ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
CIRCUNSTÂNCIAS SUBJECTIVAS
Sumário


I- A entidade bancária que celebra um contrato de arrendamento comercial, como arrendatária, para instalar uma agência bancária, no qual as partes estipulam que o prazo de vigência é de 30 anos, e que o contrato não pode ser denunciado por qualquer das partes, não pode invocar a alteração das circunstâncias para resolver o contrato de arrendamento, nos termos do art. 437º CC, ainda que prove que: a) apresentou um resultado líquido negativo de muitos milhões de euros nos últimos anos; b) recorreu a processo de recapitalização previsto na Lei 63/2008, de 24 de Novembro; c) ficou sujeita a um plano de recapitalização que a obrigava a reformular o seu modelo de negócio, a implementar profundas medidas de reestruturação e a reduzir significativamente o seu número de agências e a limitar o seu âmbito de actuação geográfica; d) a crise financeira internacional que sobreveio a partir de 2009 aumentou os custos de financiamento da Banca em Portugal.
II- Todas essas circunstâncias que foram alvo de alterações são circunstâncias que dizem respeito apenas a uma das partes no contrato e não às duas partes.
III- Para poder ser aplicado o instituto referido é necessário que a alteração anormal seja objectiva, e não subjectiva, ou seja, que atinja as circunstâncias em que ambas as partes fundaram a decisão de contratar, atingindo o próprio contrato, e não que apenas atinja uma das partes contratuais.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

F. F. e cônjuge, A. F., intentaram a presente acção declarativa comum contra “X – Banco ..., S.A.”, pedindo a condenação do réu a cumprir pontualmente e até ao seu termo o contrato de arrendamento que celebrou com os autores, em especial no que respeita ao pagamento das rendas, sendo que as rendas que forem pagas em mora deverão ser acrescidas do valor correspondente a 50% do respectivo montante.
Para tanto e em suma alegaram ter celebrado com o réu um contrato de arrendamento de bem imóvel para fins não habitacionais pelo prazo expressamente acordado de 30 anos, tendo o réu, contudo, procedido à resolução antecipada do mesmo, em termos que consideram ilícitos.
Citado, veio o réu contestar, pugnando pela improcedência da acção, invocando que a resolução foi lícita, posto que teve na sua origem a alteração das circunstâncias que fundaram o contrato.
Os autores responderam, terminando como na p.i.

No dia 15 de Fevereiro de 2016, data inicialmente agendada para julgamento, foi junto o documento de fls. 169 ss., que constitui cópia da Deliberação do BdP datada de 20.12.2015 (23:30 horas), com os respectivos anexos, relativos aos estatutos da sociedade Y (veículo de gestão de activos que teve por objecto a administração dos direitos e obrigações transferidos do X - anexo 1), aos direitos e obrigações correspondentes a activos do X transferidos pela Y (anexo 2) e aos direitos e obrigações que constituem activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, do X, transferidos para o Banco ..., SA (anexo 3).
Nessa sede, as partes pediram “a suspensão da instância por dez dias com vista a tomar posição sobre a eventual necessidade de regularização da instância do lado passivo, decorrente da resolução do Banco de Portugal no que ao X respeita”.
No dia 24.02.2016 os autores pediram a substituição do lado passivo, solicitando a saída do X e a entrada do Banco ..., SA para essa posição processual, o que veio a ser decidido, e mantido em recurso, por decisão desta Relação.
Em consequência, o X deixou de figurar no processo e a acção passou a correr (apenas) contra o Banco ..., SA.

No dia em que teve início o julgamento, o Banco ... apresentou o requerimento de fls. 290 ss., alegando que a agência do X que funcionara no locado em causa nestes autos não se mostrava registada na contabilidade desse Banco aquando da deliberação do BdP, não tendo tal activo transitado para o Banco ..., concluindo que os autos padecem de um vazio de objecto, já que o lado passivo é composto por quem não titula a posição contratual que se discute.
Na própria audiência foi proferido despacho considerando que essa questão já estava decidida pelo acórdão da Relação acima referido, já transitado em julgado (vd. fls. 304 ss.).
No decurso da audiência de julgamento vieram os autores requerer a ampliação do pedido, apresentando um pedido subsidiário para a eventualidade de se entender que a resolução operada pelo réu, mesmo que ilícita, produziu efeitos extintivos do contrato. Nesse caso, requerem o pagamento de uma indemnização correspondente ao valor das rendas que seriam devidas até ao termo do prazo acordado contratualmente, bem como das que se venceram já, incidindo uma taxa de 50 % sobre as rendas cujo pagamento seja efectuado no período da mora.
Foi proferido um despacho a admitir essa ampliação, sem prejuízo de, estando em causa uma “indemnização”, ser questionável, face à deliberação do BdP, se a pretensão indemnizatória poderá ser dirigida ao o Banco ....
Foi então proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente e, em consequência, condenou o réu Banco ..., S.A., por via da substituição processual operada, a cumprir o contrato de arrendamento que (o X) celebrara com os autores F. F. e cônjuge, A. F., que se mantém em vigor, cabendo-lhe proceder ao pagamento das rendas que se venceram, sendo as não pagas até Abril de 2017 acrescidas de 50% e as demais no valor acordado, sem prejuízo do acréscimo desse percentual em caso de mora.
O réu recorreu, quer da sentença, quer do despacho que não admitiu o articulado superveniente.
Esta Relação (por acórdão do mesmo Colectivo) julgou procedente o recurso na parte relativa ao articulado superveniente.
Em consequência, o processo baixou à primeira instância, onde se procedeu à realização das diligências probatórias indicadas a fls. 420, tendo sido, a pedido da ré, reinquirida uma testemunha.
A final, veio a ser proferida sentença, que julgou a acção improcedente e em consequência, absolveu o réu “o Banco ..., S.A.” do pedido.

Inconformados com esta decisão, os autores dela interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.

