LEITURA DA SENTENÇA
FALTA DE COMPARÊNCIA
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
DETENÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Sumário

- Sabendo o recorrente que estava a decorrer julgamento em processo onde era arguido, no qual compareceu a várias sessões e tendo sido notificado da data designada para leitura da sentença, acto a que esteve presente o seu ilustre mandatário, todos os seus direitos de defesa estão assegurados, havendo que distinguir os casos em que o arguido está física e processualmente ausente da audiência, daqueles em que esteve presente, mas de que, entretanto, se  ausentou, só no primeiro caso sendo exigível a notificação pessoal da sentença, entendimento este conforme à nossa constituição.
- Encontrando-se o documento - certidão de emissão de carta de condução, falsificado por terceiros - na viatura conduzida pelo arguido e constando do mesmo o seu nome, a conclusão que se encontrava na sua posse é lógica e conforme às regras da experiência comum e não estando ele habilitado para o efeito, a conclusão de que quis usá-lo é lógica, não podendo esse documento ter qualquer outra utilidade que não fazer crer que ele estava habilitado a conduzir, não obsatnte o arguido, em audiência, se ter limitado a afirmar que pensava não ter exibido a certidão, em momento algum, afirmando desconhecer que ela ali estava e a utilidade decorrente para ele da sua detenção.
- A simples detenção de documento falsificado (al.f, do nº1, do art.256, CP), preenche o elemento objectivo do crime de falsificação ou contrafacção de documento e sendo o mesmo detido pelo arguido com intenção de facilitar, executar ou encobrir outro crime (condução sem habilitação), estão preenchidos todos os elementos típicos daquele crime.
- Embora o arguido tenha sofrido uma condenação em pena privativa da liberdade, nada constando dos autos em seu desabono após esta condenação, não é possível afirmar que o mesmo não se tenha deixado influenciar por essa condenação devendo o juízo de prognose favorável reportar-se ao momento da decisão.

Texto Integral

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:

Iº 1. No Processo Comum (Tribunal Singular) nº11/18.0PAAMD, da Comarca de Lisboa Oeste (Juízo Local Criminal da Amadora - Juiz 1), em que é arguido,J. , o Tribunal, após julgamento, decidiu por sentença de 8Jan.20:
“…
…, julgo procedente a acusação, e em consequência, decido:
- Condenar o arguido pela prática de um crime de condução de veiculo sem habilitação legal previsto e punido pelo artigo 3° n.°s 1 e 2 do DL n.°2/98 na pena de 6 (seis) meses de prisão;
- Condenar o arguido pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256°, n°s 1, al. f) e n° 3, do Código Penal na pena de 9 (nove) meses de prisão;
- Condenar o arguido na pena única de 12 (doze) meses de prisão.
...”.
2. Desta decisão recorre o arguido J. , motivando o recurso com as seguintes conclusões:
1ª Da prova produzida em audiência não resulta provado que o arguido detinha o referido documento e que detendo o referido documento quis usá-lo, de molde a enganar o agente policial de que se encontrava habilitado a conduzir veículos automóveis;
2ª Assim sendo, deverá a douta sentença, nesta parte, ser revogada e substituída por decisão que considere como não provada a matéria constante do ponto 2.1.3, da matéria de facto provada parágrafo 2°, na parte em que se afirma que o arguido tinha em seu poder um documento supostamente emitido pelo Ministério da Administração Interna, Direção- Geral dos Transportes Rodoviários da República de Cabo Verde, e pela Directora Geral, Jurista D. A., como se de uma certidão se tratasse a que foi aposta o n° de certidão 179/2017, na qual constava que o arguido tinha prestado provas na Direcção do Serviço de Viação na Praia, para condutor de veículos automóveis, de categoria B, em 11 de Setembro de 2009, tendo ficado aprovado, tendo-lhe sido emitida carta de condução número S-39514;
E a constante do ponto 2.1.6 onde se afirma que, o arguido sabia que detinha documento (certidão de emissão de carta de condução) falsificado por terceiros, e ao fazê-lo quis usá-lo de molde a gerar a convicção geral, resultante da natureza autêntica de tal documento, de que se encontrava habilitado a conduzir veículos automóveis, já que tal documento continha todos os dados de identificação civil relevantes e todos os demais elementos à prova de tal habilitação legal.
