º da contestação da 1.ª ré).
A)’ O pós-operatório envolveria – como envolveu – a verificação inevitável de dores (artigo 38.º da contestação da 1.ª ré).
B)’ - Por se saber que o pé da autora iria inchar, e consequentemente abarcar a existência de dores, foi colocada, no final da cirurgia, uma tala na parte posterior do tornozelo e pé, e depois na frente do pé (no dorso), uma ligadura elástica, para permitir a elasticidade dos tecidos que iria ocorrer pelo inchaço em questão (artigo 41.º da contestação da 1.ª ré).
C)’ - É normal que tenha a autora tido dores no período imediatamente posterior à cirurgia, designadamente no internamento (artigo 42.º da contestação da 1.ª ré).
D)’ - Em face desse quadro de dor, sempre a Equipa de Enfermagem tomou os atos necessários que a boas práticas aplicáveis ao caso impunham: ora administrando a medicação prescrita pelo médico, ora recomendando medidas tendentes a permitir um alívio da dor, como sejam a colocação de gelo e a elevação dos membros inferiores – que ajudariam à redução do inchaço (artigo 43.º da contestação da 1.ª ré).
E)’ - Resulta no Diário de Enfermagem que as dores sentidas pela autora foram melhorando ao longo dos dias do internamento: 1. No dia 25.09.2013 consta registado pelas 3:55 que, cerca das 1:00, “por referir dor no pé direito foi administrado petidine IM em SOS, que surtiu efeito”, “02:30: Acordada, mas refere melhoria da dor. Menciona ter dormido por curtos períodos.”, “7:00: Refere dor moderada no pé direito e fica a aguardar efeito da analgesia prescrita a horas fixas”, 2. No dia 25.09.2013 consta ainda registado pelas 14.12 que “passou o turno sem queixas, na companhia de visitas”, situação que se repete pelas 21:33; 3. No dia 26.09.2013, pelas 4:57 consta que “pelas 01h por referir queixas álgicas foi administrado petidina que surtiu efeito” e “passou o turno sem queixas”; 4. No dia 26.09.2013 “passou bem a noite, sem referir queixas álgicas ou outras” e de manhã “sem queixas álgicas” (artigo 46.º da contestação da 1.ª ré).
F)’ - Em momento algum consta quer do Diário Médico quer do Diário de Enfermagem a verificação de qualquer situação relativa à existência de uma equimose, de uma úlcera, de um edema ou de uma flictena no pé da autora durante o período de internamento e até à alta médica (artigo 47.º da contestação da 1.ª ré).
G)’ - Sempre constando que o penso da ferida cirúrgica estava externamente limpo e seco e que não apresentava quaisquer sinais de comprometimento neurovascular no membro operado, durante todo o período de internamento (artigo 48.º da contestação da 1.ª ré).
H)’ - Quando foi retirado o hemodreno, aos 26.09.2013, a Enfermeira de serviço escreve do registo de enfermagem o seguinte: “Tratamento realizado à ferida cirúrgica hoje dia 26/09 – lavagem com soro fisiológico – sutura sem sinais inflamatórios – foi retirado dreno aspirativo” (artigo 49.º da contestação da 1.ª ré).
I)’ - Sem mencionar qualquer tipo de lesão na pele da autora, seja no dorso do pé, seja na zona lateral ou outra, relacionada com algum tipo de ulceração de pressão ou qualquer outro tipo de lesão da pele, nomeadamente flictena ou edem (artigo 50.º da contestação da 1.ª ré).
J)’ - O médico-cirurgião, no dia 26.09.2013, depois de observar a doente, em particular o membro intervencionado, lhe concedeu alta médica, apenas indicando que a doente estava bem, e que iria para casa com alta medicada (artigo 52.º da contestação da 1.ª ré).
L)’ - Indicou o médico os cuidados a ter em ambulatório, designadamente que deveria manter o pé elevado, não poderia andar, e que deveria colocar um saco com gelo no membro operado (artigo 53.º da contestação da 1.ª ré).
M)’ - Na primeira noite após a intervenção cirúrgica, a autora queixou-se de dores por todo o pé que identificou como sendo de dois tipos: “como facadas” (artigo 20.º da petição inicial).
N)’ - Dadas estas dores a autora chamou as Sras. Enfermeiras que estavam de serviço nessa noite, tendo reportado a estas as dores que sentia (artigo 21.º da petição inicial),
O)’ - Ao que, as mesmas lhe disseram que “é normal após a cirurgia”, tendo-lhe aplicado gelo e reforçado a medicação (artigo 22.º da petição inicial).
P)’ - No dia seguinte, 25 de setembro de 2013, as dores persistiam (artigo 23.º da petição inicial).
Q)’ - As enfermeiras continuaram a aplicar gelo no membro operado (artigo 24.º da petição inicial).
R)’ - Na tarde desse mesmo dia, o médico Dr. E… fez uma rápida visita à autora (artigo 25.º da petição inicial).
S)’ - Tendo este verificado o estado do dreno e informou-a que no dia seguinte iria ter alta médica (artigo 26.º da petição inicial).
T)’ - Nessa noite de 25 de setembro, porque as dores eram agudas, violentas e insuportáveis, impedindo a autora de dormir, esta chamou a Sra. Enfermeira que estava de serviço (artigo 27.º da petição inicial – matéria aceite).
U)’ - Tendo esta aplicado à autora uma injeção na perna operada e referiu-lhe que “agora já vai dormir” (artigo 28.º da petição inicial – matéria aceite).
V)’ - Na manhã seguinte, o médico Dr. E… fez uma última visita à autora, com o intuito de lhe dar alta médica e informá-la dos procedimentos e cuidados a tomar (artigo 29.º da petição inicial).
X)’ - Face ao exposto, a autora por causa da intervenção cirúrgica a que foi sujeita esteve internada durante 2 (dois) dias, tendo tido alta médica no dia 26 de setembro de 2013 (artigo 31.º da petição inicial – matéria aceite).
Z)’ - Entretanto, no dia 30 de setembro de 2013 a autora regressou ao Hospital para fazer o penso (artigo 32.º da petição inicial).
A)’’ Sucede que, depois de 4 dias passados desde a alta médica, aos 30.09.2013, regressa a autora ao Hospital apresentando, pela primeira vez, uma flictena com zona de necrose cutânea (artigo 55.º da contestação da 1.ª ré).
B)’’ - Face a esta observação este médico constatou a existência de «flictena com zona de necrose cutânea e dores no dorso do pé, edema distal ainda acentuado» (artigo 33.º da petição inicial e fls. 201-verso, 3.º parágrafo).
C)’’ - Nas semanas seguintes, a autora foi obrigada a deslocar-se ao Hospital «dia sim, dia não» para fazer o penso e para vigiar a evolução da ferida, tendo sido sempre observada pelo médico Dr. E… (artigo 35.º da petição inicial).
D)’’ - Foi observada pelo médico-cirurgião, tendo sido feito novo penso no membro inferior, tendo sido dada recomendação para voltar passados dois dias para reobservação e nova mudança de penso para cicatrização da pele da autora (artigo 56.º da contestação da 1.ª ré).
E)’’ - A situação decorrente da flictena que surgiu na pele da autora apareceu durante o período de tempo em que a autora esteve em casa, após a alta médica (artigo 57.º da contestação da 1.ª ré).
F)’’ - Esta situação causou, como ainda causa, elevados incómodos, aborrecimentos e sofrimento, dores e mau estar quer à autora como à sua família (artigos 42.º e 44.º da petição inicial).
G)’’ - A autora é uma mulher que tem uma imagem bastante cuidada, preocupando-se diariamente com a mesma (artigo 47.º da petição inicial).
H)’’ - Desde a cirurgia que evita calçar sapatos que exponham a marca no pé, recorrendo muitas vezes a meias com tonalidade mais escura, para disfarçar a referida alteração da tonalidade da pele e protuberância, porque lhe provoca complexos de inferioridade e considera inestético (artigo 48.º da petição inicial).
I)’’ - O que naturalmente lhe causa tristeza, complexos e embaraço (artigo 50.º da petição inicial).
J)’’ - A autora teve durante o período de 6 (seis) semanas de se deslocar da Maia para o Porto (artigo 52.º da petição inicial).
L)’’ - Regressar 3 (três) vezes por semana para tratamento das úlceras do pé e calcanhar, sendo sempre acompanhada por uma pessoa, dada a sua falta de autonomia, por não poder apoiar o pé no chão- sempre dependente de terceiros (artigo 53.º da petição inicial).
M)’’ - A autora foi obrigada durante todo esse período de tempo a recorrer ao apoio de transporte do marido, filho e nora para assegurar as suas necessidades de mobilidade, com todos os incómodos e transtornos que a situação acarreta (artigo 54.º da petição inicial).
N)’’ - A autora teve também de fazer face às despesas com as consultas do 2.º episódio de urgência e as de tratamento dos pés, que ainda que as mesmas tivessem sido parcialmente comparticipadas pela ADSE (artigo 57.º da petição inicial).
O)’’ - No dia 16 de setembro não lhe foi feito o diagnostico clinico correto (artigo 63.º da petição inicial).
P)’’ - A autora está diminuída física e esteticamente, pois possuí uma cicatriz no pé direito com uma coloração de pele muito escura e uma saliente protuberância e coloração escura, lesões essas bem visíveis e inestéticas (artigo 69.º da petição inicial).
Q)’’ - Este aspeto físico prejudica a autora na sua imagem feminina, que passou a causar-lhe vergonha e embaraço, procurando sempre esconder a lesão (artigo 70.º da petição inicial).
R)’’ - O prazer de exibir publicamente os pés, em concreto o pé direito, utilizando calçado aberto e usar saias (artigo 71.º da petição inicial).
S)’’ - Sentindo-se triste por causa do atual aspeto do seu pé (artigo 72.º da petição inicial).
T)’’ - A ré celebrou com a D… – Companhia de Seguros, S.A., um contrato designado por contrato de seguro de responsabilidade civil geral e profissional, com o número da Apólice ……., por efeito do qual se previu que a segunda seria responsável, até aos limites do capital seguro, pela indemnização dos danos que viesse a ser exigida à primeira, e que resultassem, nomeadamente, de atos de negligência médica praticados no exercício da sua atividade (artigo 1.º da contestação da 1.ª ré) (v. doc. fls. 53).
