FACTOS NOTÓRIOS
CONTRATO DE RECEPÇÃO E TRANSMISSÃO DE ORDENS
CONTRATO DE GESTÃO DE CARTEIRAS
DE ASSISTÊNCIA OU CONSULTORIA PARA INVESTIMENTO
DEVERES DE INFORMAÇÃO
Sumário


I- Factos notórios são acontecimentos de que a generalidade das pessoas tomou conhecimento (v.g., um terramoto, uma guerra, um ciclone, uma inundação, um incêndio, uma revolução política, etc.) ou que adquiriram o carácter de notórios por via indirecta, ou seja, através de raciocínios desenvolvidos a partir de factos do conhecimento comum.
II- Os deveres de informação são do ponto de vista legal substancialmente diferentes consoante se esteja perante um contrato de recepção, transmissão de ordens ou antes perante contratos de gestão de carteiras, assistência ou consultoria para investimento.
Nestes tipos de contratos o nível de informação a que o intermediário financeiro está obrigado é muito mais exigente e na gestão de carteira e assistência implica informação sucessiva.
Já a simples intermediação na aquisição de títulos não abrange os resultados da operação efectuada, nem as vicissitudes que venham a verificar-se.

Texto Integral


ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – Relatório

A. S., casado, Industrial, residente na Rua …, Guimarães, intentou contra “Banco ..., S.A.”, com o número identificativo de pessoa colectiva ……… e sede na Rua …, Lisboa, acção declarativa comum, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 149.518,99, acrescida de juros à taxa legal de 4%, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Como fundamento invocou ter adquirido, sob intermediação do réu, 900 títulos obrigacionais da empresa X, S.A, à taxa de 9,75%, no valor nominal de 1.000,00, na moeda de denominação BRL, totalizando, assim, o montante global de 900.000,00 BRL, e que a X, S.A. se encontra em processo de recuperação judicial que corre termos no Tribunal de Justiça da Comarca do Rio de Janeiro, no qual se realizou assembleia geral de credores, com votação quanto ao plano de recuperação, havendo credores que ali individualizaram e reclamaram os seus créditos.
Referiu, concretamente, que o plano de recuperação foi votado e aprovado em assembleia geral de credores em 19 e 20 de Dezembro de 2017 e foi homologado em 8 de Janeiro de 2018, tendo o prazo para que os credores individualizassem os seus créditos terminado em 8 de Março de 2018.
Ficou determinado que os credores que reclamaram e individualizaram os seus créditos, receberiam metade do capital no prazo de seis anos, acrescido de juros de 6% ao ano, ao contrário dos credores que não reclamaram e individualizaram os seus créditos que ficaram sujeitos às decisões e votações do T., concretamente a um período de vinte anos de carência para reaver o capital e sem quaisquer juros.
Neste contexto, referiu que o réu nunca informou o autor do referido processo de recuperação judicial da X, S.A, seus procedimentos e prazos para agir, o que fez com que o mesmo não fosse ao processo de recuperação individualizar o seu crédito, sendo agora um credor geral.
Aduziu que o réu participou activamente na votação e aprovação do plano de recuperação, sendo exigível que informasse o autor dos passos a dar para evitar o prejuízo maior, sujeitando-o a um prazo de carência de vinte anos para eventualmente reaver o capital, ao invés de receber metade do capital no prazo de seis anos e com juros de 6 % ao ano.
Fundamenta, assim, o dano patrimonial alegadamente causado pelo réu, no quantum indemnizatório apurado pelo cálculo aritmético de metade do capital investido no prazo de seis anos e com juros a 6 % ao ano que receberia se tivesse reclamado e individualizado o seu crédito.
Concretiza, como tal, que à data da propositura da acção, 900.000,00 BRL correspondiam a € 205.174,97, sendo metade do referido capital € 102.587,49, que com a incidência de juros de 6%/ano, dá € 139.518.99.
Aduz, ainda, ter sofrido danos não patrimoniais consubstanciados na grande ansiedade e instabilidade psicológica, perturbação física e psicológica e temor da iminente gravidade do acto ofensivo que lhe estava a ser infligido, devendo ser compensado pela quantia de € 10.000,00.