3ª E, consequentemente, ser o arguido absolvido do crime de falsificação de documento pelo qual foi condenado.
4ª Da prova produzida, não resulta igualmente, que nenhuma das outras modalidades de cumprimento da pena de prisão, podem dissuadir o arguido da prática de novos crimes, e que se imponha a prisão efetiva.
5ª Das 5 condenações que constam do seu certificado de registo criminal do arguido, apenas uma já havia acontecido à data dos factos dos presentes autos, a condenação em pena de multa aplicada no processo n° 202/17.0PASNT, por sentença de 23.03.2017, transitada em julgado a 02.05.2017;
6ª Sendo as outras condenações todas posteriores à data dos factos dos presentes autos, sendo que duas delas até foram por factos posteriores aos dos presentes autos;
7ª Pelo que, somente, a pena de multa aplicada no processo n° 202/17.0PASNT, pode ser invocada e levada em conta para efeitos de reincidência, mas nunca em termos de permitir a passagem direta e radical da pena de multa para a pena de prisão efetiva e por um ano.
8ª Estando o arguido a cumprir atualmante uma pena de 10 meses de prisão em regime de permanência na habitação sob vigilância eletrónica, desde agosto de 2019, precisamente pela prática de crime de condução sem habilitação legal e não havendo notícias de que o arguido não esteja a cumprir com as obrigações decorrentes de tal regime, só com o regresso do arguido à liberdade, o que somente acontecerá em 10 de maio, é que se poderá fazer uma avaliação e tirar conclusões se a pena que lhe foi aplicada foi ou não suficientemente dissuasora da prática de novos crimes de condução sem habilitação legal, ou se haverá que endurecer as penas;
9ª Pelo que, assim sendo, nada autoriza a conclusão de que nenhum dos outros meios de cumprimento da pena de prisão, permitem dissuadir o arguido da prática de novos crimes de condução sem carta;
10ª Termos em que, caso se venha confirmar a prática pelo arguido dos 2 crimes de que vinha acusado, a pena de prisão aplicada deve ser suspensa na sua execução.
3. Por despacho de 19-02-2020 foi ordenada a notificação do arguido para pagamento da multa devida pela apresentação do recurso no 3º dia útil posterior ao termo do respectivo prazo.
Paga a multa, o recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
4. Inconformado com aquele despacho de 19-02-2020 o arguido recorreu, concluindo:
1ª O Arguido não esteve presente na leitura de sentença, ocorrida em 08/01/2020;
2ª Apenas o defensor do Arguido foi notificado da sentença condenatória, o que aconteceu em 08/01/2020;
3ª À data de 12/02/2020, o Arguido ainda não tinha sido notificado da sentença condenatória, conforme o exige o nº 10 do art. 113º do CPP;
4ª Assim sendo em 12/02/2020, ainda nem havia começado a correr o prazo para a apresentação do recurso da sentença condenatória;
5ª Pelo que o recurso apresentado em 12/02/2020, foi apresentado dentro de prazo;
6ª Termos em que, deve ser revogado o despacho que determinou a aplicação de multa por alegada apresentação do recurso no 3º dia útil após o prazo, e em consequência, ordenada a restituição dos 102,00 euros que, por uma questão de cautela, já foram pagos.
5. Admitido este recurso, o Ministério Público respondeu, concluindo pelo não provimento dos recursos.
6. Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-geral Adjunto aderiu à resposta do Ministério Público em 1ª instância e concluiu pelo não provimento dos recursos.