U)’’ Nos termos da cláusula V do referido contrato, sob a epígrafe «cláusula temporal»: «O presente contrato garante o ressarcimento dos danos resultantes dos atos ou omissões ocorridos durante o período da sua vigência, desde que os mesmos se manifestem e sejam participados à seguradora até 24 meses após a 1.ª data geradora do dano, sem prejuízo da data termo ou de resolução do contrato» (v. artigo 16.º da contestação da 2.ª ré e doc. de fls. 74).
V)’’ A 2.ª ré apenas teve conhecimento dos factos em análise com a citação para a presente ação (artigo 17.º da contestação da 2.ª ré).
*
Foi dada como não provada, pela instância recorrida, a seguinte matéria: Por transcrição.
1.º- “e informou a autora de que “não via qualquer problema a nível ósseo”, tendo receitado comprimidos Exxiv” (artigo 11.º da petição inicial).
2.º- “que, após ter visualizado a Radiografia efetuada no 1.º episódio de urgência, chamou a médica Dra. J… e na sua presença apontou naquela para determinada zona” (artigo 15.º da petição inicial).
3.º- “e sem qualquer explicação à aqui autora” (artigo 16.º da petição inicial).
4.º- “agudas” “e “esticar a pele” (artigo 20.º da petição inicial).
5.º- “insuportáveis e persistentes” (artigo 21.º da petição inicial),
6.º- “continuou insistentemente a queixar-se às enfermeiras referindo que “as dores violentas apenas atenuavam quando se levantava para ir à casa de banho” (artigo 23.º da petição inicial).
7.º- As enfermeiras desvalorizaram tais queixas e continuaram a dizer ser normal após a cirurgia (artigo 24.º da petição inicial).
8.º- “tendo esta informado o mesmo das dores que sentia” (artigo 25.º da petição inicial).
9.º- A Sra. Enfermeira que efetuou o penso, quando retirou as ligaduras e a tala, o que aliviou imenso as dores da autora, fez o seguinte reparo “tem a pele muito escura” (artigo 30.º da petição inicial).
10.º- viu pela primeira vez o estado do pé após a cirurgia” (artigo 32.º da petição inicial).
11.º- “duma enorme úlcera de pressão por todo o peito do pé intervencionado e uma outra no calcanhar, tendo feito o seguinte comentário: “isto era desnecessário”” (artigo 33.º da petição inicial).
12.º- A autora referiu “queixei-me com dores, mas ninguém as valorizou” (artigo 34.º da petição inicial).
13.º- Quanto à ulceração do calcanhar e do peito do pé ainda hoje persistem as marcas, apesar de serem de menor dimensão -Documento n.º 1 – que se junta e se dá por integralmente reproduzido (artigo 36.º da petição inicial).
14.º- “A qual poderia ter sido evitada não fosse a referida omissão dos deveres de cuidado nos serviços prestados pelos profissionais da ré” (artigo 42.º da petição inicial).
15.º- “Essa omissão provocou sofrimento, dores, mau estar, recuperação da cirurgia e dano estético (artigo 44.º da petição inicial).
16.º- “bem como a frustração por ter sido necessário um período de recuperação maior do que o previsto, o que implicou que a autora ficasse totalmente dependente do apoio do seu marido, filho e nora, nomeadamente para fazer a sua higiene pessoal, preparar as refeições, compras de mercearias, entre outras tarefas básicas” (artigo 45.º da petição inicial).
17.º- “dano que vai acompanhar a autora por toda a sua vida, designadamente o dano estético que se traduz na existência de protuberância e alteração da cor da pele (que se apresenta bem mais escura) no pé direito em resultado das úlceras (cfr. Documento n.º 1) (artigo 46.º da petição inicial).
18.º- Não fosse a ação omissiva das mais elementares legis artis por parte dos profissionais da ré, a autora não teria o pé no estado em que o mesmo se encontra (artigo 49.º da petição inicial).
19.º- Serviço esse que representa um custo no montante aproximado de €20,00 (vinte Euros) por cada viagem, o que totaliza uma despesa total de €360,00 (trezentos e sessenta Euros) (€20,00 x 3 dias x 6 semanas) (artigo 55.º da petição inicial).
20.º- “pela equipa médica e de enfermagem” “bem como, após a cirurgia a que foi sujeita” (artigo 63.º da petição inicial).
21.º- Os danos são consequência direta e necessária da observação e deficiente análise clínica, bem como do cumprimento dos procedimentos necessários implementar após um pós-operatório, serviços clínicos esses prestados pela ré (artigo 68.º da petição inicial).
22.º- A autoestima da autora é nula, sentindo-se triste e inconsolável por causa do atual aspeto do seu pé (artigo 72.º da petição inicial).
23.º- “da devida”, “adequadamente” “tendo em conta a situação clínica apresentada” (artigo 16.º da contestação).
24.º- Em segundo lugar, a atuação da médica não levou a qualquer tipo de dores ou sofrimento acrescidos, pelos simples motivos de (i) Ter sido aconselhada devidamente a autora no dia 16.09.2016, no sentido de reduzir o edema e consequentemente as dores ocasionadas por via disso, e também por ter sido medicada apropriadamente para as dores em causa, e de (ii) Não ter sido a fratura existente agravada durante este período de tempo (artigo 33.º da contestação da 1.ª ré).
25.º- Sendo que sintomas como “facadas” ou sensação de “esticar a pele” seriam normais e expectáveis, em função do inchaço natural do pé da autora, provocado pela intervenção cirúrgica (artigo 38.º da contestação da 1.ª ré).
26.º- O facto de ter sido colocado um hemodreno para remoção do conteúdo hemático (colocado para evitar hematomas no local da ferida cirúrgica), muitas vezes também leva à verificação de dores, pelo contacto que tem com a pele do doente, o que pode também ter contribuído para a sensação de dores nos dias imediatamente seguintes à intervenção cirúrgica, durante o internamento - perfeitamente normais (artigo 40.º da contestação da 1.ª ré).
27.º- Não podendo ser imputada a qualquer má prática médica ou de enfermagem, não tendo resultando por qualquer ato ou omissão do pessoal ao serviço da ré (artigo 57.º da contestação da 1.ª ré).
*
IV.
Conhecendo…
1. A questão prévia
- Falta de uma relação entre os meios probatórios e cada um dos pontos da matéria de facto impugnada, com a respetiva apreciação crítica, como causa de rejeição do recurso
Dispõe o referido art.º 640º, nº 1, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativas à matéria de facto”:
«1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- (…)».
Dúvidas não se suscitam nem as temos quanto à concretização dos pontos da matéria de facto impugnados e da decisão que, em alternativa, a A. ambiciona para a decisão. Foram regularmente cumpridos os ónus de impugnação a que se referem as al.s a) e c) do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil. Também foram identificadas e até transcritas as passagens da gravação que a recorrente tem por relevantes para a modificação pretendida, assim havendo cumprimento do ónus que aquele mesmo artigo prevê sob a al. a) do seu nº 2.
Diz-nos simplesmente a R. recorrida que a recorrente não cumpriu o ónus de impugnação previsto na al.s b) do nº 1 do art.º 640º, devendo, por isso, ser rejeitado o recurso em matéria de facto. Não fez tal cumprimento, no entender da apelante, porque não efetuou uma indicação das provas que considera relevantes, ponto-por-ponto em vez uma devida análise crítica; só indicou as provas para o conjunto da matéria impugnada.
Como vimos, a citada al. b) exige a especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”.
Basta que os meios de prova constem do corpo das alegações.
Literalmente, aquela norma não refere que a indicação dos meios probatórios seja efetuada ponto-por-ponto. Basta que os meios probatórios sejam concretizados e que se tornem facilmente apreensíveis, seja pela parte contrária para o exercício do contraditório, seja pelo tribunal para apreciação e decisão da impugnação.
A apelante indicou os depoimentos testemunhais de K…, L…, E… e F…, precisou os respetivos excertos da gravação que tem por relevantes e até transcreveu as passagens da gravação que também temporizou ao minuto e segundo, tornando facilmente apreciável a relevância que cada uma delas possa ter para cada um dos factos impugnados.
A perfeita circunscrição da matéria objeto da impugnação não permite a conclusão da R. C…, S.A. de que foi feita uma impugnação genérica da decisão proferida em matéria de facto. Não é genérica a impugnação dos pontos de facto da decisão, por estarem identificados com precisão determinados pontos: l, 9, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 21 e 22; não é genérica a indicação da versão factual pretendida pela recorrente, por ter sido, aliás, muito clara e precisa na indicação dos factos que pretende que sejam dados como provados; não é genérica a indicação dos meios de prova que considera relevantes, sejam os documentos, sejam as testemunhas, por os ter identificado também com rigor. A indicação daquelas provas, pela recorrente, como sendo relevantes para a alteração do conjunto dos pontos da matéria impugnada não é ilegal nem abusiva, desde logo por não contrariar a al. b) do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil.
A indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração são o ónus que verdadeiramente permite circunscrever o objeto do recurso no que concerne à matéria de facto.
As recorridas compreenderam bem o objeto da impugnação e ficaram em perfeitas condições para discutirem as provas indicadas relativamente à matéria impugnada e defenderem a confirmação do julgado, como efetivamente defendem.
A R. cita o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.9.2018 Proc. 2611/12.2TBSTS.L1.S1, in www.dgsi.pt. para defender a sua posição, mas deve notar-se que ali se tratou uma situação de vasto incumprimento dos ónus em causa. Extrai-se daquele aresto a seguinte passagem, bem significativa: «(…) Ora, quando se verifica uma falta de conclusões sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, quando existe uma falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que a recorrente considera incorrectamente julgados e quando se verifica também uma falta de especificação dos concretos meios probatórios e uma falta de posição expressa sobre o resultado pretendido, uma análise crítica da prova, as conclusões são deficientes impondo-se a rejeição do recurso (quanto á pretendida impugnação da decisão sobre a matéria de facto).»