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Regularmente citado o Réu apresentou contestação invocando, entre o mais, a ilegitimidade activa, por preterição de litisconsórcio necessário activo, já que as obrigações em causa nos autos eram tituladas pelo autor e pela sua mulher, a qual, entretanto, faleceu.
Invocou também a caducidade do direito de acção, por aplicação analógica do disposto no artigo 243.º, al. b), do CVM.
Por impugnação, alegou, no que interessa ao mérito da causa (já que, olhando à causa de pedir, tudo o que respeite à vontade de contratar não interessa, apenas importando a actuação subsequente ao processo de recuperação da X), que, na qualidade de custodiante dos títulos ou intermediário financeiro, não está sequer a exercer actividade bancária, o que tem consequências ao nível da delimitação dos deveres de informação que se si impendem.
Mais alegou que o autor sabia, pelo menos desde Outubro de 2016, que a sociedade emitente das obrigações estava em processo de recuperação, sendo que sobre o réu não pende qualquer dever de lhe dar acompanhamento nesse processo. Aliás, se o fizesse estaria a incorrer em procuradoria ilícita.
Concluiu que, de qualquer das formas, não há nexo de causalidade entre a alegada falta de informação quanto à necessidade de reclamar créditos na insolvência da X e o dano invocado, quer porque o autor teve a comunicação social a anunciar diariamente o que se passava no processo da X, podendo, se nisso tivesse interesse, praticar os actos necessários à reclamação do seu crédito, quer porque, como o próprio admite, o capital investido ser-lhe-á reembolsado, só que em lugar de um período de carência de 6 anos (como sucederia no caso de ter reclamado créditos) terá um período de carência de 20 anos. Acresce que, apesar de ter que esperar mais tempo, receberá mais valor. Não há, pois, dano efectivo ou dano decorrente da perda de qualquer chance.
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O A. respondeu, mantendo a sua posição, pedindo a improcedência da excepção de caducidade do direito de acção invocada pelo réu Banco ..., S.A, e, a final, que o pedido do autor seja julgado procedente por provado.
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O autor veio requerer a intervenção das filhas V. E., residente na …, Guimarães, e J. C., residente na Rua …, Guimarães, o que foi deferido, nos termos conjugados dos arts. 316.º, n.º 1 e 318.º, n.º 1, al. a), do CPC.
Após citação das chamadas, as mesmas declararam fazer seus os articulados do A., aceitando a causa no estado em que se encontrava e todo o processado.
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Proferido despacho saneador, com a intervenção das filhas do autor, julgou-se prejudicado o conhecimento da excepção de ilegitimidade activa – art. 130.º do CPC -, relegando-se para final o conhecimento da excepção de caducidade, por se considerar controvertida a matéria que a sustenta.
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Após a realização da audiência final foi proferida sentença que julgou a acçâo improcedente, absolvendo o réu “Banco ..., S.A.” do pedido.
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II. O Recurso

Não se conformando com a decisão proferida vieram os AA. apresentar recurso, nele formulando as seguintes conclusões:

1º- A sentença recorrida, dá como provado que o plano de recuperação foi votado e aprovado em assembleia geral de credores em 19 e 20 de Dezembro de 2017, veja-se pontos 5. e 6. da sentença.
2º- A sentença dá como provado que foi consignado no plano de recuperação que os credores que reclamaram e individualizaram os seus créditos recebem metade do capital no prazo de seis anos, acrescido de juros, depois de um período de carência de 6 anos e ainda que o recorrido não informou o autor do prazo em que o mesmo poderia ter ido reclamar créditos ao processo de recuperação judicial da X, S.A., nem quanto aos procedimentos para que deveria adotar para o fazer, veja-se pontos 7. e 8. da decisão.
3º- A sentença, dá, ainda, como provado que se os aqui recorrentes tivessem sido informados pelo aqui recorrido da possibilidade e prazos para reclamar e individualizar o seu crédito, tê-lo-ia feito e que o valor que pudesse obter seria por si reinvestido em valores mobiliários, veja-se pontos 9. e 10.
4º- Da factualidade dada como provada nos pontos 5., 6., 7., 8., 9. da 10 da sentença, resulta cristalino que os factos constantes das alíneas b) e c) dos factos não provados, estão em contradição e deveriam ter sido dado como provados.
5º- Ainda que, os factos constantes das alíneas b) e c), sejam julgados não provados, ou seja, que a data da homologação do plano de recuperação não tivesse sido 08 de Janeiro de 2018 e que o prazo para que os credores individualizassem os seus créditos não tivesse tenha terminado em 08 de Março de 2018, o que não se concede e apenas por mera hipótese de raciocínio de dever de patrocínio se equaciona, os factos julgados provados nos pontos 5., 6., 7., 8., 9. da 10 da sentença, deveriam levar à condenação do recorrido, atento que são claros de que foi consignado no plano de recuperação que os credores que reclamaram e individualizaram os seus créditos recebem metade do capital no prazo de seis anos, acrescido de juros, de pois de um período de carência de 6 anos e que o recorrido não informou os recorrentes do prazo em que os mesmos poderiam ter ido reclamar créditos ao processo de recuperação judicial da X, S.A
6º- Da transcrição das declarações de parte do recorrente A. S., nestas alegações transcritas, sobressai a exatidão e clareza das declarações do recorrente ao explicar em pormenor que a data da homologação do plano de recuperação ocorreu em 08 de Janeiro de 2018 e que o prazo para que os credores individualizassem os seus créditos terminou em 08 de Março de 2018 7º- Resulta seguro que estes factos, constantes das alíneas b) e c) dos factos não provados, deveriam ter sido dado como provados.
8ª- A decisão recorrida refere expressamente as declarações de parte do recorrente A. S. foram francas e objetivas tendo sido positivamente valoradas.
9º- Ademais, o recorrido nunca refutou ou sequer colocou em causa que a data da homologação do plano de recuperação foi 08 de Janeiro de 2018 e que o prazo para que os credores individualizassem os seus créditos terminou em 08 de Março de 2018, tendo apenas colocado em causa que não tinha a obrigação de informar, o que por si só deveria ter levado o tribunal a concluir pela prova daqueles factos constantes das alíneas b) e c) da matéria não provada.
10º- Desde final do ano 2018 que é público e notório que no âmbito do processo de insolvência da empresa X S.A, o plano de recuperação foi homologado em 08 de Janeiro de 2018 e que o prazo para que os credores individualizassem os seus créditos terminou em 08 de Março de 2018, bem como notório e público é que as entidades credoras que não o fizeram, ficaram sujeitos a um prazo de carência de vinte anos.
11º- Tratando-se de factos públicos e notórios, deveria, por si só levar o tribunal recorrido a efetuar um juízo de prognose no sentido de julgar provados esses mesmos factos, isto é, dar como provados na sentença os factos das referidas alíneas b) e c).
12º- A relação entre recorrentes e recorrido constituiu um contrato de intermediação financeira, regulada pelo Código de Valores Mobiliários, aprovado pelo decreto-lei nº486/99, de 13 de Novembro, na sua redação atual dada pelo decreto lei nº144/2019 de 23 de Setembro, sendo que importa.
13º- In casu, deve aplicar-se a presunção de culpa do artigo 304º-A, nº2 do Código dos Valores Mobiliários.
14º- Positiva o artigo 304º do Código dos Valores Mobiliários que os intermediários financeiros (recorridos) devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interessa dos seus clientes (recorrentes), observando os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
15º- O número 1 do artigo 312º do mesmo diploma, dispõe que o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados, ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, nomeadamente as elencadas nas alíneas a) a h).
16º- Não podem os recorrentes conceber que o tribunal “a quo” tenha concluído pela inexistência de ilicitude fundamentando-se apenas na inexistência de uma norma expressa sobre a obrigatoriedade de prestação de informações em planos de recuperação judicial de empresas emitentes das obrigações.
17º- As normas jurídicas, devem ser vistas como um todo, quer-se com isto dizer que devem ser observados juntamente com os princípios da boa fé, bem ainda atender ao fim teleológico das mesma.
18º- Entendem os recorrentes que, as disposições conjugadas pelos artigos 7º, 304º, 304ºA e 312º do Código dos Valores Mobiliários e sues princípios de boa fé consubstanciam que o recorrido não respeitou à prestação dos deveres de informação a que estava obrigado, nomeadamente não informou os recorrentes da necessidade de reclamar e individualizar o seu crédito, não acautelando a possibilidade de reaver metade do capital com juros a 6% no prazo de seis anos, o que traduz uma violação grave dos deveres de informação a que estava obrigado e que tinha o dever de ter comunicado, pois que na sua posse estava.
19º- O artigo 340º, nº2 é cristalino quando diz que os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
20º- O aqui recorrido Banco ..., S.A, que até ao presente, nunca e em momento algum transmitiu aos recorrentes, informações sobre o processo de recuperação judicial e prazos relativos ao resgate do capital investido, informações que recebia através do T. pois que as enviava para todos os custodiantes, claramente, não agiu com os ditames da boa fé e padrões de diligência, quanto mais elevados.
21º- O Banco … participou e votou na assembleia de credores da X., S.A, aliás isso foi em pormenor explicado pelo recorrente A. S. aquando da prestação de declarações de parte acima já transcritas.
22º- O T. enviava toda e qualquer informação respeitante ao processo de recuperação da X S.A, para os custodiantes, onde está incluído o recorrido, aliás, facto que é público e notório.
23º- In casu, a responsabilidade visa a imputação dos danos criados ao autor, corrigindo o curso dos eventos por forma a que os mesmos danos sejam imputados à esfera jurídica do réu que os originou.
24º- Para tal, torna-se necessário colocar os recorrentes lesados na exata situação em que estariam, se não se tivesse produzido o evento que obriga à reparação, ou seja, se não tivesse sido violado o dever de informação.
25º- O recorrido violou assim os artigos, 798º e seguintes, 562º, 563º e 564º do Código Civil, e artigos 7º, 304º, 304º-A, 312º do Código dos Valores Mobiliários, pelo que é responsável pelos subsequentes danos que criou na esfera jurídica dos recorrentes.
26º- O dano patrimonial, concretamente causado pelo réu ao autor resulta no quantum indemnizatório apurado pelo cálculo aritmético de metade do capital investido no prazo de seis anos e com juros a 6 % ao ano que receberia se tivesse reclamado e individualizado o seu crédito.
27º- Assim, à da entrada em juízo da petição inicial, a conversão de BRL para Euros é de 1 BRL = 0.22797 EUR (Cfr. Doc. nº4).
28º- Ora, 900.000,00 BRL adquiridos pelos recorrentes, convertidos à referida taxa resulta em 205.174,97 euros.
29º- Metade do referido capital são 102.587,49 euros a multiplicar pelos 6% ano, vezes os seis anos se os recorrentes tivesse individualizado e reclamado o seu crédito são 139.518.99 euros.
30º- Valor que o recorrido tem a obrigação de indemnizar aos recorrentes.
31º- A título de dano moral, que pela sua gravidade é merecedor da tutela do direito e devem os recorrentes serem indemnizados em quantia nunca inferior a 10.000,00 euros.
32º- O montante de todos os danos sofridos pelos recorrentes de 149.518,99 euros, acrescida de juros à taxa legal de 4% até efetivo e integral pagamento.
33º- Pelo que, com fundamento na responsabilidade civil do réu pela sua conduta omissiva na falta da prestação das informações a que estava legalmente e contratualmente obrigado e consequente perda da chance do autor em reaver o capital no prazo de seis anos com juros de 6% ao ano, tem este o direito de exigir daquele o pagamento da indemnização devida, por todos os danos sofridos e derivados da omissão.
34º- As alegações deste recurso expressam que, nestes autos, a produção de prova quanto violação dos deveres de informação, foi por demais evidente.
35º- Salvo o devido respeito, tudo o que foi aqui alegado, traduz a absoluta impossibilidade de se alcançar o entendimento da sentença que ora se recorre, esta não respeitou a prova produzida em julgamento, nomeadamente as declarações de parte do recorrente A. S., bem como não respeitou a facticidade 1. a 11. Que na própria sentença dá provada, e consequentemente não aplicou corretamente o direito aos factos daí decorrente.
36º- A sentença recorrida violou os artigos 798º e seguintes, 562º, 563º e 564º do Código Civil, e artigos 7º, 304º, 304º-A, 312º do Código dos Valores Mobiliários.