5. O objecto dos recursos, tal como se mostram delimitados pelas respectivas conclusões, reconduz-se, na parte relativa à impugnação do despacho de 10-02-2020, à questão de saber quando se deve considerar o arguido notificado da sentença e, quanto ao recurso interposto desta, à apreciação das seguintes questões:
-impugnação da matéria de facto;
-qualificação jurídica dos factos;
-suspensão da execução da pena;
*    
IIº A decisão recorrida, no que diz respeito aos factos provados, não provados e respectiva fundamentação, é do seguinte teor:
2.1. Matéria de facto provada
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
2.1.1. No dia 8 de Fevereiro de 2018, cerca das 21h e 20m, na Rotunda Timor Lorosae, Amadora, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ... QV, sem ser titular de qualquer documento que legalmente o habilitasse a exercer a condução do referido veículo.
2.1.2. O arguido sabia que não podia conduzir o aludido veículo, naquela via, por não estar legalmente habilitado para o efeito, e apesar disso fê-lo da forma descrita.
2.1.3. Sucede que no momento da fiscalização, efectuada pelo Agente da PSP que ali se encontrava no exercício de funções, o arguido tinha em seu poder um documento supostamente emitido pelo Ministério da Administração Interna, Direcção-Geral dos Transportes Rodoviários, da República de Cabo Verde, e pela Directora-Geral, Jurista, D.A. como se de uma certidão se tratasse, a que fora aposta o n.º de certidão 179/2017, na qual constava que o arguido tinha prestado provas na Direcção do Serviço de Viação na Praia, para condutor de veículos automóveis, de categoria B, em 11 de Setembro de 2009, tendo ficado aprovado, tendo-lhe sido emitida carta de condução número S-39514.
2.1.4. Sucede que tal documento não foi emitido pela autoridade oficial competente de Cabo Verde, tendo ao invés sido fabricada em circunstâncias não apuradas e por individuo desconhecido.
2.1.5. O arguido sabia que não podia conduzir o aludido veículo, naquela via, por não estar legalmente habilitado para o efeito, e apesar disso fê-lo da forma descrita.
2.1.6. O arguido sabia que detinha documento (certidão de emissão de carta de condução) falsificado por terceiros, e ao fazê-lo quis usá-la de molde a gerar a convicção geral, resultante da natureza autêntica de tal documento, de que se encontrava habilitado a conduzir veículos automóveis, já que tal documento continha todos os dados de identificação civil relevantes e todos os demais elementos à prova de tal habilitação legal.
2.1.7. Sabia que tal documento certifica os factos nele referidos, que se destina a identificar o seu titular, que é emitido por autoridade ou funcionário competente, que goza, no tráfego jurídico, de confiança e segurança e que beneficia de particular crédito, nas relações comuns, pela genuinidade e veracidade que lhe são inerentes.
2.1.8. Sabia ainda que da fabricação artificiosa e falsa do seu conteúdo, bem como do seu uso, decorreria prejuízo para o Estado, já que seria posta em crise a fé pública dos documentos de habilitação legal para conduzir que a este cabe emitir, bem como o valor probatório dos documentos de forma e a confiança mútua nas relações sociais que ao Estado cabe tutelar.
2.1.9. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que eram proibidas as suas condutas e tinha a liberdade suficiente para se determinar de acordo com essa avaliação.
2.1.10. O arguido é casado e tem quatro filhos.
2.1.11. Aufere cerca de €600 por mês e a sua mulher ganha €600 mensais.
2.1.12. Mora em casa arrendada pagando €350 de renda.
2.1.13. Não tem carro.
2.1.14. Tem o 2° ano de escolaridade.
2.1.15. O arguido tem antecedentes criminais tendo já sido condenado em:
- pena de multa no âmbito do processo n.°202/17.0PASNT, pela prática do crime de
condução de veiculo sem habilitação legal a 13.02.2017, por sentença de 23.03.2017, transitada em julgado a 02.05.2017;
- pena de multa e pena suspensa com sujeição a deveres bem como em pena acessória no âmbito do processo n.°59/19.7PDAMD, pela prática do crime de condução de veiculo em estado de embriaguez e do crime de condução de veiculo sem habilitação legal a 27.01.2019, por sentença de 13.02.2019, transitada em julgado a 15.03.2019;
- pena de prisão em regime de permanência na habitação no âmbito do processo n.°362/19.6PASNT, pela prática do crime de condução de veiculo sem habilitação legal a 24.03.2019, por sentença de 15.05.2019, transitada em julgado a 14.06.2019;
- pena de multa no âmbito do processo n.°242/16.7PAAMD, pela prática do crime de condução de veiculo sem habilitação legal a 07.12.2016, por sentença de 29.05.2018, transitada em julgado a 28.06.2018;
- pena de multa no âmbito do processo n.º78/17.8PAAMD, pela prática do crime de falsificação de documento e do crime de condução de veiculo sem habilitação legal a 08.04.2017, por sentença de 11.07.2018, transitada em julgado a 01.10.2018.
