PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
INSOLVÊNCIA CULPOSA
CONTABILIDADE ORGANIZADA
Sumário


1. Entre as situações que determinam sempre a insolvência culposa figura aquela em que o administrador tenha “incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidades com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor” – artigo 186º, nº2, alínea h), do Cire;
2. Esse pressuposto está verificado ao provar-se que a sociedade insolvente não tem contabilidade relativa aos três anos anteriores à data da declaração da insolvência, existindo tão só esparsos elementos contabilísticos que reflectem uma pequena parte dos actos de deslocação/dissipação de bens levados a efeito numa altura em que a sociedade estava praticamente inactiva.
3. A contabilidade organizada é um regime fiscal obrigatório para as empresas constituídas em sociedades comerciais, que «deve reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes» (cfr. artigo 17º, nº3, alínea b), do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas), e cuja execução, segundo o nº2 do artigo 123º do mesmo código, exige que “todos os lançamentos devam estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário», e que «as operações sejam registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras».
4. Como refere Luís Brito Correia, “chama-se contabilidade à compilação, registo, análise e apresentação de informações, em termos monetários, sobre operações patrimoniais” (Direito Comercial, I-257), devendo a sua elaboração ser orientada segundo os princípios de clareza e de verdade, por isso implica o arquivo em pastas próprias, por ordem cronológica, de todos os documentos relativos a actos com expressão patrimonial (v.g. compras e vendas, entradas e saídas de caixa e operações bancárias), de molde a permitir às autoridades públicas a verificação da regularidade tributária e o conhecimento pelos sócios da situação patrimonial da empresa, e servindo também «para verificar a regularidade da actuação do comerciante, nomeadamente em caso de falência, tendo em vista o interesse público» (cfr. obra citada, p. 253).

Texto Integral


Acordam os juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Por apenso ao processo de insolvência da sociedade “B. G., Lda”, os credores M. M. e A. D. requereram a abertura deste incidente nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 188º do Cire, pedindo que seja qualificada culposa a insolvência, devendo ser afectados pela qualificação os sócios A. L., L. C. e M. S..

Em síntese, os requerentes alegaram que os sócios gerentes da sociedade praticaram factos que fazem presumir culposa a insolvência nos termos das alíneas a), b), d), h) e i) do nº2 do art. 186º, e que nos termos da alínea a), do nº3 do mesmo artigo se presume a sua culpa grave ao terem incumprido o dever de requerer a insolvência.

O Administrador de Insolvência e o MºPº emitiram parecer no sentido da insolvência culposa.

II. Realizado o julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
1. Qualifica-se como culposa a insolvência da sociedade «B. G., Lda»;
2. Fica afectado pela qualificação da insolvência como culposa o gerente A. L. , NIF ……, residente na Rua …, Chaves.
3. Fixar em 4 (quatro) anos o prazo em que o identificado gerente fica inibido para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa.
4. Determina-se a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelo identificado gerente.
5. Condenar aqueles a indemnizarem os credores da sociedade «B. G., Lda» no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património.

III. Recorre a pessoa afectada pela qualificação (A. L.), pugnando pela revogação da sentença e pela qualificação da insolvência como fortuita, terminando com as seguintes conclusões:
1- O presente recurso incide sobre a impugnação da matéria de facto e ainda sobre matéria de direito patenteada na sentença tendo a Meritíssima Juiz A Quo decidido que (…)
2- O Douto Tribunal A Quo deu como provados os seguintes factos com relevância para o presente recurso (…)
4- É proferida decisão desfavorável ao recorrente tendo por base Incumprimento, em termos substanciais da obrigação da insolvente manter a contabilidade organizada.
5- A a Meritíssima Juiz A Quo entende que “a contabilidade assume, assim, particular relevância para aferir se a atividade da sociedade respeitou as normas que protegem os terceiros que com ela contratam, permite controlar e evitar a concorrência desleal e assim proteger as outras empresas do mesmo sector, os próprios sócios da sociedade, não gerentes para que estes possam controlar a atividade da sociedade e os interesses gerais da comunidade, designadamente para possibilitar ao Estado arrecadar os impostos legalmente fixados.” “Apesar da relevância em abstrato da contabilidade para se verificar a previsão da 1ª parte da al. h) do nº 2 art. 186º não é suficiente qualquer deficiência, tem que ser uma irregularidade com algum relevo, segundo as boas regras e práticas contabilísticas e com influência na perceção que tal contabilidade transmite sobre a situação patrimonial e financeira do contabilizado.” Assim, como se escreve no Ac. da Rel. de Coimbra de 08-02-2011 Vd. Menezes Leitão, CIRE Anotado, 5ª ed., p. 126. o incumprimento de manter a contabilidade organizada deve considerar-se substancial quando as omissões a esse nível atinjam um patamar que corresponde à não realização do que, em termos contabilísticos, é essencial ou fundamental.”
6- O art. 186º, n.º2, al. h), do CIRE determina que se considere sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:(…) h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidades com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor.
7- Equivoca-se a Meritíssima Juiz A quo ao decidir como decidiu basta-nos compulsar os factos dados como provados na douta sentença recorrida para se verificar, primeiro estarem os mesmos em contradição manifesta entre eles, segundo por a própria fundamentação da sentença ter de levar a uma decisão diversa.
8- Neste âmbito a Meritíssima Juiz A Quo deu como provado: -A insolvente não tem contabilidade organizada nem apresenta contas desde março de 2014. (ponto 12.º dos factos provados).
i. Facto manifestamente contrariado pela documentação junta aos autos mormente da Certidão da conservatória do Registo Comercial referente à insolvente B. G..-Certidão valorada pelo Tribunal Recorrido conforme melhor consta da fundamentação da sentença-.
ii. Diz neste âmbito a Meritíssima Juiz A Quo “do mesmo documento resulta que foram prestadas contas da sociedade até 19/07/2017.”
iii. Razão pela qual neste âmbito a Meritíssima Juiz, salvo o devido respeito, dá como provados factos que são também contrariados pelos elementos documentais juntos aos autos e cujo teor foi considerado provado.
iv. Resulta da análise à certidão, conforme retro mencionado, que foram prestadas contas da sociedade até 19-07-2017.
-Encontrando-se os documentos contabilísticos em lugar incerto não tendo sido possível a sua apreensão.
(ponto 13.º dos factos provados)
i. Facto provado este, ele também manifestamente contraditório com o Ponto 14 dos factos provados, em que a Meritissima Juiz A Quo considera todavia que em 27 de Dezembro de 2017 a A.I. procedeu à apreensão dos documentos da contabilidade da insolvente.
ii. Mais, deu a Meritíssima Juiz A Quo como provado-Ponto 22. dos factos dados como provados- de que “a insolvente encontra-se praticamente inactiva desde 2014/2015.
iii. Todos os elementos contabilísticos vieram ao conhecimento quer da administradora de insolvência quer do Tribunal conforme resulta plasmado na sentença e mereceu, salvo o devido respeito uma interpretação confusa por parte da Meritíssima juiz A Quo e que de seguida escalpelizaremos.
-Apenas em 27 de Dezembro de 2017 a A.I. procedeu à apreensão dos documentos da contabilidade da insolvente, uma vez que, até lá desconhecia o seu paradeiro. (ponto 14.º dos factos provados) -O sócio e gerente da insolvente A. L., informou a A.I. que os elementos de contabilidade se encontravam no local onde anteriormente funcionava a insolvente, sendo que, apenas ali estavam os documentos de contabilidade relativos aos anos de 2013 e 2014. (ponto 15.º dos factos provados); -Não constam da contabilidade da insolvente os documentos contabilísticos referentes aos anos de 2014 (em parte), 2015, 2016 e 2017. (ponto 16.º dos factos provados)
i. Facto provado este, ele também manifestamente contraditório com o alegado pela a Meritissima Juiz A Quo que deu como provado que em 27 de Dezembro de 2017 a A.I. procedeu à apreensão dos documentos da contabilidade da insolvente. (ponto 14.º dos factos provados)
9- Entende a Meritíssima Juiz “acresce que, no decurso da instrução do processo não se apurou, e consequentemente não se deu como provada qualquer circunstância que justifique ou atenue a gravidade da omissão de manter contabilidade organizada, e por isso, a falta em que incorreu a insolvente tem de ser considerada substancial. Durante anos, não documentou, conforme lhe competia a sua atividade mercantil.”
10- Facto contrariado pela certidão do registo comercial junta aos autos, pelo facto da insolvente ter disponibilizado os seus elementos contabilisticos em 27 de Dezembro de 2017, tendo por base o ponto 22. Dos factos provados-“a insolvente encontra-se praticamente inativa desde 2014/2015, justificando-se assim a parca existência de elementos contabilisticos
11- Acresce ainda a esta realidade o facto da Adminstradora de insolvência em resposta a notificação datada de 9-3-2018 ref.ª Citius 32001832 ter afirmado que, em face da exposição e documentos juntos aos autos pela legal representante da insolvente se afigura estar demonstrado o destino dado à maior parte dos bens.”, realidade considerada pela Meritíssima Juiz A Quo mas sem nenhum espelho na decisão.
12- E mais, não mereceu qualquer pronuncio por parte da meritíssima Juiz A Quo o requerimento probatório apresentada em 19-3-2018-ref.ª Citius 1574438-na oposição ao presente incidente, o que impediu o recorrente de demonstrar também de forma absolutamente cabal que a transmissão dos bens melhor identificados no imobilizado da Insolvente se destinaram ao pagamento de dívidas que a insolvente tinha com as sobreditas entidadee e que por via das vendas conseguiu saldar
13- Por esta ordem de razões, a Meritíssima Juiz A Quo parte de premissas manifestamente infundamentadas e erradas quando diz que “não se deu como provada qualquer circunstância que justifique ou atenue a gravidade da omissão de manter contabilidade organizada, e por isso, a falta em que incorreu a insolvente tem de ser considerada substancial.
Durante anos, não documentou, conforme lhe competia a sua atividade mercantil.”
14- Há neste caso manifesta contradição entre os factos dados como provados e a decisão, e por conseguinte devem ser removidos dos factos provados os seguintes factos (por estarem em contradição manifesta com outros factos provados enunciados pela Meritíssima Juiz A Quo e levam no nosso modesto entendimento a decisão diversa):
d) Ponto 12.º- A insolvente não tem contabilidade organizada nem apresenta contas desde março de 2014, facto este em contradição com a prova documental junta aos autos mormente a com a Certidão da conservatória do registo comercial valorada pelo Tribunal Recorrido conforme melhor consta da fundamentação da sentença.
e) Ponto 13.º dos factos provados- Encontrando-se os documentos contabilísticos em lugar incerto não tendo sido possível a sua apreensão, ponto este em contradição com o Ponto 14.º dos factos provados mormente que em 27 de Dezembro de 2017 a A.I. procedeu à apreensão dos documentos da contabilidade da insolvente.
f) Ponto 16.º dos factos provados-Não constam da contabilidade da insolvente os documentos contabilísticos referentes aos anos de 2014 (em parte), 2015, 2016 e 2017, ponto este em contradição com o Ponto 14.º dos factos provados mormente que em 27 de Dezembro de 2017 a A.I. procedeu à apreensão dos documentos da contabilidade da insolvente.
15- Acrescentar ainda aos factos provados, os seguintes Factos:
a) A insolvente tem contabilidade organizada e apresentou contas até 19/07/2017.-resulta da Certidão da conservatória do registo comercial valorada pelo Tribunal Recorrido
b) Foi possível a apreensão da contabilidade da insolvente.-conclusão que se poderá também retirar do Ponto 14 dos factos provados quando se diz que em 27 de Dezembro de 2017 a A.I. procedeu à apreensão dos documentos da contabilidade da insolvente.
16- Entendeu a Meritíssima Juiz pelo incumprimento da obrigação de apresentação tempestiva à insolvência, dando como provado neste âmbito o seguinte:
a. No ano de 2013 a insolvente apresentou-se a PER que correu termos no Tribunal Judicial de Chaves, 2º juízo, sob o n.º 214/13.3TBCHV. (Ponto 5. dos factos provados)
b. Em que afirmou estar com sérias dificuldades em cumprir pontualmente algumas das suas obrigações, sendo difícil obter liquidez para pagar as suas dívidas, alegando para o efeito, as restrições das instituições financeiras de acesso ao crédito, a crise nacional e europeia do setor de construção civil e obras públicas e a consequente diminuição da atividade económica da empresa, o aumento exponencial do preço do gasóleo e a insuficiência de meios para solver o passivo vencido e vincendo. (Ponto 6. dos factos provados)
c. O PER elaborado no âmbito desse processo foi rejeitado por ter sido apresentado fora do prazo.
(Ponto 7. dos factos provados)
d. A partir dessa data a insolvente nada mais fez, designadamente não se apresentou à insolvência, apresentou novo PER, ou encetou diligências junto dos credores. (Ponto 8. dos factos provados)
17- De acordo com o estipulado no Artigo 186º, n.º3, al. a), do CIRE, presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto do devedor, que não seja uma pessoa singular tenham incumprido o dever de requerer a declaração de insolvência, presunção essa ilidível, e é necessário, nas situações aí abarcadas, verificar se os aí descritos comportamentos omissivos criaram ou agravaram a situação de insolvência, não bastando a simples demonstração da sua existência e a consequente presunção de culpa que sobre os administradores recai.
18- Revela-se insuficiente a classificação da insolvência como culposa tendo por base o mero considerando da intempestividade da sua apresentação, exigindo-se a imputação da situação de insolvência, ou o seu agravamento, à respetiva conduta.
19- Por falta de factualidade provada idónea a esse desiderato -a do prejuízo que, da falta de apresentação tempestiva à insolvência, decorreu para os credores -, não é possível, no caso “sub judice”, dar como verificada a situação que permitiu qualificar como culposa a insolvência Sociedade B. G. Lda, e por conseguinte não sendo possível dar como preenchida a previsão da alínea a) do nº 3 do artigo 186º do CIRE.
20- A qualificação da insolvência como culposa só deve ocorrer se se evidenciar a existência de nexo de causalidade entre essas faltas (intempestividade de apresentação) e o estado de insolvência, alegando-se e provando-se expressamente que essa atuação omissiva esteve na origem da insolvência ou ao seu agravamento. ´-In.acórdão da Relação do Porto de 10 de Fevereiro de 2011 (Apelação nº 1283/07.0TJPRT-AG.P1) -in Acórdão do STJ, datado de 06 de Outubro de 2011 (Revista nº 46/07.8TBSVC-0.L1.S1) -in Acórdão da Relação do Porto de 20 de Outubro de 2009 (Apelação nº 578/06.5TYVNG-A.P1),
21- Nada foi alegado, nada foi concretizado, nem há na matéria de facto provada que permita, ainda que por ilação devidamente fundamentada, concluir pela verificação desse nexo de causalidade entre a apontada omissão do ora Apelante e a criação ou o agravamento da situação de insolvência da B. G..
22- Assim neste âmbito deveria a sentença recorrida, acrescentar aos factos não provados os seguintes: a. Que a apresentação intempestiva da sociedade B. G. à insolvência tenha provocado um prejuízo concreto aos credores, e que tenha causado ou agravado a situação de insolvência.
23- Assim conclui-se dizendo que deve a decisão recorrida ser substituída por outra que revogue a atual no sentido de considerar furtuita a insolvência da sociedade B. G. Lda, e consequentemente conclua pela não aplicação ao recorrente das injunções previstas no art° 189°, n° 2 do CIRE, com as demais consequências.

IV. Cumpre apreciar e decidir.

No segmento de facto o recorrente requer a exclusão do acervo provado dos pontos 12, 13 e 16; que se considere provado: i) «a insolvente tem contabilidade organizada e apresentou contas até 19/07/2017 e ii) «foi possível a apreensão da contabilidade da insolvente» e não provado que «a apresentação intempestiva da sociedade B. G. à insolvência tenha provocado um prejuízo concreto aos credores, e que tenha causado ou agravado a situação de insolvência». No segmento de direito, o recurso prende-se com a aplicação dos normativos dos nºs 2/h, e 3/a do artigo 186º do CIRE.

1. Da impugnação da matéria de facto.

Ponto 12: “A insolvente não tem contabilidade organizada nem apresenta contas desde Março de 2014”
A recorrente pretende que a matéria desse ponto seja convolada para uma resposta positiva, considerando-se provado que a insolvente tem contabilidade organizada e apresentou contas até 19.07.2017.
Alega que do teor da certidão permanente da CRC resulta que a sociedade insolvente prestou contas até Julho de 2017 e, quanto à contabilidade, evoca as facturas juntas ao processo de insolvência com o requerimento de 25-01-2018, e que o tribunal indeferiu o requereu que apresentou no sentido de as empresas identificadas nessas facturas procederem à junção dos recibos de pagamentos efectuados.
A certidão permanente (1) refere que a prestação de contas dos anos em discussão (2014, 2015, 2016 e 2017) é uma menção realizada nos termos do Decreto-Lei 8/2007.
O pedido de registo formulado nos termos desse diploma legal não é acompanhado da entrega de quaisquer documentos na conservatória, embora implique o dever da sociedade em disponibilizar aos interessados no respectivo sítio da Internet, quando exista, e na sua sede cópia integral de diversos documentos (v.g. relatório de gestão, acta de aprovação das contas do exercício e da aplicação dos resultados; balanço, demonstração de resultados e anexo ao balanço e demonstração de resultados - cfr. artigo 70º do CSC e 42º do Cód. Registo Comercial), dispondo o nº1 do artigo 13º-D da Portaria 562/2007 que, após recepção da informação respeitante ao cumprimento da obrigação de registo da prestação de contas, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do DL 8/2007, de 17 de Janeiro, são realizados os seguintes actos subsequentes: a) Registo electrónico automático da prestação de contas, nos termos do artigo 42.º do Código do Registo Comercial; b) Disponibilização automática aos interessados do recibo comprovativo dos encargos efectuados; c) Promoção automática, por via electrónica, das publicações legais; d) Disponibilização automática, por via electrónica, do código de acesso à certidão prevista no artigo 14.º; e) Promoção das restantes diligências que venham a ser fixadas por via regulamentar ou protocolar.

Valem essas considerações para se concluir que a análise isolada da certidão permanente não é bastante para se considerar provado que as contas foram prestadas, embora tenha a virtualidade de inviabilizar a afirmação do seu contrário, importando dizer que em função da natureza do registo (menção realizada nos termos do DL 8/2007) não faz estabelecer a presunção de que as contas foram efectivamente prestadas e nos moldes definidos nos artigos 263º e 65º a 69º do Código das Sociedades Comerciais, pois trata-se de um registo por depósito, o qual consiste no «mero arquivamento dos documentos que titulam factos sujeitos a registo» (cfr. arts 11º e 53º-A, nºs 1 e 3, do CRC).

Coisa bem diferente da apresentação de contas é a questão da contabilidade organizada.
Nesse aspecto, é evidente o acerto da decisão na parte em que dá como provado que a sociedade não tinha contabilidade organizada em 2015, 2016 e 2017, existindo tão só esparsos elementos contabilísticos que reflectem uma pequena parte dos actos de deslocação/dissipação de bens levados a efeito numa altura em que a sociedade estava praticamente inactiva.
O recorrente não aduz válidos argumentos e/ou provas de molde a por em causa a realidade transmitida pelo AI nos relatórios, mais concretamente da disposição de bens pela sociedade cujo valor de aquisição ascendera em termos contabilísticos a 592.004,70€ em 2014 e a 937.917,15€ em 2015, sublinhando-se que as facturas apresentadas no processo de insolvência com o requerimento de 25.01.2018 foram atendidas pelo A.I. e pelo tribunal na decisão (cfr. factos provados sob os pontos 45, 46, 47 e 48), e o aludido indeferimento do requerimento probatório é uma questão precludida por mor de não ter sido impugnado no momento próprio (nos termos do artigo 644º, nº2, al. d), cabe apelação autónoma das decisões de admissão ou rejeição de algum meio de prova).

Quanto aos factos insertos no ponto 13 - «encontrando-se os documentos contabilísticos em lugar incerto, não tendo sido possível a sua apreensão» - e no ponto 16«Não constam da contabilidade da insolvente os documentos contabilísticos referentes aos anos de 2014 (em parte), 2015, 2016 e 2017», o recorrente entende que devem ser retirados da matéria provada.
O único fundamento aduzido pelo recorrente é a contradição entre esses factos e a matéria do 14 - «apenas em 27 de Dezembro de 2017 a A.I. de insolvência procedeu à apreensão dos documentos da contabilidade da insolvente, uma vez que até lá desconhecia o seu paradeiro» -, sucede que essa circunstância, a verificar-se, não dita necessariamente uma decisão diversa, uma vez que segundo o disposto no artigo 662º, nº2, al. c), do CPC, a Relação anula oficiosamente a sentença da 1ª instância quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre determinados pontos da matéria de facto”.

Vejamos.
A 1ª instância apoiou a sua decisão no relatório do AI apresentado no processo de insolvência, dele constando a seguinte passagem: «O AI procedeu apenas em 27-12-2017 à apreensão dos documentos de contabilidade da insolvente e não antes, já que a TOC informou que desconhecia onde os mesmos se encontravam. Contactado de novo o sócio-gerente Sr. A. L., este acabou por informar que os mesmos se encontravam no local onde anteriormente funcionava a insolvente e onde se encontram agora as instalações da sociedade B. P.. Assim, deslocou-se ao local, tendo apreendido e removido as pastas de contabilidade dos anos 2013 e 2014 e nomeado o sócio-gerente como fiel depositário das anteriores a 2013. Não conseguiu localizar qualquer pasta relativa ao período posterior a 2014».
Assim, por forma a evitar-se diferentes interpretações, as aludidas respostas devem ser corrigidas em função do que de essencial decorre desse relatório, que é claramente no sentido de que a sociedade insolvente não tinha as pastas da contabilidade relativas ao período posterior a 2014 e que as existentes apenas foram apreendidas em 27-12-2017, tendo nomeado o sócio-gerente A. L. como fiel depositário para as pastas da contabilidade anteriores a 2013.

Por último, refira-se que é absolutamente inócua a inserção nos factos não provados que «a apresentação intempestiva da sociedade B. G. à insolvência tenha provocado um prejuízo concreto aos credores, e que tenha causado ou agravado a situação de insolvência», por duas razões, porquanto de uma resposta simplesmente negativa não se extrai o facto positivo, nem o seu contrário.

Pelo exposto, considera-se estabilizada a seguinte matéria de facto provada:

1. Por sentença proferida em 09/11/2017 e transitada em julgado foi declarada a insolvência da sociedade «B. G., Lda».
2. A insolvente é uma sociedade por quotas constituída em 1989 tendo como objeto social a extração de pedra e britagem simultânea e transporte rodoviário de mercadorias.
3. No âmbito da sua atividade a insolvente explorou um estabelecimento industrial ma morada da sede (Zona Industrial de ... – Estrada das ... – Chaves – Vila Real) que incluía diversos equipamentos industriais incluindo uma central de britagem, veículos ligeiros e pesados bem como empregava vários trabalhadores.
4. Exerciam as funções de gerentes da sociedade A. L., L. C. e M. S., obrigando-se a sociedade com a assinatura de dois dos gerentes.
5. No ano de 2013 a insolvente apresentou-se a PER que correu termos no Tribunal Judicial de Chaves, 2º juízo, sob o n.º 214/13.3TBCHV.
6. Em que afirmou estar com sérias dificuldades em cumprir pontualmente algumas das suas obrigações, sendo difícil obter liquidez para pagar as suas dívidas, alegando para o efeito, as restrições das instituições financeiras de acesso ao crédito, a crise nacional e europeia do setor de construção civil e obras públicas e a consequente diminuição da atividade económica da empresa, o aumento exponencial do preço do gasóleo e a insuficiência de meios para solver o passivo vencido e vincendo.
7. O plano de insolvência não foi homologado uma vez que foi apresentado fora de prazo.
8. A partir dessa data a insolvente nada mais fez, designadamente não se apresentou à insolvência, apresentou novo PER, ou encetou diligências junto dos credores.
9. No último balancete analítico do ano de 2017 consta que o total do ativo da insolvente ascende 1.651.113,20 €.
10. O qual se refere aos bens apreendidos no auto de apreensão de bens, como à central de britagem também apreendida pela Administradora da Insolvência.
11. A estrutura de produção de brita concentrada na central de britagem encontra-se na mesma localização e instalações.
12. A insolvente não tem contabilidade organizada dos anos posteriores a 2014.
13 e 14. Apenas em 27 de Dezembro de 2017 a A.I. procedeu à apreensão das pastas da contabilidade existentes, uma vez que, até lá desconhecia o seu paradeiro.
15 e 16. O sócio gerente da insolvente, A. L., informou a A.I. que os elementos de contabilidade se encontravam no local onde anteriormente funcionava a insolvente, mas ali apenas estavam os documentos de contabilidade relativos aos anos de 2013 e 2014, mas não os referentes aos anos de 2015, 2016 e 2017.
17. A sociedade «B. P., Lda» foi constituída em 2013 com sede, inicialmente, em Matosinhos tendo como objecto social a “extração de pedra (minerais não metálicos e britagem simultânea (fabricação e comercialização) e transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem, nacional e internacional, fabricação de betão pronto, construção, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim.”
18. A 29 de Julho de 2017 a «B. P., Lda» alterou a sua sede para a Estrada das ..., Zona Industrial de ..., Apartado … – Chaves, precisamente onde a insolvente tinha a sua sede e instalações.
19. Alguns dos equipamentos que antes eram utilizados pela insolvente na sua atividade são hoje utilizados pela sociedade «B. P., Lda» nas mesmas instalações.
20. A insolvente procedeu à venda de veículos e bens móveis que compunham o seu património.
21. No âmbito do apenso E destes autos que corresponde a uma acção de restituição instaurada pela «B. P., Lda» contra a «Massa Insolvente da B. G., Lda» a procuração que a autora outorgou ao Ilustre Mandatário que nesses autos a represente foi assinada por A. L., na qualidade de legal representante da referida sociedade – cfr. fls. 277.
22. A insolvente encontra-se praticamente inativa desde 2014/2015.
23. A viatura da insolvente com a matrícula LD foi entregue para “fim de vida” em 30/11/2012 – cfr. fls. 231.
24. A insolvente emitiu a fatura FT001/382 com data de 30/04/2014 referente à venda por 17.000 € da viatura de marca Volvo com a matrícula BD a J. F..
25. O direito de propriedade sobre a viatura BD encontra-se inscrito a favor da «B. G., Lda» na Conservatória do Registo Automóvel – cfr. fls. 251.
26. A insolvente emitiu a factura FT001/398 com data de 31/10/2014 referente à venda por 500 € do resto do camião acidentado da marca Volvo, com a matrícula GV a J. F..
27. Em 7 de Novembro de 2013 a “Companhia de Seguros X» pôs a disposição da insolvente a quantia de 36.955,40 € a titulo de perda total da viatura com a matrícula GV – cfr. fls. 233.
28. A viatura com a matrícula GV continua registada em nome da insolvente.
29. A insolvente emitiu a factura FT001/388 com data de 31/07/2014 referente à venda de dois veículos de marca Volvo um com a matrícula BE e outro com a matrícula AQ pelo valor de 53.000 € a «…».
30. As viaturas com as matrículas BE e AQ continuam registadas em nome da insolvente (???).
31. Em 26/02/2015 a insolvente requereu o cancelamento das matrículas AQ e BE por exportação.
32. A viatura com a matrícula OR encontra-se registada em nome de M. J. desde 09/11/2017 – cfr. fls. 238.
33. A insolvente emitiu a fatura FT 001/393 referente ao reboque com a matricula L – ... com data de 29/09/2014, relativa à venda à sociedade «A. C., SA» pelo valor de 10.000 €.
34. O reboque com a matrícula L – ...encontra-se registada em nome de «… –Transportes, Lda».
35. Na factura FT 001/393 consta “os artigos foram colocados à disposição do cliente em 2018-01-16.”
36. A insolvente emitiu a fatura FT 001/65 referente ao reboque com a matricula L – ..., reboque basculante com a matrícula AV-..., reboque cisterna com a matrícula VR-… e reboque lona com a matrícula P-... com data de 20/11/2023, relativa à venda à sociedade «…» pelo valor de 16.450,00 €.
37. O reboque com a matrícula L-... encontra-se registado em nome da «B. P., Lda», a matrícula AV-... não existe, o reboque com a matrícula VR-… está registado em nome da sociedade «B. P., Lda» e o reboque com a matrícula P-... encontra-se registado em nome da «B. P., Lda».
38. Em 26 de Março de 2015 a “Companhia de Seguros X» pôs a disposição da insolvente a quantia de 18.832,09 € a titulo de perda total da viatura com a matrícula VR-… – cfr. fls. 241.
39. A fls. 242 consta um recibo de indemnização datado de 7 de Fevereiro de 2017 referente à viatura AV-… pelo valor de 12.694,54 €.
40. A 04/07/2011 foi celebrado um contrato de locação financeira entre a «B. G., Lda» e «Banco …, Plc – Sucursal em Portuga sob o n.º …, este na qualidade de proprietário tendo por objecto o semi reboque Fliegl – modelo SDS, matrícula L – … e o semi reboque marca Fliegl – modelo SDS, matrícula L – ….
41. Tal contrato foi resolvido por incumprimento da insolvente no pagamento das rendas em 20/06/2013.
42. E as viaturas vendidas pela locadora à «B. P., Lda» pelo montante de 39.000 €.
43. Em 12 de Setembro de 2013 a “Companhia de Seguros X» pôs a disposição da insolvente a quantia de 10.023.45, € a titulo de perda total da viatura com a matrícula SE-… – cfr. fls. 244 v – tendo o mesmo sido destruído conforme certificado de fls. 145.
44. A insolvente emitiu a factura FT001/225 com data de 30/12/2013 referente à venda da máquina giratória Hitachi Zaxis 350 pelo valor de 5.000 €, da máquina giratória JCB pelo valor de 5.000 € e da pá carregadora komatsu pelo valor de 5.000 € a «Truck Trailler0».
45. A insolvente emitiu a factura FT001/33 com data de 13/03/2015 referente à venda de prensa e estrutura pelo valor de 20.000 € a «P. M., Lda».
46. A insolvente emitiu a factura FT001/32 com data de 13/03/2015 referente à venda de uma bomba de prensa pelo valor de 10.000 € a «P. M., Lda».
47. A insolvente emitiu a factura FT001/34 com data de 13/03/2015 referente à venda de depósito e agitador pelo valor de 5.000 € a «P. M., Lda».
48. A insolvente emitiu a factura FT001/410 com data de 30/09/2015 referente à venda de sucata pelo valor de 300 € a «X – Comércio de Metais Unipessoal, Lda».
49. O sócio gerente L. C. esteve a trabalhar em Moçambique entre o ano de 2014 e o ano de 2015.
50. O sócio gerente M. S., desde data anterior a 2014 que tinha abandonado a sua atividade na sociedade insolvente.

2. O direito.

A impugnação da decisão no segmento de direito prende-se com a aplicação do artº 186º do C.I.R.E. (código de insolvência e da recuperação de empresas aprovado pelo DL nº. 53/2004, de 18 de Março, a que também pertencem as normas que a seguir se indiquem sem expressa referência a outro diploma legal), entendendo o recorrente que a insolvência deve ser qualificada como fortuita, em função da reclamada alteração da matéria de facto, e que relativamente ao fundamento da alínea a), do nº3 daquele preceito legal a matéria de facto não permite concluir pela verificação do nexo de causalidade entre o acto omissivo da insolvente e a criação ou agravamento da situação de insolvência.

Tendo soçobrado a reclamada alteração da decisão de facto, necessariamente que o recurso improcede no tocante à aplicação ao caso do artigo 186º, nº2, alínea h), mas não podemos deixar de enfatizar alguns aspectos relativamente a essa temática, a saber:
No nº1 do artº 186º está enunciado o princípio geral, segundo o qual a insolvência é culposa desde que verificados os seguintes pressupostos: 1º a actuação ilícita do devedor ou dos seus administradores de direito ou de facto dentro dos 3 anos anteriores ao início do processo de insolvência (a ilicitude pode traduzir-se na violação de preceitos legais ou de comportamentos que sejam contrários à prossecução dos fins societários); 2º que essa actuação tenha causado ou agravado a situação de insolvência (nexo de causalidade) e 3º: a existência de dolo ou culpa grave da devedora ou dos seus administradores.
Nos termos do nº2 da mesma disposição legal, a insolvência de devedores que não sejam pessoas singulares é sempre considerada culposa quando, dentro dos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, tenha ocorrido uma das situações elencadas nas alíneas a) a i) desse mesmo normativo, sem se curar de saber da existência de culpa dos administradores ou do nexo de causalidade entre o facto índice e a situação de insolvência (como a propósito refere o acórdão desta Relação de 01.10.2013, citando a obra “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, pág. 108 e 109, de Batista Machado, mais do que uma presunção uris et iure, há no normativo indicado uma “ficção legal” da insolvência culposa).
Esse normativo contém, pois, a indicação taxativa das situações donde resulta uma presunção absoluta de insolvência culposa, inilidível ou iuris et de iure, como pacificamente tem entendido a doutrina e a jurisprudência. Alguns autores sublinham a importância destas presunções na “eficiência da ordem jurídica na responsabilização dos administradores por condutas censuráveis que originam ou agravam insolvências» (Manuel Carneiro da Frada, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 66, II, 2006, Setembro, pág. 701) e que não surpreende que com base nelas se presuma a causalidade entre o facto e a insolvência (vide comentários de Ana Prata/Jorge Morais Carvalho/Rui Simões ao art. 186º, pág. 509).

Entre as situações que determinam sempre a insolvência culposa figura aquele em que o administrador tenha “incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidades com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor”.
Esse pressuposto está verificado ao provar-se que a sociedade insolvente não tem contabilidade dos anos de 2015, 2015 e 2017, existindo tão só esparsos elementos contabilísticos de 2015 que reflectem uma pequena parte dos actos de deslocação/dissipação de bens levados a efeito numa altura em que a sociedade estava praticamente inactiva.

A contabilidade organizada é um regime fiscal obrigatório para as empresas constituídas em sociedades comerciais, designadamente as sociedades por quotas, que «deve reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes» (cfr. artigo 17º, nº3, alínea b), do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas), e cuja execução, segundo o nº2 do artigo 123º do mesmo código, exige que “todos os lançamentos devam estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário», e que «as operações sejam registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras».

Como refere Luís Brito Correia, “chama-se contabilidade à compilação, registo, análise e apresentação de informações, em termos monetários, sobre operações patrimoniais” (Direito Comercial, I-257), devendo a sua elaboração ser orientada segundo os princípios de clareza e de verdade, por isso implica o arquivo em pastas próprias, por ordem cronológica, de todos os documentos relativos a actos com expressão patrimonial (v.g. compras e vendas, entradas e saídas de caixa e operações bancárias), de molde a permitir às autoridades públicas a verificação da regularidade tributária e o conhecimento pelos sócios da situação patrimonial da empresa, e servindo também «para verificar a regularidade da actuação do comerciante, nomeadamente em caso de falência, tendo em vista o interesse público» (cfr. obra citada, p. 253).
Por sua vez, no nº3, alínea a), do artigo 186º estabelece-se a presunção da existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular, tenham incumprido “O dever de requerer a declaração de insolvência; b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial”.
Quanto à abrangência dessa presunção legal juris tantum, a posição da doutrina e da jurisprudência não tem sido pacífica. Uns entendem que apenas se presume a culpa e não a insolvência culposa, pelo que esta requer que se prove terem as condutas omissivas aí tipificadas causado ou agravado a situação de insolvência (v.g. Menezes Leitão, in Direito da Insolvência, 5ª edição, págs. 249, Acórdão do STJ de 6 de Outubro de 2011, e acórdão da Relação de Guimarães de 14 de Junho de 2006, publicado in CJ, Ano XXXI, tomo III, pags. 288 a 290, e acórdão da RC de 23.06.2009); outros são da opinião de que se estabelece no normativo a presunção relativa de insolvência culposa, a qual abrange a culpa grave dos administradores e o nexo de causalidade (v.g. Catarina Serra, in “O Novo Regime Português da Insolvência, pág. 95” e Acórdãos da RP de 22/5/07, 18/6/07, de 17/11/08, de 5/2/09, disponíveis em www.dgsi.pt).
A primeira orientação é a que se nos afigura encontrar melhor abrigo na lei, pois há uma referência expressa no normativo apenas à presunção de culpa grave dos administradores (alheia ao processo causal) e não à presunção da insolvência culposa, conceitos jurídicos distintos. Assim, para se poder concluir pela insolvência culposa com o referido fundamento é necessário não só provar-se o comportamento omissivo do administrador (suficiente para se presumir a culpa) como também que o mesmo criou ou agravou, conforme os casos, a situação de insolvência.
Em suma: não ocorre no caso a verificação da situação prevista na alínea a) do nº3 do artigo 186º, mas prevalece o decretamento da insolvência culposa com o fundamento estabelecido na alínea h) do nº2 da mesma disposição legal.

Decisão.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação
Custas pelo recorrente.

TRG, 10.09.2020


1 - Nos termos do artigo 14º da Portaria nº. 562/2007 designa-se por certidão permanente' a «disponibilização, em suporte electrónico e permanentemente actualizada, da reprodução dos registos em vigor respeitantes a entidade sediada em conservatória informatizada, bem como da menção das apresentações e dos pedidos de registo pendentes, nos termos do n.º 5 do artigo 75.º do Código do Registo Comercial.».