PROPRIEDADE INDUSTRIAL
MARCA
FUNÇÃO DISTINTIVA DA MARCA
REPRODUÇÃO DA MARCA
MARCA PRIORITÁRIA
REGISTO DE MARCA
Sumário

I. O juízo central que se pede ao julgador no contexto da avaliação da existência de imitação de marca registada é mais psicológico do que jurídico já que se lhe requer que reconstitua e intua o olhar do consumidor perante expressões ou signos que exornem a apresentação comercial e económica dos actores;
II. E é assim porque se visa como fim último salvaguardar a livre e equilibrada concorrência e, como finalidades derradeiras, a garantia de iguais oportunidades para todos os potenciais agentes, a protecção do consumidor e o eficaz funcionamento da economia. Há, pois, aqui, no que tange à teleologia, um marcante balanço entre os direitos individuais e as finalidades colectivas;
III. O conceito de consumidor que se obtém no cruzamento destes elementos motivadores e, sobretudo, da referida análise psicológica, identifica um cidadão descontraído, pouco atento, que associa, bastas vezes, o acto de adquirir a uma actividade de lazer ou a ele análoga;
IV. Por assim ser, é adequado referir que o cidadão assim identificado realiza uma análise globalizante, indiciária, de conjunto, que faz associações ligeiras e rápidas, que atende mais às diferenças do que às semelhanças, que compara convicções difusas (porque assentes na memória) com percepções físicas pouco densas, que se deixa atrair por imagens, sons e palavras geradoras de impressões mais marcantes, que faz rápidas sínteses e que, no final do processo, não logra aperceber-se de toda a realidade, seus detalhes e respectivas características particulares;
V. Se é certo que «o consumidor médio apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das suas diferentes particularidades» não menos verdade é que essa ponderação não se faz de forma linear e homogénea. Antes a mesma é desequilibrada e atende mais a uns elementos do que a outros;
VI. É adequado que se tenha presente o facto de o consumidor dar maior relevo e prestar mais atenção aos vocábulos iniciais;
VII. Porém, daqui não resulta a necessidade de considerarem irrelevantes os elementos de segunda linha ou de se concluir que será sempre como parece fluir da referência anterior. É assim, particularmente, porque tal prevalência é bem mais relevante relativamente a marcas de maior extensão vocabular, designadamente formadas por distintos blocos ideológicos ou compostos por diversas línguas.
VIII. O apontado critério assume escasso relevo quando, como acontece no caso presente, são apenas dois os vocábulos em confronto em cada marca e qualquer deles, fora da composição que integram, não tem eficácia distintiva.

Texto Integral

Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO                 
P (...), com os sinais identificativos constantes dos autos,  apresentou-se em juízo para, conforme referiu, «interpor recurso da decisão final de indeferimento do pedido de modificação da decisão de concessão do registo da marca nacional nº 588136, proferido em 25 de Março de 2019, pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial».
O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos:
P(...), com sede na Rua António Silva nº 7 em lisboa, veio interpor recurso judicial do despacho da vogal do conselho directivo do inpi, datado de 24.4.2019, de indeferimento do pedido de modificação da decisão que concedeu o registo da marca nacional nº 588136 [imagem não reproduzida], a favor de paços das côrtes – produção e comércio de vinhos lda, para assinalar os produtos “vinhos que cumpram com a definição e com as condições de utilização da menção tradicional para vinhos de reserva” na classe 33ª da classificação internacional de nice, peticionando a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro de recusa do pedido do registo da enunciada marca.
Alega, em síntese, ser a marca registanda uma imitação das marcas nacionais nº 429492 e 571308, por si tituladas, dada a afinidade/identidade entre os produtos assinalados pelas marcas em confronto, e as semelhanças existentes entre os sinais da marca registanda e as marcas prioritárias induzirem a uma fácil  e espontânea situação de erro, confusão ou associação pelo consumidor à mesma proveniência empresarial. Acresce gozarem as marcas prioritárias de elevada notoriedade e reputação em Portugal. Além de se verificar o risco de uma situação de concorrência desleal. Razão pela qual, mostram-se verificados vários fundamentos determinantes da recusa do registo da marca nacional nº 588136.
Cumprido o art 42 do CPI, o INPI remeteu cópia do processo administrativo.
Apesar de regularmente citada nos termos e para os efeitos do disposto no art 43 do CPI, a Recorrida não ofereceu resposta.
Foram realizadas a instrução, a discussão e o julgamento da causa, tendo sido proferida sentença que decretou:
Por tudo o explanado e nos termos sobreditos, nego provimento ao presente recurso, mantendo o despacho recorrido do INPI, datado de 24.4.2019, de indeferimento do pedido de modificação da decisão de concessão do registo da marca nacional nº 588136 6 [imagem não reproduzida].