Termos em que, deve o presente recurso ser acolhido e lavrar-se acórdão que dê provimento às pretensões dos recorrentes nos precisos termos das conclusões fazendo-se assim JUSTIÇA.
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O R. veio responder ao recurso concluindo nos seguintes termos:

1. Os AUTORES RECORRENTES pretendem a alteração da qualificação dos factos b) e c) dados como não provados, contudo, diga-se, como ponto prévio, que é completamente irrelevante para o desfecho da acção se tais factos são ou não dados como provados, já que não relevam para a determinação de nenhum dos pressupostos da alegada responsabilidade civil em causa nos presentes autos.
2. Isto porque o termo do prazo para a reclamação e individualização dos créditos nunca seria um prazo sobre o qual impendessem deveres de informação do ora RÉU RECORRIDO.
3. Em qualquer caso, é evidente que não assiste qualquer razão aos AUTORES RECORRENTES.
4. Primeiro, porque, os AUTORES RECORRENTES alicerçam o seu pedido nas declarações de parte do AUTOR A. S. mas, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 466.º do CPC, tais declarações de parte devem ser livremente apreciadas pelo tribunal e não são, por si só, suficientes para formar a convicção do Tribunal relativamente aos factos sobre os quais versam.
5. Sendo certo que as datas alegadas pelo AUTOR A. S. são divergentes das datas constantes da Contestação apresentada pelo RÉU RECORRIDO e respectiva prova documental, não podendo aquelas suplantar esta.
6. Segundo, porque os factos dados como não provados não estão em contradição com os factos dados como provados pelo Tribunal, versando sobre matéria de facto diversa.
7. Também relativamente ao mérito do recurso, improcedem as alegações dos AUTORES RECORRENTES.
8. Em primeiro lugar, não foi celebrado qualquer contrato de intermediação financeira entre o AUTORES RECORRENTES e o RÉU RECORRIDO, com referência às OBRIGAÇÕES X.
9. Relativamente às OBRIGAÇÕES X em causa nos presentes autos, a relação que se estabeleceu entre os AUTORES RECORRENTES e o RÉU RECORRIDO foi apenas de execução de ordem de compra de valores mobiliários (cfr. artigos 325.º e seguintes do CVM).
10. Tal resulta da prova documental junta aos autos pelas Partes, nomeadamente dos DOCs. 1 e 2 juntos com a P.I. mas também das declarações do AUTOR que esclareceu que não havia, entre os AUTORES RECORRENTES e RÉU RECORRIDO, qualquer contrato de gestão de carteira.
11. Assim, foi tal factualidade dado como provado na sentença recorrida e não foi impugnado pelos AUTORES RECORRENTES.
12. Tratando-se de um negócio jurídico unilateral, de natureza não bancária, sujeito ao regime do CVM, o mesmo findou com a execução da ordem pelo RÉU RECORRIDO na qualidade de intermediário financeiro.
13. Após a execução da ordem de compra das OBRIGAÇÕES X, o RÉU RECORRIDO apenas desempenhou a actividade de custódia ou depósito de valores mobiliários, o que representa um serviço auxiliar da actividade de intermediação financeira.
14. Deste modo, e com referência às OBRIGAÇÕES X em causa nos presentes autos, após a execução da ordem de 16 de Setembro de 2013, o RÉU RECORRIDO é mero custodiante dos títulos (através das contas de títulos .........16 e .........01).
15. A prova documental deixa claro o papel de custodiante do RÉU RECORRIDO e o AUTOR RECORRENTE admiti-o em declarações de parte.
16. Assim, tal foi dado como provado, sendo certo que, mais uma vez, que os AUTORES RECORRENTES não põem em causa os factos provados 2 e 3.
17. Em segundo lugar¸ é falsa a alegação dos AUTORES RECORRENTES de que incumbia ao RÉU RECORRIDO a prestação de qualquer informação específica quanto ao andamento do processo de recuperação da X ou quanto às diligências que deveriam ser tomadas pelos AUTORES RECORRENTES com vista à recuperação do seu crédito.
18. O RÉU RECORRIDO, na qualidade de mero custodiante das obrigações, não tinha que acompanhar o investimento dos AUTORES; isso era um ónus dos AUTORES, na qualidade de credores obrigacionistas da X e o AUTOR RECORRENTE bem o sabia.
19. Relativamente aos deveres de informação dos intermediários financeiros, no caso de ordens de bolsa, após a decisão de investimento pelo cliente, foram os mesmos elencados pelo artigo 59.º do RD 2017/565, donde resulta clara a intenção do legislador de circunscrever a obrigação do intermediário financeiro à prestação de informações relativas (i) aos termos acordados para a execução da ordem, e (ii) ao estado de execução da mesma.
20. Assim, executada a ordem de bolsa e prestada a informação respeitante à sua execução (o que não está em causa na presente acção), a obrigação do intermediário financeiro é cumprida e, como tal, é extinta, cessando a vinculação do intermediário financeiro aos deveres informativos supra referidos.
21. A finalidade das normas do CdVM citadas pelos AUTORES RECORRENTES bem como as normas do RD 2017/565 aplicáveis ao presente caso é, como salientou o tribunal a quo, a de permitir aos investidores a tomada da decisão de investimento de forma plenamente esclarecida.
22. Após a ordem de bolsa, o Banco custodiante não tem o dever legal de acompanhar a evolução do investimento ou das vicissitudes do emitente, isso incumbe ao investidor.
23. Aliás, o RÉU RECORRIDO não só não tinha obrigação de prestar assessoria no processo de recuperação como, de resto, nem o pode fazer nos termos da lei portuguesa.
24. A este propósito, cumpre referir que o processo de recuperação judicial da X é como um qualquer outro processo de recuperação ou insolvência no âmbito do qual os credores têm de reclamar os seus créditos directamente junto do devedor ou do administrador judicial nomeado para o efeito, não cabendo aos bancos diligenciar por tal reclamação.