*
2.2. Matéria de facto não provada:
Não existem factos não provados.
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2.3. Motivação da decisão de facto:
A convicção deste tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na avaliação e ponderação de todos os meios de prova produzidos ou analisados em audiência de julgamento, nomeadamente:
- Nas declarações do arguido que descreveu as suas condições económicas e sociais.
Quanto aos factos o arguido admitiu que naquela ocasião conduzia um veiculo automóvel sem ser titular de carta de condução.
No entanto afirma que pensava que não exibiu a certidão que atestava que ele tinha carta de condução ao agente que o fiscalizou, mas que foi este que a descobriu quando revistou o carro.
- No depoimento da testemunha TV , agente da PSP, que descreveu o modo como decorreu a acção de fiscalização. Esta testemunha referiu que o arguido admitiu logo que não era titular de carta de condução, sendo que quando ele revistou a viatura encontrou a certidão que declarava que o arguido era titular de carta de condução, pelo que apreendeu a mesma.
- Na informação de fls. 10 e 18 de onde resulta que o arguido não é titular de carta de condução.
- Na certidão de fls. 8.
- Relatório pericial de fls.74 realizado à certidão detida pelo arguido de onde resulta que a mesma é falsa.
- No CRC junto aos autos no que concerne aos antecedentes criminais do arguido.
- Assim, face à prova produzida aliada aos elementos constantes dos autos dúvidas não existem em como o mesmo efectivamente praticou os factos que lhe eram imputados.
- Ou seja, dúvidas não existem em como o arguido conduziu aquela viatura quando foi fiscalizado por agentes da PSP.
- Agora, também não existem dúvidas em como o documento que foi apreendido ao arguido não era válido.
- Assim sendo é por demais evidente que o arguido conduzia naquela ocasião sem ser titular de carta de condução.
- Quanto à detenção pelo arguido da certidão falsa, tal também se encontra comprovado.
- Alias o próprio arguido admitiu que tinha o documento guardado no carro, sendo que não o exibiu porque não quis.
- Sendo que tal foi confirmado pelo agente autuante que disse que encontrou o documento no carro do arguido e que apreendeu o mesmo.
- Logo, uma vez que o documento estava na posse do arguido e foi emitido com o nome do mesmo, é por demais evidente que o arguido tinha o mesmo na sua posse.
- No entanto, e quanto à justificação apresentada pelo arguido, já não pode o tribunal valorar a mesma.
- a de condução.
- Logo face à ausência da junção destes documentos por parte do arguido não pode o Tribunal valorar a versão apresentada pelo mesmo.
- Assim, dúvidas não tem o tribunal em como o arguido praticou os factos que lhe eram imputados.
- Sendo que o fez de forma livre, deliberada e consciente bem sabendo que os mesmos eram criminalmente puníveis.
*  
IIIº 1. Insurge-se o recorrente contra o despacho de 19-02-2020, que considerou ter sido interposto no 3º dia útil posterior ao termo do prazo o recurso da sentença final, motivo para pagamento da respectiva multa.
O arguido compareceu à audiência de julgamento, esteve presente na sessão de 18Dez.19, nesta data foi notificado para a sessão de 8Jan.20, mas faltou a esta em que foi lida a sentença, sendo nela representado pelo respectivo defensor.
Como decidiu este mesmo colectivo no Pº 355/04.8TABNV, por Ac. de 18-06-2013, acessível em www.dgsi.pt[1] " I - Há que distinguir os casos em que o arguido está física e processualmente ausente da audiência, daqueles em que esteve presente, mas entretanto ausentou-se, só no primeiro caso sendo exigível a notificação pessoal da sentença, entendimento conforme à nossa constituição; II - A aceitar-se a orientação de exigir a notificação pessoal da sentença ao arguido, em caso em que ele esteve presente ao julgamento, mas que falta à leitura da sentença, tendo o seu mandatário sido notificado da data da leitura e faltando também, estaria a abrir-se caminho ao uso abusivo deste expediente como forma de alargamento do prazo de recurso, quando a salvaguarda das garantia de defesa não o justificam, em nítido beneficio injustificado do infractor. ...".
Como se refere nesse acórdão, o art.113, nº9, do CPP, inserido no capítulo IV, com a epígrafe “Da comunicação dos actos e da convocação para eles”, estatui sobre a regra geral das notificações ao arguido, estabelecendo que as mesmas podem ser feitas ao respectivo defensor, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença.
No que diz respeito ao caso particular da sentença, aqui em discussão, no Título II, do CPP, sob a epígrafe “Da Audiência”, encontramos normas específicas, os arts.333, nº5, 334, nº6 e 373, nº3.
Os dois primeiros preceitos legais citados, relativos a casos de julgamento na ausência do arguido, expressamente consagram a necessidade de notificação pessoal da sentença ao mesmo “...logo que seja detido ou se apresente voluntariamente”.
Como é sabido, antes da 4ª Revisão Constitucional, era pacífico o entendimento de que a Constituição impedia o processo de ausentes e que essa proibição resultava da necessidade de assegurar ao arguido todos os direitos de defesa.
Os impactos negativos de tal proibição no bom andamento dos processos e a ineficácia que o instituto da contumácia veio a revelar, justificou que ao art.32, da C.R.P. fosse acrescentado o actual nº6 “A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento”.
Assim, aquelas normas relativas à notificação da sentença ao arguido, visaram conciliar a dispensa da presença do arguido ao julgamento, com a garantia dos direitos de defesa, que não obstante têm de ser assegurados, o que impedirá que uma decisão condenatória possa transitar sem se assegurar ao arguido a possibilidade de defesa pessoal.
Com base naqueles princípios, tem o Tribunal Constitucional interpretado as normas do nº1, do art.411 e do nº5, do art.333, do CPP, no sentido de que o prazo para a interposição de recurso da decisão condenatória do arguido ausente se conta a partir da notificação pessoal e não a partir do depósito da secretaria, independentemente dos motivos que determinaram tal ausência e se os mesmos são, ou não, justificáveis[2].
No caso em apreço, porém, não estamos perante julgamento na ausência do arguido. Este, acompanhado por ilustre mandatário, esteve presente a várias sessões da audiência de julgamento, acabando por faltar à sessão designada para leitura da sentença, mas para a qual foi notificado e à qual compareceu o seu ilustre mandatário.
Nestes casos, em que o arguido compareceu a várias sessões da audiência de julgamento, foi notificado para a sessão designada para leitura do acórdão e faltou, estando presente o ilustre mandatário, não se justifica procedimento idêntico ao dos casos em que toda a audiência decorre na ausência do arguido, mas antes que ele se considere notificado da sentença depois desta ser lida perante defensor, como estabelece o nº3, do art.373, do CPP.
A presença do arguido em várias sessões da audiência de discussão e julgamento, a sua notificação para a sessão designada para leitura do acórdão e a presença neste acto da sua ilustre mandatária, constituem garantia suficiente da salvaguarda dos seus direitos de defesa.
A Constituição consagra que o processo criminal assegura todos os direitos de defesa (art.32), mas não impõe a notificação pessoal da sentença ao arguido, o que apenas se terá de considerar como obrigatório quando tal notificação for necessária à garantia desses direitos.
No caso, sabendo o recorrente que estava a decorrer julgamento em processo onde era arguido, no qual compareceu a várias sessões e tendo sido notificado da data designada para leitura da sentença, acto a que esteve presente o seu ilustre mandatário, todos os seus direitos de defesa estão assegurados.
Há que distinguir os casos em que o arguido está física e processualmente ausente da audiência, daqueles em que esteve presente, mas entretanto ausentou-se, só no primeiro caso sendo exigível a notificação pessoal da sentença[3], entendimento conforme à nossa constituição[4].
Assim o arguido considera-se notificado da sentença em 8Jan.20, pelo que o prazo de 30 dias para recorrer terminou em 7Fev.20.
Tendo apresentado o recurso em 12Fev.20, fê-lo no 3º dia útil posterior ao termo do prazo, sendo por isso devida a multa determinada pelo despacho de 19-02-2020.
2. De acordo com o art.428, nº1, do Código de Processo Penal, “as relações conhecem de facto e de direito”.
No caso, o recorrente impugna os pontos 2.1.3 e 2.1.6 da matéria de facto provada.
O ponto 2.1.3 foi confirmado pelo depoimento da testemunha TV , agente da PSP, que encontrou o documento em causa no decurso da revista à viatura conduzida pelo arguido e pelo auto de apreensão desse documento.
Encontrando-se o documento na viatura conduzida pelo arguido e constando do mesmo o seu nome, a conclusão que se encontrava na sua posse é lógica e conforme às regras da experiência comum.
Em relação ao ponto 2.1.6, encontrando-se o documento no veículo conduzido pelo arguido e não estando ele habilitado para o efeito, a conclusão de que quis usá-lo é lógica, não podendo esse documento ter qualquer outra utilidade que não fazer crer que ele estava habilitado a conduzir.
O arguido, em audiência, limitou-se a afirmar que pensava não ter exibido a certidão, em momento algum afirmando desconhecer que ela ali estava e a utilidade decorrente para ele da sua detenção.
Assim, a conclusão que a quis usar é lógica, não sendo possível admitir outra intenção que não fosse a de convencer as autoridades de que estava habilitado a conduzir.
Deste modo, é manifesto que as provas invocadas pelo recorrente não impõem decisão diversa em relação aos factos impugnados.
3. A simples detenção de documento falsificado (al.f, do nº1, do art.256, CP), preenche o elemento objectivo do crime de falsificação ou contrafacção de documento.
Por outro lado, detendo o mesmo com intenção de facilitar, executar ou encobrir outro crime (condução sem habilitação), estão preenchidos todos os elementos típicos daquele crime.
4. Como refere a sentença recorrida, o crime de condução sem habilitação legal é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias e o crime de falsificação de documento que o arguido praticou com pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.
O tribunal recorrido optou pela pena detentiva, o que não merece censura, atento o disposto no art.70, do CP, o que o recorrente não questiona.
Por outro lado, em relação à medida concreta das penas, considerando o disposto nos art.71 e 77, do CP, as penas de 6 meses de prisão para o crime de condução de veículo sem habilitação legal e de 9 meses de prisão para o crime de falsificação, assim como a pena única de 1 ano de prisão, apresentam-se ajustadas.
O recorrente insurge-se, porém, contra a não suspensão da sua execução.
O tribunal recorrido afastou essa possibilidade, considerando:
“…
No caso, o arguido agiu com bastante intensidade dolosa e mostrou-se insensível aos valores que fundamentam a incriminação.
Este circunstancialismo revela uma personalidade em relação à qual não é possível fazer um juízo fundado de prognose favorável, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastá-lo da criminalidade.
Em suma: não se reconhecem quaisquer sinais de integração, julgamos que, em termos de prevenção geral positiva, dada a natureza e o circunstancialismo dos crimes praticados, causadores de forte repúdio social, a suspensão da execução da pena de prisão não se afigura como suficiente para manter a confiança da comunidade na validade das normas violadas pelo cometimento desses crimes. 
 Assim, na ponderação de todos os factores relevantes, entende-se que não é de aplicar, no caso, a suspensão da execução da pena de prisão.
…”
Os factos provados revelam que o arguido é pessoa de modesta condição social e está inserido familiar e profissionalmente (aufere cerca de €600 por mês, sua mulher ganha €600 mensais, mora em casa arrendada pagando €350 de renda e tem o 2° ano de escolaridade).