É dessa sentença que vem o presente recurso interposto por P (...), que alegou e apresentou as seguintes conclusões:
 A) O presente recurso vem interposto da douta sentença de fls., que negou provimento ao recurso interposto pela então Recorrente, ora Apelante, P (…)  tendo mantido o despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que deferiu o pedido de registo de marca nº 588136 [imagem não reproduzida]
B) A Apelante, P (...), é titular de um vasto acervo de direitos, válidos em Portugal, entre os quais, os seguintes registos: - Marca nacional nº 429492, caracterizada pela expressão PINGO DOCE, inserta no conjunto [imagem não reproduzida], requerida em 6 de Março de 2008 e concedida em 2 de Junho de 2008, destinada a identificar, entre outros, os seguintes produtos da classe 33ª, da Classificação Internacional de Nice: “Bebidas alcoólicas (com excepção de cervejas); vinhos, vinhos verdes, vinhos espumosos, aguardentes e whisky”. (Cft. Doc. 2 das alegações de Recurso); - Marca nacional nº 571308, caracterizada pela expressão PINGO DOCE, inserta no conjunto [imagem não reproduzida], requerida em 7 de Outubro de 2016 e concedida em 16 de Janeiro de 2017, destinada a identificar, entre outros, os seguintes serviços das classe 35ª da Classificação Internacional de Nice: “Serviços de venda a retalho prestados por supermercados e lojas de conveniência; agrupamento de vários produtos para outros (excepto o transporte) permitindo aos consumidores vê-los e comprá-los de um modo fácil num supermercado”. (Cft. Doc. 3 das alegações de recurso);
C) A então Recorrente, ora Apelante interpôs, em tempo, recurso do despacho da Exma. Senhora Directora da Direcção de Marcas e Patentes, por subdelegação de competências do Conselho Directivo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, do despacho de concessão do pedido de registo de registo de marca nacional nº 588136, caracterizado pela expressão PINGO RESERVA requerido em 12 de Setembro de 2017, pela sociedade Paço das Cortes – Produção e Comércio de Vinhos, Lda.;
D) A sociedade Paço das Cortes – Produção e Comércio de Vinhos, Lda., requerente do pedido de registo de marca nacional nº 588136 PINGO RESERVA, exerce a sua actividade no âmbito da “produção e comércio de vinhos”, como de resto resulta da sua própria denominação social;
E) Na decisão recorrida, o Tribunal da Propriedade Intelectual entendeu, e bem, dar como assente, entre outros, os seguintes factos: “(…) 6. Na publicação digital Meios & Publicidade 20 anos, de 6.2019, é apresentado um estudo no qual o Pingo Doce aparece em 4º lugar no top 5 do ranking das marcas portuguesas”. 7. No site hipersuper.pt 2018/07/03 é referida a conquista de 16 prémios dos vinhos Pingo Doce em dois concursos. 8. No site marketing vinhos.com 2019/07/30, alude-se ao prémio internacional ganho pelo Espumante Pingo Doce Baga Bairrada 2015”;
F) A sentença recorrida revela errada interpretação e aplicação lei aplicável aos factos, considerando e decidindo que entre a marca PINGO RESERVA e as marcas PINGO RESERVA, inexiste confusão;
G) Na decisão recorrida é decidido, e neste aspecto bem, “(...) o preenchimento do segundo requisito apresenta-se pacífico face à evidente identidade parcial existente entre os produtos da marca registanda e os produtos da marca nacional nº 429492, na medida em que os primeiros aludidos cabem dentro do âmbito mais abrangente da marca prioritária. Assim como, também se revela existir afinidade entre os produtos propostos assinalar pela marca nacional nº 571308, face à complementaridade existente entre eles, traduzida na susceptibilidade da oferta mercantil dos produtos em apreço por ser feita pelos serviços de venda a retalho prestados nas lojas “Pingo Doce””;
H) Sucede porém que, no que se refere ao “(...) preenchimento do último requisito do conceito jurídico de imitação de marca: a existência de semelhanças gráficas, figurativas, fonéticas, conceptuais ou outras que induzam facilmente o consumidor em erro ou confusão ou o risco de associação com a marca prioritária”, entendeu, erradamente, o tribunal a quo, que o mesmo não se encontra totalmente preenchido no presente caso.
I) Não obstante ter considerado que entre as marcas PINGO RESERVA e PINGO DOCE “(...) alcança-se existir uma clara semelhança gráfica traduzida na partilha do uso comum do vocábulo “pingo” e que “esta conclusão é igualmente válida do ponto de vista fonético, na estrita medida em que a primeira palavra das marcas em confronto, por idêntica, lê-se necessariamente da mesma maneira, sendo a sonoridade inicial das marcas igual” considerou, erradamente que “(...) tratando-se de marcas compostas por dois vocábulos, da sua análise global resulta que enquanto na marca titulada pela recorrida o elemento “pingo” caracteriza o seu “coração” ou núcleo, já nas marcas em estudo da Recorrente inexiste qualquer prevalência do elemento verbal “pingo” sobre o elemento “doce”; ao invés estas marcas são conhecidas pelo consumidor pela sequencia indissociável dos dois termos, que no seu conjunto formam uma unidade, de feição a um comum consumidor relevante não conseguir identificar aquelas marcas pela simples alusão ao vocábulo “pingo” (...) Em suma, não obstante a comunhão parcial do elemento verbal “pingo” pela marca em estudo, numa avaliação global comparativa dos sinais das marcas em confronto prima a clara individualização entre elas, porquanto se mostram casuísticamente enquadradas em contextos diferentes, afigurando-se inegável e manifesta a sua completa identidade (...)”;
J) Quanto à notoriedade das marcas PINGO DOCE, o tribunal a quo, entendeu e bem que, “(...) afigura-se legítimo inferir pela notoriedade das marcas nacionais nº 429492 e 571308 em Portugal” tendo no entanto decidido erradamente no sentido de que não obstante a reconhecida notoriedade “(...) inexiste in casu elos entre as marcas em estudo passíveis de gerarem risco de confusão ou associação empresarial”;
