PROPRIEDADE INDUSTRIAL
MARCA
FUNÇÃO DISTINTIVA DA MARCA
REPRODUÇÃO DA MARCA
MARCA PRIORITÁRIA
REGISTO DE MARCA
Sumário

I. O juízo central que se pede ao julgador no contexto da avaliação da existência de imitação de marca registada é mais psicológico do que jurídico, já que se lhe requer que reconstitua e intua o olhar do consumidor perante expressões ou signos que exornem a apresentação comercial e económica dos actores;
II. E é assim porque se visa como fim último salvaguardar a livre e equilibrada concorrência e, como finalidades derradeiras, a garantia de iguais oportunidades para todos os potenciais agentes, a protecção do consumidor e o eficaz funcionamento da economia. Há, pois, aqui, no que tange à teleologia, um marcante balanço entre os direitos individuais e as finalidades colectivas;
III. O conceito de consumidor que se obtém no cruzamento destes elementos motivadores e, sobretudo, da referida análise psicológica, identifica um cidadão descontraído, pouco atento, que associa, bastas vezes, o acto de adquirir a uma actividade de lazer ou a ele análoga. Por assim ser, é adequado referir que o cidadão assim identificado realiza uma análise globalizante, indiciária, de conjunto, que faz associações ligeiras e rápidas, que atende mais às diferenças do que às semelhanças, que compara convicções difusas (porque assentes na memória) com percepções físicas pouco densas, que se deixa atrair por imagens, sons e palavras geradoras de impressões mais marcantes, que faz rápidas sínteses e que, no final do processo, não logra aperceber-se de toda a realidade, seus detalhes e respectivas características particulares;
IV. Se é certo que «o consumidor médio apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das suas diferentes particularidades» não menos verdade é que essa ponderação não se faz de forma linear e homogénea. Antes a mesma é desequilibrada e atende mais a uns elementos do que a outros;
V. É adequado que se tenha presente o facto de o consumidor dar maior relevo e prestar mais atenção aos vocábulos iniciais (assim revelando alguma impaciência analítica, particularmente quanto a denominações extensas como a que se analisa);
VI. Existe um crescendo de atenção do consumidor em nichos especializados como o dos vinhos e, particularmente, dos vinhos de pequena produção e gama alta e dispendiosa, encontrando-se os consumidores deste nichos tendencialmente bem mais informados e melhor protegidos no cotejo de produtos e agentes económicos envolvidos.

Texto Integral

Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO                 
MARIA (...) , com os sinais identificativos constantes dos autos, instaurou «ACÇÃO DE ANULAÇÃO DE DENOMINAÇÃO SOCIAL» com processo «COMUM» contra a Sociedade «L (...)», neles também melhor identificada.
O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos:
MARIA (...) , residente em Valle Pradinhos nº 23 Macedo de Cavaleiros, propôs a presente acção de anulação, seguindo a forma de Acção Comum, contra L(...), com sede na Rua (...), por via da qual peticiona:
a) a anulação da denominação social da Ré, com as consequentes comunicações e averbamentos junto do RNPC, incluindo a determinação do cancelamento dos respectivos registos e matrícula;
b) a condenação da Ré a abster-se de usar a expressão “Lost Corner”, isoladamente ou em conjunto com outros elementos, para assinalar bebidas alcoólicas e serviços ou estabelecimentos relacionados com a venda dessas bebidas, nomeadamente, bares, cafés, restaurantes, garrafeiras e quaisquer outros estabelecimentos de venda de bebidas alcoólicas, em qualquer suporte, nomeadamente em produtos, publicidade, internet ou na identificação ou decoração de estabelecimentos;
c) a condenação da Ré no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de 200€ por cada dia de incumprimento da ordem de abstenção supra enunciada.
Alega, em síntese, ser titular da marca nacional nº 419.438 “VALLE PRADINHOS THE LOST CORNER”, destinada a assinalar os produtos “bebidas alcoólicas (com excepção de cervejas)”, concedida em 13.11.2007. Esta marca é usada para assinalar uma das gamas mais altas e caras de vinhos produzidos pela Autora, em cujo rótulo é dado especial destaque à expressão “The Lost Corner”.