25. Se o RÉU RECORRIDO prestasse assessoria na cobrança de créditos no processo de recuperação da X estaria a cometer um crime de procuradoria ilícita.
26. Sendo certo que os Autores Recorrentes estavam devidamente assessorados por advogados e estavam a par do andamento do processo de recuperação da X.
27. Acresce que, nenhum dos factos provados poderia levar à condenação do RÉU RECORRIDO porquanto o RÉU RECORRIDO não praticou qualquer facto ilícito.
28. O facto de o Tribunal ter dado como provados factos atinentes ao processo de recuperação da X e de que o RÉU RECORRIDO não terá informado os AUTORES RECORRENTES desses factos, jamais poderia conduzir à condenação do RÉU RECORRIDO porquanto não existia dever legal de informar sobre tais factos.
29. Importa esclarecer, desde já, que não cabe a uma instituição bancária controlar os processos de recuperação ou de insolvência dos vários emitentes.
30. Aliás, foi dado como não provado que “a prática bancária tenha sido a de prestar assessoria aos clientes relativamente às reclamações de créditos a apresentar no processo de recuperação da X” (cfr. sentença recorrida, facto a) dado como não provado).
31. Sendo certo que os AUTORES RECORRENTES não põem em causa tal facto dado como não provado, conformando-se com a decisão do Tribunal de que não é prática bancária prestar assessoria aos clientes relativamente às reclamações de créditos a apresentar no processo de recuperação da X.
32. Em terceiro lugar, não se verifica nexo de causalidade entre a alegada violação do dever de informação e a não reclamação e individualização do crédito pelos AUTORES.
33. Os AUTORES RECORRENTES souberam do processo de recuperação da X logo em 2016 quando houve atrasos no pagamento “do cupão”, sendo que o AUTOR A. S. acompanhou todo o processo de recuperação a partir daí, tendo admitido que acompanhou as datas de discussão do Plano de Recuperação, em Abril, em Outubro e finalmente em Dezembro de 2017, momento de aprovação do Plano.
34. Em qualquer caso, sempre se diga que o processo de recuperação da X foi amplamente noticiado nos vários meios de comunicação.
35. Por isso, qualquer dano ou prejuízo que, eventualmente, os AUTORES RECORRENTES viessem a sofrer por não terem conhecimento da data de reclamação e individualização dos créditos no âmbito do processo de recuperação da X nunca seria consequência de qualquer acto ou omissão do RÉU RECORRIDO porquanto o AUTOR RECORRENTE bem sabia que o processo da X estava a decorrer e era nesse âmbito que deveria reclamar os seus créditos.
36. Em quarto lugar, não poderia operar a presunção legal de culpa prevista no artigo 304.º do CVM porquanto a mesma depende da existência de facto ilícito, configurando o facto ilícito a alegada violação do dever de informação.
37. Ora, se não houve qualquer violação de deveres de informação, não há presunção de culpa (nem nos termos do artigo 304 CVM nem do artigo 799.º do CC).
38. Em qualquer caso, sempre se diga que o Réu Recorrido não agiu com culpa dado não lhe ser exigida conduta diversa daquela que foi por si adoptada.
39. Em quinto lugar, não foram provados quaisquer danos pelos AUTORES RECORRENTES.
40. Desde logo, quanto aos danos quer patrimoniais quer morais, os AUTORES RECORRENTES não cumpriram o ónus de alegação previsto no artigo 639.º, n.º 1 do CPC pois não afirmam em lado algum do corpo das alegações recursivas quais os danos supostamente sofridos.
41. Consequentemente, os pontos 26 a 31 das conclusões de recurso devem dar-se por não escritos, excluindo-se tal matéria do objecto do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 635.º, n.º 4 do CPC.
42. Caso assim não se entenda, sem conceder, sempre se dirá que os AUTORES RECORRENTES não fizeram prova dos danos alegadamente sofridos.
43. Quanto aos danos patrimoniais, o AUTOR A. S. admitiu que, mesmo na tese por si aventada de reinvestimento do capital investido nas OBRIGAÇÕES X, poderia nada ganhar ou até perder o capital (re)investido, porquanto investimentos em produtos financeiros com taxas de juros acima de 6% são sempre investimentos com risco de capital.
44. Das próprias palavras do AUTOR A. S. salta à evidência de que não há dano efectivo, ou seja, não há prejuízo, sendo certo que cenários hipotéticos e de meras expectativas não configuram danos.
45. Na verdade, o AUTOR admite que vai receber o capital investido em OBRIGAÇÕES X no âmbito do plano de recuperação, pelo que estaríamos no âmbito de uma mera perda de chance.
46. Sendo certo que, mesmo nesse caso de alegada perda de chance, os AUTORES RECORRENTES não lograram provar a verificação dos pressupostos de facto e de direito para a mesma operar.
47. Também quanto aos danos morais, importa afastar os mesmos desde logo porque simples os sentimentos de instabilidade emocional e ansiedade como alegam os AUTORES RECORRENTES representam um simples incómodo sem qualquer gravidade e, por isso, não são tutelados pelo direito.
48. Sendo certo que, no caso dos autos, o pedido de danos morais é especialmente absurdo se pensarmos que os AUTORES RECORRENTES não vão sequer perder dinheiro.
49. Para além disso, não existe sequer um nexo de causalidade entre a actuação dos RÉU RECORRIDO e o suposto prejuízo – porquanto a informação era pública e notória e os AUTORES RECORRENTES estavam devidamente informado do processo da X, sabendo que deveriam reclamar naquele o seu crédito.
Em face do exposto deve o recurso de apelação interposto pelos AUTORES RECORRENTES ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida nos seus exactos termos.
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III- O Direito