K) O Tribunal Recorrido negou provimento ao recurso interposto pela então Recorrente, ora Apelante, mantendo o despacho recorrido que deferiu o pedido de registo de marca nacional º 588136 PINGO RESERVA, concedendo assim protecção jurídica à referida marca;
L) Face aos factos expostos e provados no recurso interposto perante o Tribunal da Propriedade Intelectual, de que ora se recorre, verifica-se que o tribunal procedeu a uma errada e deficiente interpretação da lei bem como a uma errada aplicação da mesma aos factos, no que se refere à inexistência de confusão entre a marca PINGO RESERVA e as marcas PINGO DOCE;
M) Ao contrário do que é entendido e decidido na decisão proferida pelo Tribunal da Propriedade Intelectual, objecto do presente recurso de apelação, considera a Apelante que a marca nacional nº logotipo nº 588136 PINGO RESERVA se encontra manifesta e totalmente incurso no âmbito de aplicabilidade dos artigos 232º nº 1 alínea b) e h), por força do disposto no nº 1 do artigo 238º, constituindo igualmente violação do disposto no artigo 234º, todos do Código da Propriedade Industrial;
N) Ao contrário do entendimento e decisão proferida pelo tribunal a quo, objecto do presente recurso, o pedido de registo de marca nº 588136, caracterizado pela expressão PINGO RESERVA, encontra-se manifesta e totalmente incurso no âmbito de aplicabilidade do conceito jurídico de imitação de marca;
O) Quanto à análise e decisão do Tribunal a respeito da verificação de identidade entre os produtos da marca PINGO RESERVA e os produtos e serviços das marcas PINGO DOCE, não merece também a sentença recorrida qualquer censura;
P) Na sentença recorrida é decidido, erradamente e em manifesta violação da supra citada norma jurídica, pela não existência de imitação e/ou associação entre a marca PINGO RESERVA e as marcas PINGO DOCE;
Q) De acordo com o que tem sido entendido pela doutrina e jurisprudência que se enunciou a supra enunciadas a análise que deverá ser efectuada é a do conjunto das e não dos seus pormenores considerados isolados e separadamente, como se verifica ter sucedido na sentença recorrida;
R) Procedendo a uma comparação sob o aspecto gráfico verifica-se que estão em confronto marcas mistas caracterizadas pelos conjuntos [imagem não reproduzida] e [imagem não reproduzida] e [imagem não reproduzida].
S) No caso de marcas mistas, como sucede no caso sub judice, é o elemento nominativo o elemento preponderante para efeitos de caracterização e identificação das marcas dado que, é através do elemento nominativo que o consumidor verbaliza as marcas;
T) Relativamente à análise do elemento gráfico das marcas, é considerado na decisão recorrida que o “elemento verbal/nominativo é aquele que tende a permanecer mais na memória do consumidor, desde logo por ser o momdo comum do público aludir à marca, e mais particularmente quando o produto não se encontra à mão do consumidor e ele tem que o pedir pelo nome, tal como sucede no mercado dos vinhos quando nos dirigimos a uma garrafeira, um restaurante ou um bar. E entre os elementos verbais no caso de marcas compostas, tende a predominar o primeiro vocábulo.”;
U) Considera o tribunal a quo que confrontando as marcas PINGO RESERVA e PINGO DOCE, “alcança-se existir uma clara semelhança gráfica traduzida na partilha do uso comum do vocábulo “pingo””, sendo que “esta conclusão é igualmente válida do ponto de vista fonético, na estrita medida em que a primeira palavra das marcas em confronto, por idêntica, lê-se necessariamente da mesma maneira, sendo  a sonoridade das marcas igual”;
V) Verifica-se assim que o próprio tribunal a quo considera que o elemento nominativo das marcas PINGO RESERVA e PINGO DOCE é o que o que perdura na memória do consumidor e que, no elemento nominativo, no caso de marcas compostas, é o primeiro vocábulo o elemento predominante;
W) O tribunal a quo considera também, e neste caso erradamente que, no caso da marca objecto do presente recurso, PINGO RESERVA “o elemento “pingo” caracteriza o seu “coração” ou núcleo”, já no caso das marcas PINGO DOCE, da Recorrente, ora Apelante “inexiste qualquer prevalência do elemento verbal “pingo” sobre o elemento “doce”; ao invés estas marcas são conhecidas pelo consumidor pela sequencia indissociável dos dois termos, que no conjunto formam uma unidade, de feição a um comum consumidor relevante não conseguir identificar aquelas marcas pela simples alusão ao vocábulo “pingo”;
X) Ambas as marcas são compostas por dois vocábulos, sendo o primeiro vocábulo – PINGO - exactamente igual, seguido por outra expressão, RESERVA, num caso e DOCE, no outro;
Y) O elemento figurativo da marca PINGO RESERVA não se apresenta particularmente distintivo e característico, correspondendo à simples representação da imagem de um “pingo”, colocada abaixo do elemento verbal PINGO RESERVA;
Z) O elemento da marca PINGO RESERVA mais não é do que a simples representação figurativa da própria expressão caracterizadora da marca - PINGO RESERVA;
AA) A imagem de um “pingo” ou “dois meios pingos” não constitui uma imagem bastante impressiva e singular aos olhos do consumidor, como é referido na decisão recorrida;
BB) Uma imagem de um “pingo” representada numa marca cujo elemento verbal é PINGO RESERVA, nada tem de “mensagem bastante impressiva e singular” ou “fórmula inovadora”, é tão só e apenas a tradução em imagem do próprio elemento verbal da marca!;
CC) O elemento figurativo da marca PINGO RESERVA não acrescenta a esta marca qualquer especial distintividade no seu conjunto!;
DD)Face a tão elevada semelhança entre os elementos verbais das marcas PINGO RESERVA e PINGO DOCE, a confusão e/ou associação das marcas à mesma origem ou proveniência será natural, espontânea e inevitável;
EE) A expressão RESERVA presente na marca PINGO RESERVA é, de per se, insusceptível de exclusivo relativamente aos produtos da classe 33ª a que se destina identificar, sendo uma expressão genérica e descritiva no sector vínico que fornece indicação dos atributos e qualidades dos vinhos que pretende identificar;
FF) A expressão RESERVA da marca PINGO RESERVA não detém capacidade distintiva relativamente aos produtos que a marca visa identificar facto este que reforça ainda mais a predominância da expressão PINGO na marca PINGO RESERVA, objecto do presente recurso;
GG) Resulta assim incontornável que a expressão por excelência caracterizadora e identificadora da marca objecto do presente recurso é a expressão PINGO e que esta expressão reproduz na íntegra o primeiro elemento verbal das marcas da Apelante – PINGO DOCE. Ora, entre o que é igual não pode o consumidor distinguir;
HH) Não obstante as marcas da Apelante serem compostas por dois vocábulos – PINGO DOCE – e de, a marca objecto do presente recurso apenas reproduzir o vocábulo PINGO, tal não exclui que o consumidor as confunda e ou associe uma vez que o vocábulo reproduzido corresponde precisamente ao primeiro vocábulo - aquele que irá ser espontaneamente apreendido e que perdurará na memória do consumidor;
II) A construção e estrutura gráfica e silábica da marca PINGO RESERVA apresenta-se pois totalmente idêntica à construção e estrutura gráfica e silábica das marcas da Recorrente PINGO DOCE dirigindo o consumidor precisamente aos mesmos estímulos por referência à mesma ideia;
JJ) Foneticamente verifica-se que o ritmo, cadência e efeito sónico de pronúncia da marca PINGO RESERVA resulta praticamente o mesmo, suscitando praticamente os mesmos estímulos auditivos e mnemónicos do suscitado pelas marcas PINGO DOCE;
KK) A expressão PINGO RESERVA reconduz à mesma ideia das marcas PINGO DOCE, a ideia de uma “porção muito pequena e arredondada de um líquido”;
LL) As marcas PINGO RESERVA e PINGO DOCE suscitam pois no consumidor o mesmo estímulo distintivo. Os conjuntos verbais caracterizadores dos sinais em confronto, globalmente considerados, apresentam-se inegavelmente, muitíssimo semelhantes no aspecto gráfico, fonético e ideográfico, pelo que, numa apreciação global suscitam, no consumidor, precisamente os mesmos estímulos, gerando confusão e/ou associação das marcas à mesma origem ou proveniência, situação que não corresponde de todo à realidade;
MM) São as semelhanças entre as marcas PINGO DOCE e PINGO RESERVA que criam possibilidades de confusão, dado que são estas que o consumidor retém e que perduram na sua memória;
NN)A marca PINGO RESERVA reproduz também o primeiro vocábulo caracterizador da denominação social da Recorrente - “PINGO – DOCE – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A”;
OO) As marcas PINGO DOCE são marcas que detém, em Portugal elevada notoriedade e reconhecimento;
PP) A notoriedade das marcas PINGO DOCE foi admitida quer em fase de processo administrativo pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial, quer pela sentença recorrida;
QQ) Apesar da reconhecida notoriedade às marcas PINGO DOCE, da Apelante, o tribunal a quo não enquadrou e valorizou competentemente o elevado reconhecimento e notoriedade de que tais marcas e a própria Apelante gozam em Portugal;
RR) Não se compreende como pode ter sido entendido pelo tribunal não existirem “elos” entre as marcas susceptiveis de gerar confusão e/ou associação;
SS) A notoriedade e elevado reconhecimento das marcas PINGO DOCE da Apelante foi amplamente demonstrada em sede de recurso judicial, reiterando a Apelante, desde já, todo o exposto e demonstrado a esse respeito no recurso então interposto e que aqui se reitera e se dá por integralmente reproduzido;
TT) Para prova da notoriedade da marca foi apresentado um vasto conjunto de documentos os quais se dão também aqui totalmente por reproduzidos;
UU) As marcas PINGO DOCE da Reclamante são marcas que gozam de uma elevada notoriedade no território nacional, contado actualmente com mais de 400 lojas;
VV) Os produtos PINGO DOCE têm sido reconhecidos como produtos de elevada qualidade, como é o caso dos “vinhos” da marca PINGO DOCE (que serão os produtos da classe 33º mais relevante para o caso sub judice);
WW) Os vinhos PINGO DOCE têm sido continuamente granjeados com vários e relevantes prémios nacionais e internacionais, gozando por esse motivo de uma longa e duradoura relação de confiança com os consumidores. (Cft. Docs. 4 a 22 da reclamação apensa aos presentes autos);
XX) A notoriedade da marca PINGO DOCE foi também reconhecida por Decisão do Painel de Especialistas do Centro de Arbitragem e Mediação da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, (Caso Nº D2001-1451) a respeito do litígio relativo ao nome de domínio www.pingodoce.com, foi entendido e decidido pelo Painel de Especialistas que a marca PINGO DOCE, da ora Recorrente “(…)é notoriamente conhecida no seu país de origem”.. (Cft. Doc. 26 da reclamação apensa aos presentes autos);
YY) Face à elevada notoriedade de que gozam as marcas PINGO DOCE, que o próprio Instituto Nacional da Propriedade Industrial reconheceu, e erradamente não valorizou, o risco de confusão e/ou associação entre a marca impugnada e as marcas da Apelante à mesma origem ou proveniência resultará ainda mais agravado;
ZZ) Desde o ano de 2011 que as marcas PINGO DOCE da Apelante têm alcançado a 3ª posição no ranking anual da Brand Finance. (Cft. Docs. 10 a 16 juntos com as alegações de recurso);
AAA) A marca “PINGO DOCE é a marca da distribuição mais valiosa em Portugal”. (Cft. Doc. 20 junto com as alegações de recurso);
BBB) Face à demonstrada e reconhecida notoriedade de que gozam as marcas PINGO DOCE da Apelante e atentas as semelhanças da marca nacional n.º 588136 PINGO RESERVA com as marcas PINGO DOCE resulta inevitável que o uso da marca PINGO RESERVA para os produtos da classe 33ª, iria não só possibilitar um beneficio indevido do carácter distintivo das marcas da Apelante, como poderá efectivamente prejudicar a notoriedade que tais marcas granjeiam;
CCC) A notoriedade de uma marca agrava o risco de confusão;
DDD) Cabe também aplicação ao presente caso do disposto no nº 1 do artigo 234º do CPI, pelo que o registo de marca PINGO RESERVA;
EEE) Não se compreende assim que a sentença recorrido tenha reconhecido, e bem, a notoriedade das marcas PINGO DOCE da Apelante e, ao invés de analisar as marcas sub judice dentro do âmbito da protecção conferida por lei às marcas notórias, menoriza as consequências decorrentes da notoriedade que o próprio tribunal reconhece às marcas com a pretensa preocupação de proteger as novas marcas imitadoras, da supremacia das marcas notórias!;
FFF) A sentença recorrida revela receio de aplicar à marca PINGO RESERVA as devidas consequências legais que determinariam a sua recusa em virtude de imitação das marcas notórias PINGO DOCE, acaba por conferir uma protecção à marca imitadora que não conferiu às marcas imitadas anteriormente registadas e reconhecidamente notórias;
GGG) A decisão expressa no Acordão recorrido, não prentendo atribuir “um posição supremacia” às marcas notórias PINGO DOCE, decide em sentido inverso ao que a lei determina e acaba por premiar o recorrido com a concessão de um registo de marca que não poderia ter sido admitido;
HHH) Não existe justificação que possa legitimar a adopção de uma marca para exactamente o mesmo tipo de produtos e que apresenta tão elevadas semelhanças gráficas, fonéticas e ideográficas face às marcas – PINGO DOCE - anteriormente registadas da Apelante, tanto mais sendo estas precisamente marcas de referência de qualidade no respectivo sector de mercado e que gozam de reconhecida notoriedade.;
III) A decisão recorrida revela-se também ilegal porquanto conduz a sua decisão no sentido da não verficação de uma situação de concorrência desleal no caso das marcas usub judice;
JJJ) A escolha, hábil (ou não intencional) pela Recorrida da marca PINGO RESERVA para identificar “Vinhos que cumprem com a definição e com as condições de utilização da menção tradicional para vinhos de reserva” propicia, inegavelmente, a confusão e/ou associação com as marcas notórias – PINGO DOCE - da Recorrente, o risco de confusão e/ou associação às marcas da Recorrente e o risco de concorrência desleal tem-se assim por verificado;
KKK) A escolha da expressão PINGO em primeiro lugar na marca objecto do despacho recorrido seguida da expressão RESERVA, a qual corresponde, meramente, a uma informação ao consumidor quanto às qualidades ou atributos dos vinhos que, podem usar este tipo de designação – os vinhos RESERVA – ainda que possa ser uma mera coincidência, é propiciadora de erro ou confusão entre as marcas e/ou de associação das marcas à mesma origem ou proveniência, isto é, à Recorrente;
LLL)Parece poder também inferir-se da redacção acima enunciada que o tribunal a quo não excluiu, em absoluto a possibilidade de uma situação de concorrência desleal, tendo até admitido a existência de alguma margem de imitação, ainda que depois tenho concluído em sentido diverso;
MMM) De uma pesquisa efectuada no motor de busca Google para “vinho PINGO RESERVA”, todas as nove referências de vinho que surgem na primeira página remetem imediatamente para os vinhos PINGO DOCE, da Apelante. Tal foi comprovado pela então Recorrente por documento certificado em Cartório Notarial e junto como Doc. 21 com as alegações de recurso;
NNN) Idêntica pesquisa efectuada no motor de busca Google para “PINGO RESERVA”, as primeiras referências que surgem na primeira página remetem imediatamente para os vinhos PINGO DOCE, da Apelante. Tal foi comprovado por documento certificado em Cartório Notarial e junto como Doc. 21-A com as alegações de recurso;
OOO) A Apelante comercializa vários vinhos PINGO DOCE, com o designativo “Reserva”, tendo os mesmos já sido granjeados com relevantes prémios;
PPP) A possibilidade, o consumidor ser induzido em erro ou confusão e/ou associação entre os vinhos PINGO RESERVA e os vinhos PINGO DOCE não é uma mera ficção mas uma realidade injusta e ilegal e que a sentença recorrida desvalorizou totalmente;
QQQ) A adopção da expressão PINGO RESERVA, para identificar “vinhos”, sendo semelhante a PINGO DOCE – marcas notórias e com vinhos premiados – abre, para a recorrida, uma via de entrada no mercado que consubstancia uma vantagem ilegítima e ilegal, da recorrida relativamente aos registos de marca anteriores da Apelante;
RRR) O tribunal a quo deveria ter revogado a decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que concedeu o pedido de registo marca nacional nº 588136 em conformidade com o disposto no nº 1 do artigo 238º, 232º nº 1 al.) b) e h), 234º e 241º, todos do Código da Propriedade Industrial e, em consequência deveria ter recusado o referido registo de marca;
SSS) O pedido de registo de marca nº 588136 PINGO RESERVA objecto da decisão recorrida, não detém a necessária eficácia ou capacidade distintiva, exigida por lei para ser admitida a registo, uma vez que não realiza a sua função identificadora relativamente aos produtos a que se destina por não se distinguir das marcas da Apelante, anteriormente registadas;
TTT) A sentença recorrida ao manter o despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que deferiu o pedido de registo de marca nº 588136 PINGO RESERVA viola as referidas disposições legais pelo que deverá a mesma ser revogada.
Terminou sustentando dever o «recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se a sentença recorrida bem como o despacho de concessão do registo de marca nacional nº 588136 PINGO RESERVA substituindo-o por outro que RECUSE na totalidade o registo da referida marca».
Cumprido o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do art. 657.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
São as seguintes as questões a avaliar:
 1. O tribunal a quo deveria ter revogado a decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que concedeu o pedido de registo marca nacional n.º 588136 em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 238.º, nas al.s b) e h) do n.º 1 do art. 232.º e nos  arts. 234.º e 241.º, todos do Código da Propriedade Industrial e, em consequência deveria ter recusado o referido registo de marca?
2. O pedido de registo de marca nº 588136 PINGO RESERVA objecto da decisão recorrida, não detém a necessária eficácia ou capacidade distintiva, exigida por lei para ser admitida a registo, uma vez que não realiza a sua função identificadora relativamente aos produtos a que se destina por não se distinguir das marcas da Apelante, anteriormente registadas?
II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Vem provado que:
1. Em 24.10.2018, a Directora do Departamento de Marcas, Desenhos e Modelos do INPI, no uso de competências subdelegadas pelo Conselho Directivo, proferiu despacho pelo qual concedeu o registo da marca nacional nº 588136



para assinalar os produtos vinhos que cumpram com a definição e com as condições de utilização da menção tradicional para vinhos de reserva” na classe 33ª da classificação internacional de Nice, reportado ao pedido apresentado pela Paços das Côrtes – Produção e Comércio de Vinhos Lda, em 12.9.2017.
2. Em 2.1.2019, a ora Recorrente apresentou no INPI pedido de modificação da decisão de concessão do registo da marca nacional nº 588136.
3. Em 24.4.2019, por despacho da Vogal do Conselho directivo do INPI foi indeferido pedido de modificação da decisão apresentado pela Recorrente, com os fundamentos constantes a fls 101 e seg dos autos, aqui dados por reproduzidos na íntegra.
4. º A Recorrente é titular da marca nacional nº 429492



pedida em 6.3.2008 e concedida em 2.6.2008, para assinalar os produtos “bebidas alcoólicas com excepção de cervejas” na classe 33ª da classificação internacional de Nice.

5. A Recorrente é titular da marca nacional nº 571308



pedida em 7.10.2016 e concedida em 16.1.2017, para assinalar os serviços “serviços de venda a retalho prestados por supermercados e lojas de conveniência, agrupamento de vários produtos para outros (excepto transporte) permitindo aos consumidores vê-los e comprá-los de modo fácil num supermercado” na classe 35ª da classificação internacional de Nice.

6. Na publicação digital Meios&Publicidade 20 anos, de 6.2019, é apresentado um estudo no qual o Pingo Doce aparece em 4º lugar no top 5 do ranking das marcas portuguesas.
7. No site hipersuper.pt 2018/07/03 é referida a conquista de 16 prémios dos vinhos Pingo Doce em dois concursos.
8. No site marketing vinhos.com 2019/07/30, alude-se ao prémio internacional ganho pelo Espumante Pingo Doce Baga Bairrada 2015.
Fundamentação de Direito
 1. O tribunal a quo deveria ter revogado a decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que concedeu o pedido de registo marca nacional n.º 588136 em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 238.º, nas al.s b) e h) do n.º 1 do  art. 232.º e nos arts. 234.º e 241.º, todos do Código da Propriedade Industrial e, em consequência deveria ter recusado o referido registo de marca?
Face ao disposto na al. c) do  art. 15.º  do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10.12, é aplicável na presente acção o Código da Propriedade Industrial de 2018.
O n.º 1 do  art. 238.º do Código da Propriedade Industrial que, alegadamente, obstaria ao registo da marca mista nacional «Pingo Reserva», estatui, sob a epígrafe «Conceito de imitação ou de usurpação»:
1 - A marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
Estamos, na situação específica que cumpre apreciar nos termos enquadrados no recurso que baliza esta intervenção, perante um confronto de dois conjuntos de sinais «suscetíveis de representação gráfica» compostos por palavras e desenhos tendencialmente «adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa», ou seja, preenche-se a previsão do  art. 208.º do Código da Propriedade Industrial. Encontramo-nos, pois, face a duas marcas.
Feita esta aferição preliminar à luz do Direito constituído, localizamos, nos factos fixados, elementos seguros sobre a relação temporal entre as mesmas. Os registos dos sinais distintivos da Recorrente foram admitidos em 02.06.2008 e 16.01.2017; o do signo da Recorrida em 24.10.2018.
Preenche-se, consequentemente, o requisito de prioridade mencionado na al. a) acima transcrita.
Não há, também, dúvida sobre a vocação dos sinais da Recorrida e da marca n.º 429492 para assinalarem «produtos ou serviços idênticos ou afins» – «classe 33ª da classificação internacional de Nice» (vd. factos provados n.ºs 1 e 4 ).
Pode admitir-se, ainda que com cuidados acrescidos de controlo da precisão técnica – face ao carácter menos manifesto e imediato do resultado do cotejo – a afirmação do Tribunal «a quo» no sentido de que «também se revela existir afinidade entre os produtos propostos assinalar pela marca nacional n.º 588136 e os serviços assinalados pela marca nacional nº 571308, face à complementaridade existente entre eles, traduzida na susceptibilidade da oferta mercantil dos produtos em apreço por ser feita pelos serviços de venda a retalho prestados nas lojas “Pingo Doce”».
Não deixa de se manifestar estarem compreendidos aqui severos riscos por se poder admitir, por esta via, que um operador económico não especializado e generalista da área do retalho se sinta no direito de invadir extensas e realmente alheias áreas da economia com as sua pretensões de tutela de marca, assim saltando as barreiras temáticas que se quis instituir com a classificação de Nice.
Este tipo de associação terá que se fazer, pois, com grandes cautelas, atendendo sempre às finalidades de relevo macro-económico dos mecanismos de protecção dos direitos individuais emergentes do registo de marcas.
Materializa-se a fattispecie da alínea b) acima reproduzida.
Resta a al. c), também supra transcrita.
Essa norma assenta nas noções centrais de semelhança e risco de erro, confusão ou associação, tendo em atenção a necessidade de garantir o adequado funcionamento do mercado, particularmente através da defesa da concorrência sã e leal, tudo com vista a assegurar o funcionamento equilibrado e eficaz da economia. Nessa norma, expressamente se admite e dá como elemento pressuposto que o consumidor-tipo não realiza exame ou confronto atentos.
O juízo central que se pede ao julgador no contexto da avaliação da existência de imitação de marca registada é mais psicológico do que jurídico já que se lhe requer que reconstitua e intua o olhar do consumidor perante expressões ou signos que exornem a apresentação comercial e económica dos actores.
E é assim porque se visa como fim último salvaguardar a livre e equilibrada concorrência e, como finalidades derradeiras, a garantia de iguais oportunidades para todos os potenciais agentes, a protecção do consumidor e o eficaz funcionamento da economia. Há, pois, aqui, no que tange à teleologia, um marcante balanço entre os direitos individuais e as finalidades colectivas.
O conceito de consumidor que se obtém no cruzamento destes elementos motivadores e, sobretudo, da referida análise psicológica, identifica um cidadão descontraído, pouco atento, que associa, bastas vezes, o acto de adquirir a uma actividade de lazer ou a ele análoga. Por assim ser, é adequado referir que o cidadão assim identificado realiza uma análise globalizante, indiciária, de conjunto, que faz associações ligeiras e rápidas, que atende mais às diferenças do que às semelhanças, que compara convicções difusas (porque assentes na memória) com percepções físicas pouco densas, que se deixa atrair por imagens, sons e palavras geradoras de impressões mais marcantes, que faz rápidas sínteses e que, no final do processo, não logra aperceber-se de toda a realidade, seus detalhes e respectivas características particulares.
Se é certo que «o consumidor médio apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das suas diferentes particularidades» não menos verdade é que essa ponderação não se faz de forma linear e homogénea. Antes a mesma é desequilibrada e atende mais a uns elementos do que a outros.
É adequado que se tenha presente o facto de o consumidor dar maior relevo e prestar mais atenção aos vocábulos iniciais – vd., neste sentido, os Acórdãos do Tribunal Geral «Trubion Pharmaceuticals», Processo T-412/08, «Spa Therapy», Processo T-109/07 e do Tribunal de Primeira Instância, «Meric» (ou «PAM-PIM'S BABY-PROP»), Processo T-133/05, e «Wassen International» (ou «SELENIUM-ACE»), Processo T-312/03, que consideraram que a posição inicial na marca é o local mais visível e atendido. 
Porém, daqui não resulta a necessidade de considerarem irrelevantes os elementos de segunda linha ou de se concluir que será sempre como parece fluir da referência lançada no parágrafo anterior. É assim, particularmente, porque tal prevalência é bem mais relevante relativamente a marcas de maior extensão vocabular, designadamente formadas por distintos blocos ideológicos ou compostos por diversas línguas.
O apontado critério assume escasso relevo quando, como acontece no caso presente, são apenas dois os vocábulos em confronto em cada marca e qualquer deles, fora da composição que integram, não tem eficácia distintiva – por exemplo «pingo», isolado, não autonomiza, antes é palavra de uso comum («porção muito pequena e arredondada de um líquido, «gota», «pinga», «porção de líquido que cai ou pinga» – in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org [consultado em 21-09-2020]). Trata-se, efectivamente, de vocábulo que não produz diferenciação nem é susceptível de apropriação individual (facto que a Recorrente não podia ignorar quando construiu a sua marca).
«Pingo Doce» só distingue a marca da Recorrente porque constitui uma expressão autónoma, surpreendente, imprevisível quando referida a supermercados e lojas de conveniência e não perdendo este carácter de imprevisibilidade se referida a vinhos não adocicados.