A Ré foi constituída em 10.4.2017 sob a designação “L...”, tendo por objecto social a compra, venda e gestão de imóveis, actividades de restauração e hotelaria, importação e exportação, comércio geral, compra e venda de bens no mercado nacional e internacional, prestação de serviços no mercado nacional e internacional. A Ré explora um estabelecimento denominado “Lost Corner Wine House”, sita em Bragança, no qual vende vinhos a retalho, entre outros produtos.
A denominação social da Ré é manifestamente confundível com a marca da Autora, pela sua semelhança com o seu sinal, acentuado pelo destaque dado no rótulo à expressão “The Lost Corner”, surgindo na prática como uma sub-marca dos vinhos “Valle Pradinhos”. Esta circunstância é agravada pela proximidade geográfica dos negócios em causa, da mesma sub-região vinícola.
Citada, a Ré ofereceu contestação, pugnando pela improcedência da acção e a sua absolvição o pedido. No essencial, impugna a factualidade vertida na petição inicial. Alega explorar um estabelecimento comercial denominado “Lost Corner”, seguida da imagem comum à marca com o mesmo nome, onde vende produtos das classes 29ª, 30ª e 33ª da classificação internacional de Nice, sendo no caso das duas primeiras produtos da marca nacional nº 594115 [imagem não reproduzida], concedida pelo INPI à Ré em 8.8.2018.
Além de diferenciar os direitos decorrentes da firma e da marca, refuta qualquer confundibilidade entre ambas porquanto na marca da Autora a expressão principal e distintiva é “Valle Pradinhos”. A designação “The Lost Corner” é apenas acessória, sem exclusividade, sendo os vinhos conhecidos pelo consumidor por referência à denominação da propriedade onde são produzidos.
Em sede de audiência prévia, foi definido o objecto do litígio e elencados os temas de prova.
Foram realizadas a instrução, a discussão e o julgamento da causa, tendo sido proferida sentença que decretou:
Por tudo o explanado e nos termos sobreditos, julgo totalmente improcedente por não provada a presente acção e consequentemente absolvo a Ré dos pedidos.
É dessa sentença que vem o presente recurso interposto por MARIA (...) , que alegou e apresentou as seguintes conclusões:
I — OS CONCRETOS PONTOS DE FACTO QUE FORAM INCORRECTAMENTE JULGADOS SÃO OS SEGUINTES:
 A — N.º 10 DOS “FACTOS PROVADOS”
A caracterização da loja da Ré e a forma como esta se apresenta não foram correctamente julgadas pelo tribunal a quo, quando entendeu que “A loja da Ré apresenta-se como uma mercearia fina com produtos gourmet da região transmontana”.
Da prova produzida nos autos, resulta que este N.º 10 deveria ter a seguinte redacção:
“A loja da Ré apresenta-se como um bar de vinhos (“wine house”) dedicandose essencialmente à venda desses produtos e, complementarmente, à venda de produtos alimentares típicos da região transmontana”.
Os concretos meios probatórios que impõem esta alteração são:
a) os docs n.ºs 3, 4 e 5 juntos com a PI, de que resulta que a própria Ré, na sua página de Internet, no Facebook, se apresenta como uma “Wine House” (ou seja, uma “loja de vinhos”), na designação que surge à esquerda da página);
b) o documento adiante junto (imagem do portal do “tripadvisor”, disponível na Internet, no endereço https://www.tripadvisor.pt, em que esse bar surge com a designação “LOST CORNER WINE HOUSE”, sendo que as críticas dos clientes referem a venda e consumo de vinhos, qualificando-a, mesmo, como “a melhor casa de vinhos de Bragança”;
c) o depoimento da testemunha MARA (…) (Sessão de 5/12/2019, CD min. 00:14:01 a 00:15:02).
B — FACTO INDEVIDAMENTE OMITIDO
Com grande relevância para a boa decisão da causa é a forma como os vinhos que ostentam a marca n.º 419.438 são conhecidos e designados pelos consumidores e agentes económicos.
Face à prova produzida nos autos, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado o seguinte facto:
– Os vinhos comercializados pela Autora sob a marca n.º 419.438 são conhecidos no mercado e referidos pelos clientes pela designação “LOST CORNER”.