Como resulta do disposto no art.º 639.º, n.º 1 do NCPC, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, compreendendo-se tal exigência, porquanto são as conclusões que delimitam o objecto do recurso (cf. ainda arts. 608.º, n.º 2 e 635.º, n.º. 4 do mesmo Código).
O objecto do recurso é, assim, delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos art.º 608,º, n.º 2, 635.º, nº. 4 e 639.º, n.º. 1, todos do Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26/6.
Face às conclusões das alegações de recurso, o objecto do presente recurso circunscreve-se a apurar se há contradição entre os factos provados e não provados indicados e devem estes ser dados como provados, e se é de considerar a acção procedente, ainda que sem alteração da factualidade, por aplicação do disposto nos arts. 304.º, n.º 2 e 312.º, n.º 1, do CVM.
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Fundamentação de facto

Factos Provados

1.Em 06.08.2013, e 16.09.2013 o autor adquiriu, através do réu, obrigações da empresa X, S.A, à taxa de 9,75%, na quantidade de 900 títulos obrigacionais, com o código ISIN: ………68, pelo valor nominal de 1.000,00, na moeda de denominação BRL, totalizando assim o montante global de 900.000,00 BRL.
2.À compra foi atribuído o dossiê/ conta de registo e depósitos de instrumentos financeiros número .........16/ .........01.
3.O réu certificou os registos de guarda de valores mobiliários constantes da conta de registo e depósitos de instrumentos financeiros.
4.A empresa X, S.A., encontra-se em processo de recuperação judicial que corre termos no Tribunal de Justiça da Comarca do Rio de Janeiro.
5.No referido processo de recuperação judicial realizou-se a assembleia geral de credores e votações quanto ao plano de recuperação, tendo vários credores reclamado os seus créditos.
6.O plano de recuperação foi votado e aprovado em assembleia geral de credores em 19 e 20 de Dezembro de 2017.
7.Foi consignado no plano de recuperação que os credores que reclamaram e individualizaram os seus créditos recebem metade do capital no prazo de seis anos, acrescido de juros, depois de um período de carência de 6 anos.
8.O réu não informou o autor do prazo em que o mesmo poderia ter ido reclamar créditos ao processo de recuperação judicial da X, S.A. nem quanto aos procedimentos que deveria adoptar para o fazer.
9.Se o autor tivesse sido informado pelo réu da possibilidade e prazos para reclamar e individualizar o seu crédito, tê-lo-ia feito.
10.O valor que o autor pudesse obter no âmbito desse plano de recuperação seria por si reinvestido em valores mobiliários.
11. A circunstância de não ter ido reclamar créditos ao processo de recuperação em virtude do desconhecimento dos prazos e procedimentos a cumprir causou ansiedade e desagrado ao autor.
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Factos não provados

a)Que a prática bancária tenha sido a de prestar assessoria aos clientes relativamente às reclamações de créditos a apresentar no processo de recuperação da X.
b)Que a data da homologação do plano de recuperação tenha sido 8 de Janeiro de 2018.
c)Que o prazo para que os credores individualizassem os seus créditos tenha terminado em 8 de Março de 2018.
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Fundamentação de direito