Terminam a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

1- A douta sentença recorrida reproduz, na sua quase totalidade, a anterior sentença, anulada por acórdão desta Relação de 25.01.2018, acrescentando-lhe apenas a parte final que é consequência da decisão de admissão do articulado superveniente e dos fundamentos que a sustentam;
2- Esta parte final contraria claramente o caso julgado formal violando-o - violação esta que constitui o epílogo de uma série de actos que a antecederam:
- a apresentação do articulado superveniente;
- o douto despacho que o rejeitou por abordar questão já decidida;
- a interposição de recurso (também desse despacho);
- o acórdão de 25.01.2018 que deu provimento ao recurso, revogando aquele despacho e anulando a sentença recorrida;
- a produção de novas provas (ofícios do BdP e inquirição de uma testemunha);
3- Em todos - insiste-se: todos! - esses documentos e peças processuais e, também, na douta sentença recorrida, procede-se:
- à análise (ou reanálise) das Deliberações do BdP de 19 e 20 de Dezembro de 2015, no âmbito da aplicação das medidas de resolução ao X;
- à análise (ou reanálise) da situação existente na data da aplicação dessas medidas, decorrente da celebração do contrato de arrendamento entre os autores e o X e da (in)eficácia da comunicação da resolução desse contrato por alteração das circunstâncias;
4- O que varia entre eles é a interpretação dada ao texto daquelas deliberações e a sua aplicação à situação em apreço;
5- Trata-se, assim, de decisões contraditórias, proferidas no âmbito do mesmo processo e sobre a mesma questão: a substituição processual do X pelo Banco ....

De salientar que

6- Não pode nem deve confundir-se a titularidade da relação material controvertida e a questão de mérito relativa à existência/subsistência/incumprimento do contrato de arrendamento;
7- Dispõe o art. 30, nº 3 do CPC que é parte legítima quem for titular da relação material controvertida "tal como foi configurada pelo autor";
8- No momento da propositura da causa, o X era a parte legítima, tal como a relação foi configurada pelos autores. Aliás ele não pôs em causa a sua legitimidade, que foi expressamente reconhecida no despacho saneador proferido em sede de audiência prévia;
9- Na pendência da causa, perante o risco de insolvência do X, o BdP determinou uma medida de resolução que, em parte, consistiu na alienação parcial desta Instituição de Crédito;
10- As consequências processuais das Deliberações do BdP de 19 e 20/12/2015 constam do processo: após requerimentos das partes envolvidas foi proferido o despacho de 31/05/2016, posteriormente confirmado por acórdão desta Relação de 24/11/2016: o Banco ... substituiu o X quer na posição processual quer na de parte no contrato;
11- Esta decisão é claramente suportada pelo nº 6 do art. 145-N do RGICSF;
12- O X perdeu, pois, a legitimidade directa para continuar na causa, já que deixou de ser titular da relação material controvertida e o Banco ... adquiriu-a: estes foram os reflexos processuais da medida de resolução do BdP que acarretou uma modificação subjectiva da instância, sem interferência alguma na causa de pedir e no pedido;
13- O teor do acórdão desta Relação de 24/11/2016 - quer quanto à decisão quer aos seus fundamentos e neste ao falar em activo transmitido - não deixa a este propósito quaisquer dúvidas;
14- Uma vez aferido que o Banco ... sucedeu na posição contratual do X, na sequência da Medida de Resolução do BdP, ficou o Tribunal em condições de julgar o mérito da causa;
15- As causas impeditivas do direito do autor apreciam-se perante o objecto da acção tal como este está delimitado pela causa de pedir e pelo pedido (cfr. artigos 571°,2 e 576°,3, ambos do CPC).
16- Na audiência prévia elencaram-se como elementos do objecto do litígio: "contrato de arrendamento e vinculação entre as partes, prazo e cumprimento; resolução do mesmo pelo inquilino; alteração superveniente de circunstâncias; direito à indemnização fundado na resolução antecipada, designadamente no que respeita ao montante das rendas vencidas e vincendas".
17- Na presente causa, seriam factos impeditivos
-os factos contemporâneos ou anteriores ao direito ao cumprimento do contrato de arrendamento; ou caso se entenda que houve resolução antecipada, o direito à indemnização;
-estes factos teriam impedido/obstado que estes direitos fossem exigíveis, válidos e eficazes perante o sujeito que tem a posição de arrendatário.
18- Ou seja, uma vez definido quem deve estar na causa, o Tribunal tem de apreciar se a pretensão do autor existe, é eficaz e exigível;
19- Por isso - e contrariamente ao decidido pela douta sentença recorrida no seguimento do acórdão desta Relação de 25/01/2018 - a eventual não transmissão do arrendamento para o Banco ... (e a consequente impossibilidade de ter que cumprir em caso de procedência da acção) não consubstancia um facto impeditivo do direito dos AA;
20- A "construção" de um facto impeditivo, alicerçado em Deliberações já apreciadas nos autos a propósito da questão da legitimidade processual, foi um expediente para "ressuscitar" uma questão transitada em julgado;
21- Qualquer outra pronúncia sobre esta questão, consubstancia uma ofensa ao caso julgado formal (artigo 620°), sendo que mesmo que tal suceda, prevalecerá e cumprir-se-á a decisão que primeiramente transitou em julgado (cfr. artigo 625°,2 do CPC);
22- Ora a douta sentença recorrida, como ela própria refere, reanalisou e pronunciou-se sobre a mesma questão que já havia sido analisada e decidida pelos doutos despacho de 31/05/2016 e o acórdão de 24/11/2016;
23- Ao fazê-lo violou claramente o caso julgado formal formado pelo Despacho de 31/05/2016 e acórdão de 24/11/2016, isto à luz do artigo 620° do CPC;
24- Deve, pois, ser respeitada a legitimidade do Banco ..., judicialmente apurada e confirmada, e em conformidade revogada e alterada a decisão no sentido da sua condenação (do Banco ...) no pedido;

Sem prejuízo e por mera cautela

25- O ponto 35 dos factos provados, face à prova produzida, deve passar a ter a redacção seguinte: "Em 20.12.2015, a agência do X de Cabeceiras de Basto estava encerrada";
26- Nessa data:
-o X era titular de uma posição contratual, com o seu activo e passivo, sendo que este segue necessariamente aquele,
-existia um activo sob gestão do X que foi transmitido para o Banco ... por força da alínea e) do nº 1 do Anexo 3.
27- A qualificação da posição do X como "responsabilidade litigiosa" de origem contratual não é correcta - pelo contrário, é contraditória nos seus próprios termos;
28- Mas ainda que se tratasse de responsabilidade litigiosa ela não se enquadraria na previsão das excepções referidas nas subalíneas vii e xii da alínea b) do anexo 3 da Deliberação de 20/12/2015;
29- E isto porque:
-o pedido formulado na petição inicial vai no sentido do cumprimento de um contrato de arrendamento;
-a "responsabilidade" em causa não era desconhecida, contingente ou incluída no âmbito de alienação de entidades ou de actividades;
30- Mas ainda que se considere litigiosa, o certo é que respeita a "área de negócio" ou "activo" transferido para o Banco ....
31- Ao decidir de modo diferente, a douta sentença recorrida interpretou erradamente essas disposições da deliberação do BdP de 20/12/2015 e, também, o art. 145º-N do RGICSF.