 Os concretos meios probatórios que impõem o aditamento deste facto são:
a) O documento n.º 2 da PI e os 9 documentos juntos com o requerimento da Autora de 7.11.2019;
b) os depoimentos das testemunhas ÓSCAR (…) (Sessão de 5/12/2019, CD min. 00:04:01 a 00:05:23 e min. 00:08:06 a 00:09:03) e MARA (...)(Sessão de 5/12/2019, CD min. 00:06:04 a 00:06:59).
Esta matéria de facto devia ter sido dada como provada e, erradamente, não o foi, pelo que deverá a mesma ser aditada aos “Factos Provados”.
II — Face ao exposto, é claro que a matéria de facto foi deficientemente julgada e seleccionada, pelo que importa corrigir os “Factos Provados”, alterando o N.º 10 nos termos propostos e aditando um novo N.º 11, como acima indicado.
III — Contudo, mesmo que a matéria de facto viesse a manter-se inalterada, sempre deveria revogar-se a sentença recorrida, face aos erros jurídicos em que esta incorreu.
IV — Desde logo, ao analisar a afinidade ou proximidade entre os produtos assinalados pela marca da A. e a actividade exercida pela Ré, a decisão recorrida não ponderou devidamente a natureza da “wine house” explorada pela Ré, nem a circunstância de nela se venderem vinhos.
V — Isto depois de a Ré ter pedido no INPI o registo da marca LOST CORNER para assinalar vinhos e de tal registo lhe ter sido recusado, atenta a “a afinidade existente entre os produtos que a Requerente pretende assinalar na classe 33.ª e os produtos prioritariamente assinalados pela marca obstativa na mesma classe”.
VI — Perante isso, a Ré, tendo falhado o “plano A” (obter um registo da marca “LOST CORNER” para vinhos), adoptou o “Plano B”, que consistiu em explorar uma “Wine House” com o nome “LOST CORNER — em violação do direito prioritário da Autora..
VII — Mas é sobretudo ao analisar o risco de confusão que a sentença impugnada incorrer nos erros mais graves, afrontando os critérios consagrados em matéria de comparação de sinais distintivos.
VIII — É sabido que a comparação de sinais distintivos deve atender ao elemento dominante de cada um, ao seu núcleo essencial, desvalorizando os pormenores.
IX — Ora, o elemento dominante e mais característico da marca da Autora é a expressão “THE LOST CORNER”:
X — Isso deve-se, por um lado, ao facto de esse ser o elemento mais arbitrário do conjunto de expressões que compõem a marca e de estar colocada em maior evidência nos rótulos;
XI — Por outro lado, a parte restante (a expressão “Vale Pradinhos”), tendo um carácter geográfico, assume, naturalmente, um caráter distintivo menor no conjunto verbal que integra a marca
XII — Sendo o elemento dominante (“LOST CORNER”) totalmente reproduzido na firma da Ré, e constituindo o elemento central do sinal distintivo que esta usa no seu estabelecimento (a sua “wine house”), torna-se evidente o risco de confusão por parte dos consumidores, quando confrontados com a firma da Ré e com o seu estabelecimento, sendo levados a associá-los com a marca de vinhos da Autora.
XIII — Ao contrário do que entendeu o tribunal a quo, o facto de uma marca ser conhecida e reputada não atenua o risco de confusão dos consumidores e agentes económicos, nem provoca “uma maior resistência a confusões ou erros quando confrontados com diferentes produtos ou serviços”.
XIV — Tal levaria ao absurdo de entender que, quanto mais conhecida e reputada fosse uma marca, menos protecção deveria ter...
XV — Conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça (ac. de 29.09.1998 (C-39/97, CANON, §§ 18 24), a distintividade e a notoriedade da marca anterior aumentam a susceptibilidade de erro por parte do público, que mais facilmente ligará o sinal posterior à marca preexistente.
XVI — Por esse motivo, no acórdão de 22.06.2000 (ADIDAS, C-425/98, § 40), o TJUE declarou: [...] pode verificar-se um risco de confusão, apesar do mínimo grau de semelhança entre os produtos ou serviços designados, quando a semelhança das marcas é grande e o carácter distintivo da marca anterior, em especial a sua notoriedade, é elevado.
XVII — Tendo-se apurado, na sentença recorrida, que a marca da Autora é “sobejamente conhecida”, e que assinala vinhos “de elevada qualidade, em que a procura supera a oferta”, devia retirar-se daí a conclusão lógica de que a mesma merece uma protecção mais ampla que a das marcas menos conhecidas, enfrentando um maior risco de confusão.
XVIII — Assim, à luz de um correcto entendimento do Direito de Marcas, o tribunal recorrido devia ter concluído que o consumidor médio, ao ser confrontado com a denominação social da Ré (LOST CORNER, Lda.) e com o nome do estabelecimento que esta explora, facilmente os associará com a marca da Autora (VALLE PRADINHOS THE LOST CORNER), sendo levado a supor que está em causa uma mesma entidade, responsável pela produção e venda do vinho com essa marca, incorrendo assim, facilmente, em erro ou confusão.
XIX — Por isso, deveria ter sido anulada a denominação social da Ré, posterior ao registo da marca protegida, proibindo-se esta de continuar a usar a expressão “LOST CORNER”, para produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais aquela marca está registada. A douta sentença recorrida violou, pois, o disposto nos arts. 4.º, n.º 4, 258º e 245º do Código da Propriedade Industrial de 2003.
Pelo que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser: ¾ Alterada a matéria de facto dada como provada, nos termos acima indicados, alterando o n.º 10 e aditando um novo N.º 11. ¾ Revogada a sentença recorrida, anulando-se a denominação social da Ré e condenando-se esta nos termos peticionados (…).
L (...) respondeu às alegações de recurso e, sem apresentar conclusões, sustentou dever ser o recurso julgado improcedente.
Cumprido o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do art. 657.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
São as seguintes as questões a avaliar:
1. Com fundamento em erro de julgamento, deve ser alterada a resposta à matéria de facto nos termos propostos na impugnação judicial?
2. O «Tribunal recorrido» devia ter concluído que o consumidor médio, ao ser confrontado com a denominação social da Ré (L...) e com o nome do  estabelecimento que esta explora, facilmente os associará com a marca da Autora (VALLE PRADINHOS THE LOST CORNER), sendo levado a supor que está em causa uma mesma entidade, responsável pela produção e venda do vinho com essa marca, incorrendo assim, facilmente, em erro ou confusão pelo que douta sentença recorrida violou o disposto nos arts. 4.º, n.º 4, 258.º e 245.º, todos do Código da Propriedade Industrial de 2003?
II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
1. Com fundamento em erro de julgamento, deve ser alterada a resposta à matéria de facto nos termos propostos na impugnação judicial?
Segundo a Recorrente, o n.º 10 da «fundamentação de facto» da sentença deveria ter a seguinte redacção:
“A loja da Ré apresenta-se como um bar de vinhos (“wine house”) dedicando-se essencialmente à venda desses produtos e, complementarmente, à venda de produtos alimentares típicos da região transmontana”.
O Tribunal «a quo» deu a tal número a redacção que se transcreve.
10. A loja da Ré apresenta-se como uma mercearia fina com produtos gourmet da região transmontana.
O mesmo Tribunal justificou a cristalização fáctica nos termos que se enunciam:
A matéria dada como provada baseia-se na prova documental junta pela Autora a fls 5 a 6 (certidão do registo da marca nº 419438), fls 6v (fotografia de garrafa da marca em estudo) fls 9 (certidão permanente da Ré), e fls 38 a 50, corroborada, complementada e explicitada pelo depoimento das testemunhas Maria (...), comercial a Autora referindo-se à venda do vinho em apreço, anos de produção e procura nas casas da especialidade, e Mónica Conceição, enóloga de profissão e ciente da loja “Lost Corner” e nessa medida conhecedora dos produtos aí comercializados, tendo ambas revelado ter conhecimento directo dos factos e deposto com a necessária isenção, coerência e clareza, apresentando críveis os seus testemunhos ao Tribunal.
Na sua proposta de alteração fáctica, a Recorrente pretende a inclusão de conclusões de facto (o estabelecimento é um «bar de vinhos» ou «wine house» e a parte dedica-se «essencialmente» ou «complementarmente» a algo). Estes elementos não podiam ser incluídos na fundamentação fáctica da sentença por razões técnicas de base já que, no que se reporta a essa peça processual, levam-se factos à essa parte lógica da decisão e concluiu-se a partir deles a jusante, na subsunção, já em momento de apreciação do relevo jurídico e significado dos dados colhidos mediante instrução – vd., designadamente, o disposto nos n.ºs 3, 4 e 5 do  art. 607.º do Código de Processo Civil.
Por outro lado, ainda que assim não fosse, e é-o em termos inafastáveis, não poderiam incluir-se os juízos quantitativos e qualitativos «essencialmente» e «complementarmente» pela simples razão de não terem sido alegados, conforme linearmente se extrai do requerimento inicial. A tal sempre obstaria o disposto no n.º 1 do  art. 5.º do Código de Processo Civil, sempre lido em articulação com o estabelecido nos números seguintes do mesmo artigo.
Finalmente, quanto aos produtos vendidos na loja da Recorrida, temos que essa matéria foi cristalizada no n.º 5 dos factos demonstrados em termos que que não foram criticados neste recurso ao abrigo do estabelecido no art. 640.º do Código invocado. Trata-se, pois, de factualidade que vem já fixada em termos definitivos e com a qual importa não entrar em contradição interna.
Face ao exposto, resta-nos a apresentação ao público da loja, elemento que, esse sim, pode ser fixado por constituir matéria de facto.
Face ao exposto, defere-se apenas parcialmente o peticionado a este nível fixando o seguinte facto:
10. A loja da Ré apresenta-se ao público como «wine house», dedicando-se à venda dos produtos referidos no n.º 5.
Fundamenta-se o respondido e ora cristalizado quanto à primeira parte, na impressão da página do Facebook da Recorrida junta com o requerimento inicial e cujo valor demonstrativo não foi validamente posto em crise.
Segundo a mesma parte, teria sido indevidamente omitido o seguinte facto:
Os vinhos comercializados pela Autora sob a marca n.º 419.438 são conhecidos no mercado e referidos pelos clientes pela designação “LOST CORNER”.
 Estamos perante manifestação de vontade incluir agora o não alegado antes, assim reparando a mão quando o Direito adjectivo não o permite, particularmente a norma invocada supra. Tal emerge, de forma flagrante, da análise do requerimento inicial, no qual Recorrente tinha o ónus de incluir todos os seus motivos de sustentação do pedido de anulação de denominação social.
Improcede, pois, esta vertente do recurso.
Está provado que:
1. A Autora é titular da marca nacional nº 419.438 VALLE PRADINHOS THE LOST CORNER, assinalando na classe 33ª da classificação de Nice os produtos “bebidas alcoólicas, excepto cervejas”, cujo pedido foi apresentado no INPI em 20.8.2007 e concedido em 22.11.2007.
2. Esta marca é usada para assinalar uma das gamas mais altas e caras de vinhos produzidos pela Autora, na exploração agrícola denominada “Casal de Vale Pradinhos”.
3. No rótulo das garrafas deste vinho, aparece emoldurado no topo ao centro os dizeres “Valle Pradinhos” e por baixo “established 1913, e ao centro em letras maiores “The Lost Corner” e abaixo “red wine.vinho tinto 2010”.
4. A Ré foi constituída em 10.4.2017, sob a designação “Lost Corner Lda”, tendo por objecto social a compra, venda e gestão de imóveis, actividades de restauração e hotelaria, importação e exportação, comércio geral, compra e venda de bens no mercado nacional e internacional, prestação de serviços no mercado nacional e internacional.
5. A Ré explora um estabelecimento comercial denominada “Lost Corner” no centro da cidade de Bragança, no qual vende vinhos, azeites, vinagres, chás, mel, queijos, enchidos, frutos secos e doces da região de trás dos montes e ainda sabonetes, esponjas e discos esfoliantes.
6. A Ré é titular da marca nacional nº 594115,


concedida pelo INPI em 8.8.2018, para assinalar produtos das classes 29ª 30ª da classificação de Nice, também comercializados no seu estabelecimento.
7. Entre a propriedade agrícola onde o vinho da Autora é produzido e o estabelecimento da Ré dista cerca de 45Km de distância.
8. O vinho “Valle Pradinhos The Lost Corner” foi produzido e comercializado referente aos anos de 2010, 2017 e 2018.
9. Até à presente data, este vinho produz pequenas produções, sendo a procura superior à oferta disponibilizada no mercado.
10. A loja da Ré apresenta-se ao público como «wine house», dedicando-se à venda dos produtos referidos no n.º 5.
Fundamentação de Direito
2. O «Tribunal recorrido» devia ter concluído que o consumidor médio, ao ser confrontado com a denominação social da Ré (L...) e com o nome do  estabelecimento que esta explora, facilmente os associará com a marca da Autora (VALLE PRADINHOS THE LOST CORNER), sendo levado a supor que está em causa uma mesma entidade, responsável pela produção e venda do vinho com essa marca, incorrendo assim, facilmente, em erro ou confusão pelo que douta sentença recorrida violou o disposto nos arts. 4.º, n.º 4, 258.º e 245.º, todos do Código da Propriedade Industrial de 2003?
Face à anterioridade dos factos relevantes, por referência à data da entrada em vigor do Código da Propriedade Industrial actualmente vigente, é aplicável à presente acção, como bem assinalado pela Recorrente, a versão anterior de tal encadeado normativo.
Quanto ao mais, o Tribunal «a quo» fez, na sentença criticada, um enquadramento técnico adequado das noções subjacentes e pressuponentes da análise, ou seja, dos conceitos de «marca», dos direitos emergentes da sua titularidade, do quadro justificativo da pretensão de anulação de registo e dos critérios de aferição do preenchimento dos requisitos legais da anulação.
O acerto do dito no referido contexto de enquadramento, o facto de não terem sido suscitadas questões autónomas sobre tal análise liminar e a noção de que os Tribunais de recurso têm a sua intervenção balizada pelas questões de dissensão efectivamente colocadas, impõem que nada se acrescente relativamente a tais conceitos.
O Tribunal «a quo» fez várias afirmações que merecem sufrágio por serem adequadas aos factos, ao Direito constituído e à jurisprudência persistente e essencialmente unívoca incidente sobre a matéria.
Teve razão quando referiu que estamos confrontados com um quadro de materialização da prioridade invocada («resulta inequívoca a prioridade da marca nacional nº 419438 “VALLE PRADINHOS THE LOST CORNER”, titulada pela Autora»). Apenas se nota lapso quanto à indicação da data de concessão da marca da ora Recorrente que é, antes, 22.11.2007. A denominação social da Recorrida integrada no binómio comparativo remonta, com efeito, a momento temporal mais recente (10.04.2017).
Não menos razão lhe assistiu quando apontou a existência de uma identidade parcial entre a marca e a denominação, ou seja, como bem disse, «entre os produtos assinalados pela marca em apreço e a actividade comercial desenvolvida pela Ré».
Com acerto, apontou-se na sentença o carácter não exclusivo da venda de vinhos pela Recorrente e a condição mista ou multi-produto do estabelecimento comercial alegadamente situado em rota de colisão.
É esta a central condição da Recorrida que importa ponderar. A loja sob referência vende o que se provou e não qualquer outra coisa e menos segundo estrutura relacional de produtos não demonstrada e é assim independentemente de qualquer  apresentação comercial, publicitária, de presença nas redes sociais ou de iniciativas de angariação de clientela da comerciante. A  sua actividade concreta tem o conteúdo fixado no n.º 5 e deste não emerge daí o eventual factor de confusão que seria apresentar-se a Recorrida como possível loja de fábrica ou adega da Recorrente ou espaço de escoamento dos vinhos desta.
Não há qualquer noção emergente que inculque estarmos perante espaço de comercialização do vinho da Recorrente referido nos autos (aliás, sendo o produto de pequena produção e de fabrico desgarrado no tempo, ou seja, apenas nos anos de 2010, 2017 e 2018, sempre a loja não teria qualquer viabilidade económica enquanto projecto de comercialização do aludido vinho tendo já, seguramente, sido forçada a encerrar portas se porfiasse nesse modelo de negócio).
Por esta via, ficou fortemente afastada a formação da convicção da existência da possibilidade de o consumidor menos atento (ou médio) imaginar que estaria na presença de uma loja da empresa produtora de vinhos.
Este é um elemento decisivo. O que importava era saber se havia dados que permitissem concluir que o estabelecimento sempre seria associado ao produtor e seu produto por qualquer consumidor medianamente atento.
Neste quadro axilar, a Recorrente bem notou – e quis emendar a mão pela via da tentativa de incluir no recurso facto não alegado na acção – que era fundamental patentear que «os vinhos comercializados pela Autora sob a marca n.º 419.438 são conhecidos no mercado e referidos pelos clientes pela designação “LOST CORNER”».
Nada se provou neste âmbito, desde logo porque nada se alegou. E desta rarefação de invocação e demonstrativa emerge, de forma cristalina, que o Tribunal «a quo» não tinha qualquer elemento seguro sobre a possibilidade de indução do consumidor em confusão ou erro.
E não se diga que não seria assim já que sempre o nome do vinho continha, a final, a expressão «the lost corner». Com efeito importa não esquecer que o mesmo Tribunal foi confrontado nos autos com possibilidade de relevo bem distinto que era o de estar, por um lado, perante produção muito escassa, residual, de nicho, insusceptível de gerar conhecimento público relevante da existência e valia do produto. Acresce que, sendo o nome do vinho «Valle Pradinhos» em primeira e inicial linha, poderia ter valia também construção aludida no sentido de que nem os especialistas conheciam a sub-designação «The Lost Corner».
Neste contexto, o Tribunal não estava em condições de extrair, sem mais elementos, do longo e complexo nome, a possibilidade de confusão.
Bem andou o órgão jurisdicional ao considerar que o eixo do debate se centrava na ponderação do relevo da sobreposição onomástica parcial e da possibilidade de indução de confusão no quadro dos actos de consumo.
Há, como disse, «uma coincidência absoluta na expressão “Lost Corner”».
É também verdade, à luz da boa técnica que ao Tribunal cabia aplicar, que, na operação de julgamento a realizar, se impunha a análise de conjunto, a ponderação da capacidade de produzir impacto e a vocação para sensibilizar.
Com efeito, o juízo central que se pede ao julgador em situações do presente jaez é bem mais psicológico do que jurídico, já que se lhe requer que reconstitua e intua o olhar do consumidor perante expressões ou signos que exornem a apresentação comercial e económica dos actores. E é assim porque se visa como fim último salvaguardar a livre e equilibrada concorrência e, como finalidades derradeiras, a garantia de iguais oportunidades para todos os potenciais agentes, a protecção do consumidor e o eficaz funcionamento da economia. Há, pois, aqui, no que tange à teleologia, um marcante balanço entre os direitos individuais e as finalidades colectivas.
O conceito de consumidor que se obtém no cruzamento destes elementos motivadores e, sobretudo, da referida análise psicológica, identifica um cidadão descontraído, pouco atento, que associa, bastas vezes, o acto de adquirir a uma actividade de lazer ou a ele análoga.
Por assim ser, é adequado referir que o cidadão assim identificado realiza uma análise globalizante, indiciária, de conjunto, que faz associações ligeiras e rápidas, que atende mais às diferenças do que às semelhanças, que compara convicções difusas (porque assentes na memória) com percepções físicas pouco densas, que se deixa atrair por imagens, sons e palavras geradoras de impressões mais marcantes, que faz rápidas sínteses e que, no final do processo, não logra aperceber-se de toda a realidade, seus detalhes e respectivas características particulares.
Porém, se é certo que «o consumidor médio apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das suas diferentes particularidades» – a vd., neste sentido, os acórdãos do TJUE C-251/95, SABEL, C-39/97, Canon, C-108/97 e C-109/97, Windsurfing Chiemsee Produktions, C-342/97, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C-425/98, Marca Mode e do Tribunal de Primeira Instância T-292/01, Phillips-Van Heusen e T-112/03, L'Oréal – não menos verdade é que essa ponderação não se faz de forma linear e homogénea. Antes a mesma é desequilibrada e atende mais a uns elementos do que a outros.
No que importa ao presente caso, é adequado que se tenha presente –  como fez o Tribunal «a quo» – o facto de o consumidor dar maior relevo e prestar mais atenção aos vocábulos iniciais (assim revelando alguma impaciência analítica, particularmente quanto a denominações extensas como a que se analisa) – vd., neste sentido, os Acórdãos do Tribunal Geral «Trubion Pharmaceuticals», Processo T-412/08, «Spa Therapy», Processo T-109/07 e do Tribunal de Primeira Instância, «Meric» (ou «PAM-PIM'S BABY-PROP»), Processo T-133/05, e «Wassen International» (ou «SELENIUM-ACE»), Processo T-312/03, que consideraram que a posição inicial na marca é o local mais visível e atendido.
Por assim ser insofismavelmente é que se julga certa a conclusão do Tribunal no sentido de que o elemento verbal «Valle Pradinhos» é o preponderante e melhor retido na memória dos clientes e demais agentes económicos.
Poderá aditar-se, também, que estando nós face a circunstâncias de relevo essencialmente interno e produtos e actividade dirigidos a clientela nacional (à míngua de prova noutro sentido e, particularmente, se atendermos às pequenas produções da Recorrente que indiciam ausência de relevante exportação), sempre se deverá concluir que o tal consumidor médio (que inclui uma miríade de cidadãos que não fala outras línguas) atenderá com maior preponderância aos vocábulos ou expressões redigidos na língua portuguesa do que a outros de radical externo. Assim sendo, a expressão em língua inglesa «lost corner» – aliás também de escasso relevo distintivo quando avaliada pelos falantes desse idioma – funciona como elemento residual e bastas vezes nem sequer retido na memória do consumidor.
Tem, ainda, sentido que o Tribunal tenha referido que «a segunda parte aparece como uma sub-marca», o que naturalmente concede relevo superior à primeira parte.
Aceita-se, da mesma forma, por assumir adequação face aos factos provados, que se diga não ser de «descurar a circunstância» de o «estabelecimento comercial em análise não se circunscrever a um bar de vinhos, comercializando muitos outros produtos regionais», pelo que «também por esta via os elementos nominativos em confronto mostram-se casuisticamente» enquadrados «em contextos diferentes».
 A esta luz, comparar uma loja multi-produto (que, com naturalidade, também vende vinhos podendo dar, eventualmente, maior atenção a estes mas não renegando os demais produtos comercializados) com um vinho e com um nome que, na realidade do tráfico comercial não coincide (sendo o binómio a comparar, afinal, «valle pradinhos» vs. «the lost corner») aparenta clara desfocagem.
Reconhece-se, da mesma forma, razão ao Tribunal «a quo» ao lembrar o crescendo de atenção do consumidor em nichos especializados como o dos vinhos e, in casu, o dos vinhos de pequena produção e gama alta e dispendiosa. É de aceitar que se diga que os consumidores deste nicho serão tendencialmente bem mais informados e estarão melhor protegidos num quadro de cotejo de produtos e agentes económicos envolvidos. Como disse, é «maior resistência a confusões ou erros».
Aqui chegados, flui do dito que, apesar de ser legítimo, à luz do disposto no n.º 4 do  art. 4.º do Código da Propriedade Industrial de 2003, invocar registo de marca anterior para motivar o «pedido de recusa ou anulação de denominações sociais ou firmas com eles confundíveis, se os pedidos de autorização ou de alteração forem posteriores aos pedidos de registo», não existe, no caso presente, violação desta norma, ao contrário, pois, do sustentado no recurso, por não se preencherem as condições justificativas dessas recusa ou anulação. O mesmo ocorre relativamente ao art. 258.º, também alegadamente violado.
Não se preenche o conceito de imitação ou usurpação desenvolvido no 245.º do mesmo Código já que, conforme brota do exposto supra, não existe, no caso sob avaliação, «semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto» – cf. al. c) do n.º 1) .
Face ao que fica dito, impõe-se concluir pela improcedência do recurso e pela necessidade de manutenção do juízo criticado.
III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos a apelação improcedente e, em consequência, confirmamos a sentença impugnada.
Custas pela Apelante.
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Lisboa, 29.09.2020
Carlos M. G. de Melo Marinho
Ana Isabel de Matos Mascarenhas Pessoa
Rui Miguel de Castro Ferreira Teixeira