A esta luz, o consumidor que atendesse apenas à palavra «Pingo», dando como adquirido que a Recorrente se tinha realmente podido apropriar legitimamente de um vocábulo do léxico Lusitano e que podia afastar toda a concorrência que também quisesse usar essa palavra da língua comum, sempre teria perdido a noção semântica central da marca que é, manifestamente, «gota de sabor adocicado»). Aliás, se referisse a marca assim amputada nas suas conversas quotidianas, corria sério risco de não ser entendido (por exemplo se dissesse, «vou ao Pingo», «cheguei do Pingo», «cheguei carregado do Pingo» ou «hoje vi coisas boas no Pingo»). Antes pareceria um dito jocoso de natureza particular.
Não há conhecimento de que assim se faça menção às lojas da Recorrida.
Apesar de se abreviarem, por comodidade, algumas marcas, não se vislumbra que tenha sido realizada essa operação com o signo da Recorrente.
Assim sendo, como insofismavelmente é, temos que concluir que a tentativa  de chamada de atenção para o único ponto comum da comparação, buscando criar uma leitura redutora, tudo concentrando no primeiro vocábulo, não tem, aqui, qualquer razão de ser.
Quanto ao mais que exorna as marcas, só se vislumbram diferenças: as palavras são diversas («doce» e «reserva») o grafismo é espartano mas distinto – num caso e no outro, apenas assente na conjugação de cores, disposição de letras e uso de tipos próprios ou, no caso da Recorrida, na óbvia mas distinta estilização com dupla representação gráfica (apresentação integral a par da separação pela mediatriz, num quadro bicromático, de uma gota) e uso de um tipo de letra comum, sem rasgos criativos.
Ora, se a palavra inicial, neste circunstancialismo, não é mais relevante que a ulterior, se aquilo a que se atende, quanto aos vocábulos, são a semântica e sonoridade que resulta da associação, tem que se concluir que as marcas não revelam «semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão» nem está subjacente «um risco de associação com marca anteriormente registada» não podendo o consumidor operar a necessária distinção senão após um «exame atento ou confronto».
Tem ainda sentido referir que existe um crescendo de atenção do consumidor em nichos especializados como o dos vinhos, encontrando-se os compradores deste nicho tendencialmente bem mais informados e melhor protegidos ao nível do cotejo de produtos e agentes económicos envolvidos. A este fenómeno não será alheia – em associação com outros, certamente (tais como modas, estilos de vida,  emulação de comportamentos, força de sedução do mundo da enologia, …) – a existência de publicações mono-temáticas, literatura explicativa e aplicações informáticas móveis de análise e comparação de produtos e preços do sector vitivinícola.
Este fenómeno torna ainda mais segura a conclusão pela ausência, in casu, do risco de indevida associação.
Flui do exposto, à luz do afirmado, que, ao contrário do sustentado no recurso, o estabelecido no n.º 1 do  art. 238.º do Código da Propriedade Industrial não impunha a rejeição da marca da Recorrida.
A Recorrente revelou entender também que o estatuído nas al.s b) e h) do n.º 1 do  art. 232.º do encadeado normativo sempre sob referência obstava ao registo da marca.
Brota do que se acabou de afirmar e dos factos relevantes analisados que não há, no caso sob avaliação, reprodução de marca anteriormente registada (já se viu serem dissonantes os signos na sua globalidade e ser não sintónica a provável percepção das marcas pelo consumidor.
Viu-se já, de forma idêntica, inexistir imitação.
Não há risco de erro ou confusão por parte do consumidor ou de associação com a marca pré-registada.
Não procede esta vertente do recurso.
Alegadamente, também o  art. 234.º imporia a recusa do registo.
Porém, os factos provados não são subsumíveis a esta norma ao nível dos desvalores aí afrontados porquanto não há reprodução, imitação ou tradução de marca notória, tudo nos termos que emergem do dito supra (com excepção da matéria da tradução, não abordada, e que resulta manifesto não ser aplicável na situação analisada nos autos).
Finalmente, a aceitação do registo criticado no processo afrontaria o estabelecido no  art. 241.º. Porém, este artigo, na versão do Código da Propriedade Industrial aplicável na presente acção reporta-se ao pedido de registo internacional, o que não possui ligação com o que se aprecia.
Admite-se que tenha havido erro de alegação e se tenha feito referência ao preceito com esse número na versão anterior desse Código e que, afinal, corresponde ao  art. 234.º que se ponderou no bloco analítico anterior.
Assim sendo, nada mais há a acrescentar.
É negativa a resposta à questão em apreço.
2. O pedido de registo de marca nº 588136 PINGO RESERVA objecto da decisão recorrida, não detém a necessária eficácia ou capacidade distintiva, exigida por lei para ser admitida a registo, uma vez que não realiza a sua função identificadora relativamente aos produtos a que se destina por não se distinguir das marcas da Apelante, anteriormente registadas?
O que se afirmou supra contém já a resposta a dar na presente sede.
Articulados os elementos nominativos do signo com o grafismo escolhido, há que concluir que a marca da Recorrida possui a necessária virtualidade de distinguir os seus produtos perante os produtos da Recorrente.
É também negativa a resposta a esta questão.
III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos a apelação improcedente e, em consequência, confirmamos a sentença impugnada.
Custas pela Apelante.

Lisboa, 29.09.2020
Carlos M. G. de Melo Marinho
Ana Isabel de Matos Mascarenhas Pessoa
Rui Miguel de Castro Ferreira Teixeira