Relativamente à impugnação da matéria de facto, defende o A. que a factualidade dada como provada nos pontos 5., 6., 7., 8., 9. da 10 da sentença e aqueles que constam das alíneas b) e c) dos factos não provados, estão em contradição, pelo que deveriam estes ser dados como provados.
Ora, o que consta da matéria dada como provada nos referidos pontos é que, no referido processo de recuperação judicial se realizou a assembleia geral de credores e votações quanto ao plano de recuperação, tendo vários credores reclamado os seus créditos (ponto 5) e que o plano de recuperação foi votado e aprovado em assembleia geral de credores em 19 e 20 de Dezembro de 2017 (ponto 6), nele se consignando que os credores que reclamaram e individualizaram os seus créditos recebem metade do capital no prazo de seis anos, acrescido de juros, depois de um período de carência de 6 anos (ponto 7).
Considerou-se, ainda, provado que o réu não informou o autor do prazo em que o mesmo poderia ter ido reclamar créditos ao processo de recuperação judicial da X, S.A. nem quanto aos procedimentos que deveria adoptar para o fazer (ponto 8) e que se o autor tivesse sido informado pelo réu da possibilidade e prazos para reclamar e individualizar o seu crédito, tê-lo-ia feito (ponto 9).
De forma acrescida, apurou-se que o valor que o autor pudesse obter no âmbito desse plano de recuperação seria por si reinvestido em valores mobiliários (ponto 10).
Constata-se, assim, que nos referidos pontos nada se diz sobre a data da homologação do plano de recuperação, ou seja, que tal se tenha verificado no dia 8 de Janeiro de 2018 ou noutro dia diferente, em contradição com este (ponto b)), nada se dizendo sobre o prazo para os credores individualizarem os seus créditos e que este tenha terminado em 8 de Março de 2018 ou sequer numa outra data diferente desta e, assim, em contradição.
Não existe, como tal, qualquer contradição.
Aliás, o próprio A./Recorrente não especifica em concreto a exacta contradição, apontando qual o facto constante dos pontos provados assinalados que contradiz os que constam da matéria não provada por si indicada.
Mesmo que o A./Recorrente, nas suas declarações tenha confirmado a factualidade que consta dos pontos b) e c), da matéria dada como não provada, e o seu depoimento tenha sido prestado de forma franca e objectiva, como o refere e é mencionado pelo tribunal a quo quanto aos factos dados como provados, apesar de devidamente conjugado com outros elementos e meios de prova, a não ser quanto à factualidade que consta dos pontos 9 e 10, respeitante factos pessoais de actuação do A./Recorrente, o facto é que, como se aponta na motivação, respeitante aos pontos não provados, sobre eles não foi produzida prova documental capaz de confirmar a data de homologação do plano e o prazo do término para individualização dos créditos pelos respectivos credores.
Não bastava, como tal, a simples falta de refutação.
Acresce que as declarações de parte são livremente apreciadas pelo tribunal, salvo se as mesmas constituírem confissão, tal como o refere o art. 466.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil.
Já quanto a considerar-se tratar-se de factualidade pública e notória, como decidido no Ac. STJ, 25.10.2005, proc. 05A3054, dgsi.pt, o facto notório tem que ser conhecido, "não bastando para tal classificação qualquer conhecimento, pois é indispensável um conhecimento de tal modo extenso e difundido que o facto apareça como evidente, revestido de um carácter de certeza resultante do conhecimento do facto por parte da massa dos portugueses que possam considerar-se regularmente informados por terem acesso aos meios normais de informação".
Alberto dos Reis (CPC Anotado, III, p. 261) classifica como "factos notórios apenas aqueles que sejam do conhecimento geral, ou seja, os que sejam do conhecimento da massa dos cidadãos portugueses regularmente informados, isto é, com acesso aos meios normais de informação".
Consequentemente, não se podem considerar como notórios os factos que sejam do conhecimento de um sector restrito de pessoas, com informação muito acima da média ou de um sector muito específico (ex. problemas de natureza económica, ocorrências ou práticas de funcionais de uma profissão).

A doutrina tem classificado os factos notórios em duas espécies:

- Os acontecimentos de que a generalidade das pessoas tomou conhecimento (v.g., um terramoto, uma guerra, um ciclone, uma inundação, um incêndio, uma revolução política, etc.);
- Os factos que adquiriram o carácter de notórios por via indirecta, ou seja, através de raciocínios desenvolvidos a partir de factos do conhecimento comum.