Já a posição sufragada no acórdão do mesmo Alto Tribunal de 5.9.2018 Proc. 15787/15.8T8PRT.P1.S2, in www.dgsi.pt, também citado pela recorrida. nos parece, com o devido respeito, excessiva e demasiado exigente face à letra da lei (referida al. b)). Como se refere noutro acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.12.2019 363/07.7TVPRT-D.P2.S1, in www.dgsi.pt., na interpretação do art.º 640º não se vislumbra o sentido de acrescida exigência, como é a referência às razões pelas quais aqueles meios de prova conduzem à alteração pretendida, desde logo por falta de suporte nos elementos literal, sistemático ou teleológico da interpretação, “entendimento que se afigura inteiramente consonante com a orientação consolidada da jurisprudência do STJ no sentido da atenuação do excessivo formalismo no cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC, designadamente em todos aqueles casos em que o teor do recurso de apelação se mostre funcionalmente apto à cabal identificação da impugnação da matéria de facto e ao respectivo conhecimento sem esforço excessivo”. Acrescenta-se ali que “não se afigura que a falta da indicação dessas razões conduza à afectação do princípio do contraditório, na medida em que o apelado, conhecendo os meios de prova em que o apelante sustenta a pretendida alteração da decisão relativa à matéria de facto, dispõe das condições para contraditar tal pretensão”.
A verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art.º 640º do Código de Processo Civil, no que respeita aos aspetos de ordem formal, deve ser norteada pelo princípio da proporcionalidade e da razoabilidade.
As condições formais de impugnação da decisão de facto radicam em normas de direito processual disciplinadoras dos limites cognitivos e do exercício dos poderes da Relação em sede de reapreciação dessa decisão, que o facto de, nas circunstâncias do caso, os meios de prova - perfeitamente identificados e circunscritos - não terem sido indicados ponto-por-ponto, não prejudica.
Aproximamo-nos mais destas teses menos formalistas e mais complacentes que vêm sendo seguidas na jurisprudência V.g. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26.5.2015, proc. 1426/08.7TCSNT.L1.S1, de 19.1.2016, proc. 3316/10.4TBLRA.C1.S1 e de 11.2.2016, proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1, in www.dgsi.pt. e na doutrina V.g. Miguel Teixeira de Sousa, comentário ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.10.2015, proc. 212/06.3TBSBG.C2.S1, blog do IPPC, a propósito da suficiência de algumas referências apenas constantes nom corpo das alegações de recurso (não nas conclusões). que, no entanto e de um modo geral, impõem como fronteira a possibilidade da parte contrária compreender e do tribunal de recurso conhecer, sem esforço acrescido, a pretensão do recorrente, ou seja, de apreender o objeto do recurso sem ter que se substituir ao recorrente nessa tarefa que sobre si impende. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.05.2018, proc. n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1 e acórdão da Relação de Évora de 12.7.2018, proc. 581/15.4T8ABT.E1, ambos in www.dgsi.pt.
Temos assim como aceitável a indicação efetuada pela apelante, no corpo das alegações e nas conclusões, das passagens concretas da gravação de depoimentos para o conjunto dos factos impugnados (com a sua temporização ao minuto e ao segundo na gravação e transcrição), todos eles interrelacionados com matéria da ação/omissão ilícita da R. e as suas consequências danosas. A falta de indicação dos meios de prova ponto-por-ponto está, só por si, longe de significar uma impugnação genérica da decisão e de implicar um novo julgamento ou uma impugnação não especificada ou não circunscrita da decisão, indicados que foram, com absoluto rigor, os pontos impugnados e a decisão que, em sua substituição, a apelante pretende que seja proferida, assim como os meios de prova que considera relevantes.
Improcede a questão prévia da rejeição do recurso.
*
As questões da apelação
1. Erro de julgamento na decisão proferida em matéria de facto
Verificado o cumprimento dos ónus de impugnação da decisão, a A. quer que sejam considerados provados os itens 1, 9, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 21 e 22, nos seguintes termos:
1 - E informou a autora de que não via qualquer problema a nível ósseo.
9 - A Sra. Enfermeira que efetuou o penso, quando retirou as ligaduras e a tala, o que aliviou imenso as dores da autora, fez o seguinte reparo “tem a pele muito escura” (artigo 30.º da petição inicial).
11 - Duma enorme úlcera de pressão por todo o peito do pé intervencionado e uma outra no calcanhar, tendo feito o seguinte comentário: “isto era desnecessário” (artigo 33.º da petição inicial).
13 - Quanto à ulceração do calcanhar e do peito do pé ainda hoje persistem as marcas, apesar de serem de menor dimensão -Documento n.º 1 – que se junta e se dá por integralmente reproduzido (artigo 36.º da petição inicial).
14 - A qual poderia ter sido evitada não fosse a referida omissão dos deveres de cuidado nos serviços prestados pelos profissionais da ré (artigo 42.º da petição inicial).
15 - Essa omissão provocou sofrimento, dores, mau estar, recuperação da cirurgia e dano estético (artigo 44.º da petição inicial).
16 - Bem como a frustração por ter sido necessário um período de recuperação maior do que o previsto, o que implicou que a autora ficasse totalmente dependente do apoio do seu marido, filho e nora, nomeadamente para fazer a sua higiene pessoal, preparar as refeições, compras de mercearias, entre outras tarefas básicas (artigo 45.º da petição inicial).
17 - Dano que vai acompanhar a autora por toda a sua vida, designadamente o dano estético que se traduz na existência de protuberância e alteração da cor da pele (que se apresenta bem mais escura) no pé direito em resultado das úlceras (cfr. Documento n.º 1) (artigo 46.º da petição inicial).
18 - Não fosse a ação omissiva das mais elementares legis artis por parte dos profissionais da ré, a autora não teria o pé no estado em que o mesmo se encontra (artigo 49.º da petição inicial).
21 - Os danos são consequência direta e necessária da observação e deficiente análise clínica, bem como do cumprimento dos procedimentos necessários implementar após um pós-operatório, serviços clínicos esses prestados pela ré (artigo 68.º da petição inicial).
22 - A autoestima da autora é nula, sentindo-se triste e inconsolável por causa do atual aspeto do seu pé (artigo 72.º da petição inicial).

Entende-se atualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, agora largamente acolhida no art.º 662º do Código de Processo Civil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (art.º 655º do anterior Código de Processo Civil e art.º 607º, nº 5, do atual Código), em ordem ao controlo efetivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.
Como refere A. Abrantes Geraldes Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 224 e 225., “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”… “afastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para casos de erro manifesto” ou de que “não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação”, acrescentando que este tribunal “deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem”.
Usaremos os meios de provas e as regras de experiência, fazendo o devido juízo crítico com a mesma liberdade com que a 1ª instância o fez, motivados pela busca da verdade e pela realização da justiça material e concreta.
Citando Antunes Varela, escrevia já Baltazar Coelho Sob o título “Os Ónus da Alegação e da Prova, em Geral …”, Colectânea de Jurisprudência, Ano VII, T.I, pág. 19. que “a prova jurídica de determinado facto … não visa obter a certeza absoluta, irremovível da (sua) verificação, antes se reporta apenas a certeza subjectiva, a convicção positiva do julgador ou, o que vale por dizer, apenas aponta para a certeza relativa dos factos pretéritos da vida social e não para a certeza absoluta do fenómeno de carácter científico”.
Na mesma linha, ensina Vaz Serra “Provas – Direito Probatório Material”, BMJ 110/82 e 171. que “as provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma absoluta certeza acerca dos factos a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida”. É a afirmação da corrente probabilística, seguida pela maior parte da doutrina que, opondo-se à corrente dogmática, considera não exigível mais do que um elevado grau de probabilidade para que se considere provado o facto.
A necessidade de esgotar, tanto quanto possível, a dúvida que resulta do confronto dos fundamentos da apelação com o teor da motivação da sentença e da argumentação utilizada nas contra-alegações da R. C…, S.A., que acusa a A. recorrente de descontextualizar alguns dos excertos de depoimentos, conduz-nos, com grandes vantagens, à audição integral das gravações dos depoimentos indicados por aquelas duas partes e à sua conjugação com os documentos juntos ao processo, realizando um juízo crítico livre e autónomo quanto à matéria impugnada, como imperativo de justiça, ao abrigo da primeira parte da al. b) do nº 2 do citado art.º 640º. Ouvimos ainda o depoimento da testemunha M…, a enfermeira que efetuou a admissão da A. no pré-operatório e confirmou a inexistência de impedimentos de natureza clínica à realização da cirurgia segundo os parâmetros de avaliação a que está obrigada.
K… é o cônjuge da A. Foi o familiar que mais a acompanhou nas deslocações aos serviços clínicos da R., desde logo no episódio de urgência que teve lugar no dia 16.9.2016, na consulta seguinte (dia 23.9. 2016) em que a A. foi remetida para a consulta de ortopedia por suspeita de fratura do tornozelo do pé direito e nas visitas seguintes até à data da alta hospitalar (26.9.2013). Conviveu regularmente com a A. no pós-operatório imediato e posterior à alta hospitalar, acompanhou-a pelo menos em grande parte das consultas que fez no hospital da R. para verificação do estado clínico e mudança de pensos a que foi submetida após se ter diagnosticado, em 30.9.2013, a existência de flictena no peito do pé direito e a lesão do calcanhar.
L… é filho da A. e da testemunha anterior e também visitou a mãe no hospital e depois do internamento. Sendo residente na mesma rua, referiu-se, sobretudo, às suas queixas álgicas, dificuldade em colocar o pé direito no chão, a uma mancha escura que permaneceu no peito desse pé e às dificuldade da mãe em aceitar aquela imperfeição no seu corpo, procurando escondê-la com o calçado. Não foi um depoimento revelador de conhecimento pormenorizado; o depoente não hesitou em afirmações como “não sei” ou “isso não me recordo”, aparentando-se, também por isso, de um modo geral, verdadeiro.