O recorrido Banco ... contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões, na parte com relevo neste momento:

1. Face aos factos provados nos artigos 13 a 22, 32 e 33 e à alteração para provados dos factos vertidos nas alíneas d) e e) dos não provados, o contrato de arrendamento celebrado entre os Autores e o X deve ter-se por validamente resolvido, atenta a anormal alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, que afectou o equilíbrio contratual, mostrando-se contrário à boa fé manter o banco vinculado ao cumprimento das obrigações do contrato.
2. O pressuposto de aplicação deste instituto consiste no facto de as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar - circunstâncias de estabilidade económica e rentabilidade do X e da economia em geral - ter sofrido uma alteração ou modificação.
3. O primeiro requisito de aplicação exige que as circunstâncias fundamentais tenham sofrido uma alteração anormal, isto é, uma alteração extraordinária, de vulto, muito grave e significativa.
4. As circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar sofreram uma alteração anormal, consubstanciada na grave crise económica e financeira mundial a nacional, a par da necessidade do X recorrer ao Plano de Recapitalização que o obrigou a reduzir o número de agências e de funcionários.
5. O segundo requisito implica que a estabilidade do contrato de arrendamento envolva lesão para uma das partes: neste caso, para o banco.
6. Atenta a necessidade de encerramento da agência de Cabeceiras de Basto, por força das medidas impostas pelas instâncias comunitárias, manter o banco obrigado ao pagamento das rendas durante mais 22 anos e 5 meses, sem nenhuma contrapartida, implica um prejuízo para o banco de € 296.655,89, considerando a renda de € 1 .102,81 (facto provado 9), sendo certo que o seu valor podia ser actualizado).
7. Esta obrigação atenta gravemente contra os princípios da boa fé, que consiste no terceiro requisito de aplicação do instituto.
8. Quanto ao quarto requisito, a exigência da obrigação de pagamento de € 296.655,89 de rendas até ao termo do prazo do contrato (mais 22 anos e 5 meses), sem qualquer contrapartida de gozo e fruição da fracção, como resultado da grave crise económica e financeira mundial e da necessidade do X recorrer ao Plano de Recapitalização que o obrigou a reduzir o número de agências e de funcionários, não está coberta pelos riscos próprios do contrato de arrendamento celebrado.
9. Por fim, verifica-se também o quinto requisito, porquanto à data em que foi aprovado o Plano de Recapitalização que obrigou o X a encerrar um grande número de agências (Janeiro de 2013), e à data em que a agência foi encerrada (31.01.2015), o X encontrava-se em perfeito cumprimento junto dos Autores (facto provado 9).
10. Verificados os pressupostos de aplicação do instituto da alteração das circunstâncias, deve o contrato de arrendamento considerar-se validamente resolvido com efeitos a 31.01.2015, devendo o banco ser absolvido dos pedidos formulados.

Por este Tribunal da Relação foi proferido Acórdão, datado de 2.5.2019 que julgou o recurso totalmente improcedente e confirmou na íntegra decisão recorrida.

Desse Acórdão foi interposto pelos autores recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, por Acórdão de 2.6.2020, com fundamento em violação do caso julgado formal decorrente do Acórdão do TRG de 24/11/2016, revogou o acórdão recorrido e determinou a baixa dos autos para apreciação da (i)licitude da resolução efectuada pelo X e das respectivas consequências.

II
A única questão agora em apreciação, considerando a decisão proferida em recurso pelo Supremo Tribunal de Justiça, é a de saber se a resolução do contrato de arrendamento efectuada pelo X foi ou não lícita, e daí extrair as devidas consequências.

III
Estão definitivamente provados os seguintes factos:

1) Por escrito particular denominado “contrato de arrendamento comercial” datado de 15.06.2007, os autores declararam ceder ao X – Banco ..., S.A.” o gozo da loja no rés-do-chão existente no prédio urbano sito na Praça ..., freguesia de ..., concelho de Cabeceiras de Basto, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número .../140585 e inscrito na matriz sob o artigo .., da referida freguesia, com o alvará de licença de utilização número 202/2000, emitido pela Câmara Municipal de … a 04.10.2000.
2) No escrito particular referido em 1) o réu declarou aceitar aquela cedência do gozo, declarando comprometer-se a pagar, como contrapartida, a quantia mensal de € 1.000,00, anualmente actualizável nos termos consignados pelos contraentes, o que foi aceite pelos autores.
3) O fim estipulado foi o exercício do comércio bancário, sendo permitido o subarrendamento entre empresas do Grupo X.
4) Foi acordado um prazo de vigência daquele acordo de vontades por 30 anos, com início na data da sua outorga (11.06.2007), com a possibilidade de prorrogação por períodos sucessivos de dez anos”.
5) Ficou também expressamente estipulado que o contrato “(…) não pode ser denunciado por qualquer das partes mas qualquer delas pode opor-se à sua renovação com a antecedência mínima de 180 dias por meio de carta registada com aviso de recepção”.
6) Mais acordaram que as rendas se vencem a partir do início do décimo primeiro ano de vigência do contrato, sendo que qualquer um dos outorgantes pode tomar a iniciativa de proceder a uma correcção extraordinária da renda para o valor locativo do rés-do-chão nessa data, tendo em conta todas as circunstâncias objectivas que nela possam influir, nelas se incluindo o montante inicial da renda.
7) Acordaram também que o novo valor da renda seria atribuído por um perito nomeado por ambas as partes ou, na falta de acordo, por três peritos nomeados, um por cada parte, sendo que estes cooptarão um terceiro.
8) (…) e que a nova renda seria devida no mês seguinte àquele em que ocorreu a avaliação mediante comunicação do senhorio, podendo a revisão do montante da renda ser repetida decorridos que fossem 10 anos sobre a última correcção extraordinária.
9) A última renda paga ao autor foi em 02.01.2015, no valor mensal de € 1.102,81.
10) Por carta datada de 29.12.2014 mas recebida apenas em 05.01.2015, o réu comunicou ao autor marido que: o contrato “(…) foi celebrado num contexto de expansão económica e de crescimento do próprio X, no qual se estipulou o arrendamento do imóvel pelo prazo de 30 anos sem possibilidade de denúncia antecipada”. “(…) passados 7 anos, as circunstâncias existentes à data da celebração do contrato alteraram-se de forma muito significativa e anormal, nomeadamente as circunstâncias de crescimento económico em que o nosso país se encontrava alteraram-se para um contexto de evidente e reconhecida recessão económica e, por consequência, também a política de investimento, expansão e abertura de agências adoptada pelo X, que na altura pelas circunstâncias descritas encontrava plena justificação deixou de fazer qualquer sentido”. “(…) não só as circunstâncias que fundaram a vontade de celebração do referido contrato de arrendamento se alteraram anormalmente, como, actualmente, o X está obrigado, por força do seu Plano de Recapitalização, a encerrar um número muito significativo de agências até ao final do presente anos de 2014, entre as quais a agência instalada no imóvel de qual V. Exª é senhorio”. “(…) a manutenção de um contrato de arrendamento por mais 23 anos, sem que, pelas razões expostas, o X possa exercer naquela localidade a actividade para a qual arrendou o imóvel e, por consequência, fazer qualquer utilização do mesmo, consubstancia uma imposição demasiado onerosa e gravosa para o X com os princípios da boa fé”.
11) Os autores responderam por carta de 09.01.2015, na qual comunicaram a não aceitação da resolução do contrato e a não aceitação da entrega das chaves.
12) O réu suportou o pagamento de indemnização no valor de € 65.000,00 ao anterior inquilino para disponibilizar o imóvel e, em obras de adaptação do imóvel necessárias à instalação de uma agência bancária gastou € 100.259,91.
13) O X apresentou um resultado líquido negativo de 161,6 milhões de euros no ano de 2011, de 576,4 milhões de euros em 2012 e de 470,3 milhões de euros em 2013.
14) O X recorreu a processo de recapitalização previsto na Lei 63/2008, de 24 de Novembro, tendo sido injectado no mesmo a quantia aproximada de 1.100 milhões de euros em 2013 e estabelecida a necessidade de fusão, tendo sido constituído o X SGPS, SA no início de 2015.
15) O X ficou sujeito a um plano de recapitalização que compreendia: (i) a descrição das medidas adequadas a serem adoptadas pelo X com o objectivo de assegurar a sua viabilidade a médio prazo; (ii) o calendário de implementação das medidas de viabilidade, e (iii) a demonstração da sua consistência operacional/solidez (cfr. art. 9º,1 da Lei nº 63/2008, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 4/2012, de 11 de Janeiro).
16) O referido Plano de Recapitalização foi aprovado em reunião da Assembleia Geral do X de 16 de Janeiro de 2013, após ter merecido o parecer favorável do Banco de Portugal.
17) A recapitalização foi aprovada pelo Despacho n.º 1527-B/2013, de 23 de Janeiro de 2013 pelo Ministro de Estado e das Finanças.
18) O X ficou obrigado a reformular o seu modelo de negócio, a implementar profundas medidas de reestruturação e a reduzir o seu número de agências e a limitar o seu âmbito de actuação geográfica. 19) A implementação destas medidas está a ser acompanhada e fiscalizada pelo Banco de Portugal, pelo Ministério das Finanças e pela Direcção-Geral para Concorrência da Comissão Europeia.
20) O Plano de Reestruturação prevê uma significativa redução do número de agências bancárias do X, especialmente em Portugal Continental e no interior do país, em linha com as indicações da Comissão Europeia.
21) As medidas de desinvestimento incidiram essencialmente sobre venda de imobiliário e participações sociais detidas sobre empresas no estrangeiro.
22) Os cortes de custos assentaram designadamente na redução do quadro de funcionários e no fecho de agências.
23) O anterior inquilino do locado era a agência Conti... que aí exerceu a sua actividade desde Março de 2001 até Maio de 2007.
24) A última renda paga foi de € 807,26 mensais.
25) Havia um excelente relacionamento entre A. P. – sócio e gerente da Conti... - e os ora autores, então senhorios, relacionamento esse que se estendia também ao nível profissional, já que as actividades dos autores (advocacia) e da inquilina (contabilidade) eram em muitas situações, complementares.
26) Estabeleceu-se, assim, uma profícua colaboração com benefícios para todos.
27) Chegou a perspectivar-se a constituição de uma sociedade entre os autores e A. P. para exploração de um franchising na área de aconselhamento em decisões na área financeira (Decisões e soluções, compra e venda, arrendamento, leasings, créditos, entre outros).
28) Essa sociedade funcionaria no locado e teria o apoio técnico dos autores (na parte jurídica e formal).
29) Em princípio de Março de 2007, o autor marido foi contactado por A. P., gerente da Conti..., no sentido de saber se estaria disposto a arrendar o locado ao X, admitindo que, por si, estaria disposto a revogar o contrato de arrendamento com a Conti..., posto ter negociado já com o X as condições em que assumiria tal disponibilidade.
30) O X pagou a A. P. o valor de € 65.000,00 para o mesmo deixar o locado, acedendo na revogação do contrato que tinha celebrado com os autores.
31) O termo daquela relação de senhorio/arrendatário ditou o fim do projecto de constituição da sociedade, uma vez que na perspectiva das partes ele só faria sentido se funcionasse no locado.
32) A autorização temporária conferida pela Direcção Geral da Concorrência comunitária para o sector financeiro nacional à recapitalização do X dependia do cumprimento das medidas impostas.
33) A crise financeira internacional que sobreveio a partir de 2009 aumentou os custos de financiamento da Banca em Portugal.
34) Dá-se por integralmente reproduzido o teor da Deliberação do Conselho de Administração do BdP datada de 20.12.2015 (23:30 horas), na redacção que lhe foi dada pela Deliberação do Conselho de Administração do BdP de 04.01.2017, designadamente o Anexo 3, relativo aos direitos e obrigações que constituam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, do X transferidos para o Banco ..., onde se refere que:
a. activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do X, registados na contabilidade, são objecto de transferência para o adquirente [O Banco ...], de acordo com os seguintes critérios onde se refere o seguinte: (a) todos os activos, licenças e direitos, incluindo direitos de propriedade do X, são transferidos na sua totalidade para o adquirente com excepção dos seguintes (“Activos Excluídos”).
b. São activos excluídos [1, alínea b), subalínea xii] «[todas as responsabilidades não conhecidas e as responsabilidades contingentes e litigiosas e as responsabilidades no âmbito de alienação de entidades ou de actividades, com excepção (A) das que respeitem às áreas de negócio, activos, direitos ou responsabilidades transferidos para o adquirente em resultado da presente deliberação (B) bem como das que sejam constituídas pelo X no âmbito da sua normal actividade bancária (incluindo as obrigações do X ao abrigo de depósitos, cartas de conforto, garantias bancárias, performance bonds e outras contingências similares).
c. As responsabilidades e os elementos extrapatrimoniais do X que não foram objecto de transferência para o adquirente nem para a Y S.A., permaneceram na esfera jurídica do X [alínea d) do nº 1 do anexo 3) à deliberação de 20/12/2015].
35) Em 20.12.2015 a agência do X de Cabeceiras de Basto não existia nem estava registada na contabilidade desse Banco.

IV
Conforme decidiu o STJ, após o trânsito em julgado do Acórdão do TRG de 24.11.2016, a legitimidade do Banco ... para litigar em nome próprio sobre a situação controvertida incluída na sua esfera jurídica adquiriu a estabilidade inerente à força de caso julgado formal (art. 620º CPC). O Supremo considerou assente que o réu subsequente sucedeu ao réu originário na qualidade de actual arrendatário, e foi justamente por isso que ocupou a sua posição na presente lide.
Temos assim a questão a decidir clarificada: foi celebrado um contrato de arrendamento comercial em 15.06.2007, entre os autores, como senhorios, e o X – Banco ..., S.A.”, como arrendatário. O contrato incidiu sobre o gozo da loja no rés-do-chão existente no prédio urbano sito na Praça ..., freguesia de ..., concelho de Cabeceiras de Basto, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número .../140585. O X declarou aceitar essa cedência do gozo, declarando comprometer-se a pagar, como contrapartida, a quantia mensal de € 1.000,00, anualmente actualizável nos termos consignados pelos contraentes, o que foi aceite pelos autores. O fim estipulado foi o exercício do comércio bancário. Foi acordado um prazo de vigência daquele acordo de vontades por 30 anos, com início na data da sua outorga (11.06.2007), com a possibilidade de prorrogação por períodos sucessivos de dez anos”. E ficou expressamente estipulado que o contrato “(…) não pode ser denunciado por qualquer das partes mas qualquer delas pode opor-se à sua renovação com a antecedência mínima de 180 dias por meio de carta registada com aviso de recepção”.
Sucede que o X, por carta datada de 29.12.2014 mas recebida apenas em 05.01.2015, comunicou ao autor marido que: o contrato “(…) foi celebrado num contexto de expansão económica e de crescimento do próprio X, no qual se estipulou o arrendamento do imóvel pelo prazo de 30 anos sem possibilidade de denúncia antecipada”. “(…) passados 7 anos, as circunstâncias existentes à data da celebração do contrato alteraram-se de forma muito significativa e anormal, nomeadamente as circunstâncias de crescimento económico em que o nosso país se encontrava alteraram-se para um contexto de evidente e reconhecida recessão económica e, por consequência, também a política de investimento, expansão e abertura de agências adoptada pelo X, que na altura pelas circunstâncias descritas encontrava plena justificação deixou de fazer qualquer sentido”. “(…) não só as circunstâncias que fundaram a vontade de celebração do referido contrato de arrendamento se alteraram anormalmente, como, actualmente, o X está obrigado, por força do seu Plano de Recapitalização, a encerrar um número muito significativo de agências até ao final do presente ano de 2014, entre as quais a agência instalada no imóvel de qual V. Exª é senhorio”. “(…) a manutenção de um contrato de arrendamento por mais 23 anos, sem que, pelas razões expostas, o X possa exercer naquela localidade a actividade para a qual arrendou o imóvel e, por consequência, fazer qualquer utilização do mesmo, consubstancia uma imposição demasiado onerosa e gravosa para o X com os princípios da boa fé”.
Os autores responderam por carta de 09.01.2015, na qual comunicaram que não aceitavam a resolução do contrato e não aceitavam a entrega das chaves.
Em 20.12.2015 a agência do X de Cabeceiras de Basto não existia nem estava registada na contabilidade desse Banco.
E, conforme já referimos supra, está neste momento definitivamente decidido nestes autos que por força da intervenção do Banco de Portugal, o Banco ... sucedeu na posição contratual do X, como arrendatário na supra referida relação contratual.

Quid Iuris ?

A outorga num contrato gera deveres e obrigações para ambas as partes.
O Professor Antunes Varela (1) define contrato como “o acordo vinculativo, assente sobre duas ou mais declarações de vontade (oferta ou proposta, de um lado; aceitação, do outro), contrapostas mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma composição unitária de interesses”.
Não é aqui necessário fazer uma resenha histórica da figura do contrato, que vem do Direito Romano (contractus), para se perceber o alcance e o relevo da figura no tráfego jurídico.
Por isso é que o Capítulo II do Título III do Livro II do Código Civil Português, que trata das Fontes das Obrigações, abre justamente com a figura do contrato.
Depois de, no art. 405º,1 definir a regra essencial desta matéria, a liberdade contratual (Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver), o legislador fez constar do art. 406º,1, sob a epígrafe “Eficácia dos contratos” que “o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei”. Daí os contratos serem descritos por vezes como lex privata.
O contrato é pois uma fonte de obrigações.
Quando subscreveu o contrato de arrendamento supra descrito, o X obrigou-se a cumpri-lo.
Para bem entender o significado desta autovinculação, vamos aproveitar a citação do Prof. Menezes Cordeiro constante da sentença de primeira instância, in: Da alteração das circunstâncias – A concretização do artigo 437º do Código Civil à luz da jurisprudência posterior a 1974, Separata dos Estudos em Memória do Prof. Doutor Paulo Cunha, Lisboa, 1987, ps. 5 e 6, «[u]m sistema que admita contratos – e todos os admitem, apenas se discutindo a amplitude do seu papel – exige, por isso mesmo, o acatamento dos pactos celebrados. Aceitar que superveniências possam justificar o não cumprimento – ou um cumprimento não cabal – poderá surgir como exigência da justiça. Mas contradita, por certo, a autonomia privada. Em situações limite – portanto, perante a impossibilidade absoluta, não imputável, de acatamento dos deveres contratuais – não oferecerá dúvidas a liberação do devedor. A partir de então, e até à pequena dificuldade superveniente, há uma vasta área de dúvidas e de interrogações. O legislador não pode indicar, com exactidão, o quantum a partir do qual se justifica a actuação do contrato. Admite a figura, dá algumas directrizes, mas abandona a decisão final à jurisprudência. A Ciência do Direito deve intervir».

As directrizes a que o Ilustre Professor se refere constam do art. 437º CC, sob a epígrafe “Condições de admissibilidade”:

1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.
2. Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.

Logo na primeira leitura desta norma jurídica todas as dúvidas interpretativas que ela coloca se tornam evidentes: o que entender por “circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar” ? O que entender por “alteração anormal” ? Quando é que se pode afirmar que a manutenção da força vinculativa do contrato “afecta gravemente os princípios da boa-fé“ ? E ainda, o que entender por “riscos próprios do contrato” ?
Vamos desde já adiantar que secundamos integralmente a interpretação que a sentença de primeira instância de 3.5.2017 fez do referido instituto.
O Professor Inocêncio Galvão Telles, in “Manual dos Contratos em Geral”, fls. 347, nota 317, enquadra muito bem o problema: “todo o contrato envolve, para ambas as partes, um risco maior ou menor. É o seu risco próprio, a que os contratantes estão sujeitos. Mas pode acontecer que a alteração das circunstâncias traga para o lesado, como consequência, um risco superior, e só quando tal aconteça é que o lesado tem direito à resolução ou modificação do contrato. A alteração das circunstâncias apenas se torna relevante se não se mostrar conforme com a álea normal da convenção”.

Por seu lado, Pires de Lima e Antunes Varela, in CC anotado, escrevem: “O problema da influência da alteração das circunstâncias vigentes à data da celebração do contrato sobre a eficácia deste é debatido desde há séculos entre os autores. E embora durante muito tempo tenha predominado a solução de se manter inalterado o contrato, com base nas exigências de segurança contratual, a verdade é que são muito antigas as reacções contra as injustiças a que pode conduzir uma aplicação rigorosa do princípio – tais como a teoria da cláusula rebus sic stantibus, a teoria da imprevisão, da pressuposição, etc – notando-se modernamente na Alemanha e na Itália, sobretudo a partir da primeira conflagração mundial, uma acentuada tendência para admitir o princípio oposto da resolução, embora com as cautelas necessárias para, salvaguardando o justo equilíbrio que deve presidir à relação contratual entre as partes, se não comprometerem nem a finalidade específica de cada negócio, nem o interesse geral da segurança das transacções”. E de seguida aqueles Mestres dão alguns exemplos: “entre as alterações anormais de circunstâncias, que o artigo 437º abrange, conta-se, como mais frequente na prática, a desvalorização abrupta e excessiva da moeda. Mas muitas outras se podem verificar, como a falta ou encarecimento inesperado de certas matérias primas utilizadas no fabrico de determinados artigos …; o descrédito ou a desconfiança lançada sobre certo produto, que provoca o súbito abaixamento da sua venda; o aparecimento de um substituto, muito mais económico, desse produto; a valorização anormal de certa obra ou tipo de obras; a subida ou descida anormal do valor de certo produto ou mercadoria, que as partes, com o objectivo de se prevenirem contra a alteração do valor da moeda (em regra, contra a desvalorização), escolheram como padrão de correcção das prestações contratuais fixadas em moeda corrente, relativo a um contrato em que se convencionou a actualização das prestações a pagar por uma das partes, fixadas em escudos, em função do preço do ouro; a desvalorização de um prédio mercê do corte inesperado de uma via de comunicação, ou da alteração de um plano de urbanização, ou da publicação de uma lei que impede a realização de obras destinadas a ampliar a sua capacidade habitacional (...)”.
E terminam dizendo: “é essencial, porém, que as circunstâncias anormalmente alteradas após a celebração do contrato tenham servido de base à decisão de contratar, facto que não ocorre, por exemplo, quando um banco desconta uma letra aceite por favor em benefício do sacador e a situação económica do aceitante piora consideravelmente, sem culpa dele, após o acto do aceite”.
Como se vê, em todos os exemplos dados por estes Professores estamos perante eventos de natureza objectiva, exteriores às duas partes, que vêm interferir no equilíbrio sinalagmático que estava por baixo do acordo de vontades. No caso dos autos, ao invés, o que sucede é que foi justamente uma das partes (o Banco contratante) que sofreu alterações relevantes.
E recordemos o Acórdão da Relação de Lisboa de 25/1/1980 (sumariado in BMJ,297,398): “a degradação da capacidade económica de uma das partes, conduzindo-a na prática à impossibilidade de satisfazer a obrigação pecuniária assumida, não configura a previsão do nº 1 do art. 437º”.
Ou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/5/1985 (Relator: Luís Garcia): “a difícil situação económica de uma empresa resultante de haver sido intervencionada após a revolução do 25 de Abril de 1974, não cabe no condicionalismo do art. 437º, nº 1, do Cód. Civil, pois o empobrecimento do devedor ou as suas más condições financeiras não respeitam às circunstâncias em que as partes se fundaram para contratar».

Menezes Cordeiro (“Da alteração das circunstâncias”, Estudos em Memória do Prof. Paulo Cunha, 1987, fls. 65) escreve: “a fórmula legal (…) é útil:

-por indicar que não relevam superveniências a nível de aspirações subjectivas extracontratuais das partes; deve haver uma afectação do próprio contrato e, nessa medida, ambos os celebrantes ficam implicados;
-por indicar que não interessam modificações no campo das aspirações subjectivas contratuais de apenas uma das partes; é o contrato -e logo os contratantes- que está em causa, e não as esperanças de lucro –ou de não perda– de somente um dos intervenientes, quando a lógica do negócio não esteja em causa;
-por possibilitar a explicitação, por banda das partes, de quais as circunstâncias relevantes: afinal, se esse dado pode resultar implícito do contrato poderá, por maioria de razão, ser clausulado; inversamente, as partes podem estabelecer quais as circunstâncias irrelevantes”.
Só isso já bastaria para colocar o caso dos autos de fora da aplicabilidade do instituto da alteração das circunstâncias previsto no art. 437º CC.
Mas continuemos.
Segundo Carvalho Fernandes in: A Teoria da Imprevisão no Direito Civil Português – Reimpressão, Quid Juris, Lisboa, 2001, p. 263, “a compreensão da figura implica expurgá-la das realidades que impliquem um regime próprio, enquadráveis noutros institutos consagrados no sistema. Ou seja, antes do mais importa proceder à “redução dogmática do instituto”.
Fazendo-o, desde logo se deverá considerar excluído o que respeite à base do negócio puramente subjectiva, porquanto nesta sede regula antes o regime do erro (Carvalho Fernandes, ob. cit., pgs. 261 e 262).
Também as regras sobre o risco introduzem limitações ao instituto da alteração das circunstâncias.
Escreve Menezes Cordeiro (in “Da alteração das circunstâncias” cit., fls. 69 e 70): “ao referir os riscos próprios do contrato, a lei não foi repetir-se: antes ressalvou as regras aplicáveis sobre o risco, dando, perante elas, natureza supletiva à própria alteração das circunstâncias. A ideia da lei é outra: trata-se de conferir ao dispositivo do art. 437º/1 natureza supletiva, perante o regime legal ou contratual do risco e, mais latamente, a todas as regras de imputação de danos”.
Com efeito, o risco refere-se a eventos futuros e imprevisíveis. As normas que distribuem o risco são essenciais ao funcionamento do tráfego jurídico, e correspondem a imperativos de justiça, permitindo a todos os contratantes uma planificação daquilo com que podem contar, em termos de eventos futuros anormais e causadores de danos.
“A alteração das circunstâncias, pelo contrário, é um remédio de equidade, de concretização difícil e de saída imprevisível». Por isso que o legislador expressamente afasta a relevância da alteração das circunstâncias coberta “pelos riscos próprios do contrato”. A delimitação opera ainda pelo “regime concreto estabelecido pelo direito positivo para tutela da confiança [que], quando ligado à alteração das circunstâncias, tem de prevalecer sobre o dos arts. 437º e seguintes, que não atinge tal grau de particularização” – CARVALHO FERNANDES, ob. cit., p. 271.
A aplicação deste instituto depende de se conseguir demonstrar que a manutenção do contrato criaria uma situação de tal maneira iníqua, desequilibrada, de tal forma que a doutrina e a jurisprudência têm entendido que terá que estar em causa um dano grave, considerável ou mesmo descomunal – cfr. Carvalho Fernandes, ob. cit. fls. 287 e 288.
Outro requisito é que o contraente que pretende valer-se deste instituto não esteja em mora (art. 438º CC).
Como ficou provado, foi acordado um prazo de vigência daquele acordo de vontades por 30 anos, com início na data da sua outorga (11.06.2007), com a possibilidade de prorrogação por períodos sucessivos de dez anos”. E ficou também expressamente estipulado que o contrato “(…) não pode ser denunciado por qualquer das partes mas qualquer delas pode opor-se à sua renovação com a antecedência mínima de 180 dias por meio de carta registada com aviso de recepção”.
Estes factos são da máxima importância para a solução do litígio, pois mostram-nos que as duas partes, e sobretudo para o que agora interessa o banco arrendatário, celebrou o contrato com o horizonte posto no longo prazo, de tal maneira que aceitou, logo ab initio, vincular-se por 30 anos sem possibilidade de denunciar o contrato.
Está assim excluída, e nem sequer foi invocada, a possibilidade de "erro na declaração". Está também excluído o erro sobre o objecto do negócio, nos termos do art. 251º: "o erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247º”.

Mas mais. Não podemos deixar de considerar que o encerramento da agência bancária em causa se deveu a uma opção subjectiva do réu, tomada no âmbito da reestruturação que lhe foi imposta. Em lado algum ficou provado que tivesse sido imposto ao réu o encerramento daquela específica agência bancária.
Mais uma vez, vê-se que estamos perante uma realidade ligada intrinsecamente à própria parte contratante, e não perante uma base objectiva do negócio.
Igualmente podemos afirmar sem qualquer hesitação que a manutenção do contrato, bem como a exigência de cumprimento das obrigações nele assumidas não afecta gravemente os princípios da boa-fé, pois como acabámos de ver, o Banco réu, voluntária e deliberadamente, obrigou-se a permanecer arrendatário daquele imóvel por 30 anos, sem o poder denunciar, para depois vir, volvidos apenas cerca de 7 anos, tentar desvincular-se. A boa-fé é um princípio que domina todo o direito das obrigações, e que significa que «(…) as partes devem guardar fidelidade à palavra dada e não frustrar ou abusar da confiança que constitui a base imprescindível das relações humanas» (vd. RUI ALARCÃO, in: Direito das Obrigações, p. 110).
O Banco réu podia, sabendo que estava vinculado por 30 anos, ter decidido encerrar outra agência que não aquela, ainda que para ele fosse mais vantajoso ser aquela a desaparecer, em respeito à obrigação que assumiu. Mas como vimos não foi essa a opção que tomou. Veio tentar eximir-se ao cumprimento das suas obrigações contratuais, da forma que já sabemos.
Se invertermos os papéis, podemos imaginar uma situação em que os senhorios podiam ter comunicado ao Banco que por circunstâncias da sua vida privada, tinham passado a ter profunda necessidade de utilizar o prédio arrendado, pelo que se viam forçados a resolver o contrato por alteração das circunstâncias. Esta pretensão estaria tão votada ao fracasso como a actual.
A alteração anormal caracteriza-se pela excepcionalidade: é a anómala, a que escapa à regra, a que produz um sobressalto, um acidente, no curso ordinário ou série natural dos acontecimentos” (Mário Júlio Almeida Costa, in "Direito das Obrigações", fls. 299).
Não vemos como é que a circunstância de um Banco se defrontar com dificuldades financeiras, sejam elas maiores ou menores, que são algo que pode acontecer e acontece com frequência, como o simples olhar para a História nos mostra, pode ser visto como um caso de alteração anormal das circunstâncias, para efeitos de legitimar a quebra unilateral do vínculo contratual.
Como ensina Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, Vol. II, 2ª ed., 2003, fls. 129), “situações excepcionais como uma revolução ou o deflagrar de um estado de guerra podem facilmente ser qualificados como alteração das circunstâncias. Alterações legislativas completamente inesperadas também devem ser qualificadas como tal. Já outras hipóteses como a simples alteração do preço dos produtos comercializados ou a não obtenção das autorizações administrativas necessárias não preencherão o requisito da anormalidade”.
E, mais adiante, acrescenta: “neste sentido, pode-se considerar que a alteração das circunstâncias se apresenta como uma modalidade específica de abuso de direito (art. 334º [do Código Civil]), neste caso de um direito de crédito, já que, por força da boa fé, se torna ilegítimo ao credor a exigência da prestação numa situação em que os limites relativos ao equilíbrio das prestações no contrato se encontram ultrapassados”.

Olhando de outro prisma.
A análise do regime legal dos vários tipos de erro juridicamente relevantes, e da relevância dada ao elemento em que incide o erro, dá-nos uma ideia muito nítida de quais as preocupações do legislador ao abordar esta questão, e a forma como ele quis conciliar a protecção do declarante com a protecção do declaratário, e com a defesa da segurança jurídica. A ideia-base, estamos em crer, é a de que é tanto mais fácil anular o negócio quanto a circunstância sobre que recaiu o erro seja objectiva e ligada ao conteúdo do negócio, e tanto mais difícil quanto o erro verificado recaia sobre outras circunstâncias mais afastadas. Tendo como pano de fundo permanente a protecção da segurança jurídica e da confiança no tráfego negocial, a ordem jurídica ainda aceita certos desvios à força vinculativa dos contratos, para protecção do declarante, mas apenas quando o declaratário não seja apanhado de surpresa por essa situação.
Ora, o que o Banco arrendatário veio invocar não foi nada ligado ao conteúdo do negócio. Foi, antes, um conjunto de circunstâncias e eventos que ocorreram consigo próprio. Damos aqui por reproduzido o teor da carta que o Banco enviou aos autores, um arrazoado sobre o contrato ter sido celebrado num contexto de expansão económica e de crescimento do próprio X, e que (…) passados 7 anos, as circunstâncias existentes à data da celebração do contrato se alteraram de forma muito significativa e anormal, etc.
O que emergiu provado foi que o X apresentou um resultado líquido negativo de 161,6 milhões de euros no ano de 2011, de 576,4 milhões de euros em 2012 e de 470,3 milhões de euros em 2013; recorreu a processo de recapitalização previsto na Lei 63/2008, de 24 de Novembro, tendo sido injectado no mesmo a quantia aproximada de 1.100 milhões de euros em 2013 e estabelecida a necessidade de fusão, tendo sido constituído o X SGPS, SA no início de 2015; o X ficou ainda sujeito a um plano de recapitalização que compreendia: (i) a descrição das medidas adequadas a serem adoptadas pelo X com o objectivo de assegurar a sua viabilidade a médio prazo; (ii) o calendário de implementação das medidas de viabilidade, e (iii) a demonstração da sua consistência operacional/solidez (cfr. art. 9º,1 da Lei nº 63/2008, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 4/2012, de 11 de Janeiro). O referido Plano de Recapitalização foi aprovado em 16 de Janeiro de 2013, e acarretou consigo a obrigação do X reformular o seu modelo de negócio, implementar profundas medidas de reestruturação e a reduzir o seu número de agências e a limitar o seu âmbito de actuação geográfica. O Plano de Reestruturação prevê uma significativa redução do número de agências bancárias do X, especialmente em Portugal Continental e no interior do país, mas não refere esta agência concreta de Cabeceiras de Basto.
Tudo isto são contingências que ocorreram com o Banco contratante, aceita-se, agravadas com a crise financeira internacional que sobreveio a partir de 2009, mas mesmo assim, exclusivamente centradas na pessoa jurídica X, e agora, Banco ..., S.A.
Não podemos pois afirmar que as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar sofreram uma alteração anormal. O que sucedeu foi, antes, que as circunstâncias em que o X fundou a decisão de contratar sofreram uma alteração significativa. E essa unilateralidade faz toda a diferença.
E também não pode ser atribuída qualquer relevância ao facto provado nº 35 (em 20.12.2015 a agência do X de Cabeceiras de Basto não existia nem estava registada na contabilidade desse Banco), pois esse facto inseria-se numa linha de argumentação do Banco recorrido que, por força do acórdão do STJ proferido em recurso, está definitivamente encerrada nestes autos.
Em conclusão, consideramos que a declaração resolutiva foi contratualmente ilícita, não tendo qualquer efeito jurídico, e que, por conseguinte, o contrato de arrendamento celebrado não se extinguiu, mantendo a sua vigência nos termos previstos pelas partes.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso procedente, e em consequência, revogando a sentença recorrida, condena o réu Banco ..., S.A., por via da substituição processual operada, a cumprir o contrato de arrendamento que o “X – Banco ..., S.A celebrou com os autores F. F. e cônjuge, A. F., que se mantém em vigor, e mais concretamente, condenando-o a pagar as rendas vencidas, sendo que as que forem pagas em mora serão acrescidas de 50%, e as vincendas, no valor acordado.

Custas pelo recorrido (art. 527º,1,2 CPC).

Data: 15/10/2020

Relator ­(Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto (Joaquim Boavida)


1 - In Das Obrigações em Geral, 7ª edição, fls. 221