As condenações criminais constantes do seu CRC não abonam a favor da sua personalidade (cinco condenações por crime de condução de veiculo sem habilitação legal, num dos casos também por crime de falsificação de documento e noutro também por condução sob influência do álcool).
Contudo, no momento em que praticou os factos dos presentes autos (8 de Fevereiro de 2018), apenas tinha sofrido uma condenação em pena de multa, por condução de veiculo sem habilitação legal.
Depois, sofreu quatro condenações, duas em pena de multa, uma em pena de multa substituída por trabalho (Pº 78/17.8PAAM) e uma em pena de dez meses de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação (Pº 362/19.6PASNT, decisão de 2019/05/15), pena que cumpria quando se realizou a audiência de discussão e julgamento nos presentes autos (cfr. acta de 8Jan.20).
O arguido sofreu, assim, apenas uma condenação em pena privativa da liberdade, nada constando dos autos em seu desabono após esta condenação, razão por que não é possível afirmar que o mesmo não se tenha deixado influenciar por essa condenação.
Ora, o juízo de prognose favorável reporta-se ao momento da decisão (Jan.20), em que é razoável esperar que o arguido se tenha deixado influenciar pela pena privativa da liberdade que cumpria, o que retira acuidade à necessidade actual de uma pena privativa da liberdade por factos de 2018 e permite um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro (legítima esperança que a primeira pena privativa da liberdade que entretanto cumpriu o tenha levado a moldar o seu comportamento ao direito).
Justifica-se, assim, a suspensão da execução da pena de prisão, o que se revela suficiente para a realização de forma adequada e suficiente das finalidades da punição, ao mesmo tempo que constituirá forte impulso à reinserção social do agente (que há pouco terminou cumprimento da pena privativa da liberdade).
*  
IVº DECISÃO:
Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, acordam:
Em negar provimento ao recurso interposto do despacho de 19-02-2020;
Em dar parcial provimento ao recurso interposto da sentença final, suspendendo a execução da pena única de 1 (um) ano de prisão, em que o arguidoJ.  foi condenado em 1ª instância, por três anos.
Condena-se o recorrente em 3Ucs de taxa de justiça, pelo decaimento total no recurso que interpôs do despacho de 19-02-2020;

Lisboa,
Vieira Lamim
Ricardo Cardoso
_______________________________________________________
[1] No mesmo sentido, Ac. de 6Jun.2017, no Pº2015/10.1TDLSB, do mesmo colectivo, acessível na CJ, Ref. 3657/2017 “ I - A notificação pessoal da sentença só é exigível nos casos em que o arguido está física e processualmente ausente da audiência e não quando esteve presente, mas entretanto ausentou-se. II - A presença do arguido em várias sessões de julgamento, a sua notificação para a sessão designada para leitura do acórdão e a presença neste ato da sua mandatária, constituem garantia suficiente da salvaguarda dos seus direitos de defesa. III - Ao exigir-se a notificação pessoal da sentença nestas situações estaria a contribuir-se injustificadamente para o alargamento do prazo de recurso”.
[2] Ac. nº312/05, do Tribunal Constitucional, de 8Jun.05 (D.R. IIª Série de 8Ago.05).
[3] Neste sentido, entre outros:
-Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 20Fev.13, Relator Elsa Paixão, acessível em www.dgsi.pt "Nas situações a que aludem os arts. 333° n°s 2, 3 e 5 e 334° n° 6 do Código de Processo Penal, o arguido está física e processualmente ausente da audiência e, por isso, o legislador não prescindiu da comunicação da sentença ao arguido através da sua notificação pessoal; II – Neste caso, o prazo para a interposição do recurso conta-se a partir da data da notificação pessoal da sentença; III – Se o arguido esteve presente no julgamento, mas entretanto ausentou-se (justificada ou injustificadamente) e não assistiu à leitura da sentença, considera-se notificado com a leitura da sentença feita perante o seu defensor, nos termos do disposto no n° 3 do artigo 373° do Código de Processo Pena. IV – A disposição legal contida no art.373, n°3 do Código de Processo Penal é uma norma especial relativamente à contida no art. 113° n° 9 e, por isso, prevalece sobre esta. V- Aqui, o prazo para o recurso conta-se da data do depósito da sentença mesmo que a secretaria o tenha notificado da sentença pois que tal notificação configura acto inútil que não produz qualquer efeito".
-Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 24Out.12, Relator Eduarda Lobo, acessível em www.dgsi.pt "I - O facto de o arguido ter comparecido a uma das sessões da audiência de julgamento e de ter sido dispensado de comparecer à seguinte, ocasião em que foi designada a data da leitura da sentença, não o desonera do dever de se informar sobre o estado do processo... ".
-Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 20Nov.12, Relator Ana Brito, acessível em www.dgsi.pt "1. A lei distingue claramente duas situações no que respeita à notificação da sentença – a notificação de arguido julgado na ausência, ou seja, de arguido faltoso e ausente desde o início do julgamento (art. 333º, nº 5 do CPP), e a notificação de arguido presente no julgamento e que entretanto dele se tenha ausentado (art. 373º, nº3 do CPP). 2. Só no primeiro caso se exige a notificação pessoal da sentença ao arguido (“quando este se apresentar ou for detido”) valendo, para o segundo caso, a regra da notificação na leitura da sentença (perante o próprio e/ou o seu defensor), sendo que, nesta situação, o prazo para recorrer se contará do depósito da sentença (art. 411º, nº1 - al. a) do CPP). 3. Esta diferença de regimes assume que apenas na segunda situação há a certeza de que o arguido sabe que está a ser julgado e sabe que o julgamento terminará com a leitura da sentença. 4. Justifica-se, por isso, a exigência de alguma pro-actividade da sua parte, sendo legítimo co-responsabilizá-lo num exercício efectivo dos direitos de defesa.  5. Também o TC tem entendido que “a cognoscibilidade da decisão condenatória afere-se tendo em conta a possibilidade do arguido, actuando com a diligência devida, ter acesso efectivo ao conhecimento integral da decisão que se pretende impugnar, o que não exige necessariamente um notificação pessoal da mesma ao arguido”. 6. Encontrando-se assegurada a cognoscibilidade da decisão condenatória, só podendo “radicar numa grosseira negligência do próprio arguido um eventual e hipotético desconhecimento do exacto teor da sentença”, afigura-se também irrelevante a frustrada tentativa de notificação pessoal da data designada para a leitura da sentença, notificação que, não sendo proibida, também não é exigível no caso presente".
-Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 10-02-2014 (Pº 172/13.4PTSTB-A.E1, Relator ANTÓNIO.M.R.CARDOSO) "Tendo o arguido estado presente na audiência na qual foi marcada data para a leitura da sentença, do que foi notificado, mas falta no dia da leitura à qual apenas compareceu o seu defensor, o arguido considera-se notificado da sentença, contando-se o prazo de recurso da data do depósito da sentença, sendo ineficaz para esse efeito a notificação pessoal do arguido feita pela secretaria em data posterior".
-Ac. da Relação de Lisboa de 16Dez.98, na C.J. ano XXIII, tomo 5, pág.151 e, ainda, o Vive-Presidente da Relação de Évora, por despacho de 22Fev.06 (Reclamação nº506/06, acessível em www.dgsi.pt) “Nas situações em que o julgamento é efectuado na presença do arguido, mas em que este falta... à sessão da audiência designada para a leitura de sentença, o prazo para interpor recurso da sentença conta-se a partir da data do respectivo depósito”.
[4] O Ac. do TC nº489/08, DR nº219, Série II, de 11Nov.08, decidiu "Não julga inconstitucionais as normas dos artigos 373.º, n.º 3, e 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que tendo estado o arguido presente na primeira audiência de julgamento, onde tomou conhecimento da data da realização da segunda, na qual, na sua ausência e na presença do primitivo defensor, foi designado dia para a leitura da sentença, deve considerar-se que a sentença foi notificada ao arguido no dia da sua leitura, na pessoa do defensor então nomeado".