E… é o médico ortopedista, ainda hoje funcionário no hospital da R., executante da cirurgia ao maléolo direito em causa. Depôs sobre a forma como decorreu a operação cirúrgica, o seu sucesso, no geral, as causas e condições em que podem surgir as flictenas ou bolhas e edema na região da intervenção por aplicação de talas e o modo de reacção devida para tratamento. A sua explicação em tudo se mostrou lógica e coerente. Foi confrontado com as fotografias juntas com a petição inicial, aceitando-as facilmente como referentes aos pés da A., assim como a cicatriz como sendo resultante das flictenas que foram tratadas após o seu aparecimento confirmado na consulta pós-cirúrgica que marcara para o dia 30.9.2013. Alguma dificuldade em se recordar de certos pormenores do caso - dado o tempo já decorrido e a intensidade da sua vida diária profissional, com cerca de 300 cirurgias por ano - foram ultrapassadas pela análise dos elementos clínicos documentados nos autos, como o processo clínico, o diário de enfermagem e o exame médico-legal realizado pelo INML, elementos que já conhecia, mas reanalisou parcialmente em audiência. As explicações que deu para o aparecimento de edema e das flictenas foram de tal modo credíveis que qualquer pedido de reforço de fundamentação foi facilmente prestado pela testemunha, com segurança, sem sério e significativo rebatimento.
G…, H… e F… são as enfermeiras que lidaram mais proximamente com a A. durante o processo de recobro em internamento até à alta hospitalar do dia 26 de setembro. A primeira, que já não é funcionária da R., apenas no pós-operatório imediato (tarde e noite do dia da cirurgia), a segunda, no dia seguinte até às 22 horas e, a terceira, no dia 26, incluindo a alta hospitalar.
Não foi ouvida a médica que assistiu a A. no dia da urgência (Dr.ª J…), nem a médica responsável pela consulta do dia 23 de setembro que suspeitou da existência da fratura e remeteu imediatamente a A. para consulta da especialidade de ortopedia, do Dr. E….
Quer pela prestação do médico ortopedista, quer pelos depoimentos das referidas enfermeiras, temos como seguro afirmar que, caso existissem fictenas ou bolhas no pé direito da A. antes da cirurgia ou depois dela até à alta hospitalar, as mesmas teriam sido necessariamente objeto de registo clínico designadamente no processo clínico e no diário de enfermagem. A existirem antes, seriam mesmo impeditivas da cirurgia e, a existirem depois teriam que ser também anotadas como aconteceu a partir do momento da sua verificação, na consulta de 30 de setembro de 2013, data a partir da qual se iniciou também o seu tratamento. Nunca antes houvera queixa nesse sentido e a tala, colocada no final da cirurgia, foi revista (apenas) no momento da alta hospitalar, momento em que se verificou o bom estado do tornozelo e do pé, tendo-se feito constar do diário de enfermagem:
«(…)
Passou o turno sem queixas, na companhia de visitas.
(…)
- Penso da ferida cirúrgica no membro inferior direito com ligadura externamente limpa e seca + Tala gessada posterior + Inserção de um hemodreno com vestígios de conteúdo hemático na tubuladura. Tem indicação para remover o hemodreno às 48h. Apresenta membro inferior direito sem sinais aparentes de comprometimento neurovascular;
(…)».
Durante o internamento, a A. referiu dor moderada no pé direito, foi medicada especialmente e referiu melhoria de dor. O penso cirúrgico e a ligadura mostraram-se sempre extremamente limpos e secos.
Passou outras fases do curto internamento sem queixas álgicas ou outras, como se extrai também do diário de enfermagem.
As enfermeiras foram perentórias ao afirmarem que aquele relatório diário corresponde, como sempre, à realidade dos factos, confirmando-o sem qualquer rebuço ou reserva, considerando que até à data da alta hospitalar não existiam bolhas, flictenas ou qualquer situação de anormalidade que justificasse preocupação, encontrando-se o caso dentro da regularidade absoluta. Se assim não tivesse sido, outros seriam, seguramente, os elementos do registo diário.
A enfermeira F… esteve na alta hospitalar da A., confirma a retirada da tela naquela ocasião e a sua reposição, sem que fossem observados quaisquer sinais de inflamação ou comprometimento neuro-vascular. Estava tudo dentro da normalidade, afirmou também. Se naquela altura ou em qualquer outra a A. se tivesse queixado de excesso de pressão da tela sobre o pé, facilmente teria sido recolocada com menos tensão, como se imporia, se faria facilmente e se faz normalmente quando solicitado e justificado.
O Dr. E… deu conta de que o surgimento de edema, de bolha ou flictena é recorrente após as cirurgias com aplicação de talas, apresentando-se mais ou menos grave conforme fatores variáveis que determinam o aumento de pressão da tela sobre o corpo, na zona da sua aplicação e que pode resultar do inchaço do corpo nessa zona motivado por fatores variáveis, pessoais e normais, resultantes do traumatismo cirúrgico, abuso na utilização de gelo (causadora da queimadura) ou deficiente utilização do corpo (no caso a perna deveria permanecer quase sempre elevada, por recomendação médica), entre outros fatores.
Nunca chegaram à R. queixas da A. indicadoras de excesso de pressão da tela entre a cirurgia e a consulta de 30.9.2013; e também não chegaram às enfermeiras, por não constarem designadamente dos referidos registos documentais.
Logo que a fictena foi revelada, a R. tratou-a.
De acordo com processo clínico da A. documentado nos autos (pág. 720 do histórico) e confirmado pelas testemunhas responsáveis pelo tratamento (médico e enfermeiras G…, H… e F…), apenas se formou uma flictena, no peito do pé direito, entre a alta hospitalar e a consulta de 30.9.2013.
A prestação probatória do marido da A., a mais completa das testemunhas por ela indicadas e com melhor razão de ciência, por a ter acompanhado nas deslocações ao hospital e com ela habitar, observando as suas queixas (sempre subjetivas) e as suas limitações no decorrer do dia-a-dia, antes e depois da cirurgia, no sentido de “dores insuportáveis”, foi, no entanto, em larga medida, contrariada pelos dados clínicos objetivos documentados, plenamente justificados nos depoimentos dos profissionais clínicos, formando estes elementos probatórios um todo coerente de referência a factos que desmereceu a versão de K… e afastou a ideia de que a A. se queixou recorrentemente de dores anormais, imprevisíveis e insuportáveis. Aqueles dados clínicos apontam ainda, com pertinência, para o aparecimento da fictena no peito do pé entre os efeitos indesejáveis da utilização da tala (indispensável à estabilização da fratura pós cirurgia), mas como um risco normal dessa utilização, que pode ser atenuado pelo seu reajustamento, normalmente a pedido do lesado por ser este que sente maior ou menor desconforto, pressão ou dor.
De resto, tratou-se de uma tala em acrílico que percorreu apenas a parte posterior da perna direita, entre o joelho e o calcanhar, sendo a parte anterior coberta por peças de algodão e ligadura com elasticidade, ainda assim justificando-se a pressão, sem a qual a tala não surte o efeito estabilizador necessário.
Feita esta abordagem crítica à prova produzida, atendendo também às regras da experiência comum, e sem prejuízo de alguma melhor concretização ou explicação, entendemos que a matéria de facto impugnada deverá ser decidida como se segue.
Item 1º
Este ponto tem a ver com o episódio de urgência do dia 16.9.2013.
Do relatório médico respetivo (pág. 719 do histórico) não constam estes elementos. Porém, o facto de ter diagnosticado uma entorse, remetendo a doente para o domicílio, leva-nos a acreditar que afirmou não ter visto no RX tíbio-társico qualquer problema ósseo, como referiu K… que assistiu à consulta.
Referiu o Dr. E… que, caso se tivesse evidenciado uma fratura (na articulação, onde, de facto ocorreu), a A. deveria ter sido remetida imediatamente para cirurgia ortopédica (não para a residência, apenas com repouso).
Este item transita parcialmente para os factos provados, com o seguinte teor esclarecido:
E1- A Dr. J…, no episódio de urgência de 16.9.2013, informou a A. de que não observava no RX efetuado qualquer problema a nível ósseo, mas sugeriu revisão em consulta de ortopedia e regresso à urgência para reavaliação, caso os sintomas piorassem ou persistissem.
Item 9º
A A. tem tez morena. A enfermeira F… que, no dia da alta hospitalar, fez o penso à A., teve que retirar a tala para mudar o penso cirúrgico, mas nada registou de anormal no diário de enfermagem. Se a pele estivesse escurecida no peito do pé poderia ser por haver alguma necrose, facto que não poderia deixar de ter sido registado. O médico-cirurgião foi muito claro ao afirmar que apenas dois dias depois da cirurgia é impossível o peito do pé apresentar negritude ou necrose cutânea. Quanto muito estaria em tom encarnado, por inchaço, o que sempre seria normal naquela situação traumática.
Esta matéria mantém-se não provada.
Item 11º
O médico confirmou ter constatado apenas uma flictena no peito do pé direito da A. no dia 30 de setembro de 2013. É o que resulta também dos documentos clínicos, assim se compreendendo o surgimento posterior da cicatriz revelada numa das fotografias juntas com a petição inicial. Mas o médico não confirma aquela afirmação e todo o seu depoimento, aparentemente isento e credível, por bem justificado, aponta no sentido de que não fez aquela afirmação ou que, se a fez, não terá excluído qualquer comportamento negligente da A. no pós-operatório nem a possibilidade desta se ter queixado de qualquer excesso de pressão, caso em que seria imediatamente aliviada.
De resto, a testemunha K… cita duas expressões diferentes que atribui ao médico para este mesmo facto: “isto não era necessário ter acontecido” e “isto não devia ter acontecido”.
Não estamos convencidos da utilização pelo médico de qualquer uma destas expressões, nem do sentido que a A. pretende tirar do item em causa.
Deve este ponto manter-se como “não provado”.
Item 13º
Quanto a este ponto, apenas está demonstrada uma cicatriz como resultado permanente da cicatrização do peito do pé, onde correu a flictena, facto que já foi dado como provado sob os pontos A”, B” e P”. Nada há a acrescentar-lhes.
Item 14º
Este ponto é manifestamente conclusivo e, como tal, não deve ser objeto de prova.
Item 15º
Ao pressupor uma omissão de deveres de cuidado por parte da R., este ponto também é conclusivo. Os danos sofridos pela A. já foram dados como provados nos pontos F”, P”,Q” e S”.
Item 16º
Do depoimento das testemunhas K… e filho, L…, em conjugação com os documentos clínicos e o relatório do INML de 23.5.2019, assim como dos depoimentos dos profissionais clínicos evidenciou-se que, por causa da flictena no peito do pé e da ulceração do calcanhar, a A. sentiu-se mais deprimida e necessitou de fazer recuperação a tais lesões durante cerca de 6 semanas. Porém, sendo comum ou, pelo menos, frequente, surgirem flictenas no pós-operatório ortopédico - embora nem sempre com sequelas aparentes e cicatriciais - não era imprevisível o seu surgimento e a necessidade de tratamento. Desconhece-se qualquer previsão inicial de tempo necessário para a recuperação da A., que, aliás, só retirou o material de osteossíntese cerca de 2 anos depois da cirurgia, pela mão do mesmo cirurgião.
As testemunhas K… e L… prestaram depoimento relevante nesta matéria, reconhecendo-se as maiores dificuldades passadas pela A. durante a sua recuperação da flictena e da lesão do calcanhar direito.
Assim, este ponto está parcialmente provado, como se segue.
- A A. sentiu grande tristeza por ter necessitado de recuperar da flictena do peito do pé e da lesão do calcanhar direito, durante cerca de 6 semanas, tendo ficado por isso mais dependente do apoio do seu marido, do filho e da nora, nomeadamente para fazer a sua higiene pessoal, preparar as refeições e desempenhar outras tarefas básicas do seu dia-a-dia.
Item 17º
Vão acompanhar a A. ao longo da sua vida a cicatriz cirúrgica com cerca de 7 cm de comprimento, disposta verticalmente e localizada no terço inferior da face lateral da pena direita e, além dela, uma área ciactricial hipocrómica, no dorso do mesmo pé, com bordos irregulares e rebordo hipercrómico acastanhado, com cerca de 5 cm por 2 cm, com ligeira reação queloide e sem retrações. Assim se observa nas fotografias juntas com a petição inicial e se descreve, sem qualquer oposição testemunhal, no relatório do INML.
Dá-se como provado, esclarecidamente:
- Vão acompanhar a A. ao longo da sua vida a cicatriz cirúrgica com cerca de 7 cm de comprimento, disposta verticalmente e localizada no terço inferior da face lateral da pena direita e, além dela, uma área ciactricial hipocrómica, no dorso do mesmo pé, com bordos irregulares e rebordo hipercrómico acastanhado, com cerca de 5 cm por 2 cm, com ligeira reação queloide e sem retrações, sendo aquela resultante do corte cirúrgico realizado na intervenção de 25 de setembro de 2013 e, a última, resultante da fictena no dorso do pé direito.
Item 18º
A matéria é manifestamente conclusiva, não pode ser objeto de prova.
Item 21º
Este ponto não está provado, como resulta já do que acima deixámos expresso. A análise crítica da prova não deixa dúvida quanto à possibilidade de surgirem bolhas ou flictenas causadas pelo aperto da tala, aperto este necessário à estabilização da fratura e à recuperação cirúrgica. Mas esse aperto, essa pressão exercida sobre a perna na zona da tala, sofre variações significativas ao longo do tempo, designadamente por inchaço ou edema que muito podem variar em função da condição pessoal de cada doente e da forma como utilizam o corpo, sendo de todo desaconselhável, no caso, deixar de manter o pé elevado, exceto por pequenos períodos de tempo indispensáveis à satisfação de necessidades primárias, ou fazer uso excessivo de gelo, para evitar queimaduras na zona da sua aplicação. Quando a A. saiu do hospital a pressão da tala era normal. Não se queixou então de excesso, nem em momento posterior até à consulta de 30 de setembro, onde a fictena foi observada.
Este ponto mantém-se como não provado.
Item 22º
As marcas cicatriciais são, pela experiência da vida, indesejadas e prejudiciais à vida em sociedade. Deixam os lesados tristes e algo diminuídos, dependendo o grau do prejuízo da sensibilidade de cada um. O sofrimento é muito pessoal, psicológico e subjetivo.
Os dados objetivos e os depoimentos dos familiares da A. levam-nos a acreditar que, no seu conjunto, a cicatriz cirúrgica e a área cicatricial resultante de fictena surgida no peito do pé reduzem um pouco (de modo nenhum anulam) a autoestima da A., causando-lhe algum desconsolo por tornarem desagradável o aspeto do pé direito. As conclusões do exame médico-legal apontam também neste sentido ao fixarem uma desvalorização permanente de 3 pontos (porém, considerando as duas cicatrizes).
Assim, dá-se como provado apenas e esclarecidamente:
- A cicatriz cirúrgica e a área cicatricial resultante de fictena surgida no peito do pé direito reduzem um pouco a autoestima da A., causando-lhe algum desconsolo por tornarem desagradável o aspeto do pé direito, evidenciado sem o uso de calçado ou com o uso de calçado aberto.

Termos em que procede parcialmente a impugnação da decisão proferida em matéria de facto.
*
2. As consequências jurídicas da modificação daquela decisão e a responsabilidade civil
A recorrente não discorda do enquadramento jurídico efectuado na sentença. Antes parte da modificação da decisão proferida em matéria de facto que propôs para defender que a aplicação do Direito há de conduzir à procedência da ação. Como só parcialmente obteve aquela modificação factual, vamos reponderar a aplicação do Direito, atendendo agora à nova realidade demonstrada, averiguando se releva no âmbito qualificação que foi feita e da solução encontrada, de improcedência da ação.
A questão assenta na responsabilidade civil médica e na análise dos respetivos pressupostos.
Sustenta o Prof. Miguel Teixeira de Sousa In “O Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil Médica”, comunicação apresentada ao II Curso de Direito da Saúde e Bioética e publicada in “Direito da Saúde e Bioética”, Lisboa, 1996, edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, pág. 127. que a responsabilidade civil médica “é contratual quando existe um contrato, para cuja celebração não é, aliás, necessária qualquer forma especial, entre o paciente e o médico ou uma instituição hospitalar e quando, portanto, a violação dos deveres médicos gerais representa simultaneamente um incumprimento dos deveres contratuais”; “em contrapartida, aquela responsabilidade é extracontratual quando não existe qualquer contrato entre o médico e o paciente e, por isso, quando não se pode falar de qualquer incumprimento contratual, mas apenas, como se refere no art.º 483º, nº 1, do Código Civil, da violação de direitos ou interesses alheios (como são o direito à vida e à saúde)”.
Temos para nós que estas formas de responsabilidade médica não podem ser vista de forma estanque. Nesta possibilidade, de ser convocada a responsabilidade civil contratual e a responsabilidade extracontratual, dada a natureza obrigacional da relação jurídica estabelecida entre a A. e a R. e o direito pessoal e absoluto à proteção da saúde e da integridade física tutelado pelo princípio geral de responsabilidade civil delitual do art.º 483º, nº 1, do Código Civil, a jurisprudência tem-se inclinado par a aplicação das regras da responsabilidade contratual por ser mais conforme ao princípio geral da autonomia privada e por ser também, em regra, mais favorável ao lesado. Acórdão. do Supremo Tribunal de Justiça de 136/12.5TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
A violação do contrato de prestação de serviços médicos acarreta responsabilidade civil (contratual) desde que o devedor da prestação (in casu, a R. através dos seus colaboradores: o médico e as enfermeiras ao seu serviço) tenha agido voluntariamente, em violação do contrato e com culpa, causando dano.
Qualquer que seja a natureza da responsabilidade civil que impende sobre o lesante, ela traduz-se numa obrigação de indemnizar, ou seja, de reparar os danos sofridos pelo ofendido.
Hoje é, aliás, tendencialmente pacífica aquela posição doutrinária no sentido de que, estando em causa atos médicos contratados entre o médico e o paciente, pelos quais se prestam serviços clínicos, como ocorre no caso em análise, existe um contrato de prestação de serviços a que se aplicam as regras próprias do contrato de mandato, previstas nos art.ºs 1157º e seg.s, por força dos art.ºs 1154º e 1156º, do Código Civil, já que a lei não regula a contratação da prestação de serviços médicos de modo especial Cf., entre outros, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.7.2006, in Colectânea de Jurisprudência, T. I, pág. 144, e acórdão da Relação do Porto de 20.7.2006, nº RP200607200633598, in www.dgsi.pt. . Esta qualificação jurídica conduz-nos à responsabilidade contratual ou obrigacional, pela qual começaremos no tratamento da questão da responsabilidade que nos é colocada.
Os elementos da responsabilidade obrigacional não diferem, em grande parte dos seus aspetos, daqueles que dizem respeito à responsabilidade extracontratual ou aquiliana. Numa e noutra formas de responsabilidade é necessário que haja uma ação humana que constitua um ato ilícito, que haja culpa, um prejuízo e nexo causal, assim, uma relação de causa-efeito, entre o facto e o dano.
A responsabilidade contratual distingue-se da responsabilidade por atos ilícitos, sobretudo, pela natureza do ato ilícito que, naquela constitui a violação de uma obrigação, e pelas regras de distribuição do ónus da prova já que ali é imposta ao devedor a prova de que agiu sem culpa no incumprimento ou no cumprimento defeituoso da obrigação (art.º 799º, nº 1, do Código Civil), enquanto na responsabilidade aquiliana cabe a lesado a prova da culpa do lesante (art.º 487º, nº 1, do Código Civil), sendo a culpa, em qualquer caso, apurada com base num critério abstrato, pela “diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso” (nº 2 de uma e outra disposições legais acabadas de citar).
Consta do acórdão da Relação de Lisboa de 8.01.2008, citado no acórdão da Relação do Porto de 16.11.2010 Com o nº RP201011161347/04.2TBPNF.P1, in www.dgsi.pt. , que “a actividade médica perdeu o carácter quase mágico de que durante muito tempo se revestiu, impeditivo não só da indagação sobre a bondade das práticas, mas sobretudo sobre a sua inadequação às situações sobre as quais incidiam, maxime em termos de eventuais erros cometidos, geradores da obrigação de reparar. A tal dessacralização não foram estranhas as sucessivas descobertas científicas, com constantes progressos no debelar de doenças ou lesões anteriormente tidas por fatais ou sem qualquer solução de alívio, muito menos de cura, aliadas a uma crescente massificação dos cuidados de saúde, não só em termos da procura de remédio, mas também no que concerne aos meios terapêuticos que devem ser utilizados para tanto e as consequências que deles podem decorrer”.
No que respeita a obrigações/deveres do médico, dispõe o artigo 31º (Princípio geral) do Código Deontológico da Ordem dos Médicos que “o médico que aceite o encargo ou tenha o dever de atender um doente obriga-se à prestação dos melhores cuidados ao seu alcance, agindo sempre com correcção e delicadeza, no exclusivo intuito de promover ou restituir a saúde, conservar a vida e a sua qualidade, suavizar os sofrimentos, nomeadamente nos doentes sem esperança de cura ou em fase terminal, no pleno respeito pela dignidade do ser humano”. Continua o n.º 1 do artigo 35º do mesmo diploma (Tratamentos vedados ou condicionados) que “o médico deve abster-se de quaisquer actos que não estejam de acordo com as leges artis”. Impõe o art.º 9º ainda do mesmo código (Actualização e preparação científica) que “o médico deve cuidar da permanente actualização da sua cultura científica e da sua preparação técnica, sendo dever ético fundamental o exercício profissional diligente e tecnicamente adequado às regras da arte médica (leges artis)”.
Tais disposições são eco do princípio proclamado no Código Internacional da Ética Médica segundo o qual “o médico deve ter sempre presente o cuidado de conservar a vida humana”, sendo, assim, sua obrigação prestar ao doente os cuidados ao seu alcance, de acordo com os seus conhecimentos e o estado actual da ciência médica, por forma a preservar-lhe a saúde na medida do possível. Tudo isto tem a ver com a leges artis, entendida como o conjunto de regras da arte médica, isto é, das regras reconhecidas pela ciência médica em geral como as apropriadas à abordagem de um determinado caso clínico na concreta situação em que tal abordagem ocorre.
Nesta perspetiva, apesar de considerar o contrato médico um contrato de prestação de serviços, como a doutrina e a jurisprudência afirmam, o «resultado» a que alude o art.º 1154° do Código Civil deve considerar-se não a cura em si, mas os cuidados de saúde. O conceito de “resultado” no contrato de prestação de serviços que se estabelece entre o médico e o doente, enquanto obrigação de meios, como deve ser qualificada na grande maioria das prestações clínicas, corresponde ao esforço na ação diligente do diagnóstico e do tratamento, e não o resultado da cura que, no entanto, não deixa de ser o grande objectivo clínico, quando possível. A obrigação de meios (ou de pura diligência, como também é conhecida) existe quando “o devedor apenas se compromete a desenvolver prudente e diligentemente certa actividade para a obtenção de determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza”. Sustentam os defensores desta orientação que tal profissional só está obrigado a utilizar os meios adequados para atingir um certo diagnóstico ou definir uma terapia, não lhe sendo exigível alcançar qualquer resultado efetivo, ou seja, a cura do paciente, não assegurando nem podendo, naturalmente, assegurar a cura da sua enfermidade Miguel Teixeira de Sousa, Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica, pág. 125, Direito da Saúde e Bioética, AAFDL e Carlos Ferreira de Almeida, Os contratos civis de prestação de serviço médico, mesma revista, pág. 110.. Por regra, o desiderato pretendido não pode ser atendido para a invocação de incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação, já que o médico apenas promete a diligência em ordem a obter um resultado, a prestação consistirá num “meio” de lograr o cumprimento. Aos médicos cabe a obrigação legal e contratual de desenvolver prudente e diligentemente, atento o estádio científico actual das leges artis, certa atividade para se obter um determinado efeito útil, que se traduza em empregar a sua ciência no tratamento do paciente, sem que se exija a este a obtenção vinculada de um certo resultado, como seja a “cura”.
O médico deve agir segundo as exigências da leges artis e os conhecimentos científicos então existentes, atuando de acordo com um dever objetivo de cuidado, assim como de certos deveres específicos, como seja o dever de informar sobre tudo o que interessa à saúde ou o dever de empregar a técnica adequada, que pode prolongar-se mesmo cipós a alta do paciente.
O ponto de partida para qualquer ação de responsabilidade médica é, assim, o da desconformidade da concreta atuação do agente no confronto com aquele padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente e sensato, com os mesmos graus académicos e profissionais, teria tido em circunstâncias semelhantes na mesma data. A responsabilidade médica supõe culpa por não ter sido usado o instrumental de conhecimentos e o esforço técnico que se pode esperar de qualquer médico numa certa época e lugar. Acórdão da Relação de Lisboa de 20.4.2006, Colectânea de Jurisprudência, T. II, pág. 110.
Sendo assim, age com culpa, não o médico que não cura, mas o médico que viole os deveres objetivos de cuidado, de tal forma que a sua conduta deva ser pessoalmente censurada e reprovada, culpa a ser apreciada, como se disse, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, nos termos dos art.ºs 487° nº 2, e 799°, nº 2, do Código Civil.
Não vemos razão que justifique a necessidade do afastamento da presunção de culpa prevista no nº 1 daquele art.º 799º quando seja respeitada a natureza da obrigação de meios a que o médico está adstrito.
Nesta perspetiva, caberá, antes de mais, ao credor da obrigação, ao lesado, a prova da ilicitude do ato, ou seja, que a conduta do médico é ilícita no sentido de que, objetivamente considerada, se mostra contrária ao Direito, com desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado, mais concretamente, o burden of proof do incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação. Tratando-se de uma obrigação de meios, caberá ao credor (lesado) fazer a demonstração em Juízo de que a conduta (ato ou omissão) do devedor (ou prestador obrigado) não foi conforme com as regras de atuação suscetíveis de, em abstrato, virem a propiciar a produção do almejado resultado. Cf acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.10.2010, citando acórdão também daquele tribunal superior de 5.7.2001, in Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. II, pág. 166 e seg.s e João Álvaro Dias, in “Da Natureza Jurídica da Responsabilidade Médica” – conf. João Álvaro Dias, pág. 225. É o lesado que tem de assumir o encargo probatório da violação da leges artis por parte do médico (assim, a ilicitude), enquanto este último deverá afastar o juízo de censurabilidade fazendo a prova de que naquelas circunstâncias, não podia e não devia ter agido de maneira diferente.
Como se escreve no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1.7.2010 Proc. 398/1999.E1.S1, in www.dgsi.pt. , neste tipo de contratos, o cumprimento defeituoso existe sempre que ocorra desconformidade entre as prestações devidas e aquelas que foram efetivamente realizadas pelo prestador do serviço médico. Considerando-se que o tratamento é defeituoso, em relação à obrigação principal quando seja desconforme com as “leis da arte médica”, com as leges artis, de harmonia com os estádios do conhecimento da ciência ao tempo da prestação dos cuidados de saúde. Só haverá violação ilícita do direito de outrem se a intervenção médica se processar ao arrepio das leges artis, também aqui se podendo falar em cumprimento defeituoso.
Em geral, para que haja culpa torna-se necessário que o agente não só conheça, ou tivesse que conhecer, o desvalor da ação que cometeu, como tenha a possibilidade de escolher a sua conduta e ainda que, nas circunstâncias concretas do caso, possa ser censurável a sua conduta, ou seja, é preciso não apenas que o facto seja imputável ao agente, mas que lhe seja censurável.
Sendo a culpa apreciada em abstrato, nela incorre o profissional clínico que agiu em desconformidade com a conduta que um profissional normalmente diligente teria tomado nas circunstâncias concretas, tendo em atenção aquela atividade clínica. A atuação do médico não será culposa quando, consideradas as circunstâncias de cada caso, ele não possa ser reprovado ou censurado por ter atuado como atuou.
A inobservância de quaisquer deveres objetivos de cuidado torna a conduta (do médico) culposa, sendo que a culpa se traduz na violação de um dever geral de diligência que o agente conhecia ou podia conhecer aquando da respetiva atuação e que comporta dois elementos: um de natureza objetiva – o dever concretamente violado – e outro de cariz subjetivo traduzido na imputabilidade do agente. A utilização da técnica incorreta dentro dos padrões científicos atuais traduz a chamada imperícia do médico, pelo que, se o médico se equivoca na eleição da melhor técnica a ser aplicada no paciente, age com culpa e consequentemente, torna-se responsável pelas lesões causadas ao doente. Cf. citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.10.2010.
Dentro desta conceção, a lei inclina-se para a consideração da negligência como erro de conduta, a qual envolve a imperícia ou a incapacidade técnica do lesante, a sua falta de aptidão, mais que a simples deficiência da vontade, não esquecendo as atenuações da lei ao ordenar a apreciação da culpa em face das circunstâncias do caso concreto. André Dias Pereira, in Da Responsabilidade Civil por Actos Médicos – Alguns Aspectos”, polic., Lisboa, 2001, pág.s 29 a 34. A atuação do médico rege-se pela lex artis ad hoc, o que significa que é em relação ao preciso caso concreto situado temporalmente que a intervenção médica se afere, de acordo com as circunstâncias em que esta se desenrola. Só assim poderemos ponderar a qualificação de certo ato médico como conforme ou não com a técnica normal requerida. Manuel Rosário Nunes, ob. cit., pág. 54, na continuação da nota 94 da pág. 46.
Efetuadas estas considerações, cremos que a sentença recorrida foi assertiva quando ali se escreveu:
«Na sua maioria, os contratos de prestação de serviços médicos integram, como se referiu, uma obrigação de meios, não implicando, assim, a não obtenção do resultado final visado com os tratamentos e intervenções, a inadimplência contratual, cabendo por isso ao paciente provar a falta de diligência do médico, a falta de utilização de meios adequados de harmonia com as leges artis, o defeito do cumprimento, ou que o médico não praticou todos os atos normalmente considerados necessários para alcançar a finalidade desejada: é essa falta que integra erro médico e constitui incumprimento ou cumprimento defeituoso.
E só depois dessa prova funcionará, no domínio da responsabilidade contratual, a conhecida presunção de culpa. (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-03-2017, processo 6669/11.3TBVNG.S1, www.dgsi.pt, que aqui sigo de perto).
Como referem Figueiredo Dias e Sinde Monteiro, em Responsabilidade Médica em Portugal (cit. por Dias Pereira, O Consentimento Informado na Relação Médico-Paciente, vol. 9 da coleção do CDB da FDUC, pág. 424), “só por absurdo se pode admitir que o doente, para obter uma indemnização, além de outros pressupostos gerais, tenha apenas de provar a não obtenção de um resultado, isto é, de forma típica, a não recuperação da saúde”, concluindo que “a natureza de obrigação de meios só tem por consequência que o paciente tenha de provar o incumprimento das obrigações do médico, isto é, tem de provar objetivamente que não lhe foram prestados os melhores cuidados possíveis”.
Deste modo, aos profissionais médicos ou outros não será assacada responsabilidade por facto ilícito se, nas concretas circunstâncias, usar da diligência que é exigível, cuja dimensão é medida segundo as leges artis, cujo cumprimento ou incumprimento, com relevo para efeitos de verificação ou não de responsabilidade civil, deve ser aferido em função do empenho, da diligência ou da aplicação dos conhecimentos e técnicas adequadas à concreta situação. Em tais circunstâncias, o facto de não ser alcançado o resultado projetado pelo interessado que solicita ou que é submetido aos serviços médicos não corresponde necessariamente a uma situação de incumprimento dos deveres legais ou contratuais, sendo relevante, isso sim, apreciar se existiu ou não incumprimento das leges artis que, em concreto, se mostravam exigíveis.
Nem as partes nem o intérprete podem deixar de ponderar que toda a atuação médica comporta uma certa margem de risco. Dependendo das concretas circunstâncias objetivas, assim será maior ou menor a possibilidade de o profissional de saúde controlar todo o processo, desde o diagnóstico da situação, à sua cura, passando pela prescrição ou pelo tratamento.
Como refere Álvaro Dias, “o ponto de partida essencial para qualquer ação de responsabilidade médica é, por conseguinte, a desconformidade da concreta atuação do agente no confronto com aquele padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente e sensato, com os mesmos graus académicos e profissionais, teria tido em circunstâncias semelhantes, naquela data” (Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspetos Ressarcitórios, pág. 440).
(…)
Para Germano de Sousa, erro médico é «a conduta profissional inadequada resultante de utilização de uma técnica médica ou terapêutica incorretas que se revelam lesivas para a saúde ou vida do doente» (J. Germano de Sousa, Negligência e Erro Médico, Boletim da Ordem dos Advogados, nº 6, pg 12-14).
Temos ainda quer o erro de diagnóstico, quer o erro de execução. Com efeito pode ocorrer um erro de perceção ou cognitivo (ausência de conhecimentos técnico-científicos, da errada interpretação da sintomatologia do paciente ou de dados laboratoriais, imagiológicos ou clínicos, ou um erro de diagnóstico, de profilaxia ou de terapêutica) ou um erro de execução (como o manejo indevido de instrumentos na realização do ato clínico ou cirúrgico ou troca de produtos farmacológicos no tratamento do paciente).
Caberá ao autor alegar e provar a desconformidade objetiva entre os ato praticados/omitidos e as legis artis (o incumprimento ou cumprimento defeituoso), bem como o nexo de causalidade entre tais atos e o dano. O lesado tem de identificar e demonstrar a diligência devida, tem de individualizar uma concreta falta de cumprimento (ilícita) (Carneiro da Frada, Direito Civil, Responsabilidade Civil, p. 81).
Ou seja, o lesado/doente tem de demonstrar a inobservância de um dever específico por parte do devedor/médico. O ponto de partida essencial para qualquer ação de responsabilidade médica é a desconformidade da concreta atuação do agente, no confronto com aquele padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente e sensato, com os mesmos graus académicos e profissionais, teria tido em circunstâncias semelhantes na altura.
(…)».
A doutrina dos deveres de proteção, acessórios em relação aos deveres principais do contrato Seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça a respeito da violação de outro direito absoluto, a propriedade, no acórdão de 1 de Julho de 2010, proc. nº 623/09.2YFLSB, in www.dgsi.pt. tem especial acuidade quando aplicada ao contrato de prestação de serviços médicos, no qual “a protecção dos ‘danos concomitantes’ é incorporada no vínculo contratual, na medida em que, ao lado da obrigação principal – a de curar, a de minorar o sofrimento, a de aumentar a expectativa de vida – existe uma obrigação de não causar danos noutros bens pessoais ou patrimoniais do doente, diferentes daquele que constitui o objecto do negócio jurídico.” Rute Teixeira Pedro, A responsabilidade civil do médico – Reflexões sobre a noção da perda de chance e a tutela do doente lesado, 2008, pág. 80.
No caso em apreciação, a obrigação principal - a função curativa do defeito ortopédico no pé direito - era acompanhada do dever de não afetar qualquer outro bem da A. A lesão cutânea verificada pode constituir o desrespeito de um tal dever.
Podemos estar perante um dever de agir com precaução, mas a prova da violação desse dever cabe também ao lesado enquanto elemento caraterizador do cumprimento defeituoso da obrigação.
Aliás, a recorrente não discordou diretamente da argumentação jurídica exposta na sentença, antes fundamentou o seu recurso numa determinada modificação da decisão em matéria de facto, sobre a qual esta mesma argumentação jurídica haveria de levar a um resultado diferente, de procedência da ação.
Embora nos pareça ser uma tese minoritária, Álvaro Dias Breves considerações em torno da responsabilidade civil médica, RPDC, 1993, Ano II, nº 3, 27/59. e Ribeiro de Faria Da prova na responsabilidade civil médica-Reflexões em torno do direito alemão, RFDUP, Ano I, 2004, 115/118. fazem até retirar da diferença entre os dois tipos de obrigações, de meios e de resultado, consequências ao nível da repartição do ónus da prova da culpa, existindo a presunção aludida no artigo 799º, nº 1 do Código Civil, na responsabilidade pelo não cumprimento das obrigações de resultado mas não na responsabilidade pelo não cumprimento das obrigações de meios, em que aquela presunção seria de afastar. Para maior desenvolvimento, cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.1.2013, proc. 9434/06.6TBMTS.P1.S1, in www.dgsi.pt.
A prova do nexo causal, como um dos pressupostos da obrigação de indemnizar e medida da mesma, cabe ao credor da obrigação, independentemente da sua fonte. É um dos pressupostos do direito que se aciona, com vista ao ressarcimento do dano (art.ºs 563º e 342º, nº 1, do Código Civil). Daí que o doente tenha de provar que um certo diagnóstico, tratamento ou intervenção foi omitido e conduziu ao dano, sendo certo que se outro ato médico tivesse sido (ou não tivesse sido) praticado, teria levado à cura, atenuado a doença, evitado o seu agravamento ou mesmo a morte, consoante o caso. É necessário estabelecer uma ligação positiva entre a lesão e o dano, através da previsibilidade deste em face daquela.
No citado art.º 563º quis adotar-se a teoria da causalidade adequada, segundo a qual determinada ação ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa ação ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar. Galvão Telles Manual do Direito das Obrigações, nº 229 e Direito das Obrigações, pág.s 409 e 410. Releva a relação que razoavelmente conduza à imposição ao agente da responsabilidade por esse mesmo resultado, só sendo causa jurídica de um dano no paciente, a conduta (culposa) do médico que, segundo um juízo a posteriori formulado, se revela idónea para a produção de tal resultado. Citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1.7.2010.
Retomemos o caso concreto para dizer que nada se alterou em matéria de facto que releve ao nível dos pressupostos da ilicitude, do nexo causal e da culpa no que respeita aos atos praticados pelo médico ortopedista e pela equipa de enfermagem da R. desde o ato cirúrgico de 24.9.2013 até à cura clínica da fictena do dorso do pé direito e da lesão do calcanhar da A. Todos os factos novos, à exceção do indicado item 1º, concernem aos danos que a A. sofreu em consequência daquelas lesões e a sua ponderação - para efeitos indemnizatórios - só se justifica após a verificação dos anteriores pressuposto da responsabilidade civil.
Tal como decorre da sentença recorrida, os factos provados não consentem a extração da conclusão de que existiu cumprimento defeituoso quer da obrigação médica do cirurgião de agir segundo o critério de boas práticas acima enunciado, quer da obrigação da R. prestar os adequados cuidados de enfermagem que as circunstâncias do caso justificaram.
A cirurgia foi realizada imediatamente após efectuado o diagnóstico correto e não teve intercorrências. O pós-operatório envolveria, como envolveu, a verificação inevitável de dores e desconforto. É normal a existência de dores no período imediatamente posterior à cirurgia, designadamente no internamento que, no caso, foi de apenas dois dias. O grau de intensidade de dor é muito subjetivo e a equipa de enfermagem tomou os atos necessários que a boas práticas aplicáveis ao caso impunham: ora administrando a medicação analgésica prescrita pelo médico, ora recomendando medidas tendentes a permitir um alívio da dor, como sejam a colocação de gelo e a elevação dos membros inferiores. A A. foi melhorando das dores ao longo dos dias do internamento.
Não houve comprometimento neuro-vascular no membro operado, durante todo o período de internamento, sempre constando também que o penso da ferida cirúrgica estava externamente limpo e seco e que não apresentava quaisquer sinais de comprometimento. Quando, em 26.9.2013, foi retirado o hemodreno, a ferida cirúrgica foi lavada com soro fisiológico, a sutura não apresentava sinais de inflamação, não se tendo verificado então qualquer sinal de lesão na pele do pé direito da A., fosse no dorso do pé, fosse na zona lateral ou no calcanhar, relacionada com algum tipo de ulceração de pressão, nomeadamente flictena ou edema. A tala estabilizadora, então retirada, foi reposta, como se impunha, dando o médico alta hospitalar à A., com indicação dos cuidados a ter em ambulatório, designadamente que deveria manter o pé elevado, não poderia andar com o pé suspenso, e que deveria colocar um saco com gelo no membro operado.
A A. apresentou flictena pela primeira vez quando, no dia 30 de setembro regressou ao hospital para mudar o penso. Estava então em ambulatório desde o anterior dia 26. A flictena surgiu num daqueles 4 dias.
Desconhecemos as causas concretas do aparecimento da flictena no dorso do pé direito da A. e o edema no seu calcanhar. A A. não demonstrou qualquer relação causa-efeito entre a cirurgia ou os tratamentos pós-cirúrgicos e o aparecimento daquelas lesões do pé. Não demonstrou a A. que essas lesões resultaram da violação pelo cirurgião e pela enfermagem de boas regras de prática clínica, de que seria exemplo um método cirúrgico despropositado e errado, o uso de uma tala inadequada, excessivo aperto, necessidade de um internamento mais prolongado para vigilância da evolução da situação, ou a necessidade de observação do estado da doente por período mais curto no ambulatório.
Não está demonstrada, em face do conjunto de circunstâncias, uma prática clínica incorreta, violadora da leges artis. Não há prova de que o médico ou a equipa de enfermagem atuante, assim, a R. através dos seus colaboradores e auxiliares (art.º 800º, nº 1, do Código Civil), tivessem cumprido defeituosamente as suas obrigações funcionais, seja quanto à cirurgia (bem sucedida, aliás) seja quanto aos tratamentos posteriores. O surgimento da flitena/edema e todos os prejuízos não lhes é imputável, como assim também à R.

Ainda, na conclusão L) das alegações do recurso, a recorrente escreveu que a R. “não diagnosticou corretamente a lesão sofrida pela A. no pé, pois inicialmente diagnosticou com sendo uma simples entorse, tendo apurado uma semana depois tratar-se de uma fractura, a A. foi operada de imediato, operação que se não fosse a conduta da R. já teria ocorrido aquando do primeiro diagnóstico, ou seja, 8 dias antes, tudo isto evitando sobretudo que a A. sofresse as dores que sofreu”.
É verdade que a Dr. J…, no episódio de urgência de 16.9.2013, informou a A. de que não observava no RX então efetuado qualquer problema a nível ósseo. Todavia, na realidade, esse problema existia: uma “fratura meleolo peroneal direita oblíqua”, ou seja, uma fratura do tornozelo direito que - diagnosticado posteriormente - justificou uma intervenção cirúrgica imediata para redução e osteossíntese com dois parafusos interfragmentários, que teve lugar 8 dias depois, dia 24 no mesmo mês.
Um erro de diagnóstico não é necessariamente um erro médico relevante para efeito de responsabilidade.
Não esqueçamos que se tratou de um episódio de urgência, que foi sugerida revisão em consulta de ortopedia e regresso ao hospital para reavaliação, caso os sintomas piorassem ou simplesmente persistissem.
Presumivelmente, por terem persistido ou por se terem agravado as dores da A. ou outros sinais de alerta, esta regressou ao hospital no dia 23, tendo sido imediatamente dirigida par a consulta de ortopedia, por então se ter suspeitado de uma fratura óssea. Foi nesta última consulta que foi efetuado o diagnóstico correto e definitivo que conduziu à cirurgia no dia seguinte.
O exercício da medicina comporta um risco razoável e tolerável, a que não são alheias, designadamente, as condições da sua prática, a formação e os conhecimentos exigíveis do médico prestador do serviço, em cada caso concreto.
Conforme excerto da sentença recorrida, citando doutrina, e que atrás se transcreveu, “nem as partes nem o intérprete podem deixar de ponderar que toda a atuação médica comporta uma certa margem de risco. Dependendo das concretas circunstâncias objetivas, assim será maior ou menor a possibilidade de o profissional de saúde controlar todo o processo, desde o diagnóstico da situação, à sua cura, passando pela prescrição ou pelo tratamento”.
É sabido que o médico da urgência não é necessariamente um ortopedista, nem um médico experiente, ali sendo recebidas diariamente patologias muito diversas, algumas delas a implicar encaminhamento imediato para uma consulta de especialidade, outras nem tanto ou mesmo nada. A observação, na urgência, de um RX, por traumatismo num pé resultante de uma queda, não oferece as mesmas garantias que a leitura do mesmo exame por um médico da especialidade e com larga experiência profissional, em ambiente de consulta normal, e ainda assim, as leituras podem divergir em função a experiência do médico, da sua formação, da qualidade da imagem e de outros fatores muito variáveis.
Para além dos casos concretos de lesão grave e evidenciada em exame de diagnóstico, em que o doente deve ser imediatamente encaminhado para a especialidade, outros casos existem que, surgidos na urgência hospitalar, não justificam essa emergência, agindo-se então no sentido de aliviar a dor maior, na esperança de que o tratamento recomendado surta efeito sem necessidade de mais diligências clínicas. A urgência visa sobretudo o objectivo e por cobro ao sofrimento e não substituir ou antecipar muitas das vezes um tratamento que só a especialidade concede.
No segundo episódio de urgência, no dia 23, outra médica foi mais longe do que a médica da primeira consulta. Mas contou então já com os efeitos da evolução da situação e referiu que seria necessário a A. ser vista por um ortopedista.
Assim, e ainda que tendo falhado no diagnóstico, as circunstâncias em que agiu a Dr.ª J… e as reservas de diagnóstico que salvaguardou afastam o juízo de negligência que poderia relevar ao nível da responsabilidade da R. Não deixou de sugerir a existência de dúvida ao informar a A. da necessidade de revisão da situação em consulta de ortopedia e o regresso à urgência para reavaliação, caso os sintomas piorassem ou persistissem.
Este comportamento, nas referidas condições e circunstâncias em que a primeira abordagem de urgência foi efectuada, é razoavelmente tolerado pelo risco próprio do exercício da medicina, não sendo de situar ao nível da responsabilidade médica.
Também não há qualquer nexo causal entre o atraso (desculpável) na realização do diagnóstico definitivo e os prejuízos sofrido após a cirurgia cujo sucesso nem sequer foi posto em causa.
De resto, a própria A. terá compreendido isto aquando da dedução da petição inicial em cujos fundamentos descreve também esta situação inicial, mas sobretudo com sentido ilustrativo e globalizante, realçando e concretizando na descrição dos danos (respetivos art.ºs 44º e seg.s, e 68º e seg.s) os que considerou resultarem no estado pós-cirúrgico, por causa da cirurgia e do tratamento subsequente (ulceração/fictena e seus efeitos prejudiciais).
Nesta decorrência não se verificando os indispensáveis pressupostos da responsabilidade contratual, não há obrigação de indemnizar e o pedido da ação deve improceder.
Na improcedência do recurso, a sentença recorrida merece confirmação.
*
SUMÁRIO (art.º 662º, nº 7, do Código de Processo Civil)
....................................................................................
....................................................................................
....................................................................................
*
V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
*
Custas da apelação pela A. recorrente, dado o seu total decaimento (art.º 527º, nº 1, do Código de Processo Civil).
*
Porto, 8 de setembro de 2020
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
__________________________
[1] Por transcrição.
[2] Por transcrição.
[3] Proc. 2611/12.2TBSTS.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[4] Proc. 15787/15.8T8PRT.P1.S2, in www.dgsi.pt, também citado pela recorrida.
[5] 363/07.7TVPRT-D.P2.S1, in www.dgsi.pt.
[6] V.g. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26.5.2015, proc. 1426/08.7TCSNT.L1.S1, de 19.1.2016, proc. 3316/10.4TBLRA.C1.S1 e de 11.2.2016, proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1, in www.dgsi.pt.
[7] V.g. Miguel Teixeira de Sousa, comentário ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.10.2015, proc. 212/06.3TBSBG.C2.S1, blog do IPPC, a propósito da suficiência de algumas referências apenas constantes nom corpo das alegações de recurso (não nas conclusões).
[8] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.05.2018, proc. n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1 e acórdão da Relação de Évora de 12.7.2018, proc. 581/15.4T8ABT.E1, ambos in www.dgsi.pt.
[9] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 224 e 225.
[10] Sob o título “Os Ónus da Alegação e da Prova, em Geral …”, Colectânea de Jurisprudência, Ano VII, T.I, pág. 19.
[11] “Provas – Direito Probatório Material”, BMJ 110/82 e 171.
[12] In “O Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil Médica”, comunicação apresentada ao II Curso de Direito da Saúde e Bioética e publicada in “Direito da Saúde e Bioética”, Lisboa, 1996, edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, pág. 127.
[13] Acórdão. do Supremo Tribunal de Justiça de 136/12.5TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[14] Cf., entre outros, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.7.2006, in Colectânea de Jurisprudência, T. I, pág. 144, e acórdão da Relação do Porto de 20.7.2006, nº RP200607200633598, in www.dgsi.pt.
[15] Com o nº RP201011161347/04.2TBPNF.P1, in www.dgsi.pt.
[16] Miguel Teixeira de Sousa, Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica, pág. 125, Direito da Saúde e Bioética, AAFDL e Carlos Ferreira de Almeida, Os contratos civis de prestação de serviço médico, mesma revista, pág. 110.
[17] Acórdão da Relação de Lisboa de 20.4.2006, Colectânea de Jurisprudência, T. II, pág. 110.
[18] Cf acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.10.2010, citando acórdão também daquele tribunal superior de 5.7.2001, in Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. II, pág. 166 e seg.s e João Álvaro Dias, in “Da Natureza Jurídica da Responsabilidade Médica” – conf. João Álvaro Dias, pág. 225.
[19] Proc. 398/1999.E1.S1, in www.dgsi.pt.
[20] Cf. citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.10.2010.
[21] André Dias Pereira, in Da Responsabilidade Civil por Actos Médicos – Alguns Aspectos”, polic., Lisboa, 2001, pág.s 29 a 34.
[22] Manuel Rosário Nunes, ob. cit., pág. 54, na continuação da nota 94 da pág. 46.
[23] Seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça a respeito da violação de outro direito absoluto, a propriedade, no acórdão de 1 de Julho de 2010, proc. nº 623/09.2YFLSB, in www.dgsi.pt.
[24] Rute Teixeira Pedro, A responsabilidade civil do médico – Reflexões sobre a noção da perda de chance e a tutela do doente lesado, 2008, pág. 80.
[25] Breves considerações em torno da responsabilidade civil médica, RPDC, 1993, Ano II, nº 3, 27/59.
[26] Da prova na responsabilidade civil médica-Reflexões em torno do direito alemão, RFDUP, Ano I, 2004, 115/118.
[27] Para maior desenvolvimento, cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.1.2013, proc. 9434/06.6TBMTS.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[28] Galvão Telles Manual do Direito das Obrigações, nº 229 e Direito das Obrigações, pág.s 409 e 410.
[29] Citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1.7.2010.