Há, assim, factos que falam por si e dispensam qualquer prova e também a sua alegação. As partes nem sequer carecem de fazer referência aos mesmos, porque podem ser considerados pelo Juiz para a decisão de uma determinada causa, por serem notórios (art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
Ora, tal não se verifica quanto aos factos vertidos nos pontos das als. b) e c), por não serem do conhecimento dos cidadãos portugueses regularmente informados, dependendo, antes, de alegação e prova. Prova essa que não tendo sido produzida leva a que tais factos tenham de ser mantidos na matéria dada como não provada.
Mesmo que assim se não entendesse, o facto é essa matéria dada como não provada, a ser dada como provada, não importaria qualquer alteração relativamente ao direito aplicável, na medida em que não contende com a violação do dever que o A./Recorrente imputa ao R./Recorrido.
É que os recursos visam, por via da modificação de decisão antes proferida reapreciar a pretensão do recorrente por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, pelo que a reapreciação da matéria de facto está limitada ao efeito útil que da mesma possa provir para os autos, em função do objecto processual delineado pelas partes e assim já antes submetido a apreciação pelo tribunal a quo [vide neste sentido Acs. deste TRG de 12/07/2016 e de 15/12/2016, ambos in www.dgsi.pt/jtrg ].
É neste último pressuposto (do efeito útil) que também claudica a pretensão do recorrente e sempre imporia como tal a improcedência do pedido de alteração por este Tribunal da factualidade posta em causa.
Na verdade, mesmo a alterar-se a factualidade constante do citado facto nos termos pretendidos pelo recorrente, entende-se que tal em nada iria interferir com a decisão final proferida.
Há agora que apreciar, então, se os factos que importam, dados como provados nos pontos 5., 6., 7., 8., 9. da 10 da sentença, deveriam ter levado à condenação do recorrido.
Como se definiu na acção, o seu objecto consiste em determinar se, por via da relação negocial estabelecida entre o A. e o R., este último tinha o dever de, após apresentação da X a processo de recuperação, informar e/ou aconselhar o A. a proceder à reclamação do seu crédito informando-o dos procedimentos a adoptar e, assim, a sua responsabilização pelos danos alegados.
Na essência, como se apurou, em 6.8.2013 e 16.9.2013, o A. adquiriu, através do R., obrigações da empresa X, S.A., tendo, após, a mesma sido submetida a um processo de recuperação judicial, cujo plano foi votado e aprovado em assembleia geral de credores em 19 e 20 de Dezembro de 2017, aí ficando consignado que os credores que reclamassem e individualizassem os seus créditos receberiam metade do capital no prazo de seis anos, acrescido de juros, depois de um período de carência de 6 anos.
Mais se tendo apurado que o réu não informou o autor do prazo em que o mesmo poderia ter ido reclamar créditos ao processo de recuperação judicial da X, S.A. nem quanto aos procedimentos que deveria adoptar para o fazer.
Daqui decorre que, na aquisição dos títulos obrigacionais, se verificou uma intermediação financeira por parte do R. na aquisição desses valores mobiliários, ou seja, de execução de ordem de compra de valores mobiliários.
Ora, como se sabe, os Bancos são instituições de crédito que podem efectuar a generalidade das operações bancárias não vedadas por lei, designadamente actividades de intermediação financeira cfr. artigos 3.º, al. a) e 4.º n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro (RGICSF), e artigo 293.º n.º 1 al. a) do CVM.
Nas relações com o autor, o Banco réu, como instituição de crédito, estava sujeito às regras de conduta fixadas no RGICSF, designadamente as constantes dos artigos 73.º, 74.º e 75.º, e, enquanto intermediário financeiro (cf artigos 289. º n. º 1 al. a) e 290.º n. º 1 al. c) do CVM), estava obrigado ao cumprimento dos princípios ou regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.º a 342.º do CVM, observando, nas relações com todos os intervenientes no mercado, os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, e prestando, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada (cfr. arts. 304.º n.º 2 e 312.º, n.º 1).
Tal como se pronunciou Gonçalo André Castilho dos Santos, in ‘A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente’, Almedina, 2008, pág. 135, "são precisamente as avaliações e recomendações prestadas pelos intermediários financeiros que habitualmente motivam os investidores a fundamentar a sua decisão inicial de investimento ou a modificar uma decisão anterior. (...) A crescente complexidade dos serviços e dos produtos financeiros não só justifica uma gradual sofisticação da informação que tenha de vir a ser recolhida e tratada para efeitos de formulação de juízos sobre a qualidade e quantidade dos investimentos em mercado, como também implica, em termos exponenciais, que os custos e riscos envolvidos nessa operação sejam proibitivos para a esmagadora maioria dos investidores, em geral, e dos clientes, em particular.
Em todo o caso, o dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa - em absoluto — o investidor de adoptar um comportamento diligente.
Contudo, aqui o que está em causa não é falta de cumprimento desses deveres no âmbito da relação que se estabeleceu entre as partes para a referida aquisição, mas, posteriormente, decorrida que estava a execução da intermediação e esgotada a transacção em si, de execução da aquisição visada.
Ora, a esse título nada se alegou e provou quanto à existência de um relacionamento do A. com o banco posterior a essa aquisição dos títulos capaz de fundamentar o prolongamento dos deveres do R. após a intermediação.
Concretamente, a factualidade provada não integra um contrato de gestão de carteira definido por José Engrácio Antunes como “o contrato celebrado entre um intermediário financeiro (gestor) e um investidor (cliente) através do qual o último, mediante retribuição, confia ao primeiro a administração de um património financeiro de que é titular com vista a incrementar a respectiva rentabilidade.”.
É que os deveres de informação são do ponto de vista legal substancialmente diferentes consoante se esteja perante um contrato de recepção, transmissão de ordens ou antes perante contratos de gestão de carteiras, assistência ou consultoria para investimento.
Como é óbvio nestes tipos de contratos o nível de informação a que o intermediário financeiro está obrigado é muito mais exigente e na gestão de carteira e assistência implica informação sucessiva.
Já a simples intermediação na aquisição de títulos não abrange os resultados da operação efectuada, nem as vicissitudes que venham a verificar-se.
O intermediário financeiro no âmbito de um contrato de transmissão e execução de ordem não tem, assim, por norma e princípio, de prestar informações sobre a evolução do investimento, muito menos sobre o processo de recuperação da empresa a que respeitam os títulos obrigacionais.
Tal como se referiu, o dever de informação é estabelecido pela lei, quanto ao contrato de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens para a fase pré-contratual, porquanto visa a tomada de uma decisão esclarecida por parte do investidor, ou seja, respeitante a uma fase anterior à tomada de decisão do investidor, no caso para a aquisição das obrigações e dela não resulta que o intermediário tenha o dever de informar o investidor depois dele efectuar o investimento.
Por outro lado, dos artigos 323.º e segs referidos na sentença não se vislumbra qualquer concreta disposição legal que impusesse à Ré enquanto intermédia na aquisição das obrigações em causa, o dever de informar sobre os trâmites respeitantes ao processo de recuperação judicial da X.
Acresce que não sendo previsível o risco de eventuais e futuros problemas económico-financeiros da empresa emitente, à data da subscrição, o mesmo corre por conta do investidor.
Nestes termos, perante os factos alegados e apurados, entendemos não impender sobre o R., na qualidade de intermediário financeiro, o dever de informação para com o A. sobre os trâmites do processo de recuperação judicial da empresa emitente dos títulos e, como tal, não poder proceder o pedido de condenação do R. com base na violação da omissão de informar.
Nestes termos, mantêm-se, pois, inalterada a decisão de facto, bem como, consequentemente, também, em termos de direito, a solução dada à causa pelo Tribunal a quo.
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IV. Decisão

Pelo exposto, acorda-se nesta 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pelos AA./Recorrentes, confirmando, assim, consequentemente, a decisão recorrida
Custas pelos apelantes.
Registe e notifique.
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Guimarães, 15 de Outubro de 2020
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária e assinado electronicamente pelo colectivo)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida