CASO JULGADO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
SUSTENTAÇÃO DE POSIÇÃO JURÍDICA
Sumário


I- O caso julgado visa garantir, fundamentalmente, o valor da segurança jurídica, destinando-se a evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, venha a contrariar na decisão posterior o sentido de decisão anterior, pretendendo assim obstar a decisões concretamente incompatíveis, que não possam executar-se ambas sem detrimento de alguma delas.
II- Para que a parte seja condenada como litigante de má-fé terá de concluir-se por uma actuação dolosa ou gravemente negligente da mesma, o que pressupõe sempre que se encontra demonstrado nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça, litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes, e que o fez de forma consciente ou sendo-lhe exigível essa consciencialização.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

M. N. e marido C. H. intentaram a presente acção especial para fixação judicial do prazo contra X – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA,SA pretendendo que seja fixado prazo para a Requerida lhes restituir a quantia de €123.500,00 (cento e vinte e três mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora a contar desde a data da citação até ao seu integral e efetivo pagamento, reputando como suficiente, para o efeito, o prazo de 60 dias.
Para tanto, alegaram que, no dia 15/02/2015, entre Requerentes e Requerida foi celebrado um contrato promessa de compra e venda, mediante o qual esta última prometeu vender aos primeiros, que lhe prometeram comprar, livre de quaisquer ónus ou encargos, a moradia designada como fração 2, a edificar na parcela de terreno para construção, com a área de 936,63m2, sita na freguesia de ..., concelho de Braga, inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ....º e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ....
Nos termos desse contrato, os Requerentes entregaram à requerida, no momento da sua outorga, dois cheques no valor total de €61.750,00. Mais entregaram, no dia 18/08/2015, um novo cheque no montante de €61.750,00. Tal valor destinou-se ao pagamento da primeira das três prestações estipuladas no contrato promessa celebrado.
Que a 13/02/2006 acordaram em revogar esse contrato promessa, obrigando-se a Requerida a restituir aos Requerentes o referido montante de €123.500,00, assim que ocorra novo contrato promessa de compra e venda da referida fração.
Mais alegam que na referida parcela de terreno, a Requerida procedeu à construção de cinco moradias, em regime de propriedade horizontal, e sobre a moradia objeto do referido contrato promessa, individualizada como sendo a fração autónoma B, constituiu uma hipoteca voluntária a favor do Banco ..., para garantia do capital máximo de €1.464.987,50. Ainda sobre a mesma moradia foi, a 17/10/2014, constituída hipoteca legal a favor da Autoridade Tributária Aduaneira para garantia da quantia exequenda de €502.351,55, e, a 02/11/2017, a requerida voltou a constituir nova hipoteca voluntária a favor do Banco ..., elevando o capital máximo garantido para €10.701.321,03.
Que atravessando, como atravessa, a Requerida sérias dificuldades económicas, os Requerentes têm sério e fundado receio que aquela se veja impedida de proceder à restituição do montante que lhes é devido.
Mais referem que já instauraram ação declarativa de condenação contra a aqui requerida, pedindo a restituição do montante em causa, mas tal ação foi julgada improcedente, considerando o Tribunal não existir fundamento para antecipação da restituição da quantia em causa.
Porém, volvidos 13 anos após a assunção da obrigação de restituição, a requerida ainda não prometeu vender a fração nem cumpriu a totalidade ou sequer parte da sua obrigação, pelo que, atento o exposto, podem os Requerentes reclamar a perda do benefício do prazo.
A Requerida apresentou contestação, invocando a exceção dilatória de caso julgado, na sua dupla vertente de caso julgado e autoridade de caso julgado, na medida em que, nos presentes autos, os requerentes apresentam os mesmos fundamentos substanciais que invocaram na ação n.º 5319/13.8TBBRG, que correu termos pela extinta Instância Central de Braga – 1.ª Secção Cível – Juiz 1, intentada pelos ora Requerentes contra a Requerida e outros, e na qual aqueles deduziram, a título subsidiário, o seguinte pedido: “subsidiariamente, fixar-se o prazo de 30 dias para os RR. restituírem aos AA. esse montante de €123.500,00, acrescido dos juros de mora a contar da citação”.
Mais invoca que o “documento de resolução por acordo de contrato promessa de compra e venda” nunca foi consentido pelos acionistas da requerida e, embora esteja assinado por dois dos membros, ao tempo, do Conselho de Administração, não pode produzir efeito diretamente contra a mesma.
E que caso venha a considerar-se válido tal documento, então haverá que respeitar tudo quanto no mesmo está clausulado, designadamente a cláusula que representa uma condição suspensiva para a produção dos efeitos patrimoniais respeitantes à anómala obrigação de restituição do valor de sinal pago pelos promitentes compradores; e, por isso, enquanto não se verificar a ocorrência dessa condição, sendo certo que à Requerida até hoje não foi possível encontrar outro comprador para aquela moradia, nenhum direito têm os Requerentes de reclamar a restituição da quantia entregue a título de sinal.
Terminou, concluindo pela procedência da invocada exceção dilatória e absolvição da requerida ou, caso assim não se entenda, pela improcedência da ação.
Os Requerentes pronunciaram-se no sentido de não se verificar a referida exceção dilatória, por não estarem preenchidos os seus pressupostos.
Foi proferido despacho saneador que julgou procedente a exceção dilatória de caso julgado e absolveu a Requerida X – Sociedade Imobiliária, SA da instância, condenando ainda os Requerentes M. N. e marido C. H. como litigantes de má-fé na multa de 10 UC.

Inconformados vieram os Requerentes interpor recurso apresentando as seguintes conclusões:
“A argumentação anterior permite formular agora as seguintes conclusões:
1.ª - O Tribunal a quo errou na interpretação extensiva que fez de caso julgado, já que não se verifica nenhuma coincidência, entre esta e ação anterior, de sujeitos, pedido e causa de pedir.
A decisão de absolvição da recorrida da instância mostra-se, assim, injustificada e violadora do direito dos recorrentes a uma tutela jurisdicional efetiva
- vd. art.º 20.º da CRP
- vd. n.ºs 1 e 2 do art.º 580.º do CPC
- vd. Ac. do STJ de 18.09.2018, proc. n.º 21852/15.4T8PRT.S1
- vd. Acs. do TRC de 11.12.2012, proc. 971/11.TBCTB.C1 e de 01.03.2016, proc. 1056/14.4TJCBR.C1
2.ª - Além disso, desconsiderou que as sentenças apenas constituem caso julgado nos precisos limites e termos em que julgam e que, quando a parte decaiu anteriormente por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique
- vd. art.º 621.º do CPC
3.ª - A decisão merece igualmente reparo porque não seguiu entendimento jurisprudencial que reconhece a necessidade de se fixar judicialmente um prazo ocorre sempre que a obrigação, mesmo contendo um prazo para o seu vencimento, o torne dependente de um evento futuro cuja data de ocorrência é incerta.
Tanto mais que, no caso em apreço, se encontram reunidos todos os pressupostos para invocar a perda do benefício do prazo a favor da “X -..” e, tanto as partes como o Tribunal, já reconheceram que a restituição da importância é devida aos recorrentes
- vd. n.ºs 2 e 3 do art.º 777.° e art.º 780.º do CC
- vd. Ac. do STJ de 15.05.2013, proc. 3412/11.0TBFUN.L1.S1 - vd. Ac. do TRP de 30.01.2014, proc. 5/14.4YRPRT
4.ª - Volvidos 13 anos desde a constituição da obrigação da recorrida, não será mais exigível aos recorrentes que sejam condescendentes com a passividade daquela em relação à venda da fração, e menos ainda lhes pode ser exigido que aguardem indefinidamente pela sua iniciativa para cumprir com a sua obrigação de devolução da soma recebida.
A manter-se a decisão impugnada resulta evidente a desproporcional injustiça desta situação e até a violação das regras de interpretação dos negócios onerosos, que determinam que na interpretação da declaração das partes deve sempre procurar-se alcançar o maior equilíbrio das prestações
- vd. Ac. do STJ de 15.05.2013, proc. 3412/11.0TBFUN.L1.S1
- vd. art.º 237.º do CC
5.ª - Os recorrentes discordam ainda da decisão pelo facto de o Tribunal se ter pronunciado sem ordenar a produção da prova que haviam requerido. A este respeito, julgam que da petição inicial resulta um conjunto de factos relevantes para a descoberta da verdade material - já que por si poderiam determinar outra decisão -que dependiam de produção de prova complementar.
Por isso, o Tribunal a quo ao não ter ponderado sequer a produção desta prova nem justificado a sua não produção, violou o direito à prova dos recorrentes, enquanto manifestação do direito à tutela jurisdicional efetiva
- vd. art.º 20.º do CRP
6.ª - Não há qualquer razão para que o Tribunal a quo tivesse condenado os recorrentes em litigância de má-fé: eles não alteraram a verdade dos factos nem omitiram qualquer facto relevante para a decisão da causa, tendo exposto de forma pormenorizada e objetiva todo o circunstancialismo que rodeia a sua pretensão; nem fizeram uso manifestamente reprovável de qualquer expediente ou meio processual, já que a ação instaurada resulta numa pretensão legalmente válida, que foi apresentada de forma totalmente honesta com recurso a uma ação processualmente prevista e que por isso merece reconhecimento judicial
- vd. n.ºs 1 e 2 do art.º 542.º do CPC
7.ª - Note-se que a jurisprudência tem entendido que a condenação em litigância de má-fé exige que sejam concretizados factos que demonstrem a consciência de que quem pleiteia de certa forma tem a consciência de não ter razão.
Tal não sucede no caso, em que se constata apenas uma divergência de interpretação e aplicação de direito - discussão essa que, de resto, se encontra devidamente justificada porque resulta de um debate alargado que tem vindo a ser desenvolvido também no seio da nossa doutrina e jurisprudência
- vd. Ac. do TC n.º 442/91
- vd. Acs. do STJ de 21.09.2006, proc. n.º 06B2772, de 23.04.2008, proc. n.º 97S2894, de 20.06.1990 e de 10.09.1991
- vd. Ac. do TRP de 07.12.2018, proc. 280/18.5T8OAZ.P1 - vd. Abílio Neto, Código de Processo Civil anotado
- vd. Paula Costa e Silva, A litigância de má-fé, Almedina, 2008, p. 620
8.ª - A decisão padece de nulidade por falta de fundamentação porque da mesma não resulta qualquer explicação para o facto de os recorrentes terem sido condenados numa multa fixada em 10 UC´s pela litigância de má-fé, quando a multa poderia variar entre 2 e 100 UC´s.
Se assim não se entender, sempre se dirá que a mesma se mostra, considerando o caso sub judice, manifestamente excessiva e desproporcional
- vd. n.º 3 do art.º 27.º do RCP
- vd. al. b), n.º 1 do art.º 615.º do CPC

EM CONFORMIDADE COM AS RAZÕES EXPOSTAS DEVE CONCEDER-SE PROVIMENTO À PRESENTE APELAÇÃO, REVOGANDO-SE A SENTENÇA PROFERIDA E EM CONSEQUÊNCIA:
- DETERMINAR-SE A PROSSECUÇÃO DOS AUTOS QUE, APÓS PRODUÇÃO DE PROVA, DEVEM CULMINAR, A FINAL, NA FIXAÇÃO DE UM PRAZO JUDICIAL PARA RESTITUIÇÃO AOS RECORRIDOS DO MONTANTE DE € 123 500,00 RECEBIDO PELA RECORRIDA
- QUANDO ASSIM NÃO SE ENTENDA, REVOGAR-SE A CONDENAÇÃO DOS RECORRENTES POR LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ”.
A Ré apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.

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II. Delimitação do objecto do recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos Recorrentes, são as seguintes:
1 – Saber se se verifica a exceção de caso julgado;
2 – Saber se os Recorrentes devem ser condenados como litigantes de má-fé e, em caso afirmativo, se é nula por falta de fundamentação a decisão na parte em que fixou a multa em 10 UC e se esta é excessiva e desproporcional.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. Os factos

Factos considerados provados em Primeira Instância:

1) Na ação, com processo comum, sob a forma ordinária, que correu termos sob o n.º5319/13.8TBBRG, na extinta Instância Central de Braga - – 1.ª Secção Cível – Juiz 1, intentada por M. N. e marido C. H. contra X – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, SA [1.ª ré], F. M. [2.º réu] e M. P. [3.º réu], aqueles peticionaram o seguinte:
a. A condenação solidária dos réus a restituírem aos autores o montante de €123.500,00, acrescido de juros de mora a contar da citação.
b. Subsidiariamente, fixar-se o prazo de 30 dias para os réus restituírem aos autores esse montante.
2) Para o efeito, os aí autores alegaram em síntese (com relevo à decisão da exceção em apreciação):
a. No dia 15/02/2015, entre os autores e a sociedade ré foi celebrado um contrato promessa de compra e venda, mediante o qual a sociedade ré prometeu vender aos autores, que lhe prometeram comprar, livre de quaisquer ónus ou encargos, a moradia designada como fração 2, a edificar na parcela de terreno para construção, com a área de 936,63m2, sita na freguesia de ..., concelho de Braga, inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ....º e descrita na competente Conservatória do Registo predial sob o n.º....
b. Com a assinatura desse contrato, os autores entregaram ao 2.º réu dois cheques ao portador, um no valor de €41.750,00 e outro no valor de €20.000,00.
c. Tais cheques destinaram-se ao pagamento da 1.ª prestação fixada nesse contrato. d. Em 18/08/2015, os autores fizeram entrega ao 2.º e 3.º réus de um outro cheque, no valor de €61.750,00, destinado ao pagamento da primeira das três prestações acordadas no referido contrato promessa.
e. Em 13/02/2006, a sociedade ré, representada pelo 2.º e 3.º réus, e os autores acordaram em resolver o referido contrato promessa, obrigando-se a sociedade ré a restituir aos autores o montante de €123.500,00, logo que prometesse vender de novo a referida fração.
f. Na parcela de terreno referida no sobredito contrato promessa, a sociedade ré procedeu à construção de cinco moradias, em regime de propriedade horizontal, constituída a 09/11/2009, tendo a moradia objeto do referido contrato promessa ficado individualizada como fração autónoma B.
g. Em 15/09/2010, a sociedade ré constituiu uma 2.ª hipoteca voluntária a favor do Banco ..., para garantia do capital máximo de €1.464.987,50, passando a fração em causa, desde então, a ficar onerada com duas hipotecas a favor do BANCO ..., no montante total de €12.116.000,50.
h. Em 18/07/2012, essa fracção foi penhorada na execução comum n.º 2484/12.5TBBRG, em que é exequente a Sociedade Construções Y, SA.
i. A fração autónoma “B” encontra-se duplamente onerada, por um lado, com duas hipotecas a favor do BANCO ... e, por outro, com uma penhora significativa a favor da sociedade Construções Y.
j. A sociedade ré atravessa graves dificuldades económicas, não tendo qualquer obra em curso nem qualquer fonte de rendimento.
k. E, para além do Banco ... e da Construções Y, tem dívidas para com vários outros credores, não dispondo de liquidez para efetuar o respetivo pagamento.
l. A existência das referidas hipotecas e penhora representa um princípio de disposição da fração, na medida em que abra caminho à sua transmissão a terceiros.
m. Esta situação equipara-se, pois, à que ocorreria com a celebração de um novo contrato promessa de compra e venda, como acordado na condição terceira do documento de resolução acima referido.
n. Decorrendo daí, necessariamente, a obrigação da ré em restituir o montante de €123.500,00, entregue pelos autores.
o. A sociedade ré está impossibilitada de celebrar qualquer novo contrato promessa de compra e venda dessa fração.
p. Uma tal situação, a que os autores são absolutamente alheios, inviabiliza a celebração de um qualquer novo contrato promessa de compra e venda.
q. O acordo de resolução foi celebrado há 7 anos e 6 meses, período de tempo manifestamente suficiente para a ré prometer vender de novo a referida fração.
r. Não é razoável que os autores permaneçam indefinidamente à espera que a ré concretize uma nova promessa de venda, correndo até neste momento sérios riscos de essa fração ser vendida coercivamente em execução judicial.
s. Aquando da celebração do acordo de resolução, quer os autores quer os réus estavam convencidos que, no espaço de 1 ano, a ré celebraria um novo contrato-promessa e restituiria logo os valores entregues aos autores.
t. Decorrido um tão longo período de tempo não há qualquer justificação de facto ou de direito para que esta situação permaneça, continuando os autores ad aeternum desembolsados de um montante significado e, em contrapartida, os réus continuarem a usufruir desse montante.
u. Impõe-se, por isso, a fixação de um prazo para a restituição desse montante.
3) Por sentença proferida a 12/06/2015, confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28/01/2016, foi tal ação julgada improcedente e, em consequência, os réus absolvidos dos pedidos, podendo ler-se naquela sentença o seguinte:
«Creio, por conseguinte, que as pretensões dos autores, quer a deduzida a título principal quer a deduzida a título subsidiário, carecem de fundamento, pelo que os mesmos terão de aguardar, como acordaram, que a ré celebre novo contrato-promessa de compra e venda da fração que foi objeto do contrato revogado.
Resta acrescentar que a insolvência da devedora, essa sim, poderia constituir fundamento para a antecipação do cumprimento, nos termos do artigo 780º do Código Civil.
Sucede porém, que, tendo ocorrido termos um processo dessa natureza contra a “X”, a sentença declaratória da insolvência proferida pelo tribunal de 1ª instância foi revogada pelo tribunal da Relação.
Ora, se no próprio processo não se apurou a situação de insolvência da devedora, é evidente que não poderia neste processo concluir-se de modo inverso».
4) Na presente ação especial para fixação judicial de prazo, intentada por M. N. e marido C. H. contra X – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, SA, os requerentes pedem seja fixado judicialmente o prazo de 60 (sessenta dias), para que a requerida lhes restitua a quantia de €123.500,00 (cento e vinte e três mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora a contar desde a data da citação até ao seu integral e efetivo pagamento.
5) Para sustentarem tal pedido, os autores narraram, na petição inicial, em suma, os seguintes factos (com relevo para a decisão da exceção em análise):
a. Em 15/02/2015, foi celebrado entre os requentes e a requerida um contrato promessa de compra e venda, mediante o qual a requerida prometeu vender aos requerentes, que lhe prometeram comprar, livre de quaisquer ónus ou encargos, a moradia designada como fração 2, a edificar na parcela de terreno para construção, com a área de 936,63m2, sita na freguesia de ..., concelho de Braga, inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ....º e descrita na competente Conservatória do Registo Predial sob o n.º....
b. Dando cumprimento aos termos exarados, na data da assinatura do contrato promessa, os requerentes fizeram o pagamento da 1.ª prestação, entregando a F. M., à data administrador da requerida, dois cheques ao portador, um no montante de €41.750,00 e outro no valor de €20.000,00.
c. A 18/08/2015, os requerentes entregaram a F. M. e M. P., ambos administradores da requerida, um novo cheque no montante de €61.750,00.
d. Este valor destinou-se ao pagamento da primeira das três primeiras prestações estipuladas no contrato promessa celebrado.
e. Em 13/02/2006, requerentes e requerida acordaram revogar esse contrato promessa, obrigando-se a requerida a restituir aos requerentes o montante de €123.500,00, logo que prometesse vender a aludida fração.
f. Entretanto, na parcela de terreno descrita no contrato promessa, a requerida procedeu à construção de cinco moradias, em regime de propriedade horizontal, e a moradia objeto do contrato promessa ficou individualizada como sendo a fração autónoma B.
g. Em 15/09/2010, a requerida constituiu uma 2.ª hipoteca voluntária a favor do Banco ..., para garantia do capital máximo de €1.464.987,50.
h. Em 17/10/2014, foi constituída hipoteca legal sobre a aludida fração, a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, para garantia da quantia exequenda em diversos processos de execução, no montante de €502.351,55.
i. Em 02/11/2017, a ré voltou a constituir nova hipoteca voluntária a favor do Banco ..., na sequência de reforço de capital, elevando o capital máximo garantido para €10.701.321,03.
j. Está a fração em causa duplamente onerada, por um lado, com duas hipotecas a favor do Banco ... e, por outro, com uma penhora significativa a favor da Autoridade Tributária.
k. Além disso, a ré tem dívidas para com outros credores, tendo sido inclusivamente apresentado um pedido de insolvência.
l. Resulta manifesto que a requerida atravessa sérias dificuldades económicas, não dispondo de liquidez para assegurar o pagamento das dívidas que assumiu.
m. Não exerce qualquer tipo de atividade comercial há cerca de 6 anos, pressuposto que 2012 foi o seu último ano de prestação de contas.
n. Em 2010 e 2011 não prestou contas e em 2008 e 2009 os pareceres de revisão da prestação das respetivas contas foi emitido com reservas.
o. Têm, assim, os requerentes, sério e fundado receio que a requerida se veja impedida de, definitivamente, proceder à restituição do montante que lhes é devido.
p. Volvidos cerca de 13 anos após a assunção da obrigação de restituição dos €123.500,00, a ré ainda não prometeu vender a fração, nem cumpriu a totalidade ou sequer parte da sua obrigação.
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3.2. Da exceção de caso julgado

A primeira questão a decidir no presente recurso, tal como já delimitado, consiste em saber se se verifica a exceção de caso julgado.
Sustentam os Recorrentes que o Tribunal a quo errou na interpretação que fez de caso julgado já que não se verifica nenhuma coincidência, entre esta e a ação anterior, de sujeitos, pedido e causa de pedir, e desconsiderou que as sentenças apenas constituem caso julgado nos precisos limites e termos em que julgam e que, quando a parte decaiu anteriormente por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique (artigo 621º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC).
Vejamos então se lhes assiste razão, adiantando desde já não merecer a decisão recorrida, em nosso entender, a censura que lhes é apontada pelos Recorrentes, mostrando-se a questão da exceção de caso julgado ai tratada de forma correta e exaustiva.
Salienta-se também que, concluindo-se pela verificação da exceção de caso julgado em conformidade com o decidido em primeira instância, falecem de imediato os demais argumentos dos Recorrentes invocados pelos Recorrentes, constantes das 3ª, 4ª, e 5ª conclusões que se prendem já com o mérito da acção a cujo conhecimento obsta a verificação da exceção de caso julgado (cfr. artigo 576º n.º 2 do CPC).
Como é consabido, transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decide do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º, conforme decorre expressamente do disposto no artigo 619º do CPC.
O caso julgado visa garantir, fundamentalmente, o valor da segurança jurídica, destinando-se a evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, venha a contrariar na decisão posterior o sentido de decisão anterior.
O caso julgado pretende assim obstar a decisões concretamente incompatíveis, que não possam executar-se ambas sem detrimento de alguma delas.
A lei distingue nos artigos 619º n.º 1 e 620º n.º 1 do CPC, entre o caso julgado material e o caso julgado formal, conforme a sua força se estenda ou não a outros processos diversos daqueles em que foram proferidos os despachos, as sentenças ou os acórdãos.
Manuel de Andrade define o caso julgado material como consistindo no facto de a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais, tendo por isso força obrigatória dentro e fora do processo e competindo às decisões que versem sobre o fundo da causa, que estatuam sobre a pretensão do autor ou definam a situação jurídica deduzida em juízo; o seu fundamento está “no prestígio dos Tribunais e na segurança ou certeza jurídicas” (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, pág. 306).
Também o caso julgado formal assenta no trânsito em julgado da decisão e pressupõe a repetição de qualquer questão mas sobre a relação processual dentro do mesmo processo, restringindo-se os seus efeitos (ao contrário do caso julgado material) ao próprio processo. Também aqui, com o caso julgado formal e com a força atribuída à decisão transitada em julgado, ainda que verse sobre a relação processual, se pretende evitar que a questão já decidida possa vir a ser validamente definida em moldes diferentes pelo mesmo tribunal (v. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, página 309, José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, página 680 a 682 e 693, Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, página 34).
O caso julgado pretende assim obstar a decisões concretamente incompatíveis, que não possam executar-se ambas sem detrimento de alguma delas.
Conforme bem se salienta na decisão recorrida, a excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado: pela excepção, visa-se o efeito negativo da admissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; já a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (v. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, 2.º Volume, página 325).
Assim, enquanto a excepção do caso julgado torna necessário que se verifique a tríplice identidade que se referiu (de sujeitos, de causa de pedir e do pedido), já a autoridade do caso julgado pode efectivamente funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade referida, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida.
Os efeitos do caso julgado material desdobram-se por isso em duas vertentes: o efeito negativo da inadmissibilidade duma 2ª acção ou a proibição de repetição (excepção do caso julgado) e o efeito positivo de decisão anteriormente proferida como pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito ou a proibição de contradição (autoridade do caso julgado) de forma a que o já decidido não pode ser contraditado ou apontado por alguma das partes em acção posterior.
A excepção de caso julgado é uma das excepções dilatórias expressamente elencadas no artigo 577º do CPC, concretamente na alínea i); as excepções dilatórias são, em princípio, de conhecimento oficioso pelo tribunal, conforme decorre do artigo 578.º do CPC, uma vez que resultam da “violação de regras relativas a pressupostos processuais ou a requisitos de ordem técnica” (Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, página 657).
O Tribunal a quo julgou verificada, em concreto, a tríplice identidade exigida pela exceção do caso julgado e absolveu a Recorrida da instância.
Os Recorrentes alegam que não se verifica nenhuma coincidência entre esta acção especial e a acção anterior (que correu termos com o n.º 5319/13.8TBBRG, na Instância Central de Braga, 1.ª Secção Cível – Juiz 1) pois não existe identidade de pedido, de sujeitos e nem de causa de pedir.
Vejamos.
O n.º 1 do artigo 580º do CPC esclarece que o caso julgado (à semelhança da litispendência, mas esta pressupõe uma acção ainda em curso) pressupõe a repetição de uma causa e a causa repete-se, conforme preceitua o n.º 1 do artigo 581º do CPC, quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
Conforme já referimos a excepção do caso julgado torna necessário que se verifique esta tríplice identidade: de sujeitos, de causa de pedir e do pedido.
Existe identidade de sujeitos sempre que existir identidade física ou nominal e ainda “quando as partes sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” (Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo ob. cit., página 661).
Para a identidade de sujeitos a lei não exige a presença das mesmas e concretas pessoas físicas ou jurídicas nas duas causas, mas que as partes sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (cfr. artigo 581º, n.º 2 do CPC).

Como afirma Rui Pinto (“Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas Provisórias”, Julgar Online, novembro de 2018, http://julgar.pt/wp-content/uploads/2018/11/20181126-ARTIGO-JULGAR-Exce%C3%A7%C3%A3o-e-autoridade-do-caso-julgado-Rui-Pinto) “para este efeito, não releva o estrito conceito formal de parte, mas, na verdade, um conceito material de parte. Este apura-se pelo âmbito de eficácia material do objeto processual e não pela estrita e literal titularidade da instância (…) pode ser gerada uma coincidência parcial entre sujeitos nos casos de litisconsórcio e coligação voluntários quanto àqueles que concretamente estiveram na causa: havendo duas ações litisconsorciais ou coligatórias que coincidam quanto a alguns dos litisconsortes ou coligados, há exceção de caso julgado quanto aos sujeitos coincidentes”.
Assim, e ao contrário do que sustentam os Recorrentes, o facto da presente acção ser instaurada apenas contra a Recorrida “X” e a acção n.º 5319/13.8TBBRG ter sido instaurada contra esta e F. M. e M. P., não afeta a verificação da necessária identidade de sujeitos.
Tal como bem se refere na decisão recorrida o facto de existirem outros sujeitos na acção anterior não constitui obstáculo à verificação da exceção de caso julgado, a qual existe quanto aos sujeitos coincidentes, isto é os Recorrentes e a Recorrida.
Quanto à identidade de pedidos “afere-se pela circunstância de em ambas as acções se pretender o mesmo efeito prático-jurídico” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo, Ob. Cit., página 661 ob. cit. página 661).
Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (n.º 3 do artigo 581º do CPC) sendo o pedido “o efeito jurídico que a parte ativa pretende obter pela decisão do tribunal e que ela retira materialmente da causa de pedir que invoca (…) Esse efeito jurídico tem por objeto certo e determinado bem jurídico a que se refere a causa de pedir. Em termos simples, o pedido tem por objeto imediato determinado efeito jurídico que se retira da causa de pedir e por objeto mediato o bem jurídico a que se refere a causa de pedir. Donde, há identidade de pedido quando em causas diferentes a parte ativa pretende uma sentença com idêntico efeito jurídico para um mesmo e determinado bem jurídico” (Rui Pinto, “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas Provisórias”, Julgar Online, novembro de 2018).
Ora, na acção n.º 5319/13.8TBBRG os aqui Requerentes peticionaram a condenação solidária dos réus a restituírem aos autores o montante de €123.500,00, acrescido de juros de mora a contar da citação, e subsidiariamente, a fixação do prazo de 30 dias para os réus restituírem aos autores esse montante.
E na presente acção pedem que seja fixado prazo para a Requerida lhes restituir essa quantia de €123.500,00, acrescida de juros de mora a contar desde a data da citação, reputando como suficiente, para o efeito, o prazo de 60 dias.
Temos também como certo verificar-se a identidade de pedidos, ainda que relativamente ao pedido formulado na primeira acção a título subsidiário; mas tal facto não obsta também à identidade de pedido.
Na verdade, e tal como bem se refere na decisão recorrida “tal pedido, ainda que deduzido a título subsidiário, foi, em face da improcedência total do pedido principal, objeto de apreciação e decisão da sentença proferida naquela ação, como se vê pela factualidade que se acha descrita no acima ponto 3. E tendo improcedido, com trânsito em julgado, esse pedido subsidiário, isso acarreta a inatacabilidade do julgado na parte em que a sentença decidiu a improcedência dos pedidos (principal e subsidiário)”.
Ao contrário do que parecem pretender os Recorrentes o pedido principal formulado na acção n.º 5319/13.8TBBRG foi totalmente improcedente e o pedido subsidiário, que foi objecto de apreciação, foi também julgado improcedente.
Por outro lado, também não obsta à identidade dos pedidos o facto do prazo indicado ser de 30 dias na primeira acção e de 60 nos presentes autos, pois é idêntico o efeito jurídico pretendido pelos Recorrentes em ambas as acções: fixação de um prazo para a Requerida lhes restituir a quantia de €123.500,00, acrescida de juros de mora.
Aliás, conforme se afirma no Acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 19/09/2019 (Relatora Conselheira Catarina Serra, disponível em www.dgsi.pt) “(…) a exigível identidade de pedidos não implica uma absoluta coincidência dos concretos pedidos, ou seja, não implica que o pedido feito na ação proposta em segundo lugar corresponda exactamente ao pedido feito na ação proposta em primeiro lugar. Para efeitos da excepção de caso julgado, não interessa, assim, que a extensão do pedido formulado e decidido na primeira acção seja maior do que o formulado na segunda; basta que possa considerar-se que o pedido formulado na segunda acção está contido, incluído ou englobado no pedido formulado e decidido na primeira. Numa palavra: a identidade de pedidos pode ser parcial (…)”.
Por último, a identidade de causas de pedir existe “quando as pretensões deduzidas nas ações derivam do mesmo facto jurídico, analisado à luz da substanciação consagrada no n.º 4 [do artigo 581.º]” (Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, ob. cit. página 662).
O n.º 4 do artigo 581º do CPC dispõe que há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico, nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real, nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.
Podemos ainda salientar aqui que tendo presente que o objectivo do caso julgado é impedir a repetição de decisões “a exigível identidade de causas de pedir não implica uma absoluta coincidência das causas de pedir concretamente invocadas, sendo suficiente que os factos que integram o núcleo essencial das normas jurídicas que se pretendem aplicáveis na segunda acção já tenham sido invocados na acção anterior, ainda que a par de outros factos e em posição instrumental relativamente a eles” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/09/2019 já citado).
Analisada a factualidade provada (pontos 2 e 5) temos de concluir, tal como em 1ª Instância, que os factos constitutivos do direito invocado pelos Recorrentes, em ambas as acções se centram efectivamente na existência do contrato promessa de compra e venda, celebrado com a Requerida em 15/02/2015, no âmbito do qual lhe entregaram a quantia total de €123.500,00 e na sua revogação, por acordo em 13/02/2006, em decorrência da qual a Requerida se obrigou a restituir a referida quantia de €123.500,00, logo que prometesse vender de novo a fração.
Em ambas as acções invocam os Recorrentes as hipotecas que a Recorrida constituiu sobre a fração em causa, as dificuldades financeiras da Recorrida, a declaração de insolvência em fevereiro de 2014 (tendo sido revogada pelo Tribunal da Relação de Guimarães a sentença conforme ponto 9 dos factos dados como provados na acção n.º 5319/13.8TBBRG), o tempo decorrido desde o acordo de revogação e a perda do benefício do prazo e a necessidade de fixar um prazo.
Temos pois de concluir que é idêntico o núcleo essencial da causa petendi em ambas as acções.
De referir ainda que a determinação do âmbito objectivo do caso julgado pressupõe a interpretação prévia da sentença, a determinação exacta do seu conteúdo, dos seus precisos termos e limites, relevando, nomeadamente, a leitura que a sentença faça sobre o objecto do processo, isto é, sobre os pedidos formulados pelo réu e pelo autor reconvinte: o caso julgado tem a extensão objectiva definida pelo pedido e pela causa de pedir, não sendo indiferente a interpretação que o próprio tribunal faça de um e de outra, sendo sobre a definição do objecto do processo assim feita que se forma o caso julgado (v. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 2018 páginas 754 e seguintes).
Tendo por base a necessária interpretação do conteúdo da sentença, incluindo os fundamentos que aí se apresentem como pressupostos da decisão (v. ainda o referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/09/2019 onde se cita também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/07/2011, Processo n.º 129/07.4TBPST.S1) temos de concluir que, para efeitos de caso julgado, o objecto processual é o mesmo em ambas as acções.
Na sentença proferida na acção n.º 5319/13.8TBBRG, confirmada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, pode ler-se o seguinte: “Com efeito, a ideia que transparece do acordo alcançado é a de que a quantia entregue pelos AA será reembolsada com idêntica quantia que a “X” venha a receber dos novos promitentes-compradores da moradia que aqueles se propunham adquirir e de que entretanto “desistiram”. Assim vistas as coisas, é evidente que a solução encontrada em nada beneficia a Ré, antes a prejudica, na medida em que viu gorada a concretização do negócio com os AA e, consequentemente retardado o “encaixe” do remanescente do preço ajustado. Daí que o lapso de tempo entretanto decorrido não possa, só por si, servir de fundamento para a antecipação da restituição da quantia entregue pelos AA (…) Mas poderão fundar essa pretensão os ónus entretanto constituídos sobre a fracção? No que concerne à hipoteca a resposta tem de ser forçosamente negativa (…) Creio, por conseguinte, que as pretensões dos autores, quer a deduzida a título principal quer a deduzida a título subsidiário, carecem de fundamento, pelo que os mesmos terão de aguardar, como acordaram, que a ré celebre novo contrato-promessa de compra e venda da fração que foi objeto do contrato revogado.
Resta acrescentar que a insolvência da devedora, essa sim, poderia constituir fundamento para a antecipação do cumprimento, nos termos do artigo 780º do Código Civil.
Sucede porém, que, tendo ocorrido termos um processo dessa natureza contra a “X”, a sentença declaratória da insolvência proferida pelo tribunal de 1ª instância foi revogada pelo tribunal da Relação.
Ora, se no próprio processo não se apurou a situação de insolvência da devedora, é evidente que não poderia neste processo concluir-se de modo inverso».
E no Acórdão que confirmou a sentença consta que: “(…) crê-se inequívoco que a obrigação só poderá ser exigida á Ré quando ocorrer este evento futuro (…) Não se tendo a Ré comprometido com uma data, a sua obrigação contratual só se vence quando ocorrer o evento. Só a partir dai é que se torna exigível que devolva aos Apelantes o montante que deles recebeu, salvo se se verificar algumas das situações referidas no art.º 780.º do C.C., o que o Tribunal a quo (e bem) rejeitou com o que os Apelantes se conformaram”.
Não desconsiderou, por isso, o Tribunal a quo que as sentenças apenas constituem caso julgado nos precisos limites e termos em que julgam.
É certo que, conforme alegam os Recorrentes, quando a parte decaiu anteriormente por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.
É o que resulta de forma inequívoca do artigo 621º do Código de Processo Civil.
Porém, os Recorrentes, tendo visto serem julgados totalmente improcedentes os pedidos que formularam na ação n.º 5319/13.8TBBRG, quer a título principal quer a título subsidiário, não alegaram nos presentes autos factos de onde resulte que entretanto (após o trânsito em julgado da referida ação) se verificou a condição.
De todo o exposto decorre que deve considerar-se verificada a tríplice identidade necessária à verificação da exceção do caso julgado, pelo que não merece censura o Tribunal a quo ao ter julgado procedente a excepção de caso julgado e absolvido os réus da instância, improcedendo nesta parte o recurso.
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3.2. Da condenação dos Recorrentes como litigantes de má-fé

Os Recorrentes, nas suas alegações de recurso, suscitam ainda que deve ser revogada a sua condenação com litigantes de má-fé uma vez que apenas está em causa uma divergência de interpretação e aplicação de direito, que entendem ser justificada.
Conforme resulta do preceituado no artigo 8º do Código de Processo Civil impende sobre as partes o dever de agir de boa fé, isto é, de pautar a sua actuação processual segundo regras de conduta conformes com a boa fé, abstendo-se de formular pedidos injustos, de articular factos contrários à verdade e de requerer diligências meramente dilatórias.
A preocupação no combate aos comportamentos processuais desvaliosos e entorpecedores da realização da justiça não é recente, consagrando já o direito romano institutos destinados a sancioná-los, sendo que igual preocupação se encontra também patente desde as Ordenações Afonsinas, visando-se com tais mecanismos “sancionar apenas a ilicitude decorrente da violação de posições e deveres processuais, o também chamado ilícito processual, gerador de uma “responsabilidade de cunho próprio”, assente em deveres de lealdade, colaboração e probidade das partes, distinta portanto da responsabilidade civil” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/06/2016, também disponível em www.dgsi.pt).
O instituto da má-fé processual visa exactamente sancionar a parte que não paute a sua actuação processual segundo regras de conduta conformes com a boa-fé.
A opção do legislador consagrada no artigo 465º do Código de Processo Civil de 1939 fora no sentido de sancionar apenas a lide dolosa e já não a lide temerária (v. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume II, página 261 a 263, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão 1993, página 343, Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2001, página 194).
Com a revisão do Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, o quadro normativo em matéria de litigância de má-fé passou a ser mais exigente e o instituto passou a abranger, também, a negligência grave, consagrando-se expressamente “como reflexo e corolário do princípio da cooperação”, o “dever de boa-fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos” (Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro).
Actualmente, ao sancionar-se a litigância com negligência grave proíbe-se assim, para além da lide dolosa, a lide temerária, a qual pressupõe culpa grave ou erro grosseiro; conforme refere Lebre de Freitas (Ob. cit. página 194) a lide diz-se temerária quando as regras de conduta conformes com a boa-fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro e dolosa quando a violação é intencional ou consciente, sendo a “litigância temerária mais do que a litigância imprudente que se verifica quando a parte excede os limites da prudência normal, actuando culposamente, mas apenas com culpa leve”.
E de acordo com o n.º 2 do actual artigo 542º do Código de Processo Civil tendo uma ou ambas as partes litigado de má-fé, será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária.

Nos termos do nº 2 da referida disposição legal, “diz-se litigante de má-fé quem com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”

Constituem actuações ilícitas da parte, para efeitos da condenação como litigante de má fé, a “dedução de pretensão ou oposição com manifesta falta de fundamento, por inconcludência ou inadmissibilidade do pedido ou da excepção (alínea a)); a apresentação duma versão dos factos, deturpada ou omissa, em violação do dever de verdade (alínea b)); a omissão do dever de cooperação (alínea c)); em geral, o uso reprovável do processo ou de meios processuais, visando um objectivo ilegal, o impedimento da descoberta da verdade, o entorpecimento da acção da justiça ou o protelamento, sem fundamento sério, do trânsito em julgado da decisão (alínea d). (…) “Visa entorpecer a acção da justiça a parte que actua usando meios dilatórios” e “Visa apenas protelar o trânsito em julgado da decisão a parte que recorre ou reclama sem fundamento sério, conseguindo assim atrasar o momento do trânsito em julgado e da exequibilidade da decisão” (Lebre de Freitas, Ob. cit. página 195 a 196).
Cumpre ainda referir que é corrente distinguir a má-fé material ou substancial e a má-fé processual ou instrumental, tendo a primeira a ver com o mérito da causa (em que “a parte, não tendo razão, actua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objectivo que se afasta da função processual”) e a segunda com a conduta processual, “qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. Assim, só a parte vencida pode incorrer em má-fé substancial, mas ambas as partes podem actuar com má-fé instrumental, podendo portanto o vencedor da acção ser condenado como litigante de má-fé” (Lebre de Freitas, Ob. cit. página 196 e 197).
Seja qual for a vertente em causa (má fé material ou instrumental), a condenação por litigância de má fé pressupõe sempre a existência de dolo ou de negligência grave e essa avaliação da actuação da parte terá de ser sempre casuística, analisando as circunstâncias concretas em que aquela se revela.
Para a condenação como litigante de má-fé terá de concluir-se por uma actuação dolosa ou gravemente negligente da parte, o que pressupõe sempre que se encontra demonstrado nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça, litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes, e que o fez de forma consciente ou sendo-lhe exigível essa consciencialização.
No caso em apreço foi proferido saneador pelo tribunal a quo que julgou procedente a excepção do caso julgado e absolveu a Recorrida da instância, condenando os Recorrentes como litigantes de má-fé.
Entendeu o tribunal a quo que os Recorrentes não podiam ignorar que a pretensão era ilegal e não tinha fundamento na medida em que desrespeitava o caso julgado que se havia formado e que se não o fizeram com dolo, fizeram-no pelo menos com negligência grave ou grosseira, mediante a adoção de comportamentos especialmente censuráveis e reprováveis.
Ora, os Recorrentes vieram instaurar a presente acção especial para fixação de prazo contra a Requerida X–Sociedade Imobiliária, SA pedindo a fixação de prazo para a Requerida lhes restituir a quantia de €123.500,00, acrescida de juros de mora a contar desde a data da citação e nela defenderam a inexistência de caso julgado, não obstante a anterior ação que instauraram, na qual demandaram também a Requerida e pediram a título subsidiário fosse fixado o prazo de 30 dias para esta (e demais réus aí demandados) restituírem esse montante.
Porém, logo na petição inicial fizeram expressa referência à acção anterior e à improcedência da mesma, juntando ainda como documento a sentença e o acórdão proferidos.
Entendemos que a defesa convicta de uma perspetiva jurídica, ainda que diversa daquela que que vem a ser acolhida, não implica, por si só, litigância censurável que justifique a condenação como litigantes de má fé; tal só deverá ocorrer se na postura adotada não forem observados os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé que devem nortear a conduta das partes.
No caso concreto não cremos que a atitude dos Recorrentes encerre um uso manifestamente reprovável dos meios processuais e um comportamento desvalioso e entorpecedor da realização da justiça, de forma a que mereçam ser sancionados como litigantes de má-fé.
Impõe-se pois concluir pela procedência do recurso nesta parte, devendo revogar-se a decisão recorrida apenas na parte em que condenou os Recorrentes como litigantes de má-fé na multa de 10 UC, ficando prejudicado o conhecimento da questão da nulidade por falta de fundamentação da decisão na parte em que fixou a multa em 10 UC e se esta é excessiva e desproporcional.
As custas são da responsabilidade dos Recorrentes e da Recorrida na proporção de 2/3 e 1/3, respetivamente, em face do seu decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
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SUMÁRIO (artigo 663º n.º 7 do Código do Processo Civil):

I - O caso julgado visa garantir, fundamentalmente, o valor da segurança jurídica, destinando-se a evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, venha a contrariar na decisão posterior o sentido de decisão anterior, pretendendo assim obstar a decisões concretamente incompatíveis, que não possam executar-se ambas sem detrimento de alguma delas.
II- Para que a parte seja condenada como litigante de má-fé terá de concluir-se por uma actuação dolosa ou gravemente negligente da mesma, o que pressupõe sempre que se encontra demonstrado nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça, litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes, e que o fez de forma consciente ou sendo-lhe exigível essa consciencialização.
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso e, consequentemente, em:

a) Revogar parcialmente a decisão recorrida na parte em que condenou os Recorrentes M. N. e Marido C. H. como litigantes de má-fé na multa de 10 UC;
b) Confirmar no mais a decisão recorrida;
c) Custas pelos Recorrentes e pela Recorrida na proporção de 2/3 e 1/3, respetivamente.
Guimarães, 17 de setembro de 2020
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta)
Margarida Sousa (2ª Adjunta)