MAIOR ACOMPANHADO
ACOMPANHANTE
NOMEAÇÃO DE MAIS DO QUE UM ACOMPANHANTE
Sumário


I- O novo regime jurídico do maior acompanhado, aprovado pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, afastou-se do sistema dualista, até então consagrado, da interdição/inabilitação, demasiado rígido, e veio introduzir um regime monista e flexível norteado pelos princípios da “primazia da autonomia da pessoa, cuja vontade deve ser respeitada e aproveitada até ao limite do possível” e da “subsidiariedade de quaisquer limitações judiciais à sua capacidade, só admissíveis quando o problema não possa ser ultrapassado com recurso aos deveres de proteção e de acompanhamento comuns”, e por um “modelo de acompanhamento e não de substituição, em que a pessoa incapaz é simplesmente apoiada, e não substituída, na formação e exteriorização da sua vontade”.
II- Ainda que formalmente o Processo de Acompanhamento de Maiores não seja de considerar um processo de jurisdição voluntária, ao mesmo é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes (cfr. artigo 891º n.º1 do CPC).
III- Nos termos do disposto no artigo 143º do CC o acompanhante é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente e, na falta de escolha, o acompanhamento é deferido, no respetivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário.
IV- O artigo 143º do CC só permite a nomeação de mais do que um acompanhante para o exercício do cargo em simultâneo se forem atribuídas concretas funções e se especifiquem as atribuições de cada um, mas não afasta a possibilidade de nomeação de mais do que um acompanhante se o cargo for exercido apenas por um, num período de tempo concretamente fixado e em regime de rotatividade.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

M. C., casada, contribuinte fiscal n.º ……, residente na Rua …, intentou, inicialmente, ação especial de interdição, por anomalia psíquica, sendo na presente data aplicável o regime jurídico do maior acompanhado por força do disposto no artigo 26.º, n.º 1 da Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, a favor de sua mãe: O. C., viúva, natural da freguesia de …, e residente na Avenida ….
Foram cumpridas as formalidades legais atinentes à citação da beneficiária e à publicidade da ação.
Como a beneficiária se mostrasse incapacitada para receber a citação, foi nomeado curador provisório o seu filho J. P., tendo este apresentado contestação.
Após, foi citado o Ministério Público como interveniente acessório.
Pela Requerente foi apresentada resposta à contestação.
Foi realizado exame pericial junto do INML e procedeu-se à audição da beneficiária.
Foi admitida produção de prova apenas quanto à matéria, dos articulados, respeitante à nomeação do futuro acompanhante, eventual substituto e residência da beneficiária, tendo sido ouvidos a Requerente, o Curador Provisório e a prova testemunhal arrolada.
Foi realizada uma avaliação complementar ao INML solicitada a elaboração de relatório à Segurança Social.
Os intervenientes, notificados do resultado destas diligências probatórias, apresentaram as suas alegações, tendo a Requerente pugnado pela sua nomeação enquanto acompanhante, mantendo-se a beneficiária a residir consigo, sendo dispensada a constituição de conselho de família e determinando-se a aplicação de medidas de acompanhamento de representação geral e administração total dos bens e tendo o Curador Provisório alegado que deverá ser instituído um regime de acompanhamento em que se permita que a beneficiária passe três meses, alternadamente, com cada filho, sendo o 1.º período após a sentença passado com o Curador Provisório.
O Ministério Público promoveu que fossem decretadas medidas de acompanhamento e que fosse instituído um regime de acompanhamento partilhado entre requerente e curador provisório.

Foi proferida a final a seguinte decisão:

“Atento o exposto, decide-se:
a) Decretar o acompanhamento de O. C.;
b) Determinar, como regimes de acompanhamento, a representação geral e a administração total de bens da beneficiária;
c) Nomear como acompanhantes a filha M. C. e o filho J. P., os quais exercerão os poderes inerentes à representação geral e à administração total de bens em anos civis alternados;
d) Determinar que, no corrente ano, seja a filha M. C. a exercer aqueles poderes, alternando em 01/01/2021 para o filho J. P. e assim sucessivamente;
e) Instituir um regime de residência alternada de três meses em casa de cada filho/acompanhante, que se iniciará 8 dias após trânsito da presente decisão;
f) Permitir que o acompanhante que tiver o convívio da beneficiária em cada trimestre possa, em seu nome, realizar os negócios da vida corrente que se justificarem para garantir a aquisição dos bens essenciais à sua higiene, alimentação e saúde, devendo para esse efeito dispor de cartão multibanco ou outro dispositivo de pagamentos adequado, associado à conta bancária à ordem que exista em nome da beneficiária, para a qual, mensalmente, seja transferida a sua pensão de reforma;
g) Autorizar, duas vezes por semana, a convivência da beneficiária com os filhos e netos que não estejam a residir consigo em determinado trimestre, sempre que comuniquem essa visita ao acompanhante residente com a antecedência mínima de 24 horas;
h) Por forma a garantir-se, entre o mais, a alternatividade do convívio em dias festivos com cada uma das famílias dos acompanhantes, autorizar que, no dia da Mãe e dia de aniversário da beneficiária, dias de aniversário dos filhos, genro/nora e netos, bem como nos dias 24/25 de dezembro, passagem de ano e Páscoa, se realizem convívios alternados e, eventualmente, pernoitas, independentemente do regime de residência alternada, desde que previamente acertados os seus termos entre os acompanhantes com a antecedência mínima de 8 dias;
i) Na perspetiva de todos poderem gozar de férias nos meses de Verão, designadamente nos meses de julho, agosto e setembro, autorizar que cada um dos acompanhantes opte por uma quinzena em dois desses meses (num total de duas quinzenas cada um), que assim caberá ao outro e que será compensando nos meses subsequentes àqueles;
j) Determinar que a requerente (que tem vindo a cuidar em permanência da beneficiária desde julho/agosto de 2018) poderá preferir na escolha das quinzenas no primeiro ano em que a questão se coloque (eventualmente o presente ano), alternando a preferência na escolha no ano subsequente, e devendo a opção ser comunicada até ao final do mês de abril de cada ano, com exceção do presente, em que deverá ser comunicada com uma antecedência mínima de 15 dias, se for o caso;
k) Determinar que caberá ao acompanhante que estiver no exercício dos poderes de representação geral dar autorização a qualquer tratamento médico proposto que careça de consentimento da beneficiária, devendo para o efeito auscultar o outro acompanhante;
l) Determinar que a beneficiária não poderá celebrar casamento, perfilhar, adotar, educar filhos e adotados, deslocar-se (desacompanhada) no país ou no estrangeiro, realizar negócios da vida corrente, fixar domicílio/residência e testar, escolher emprego, bem como exercer funções de acompanhante, de membro de conselho de família e de cabeça-de-casal;
m) Fixar a data em que as medidas de acompanhamento se tornaram necessárias em 30-04-2013;
n) Determinar que a presente decisão deva ser revista de cinco em cinco anos;
o) Consignar que à beneficiária não é conhecido qualquer testamento vital ou procuração para cuidados de saúde.
Não são devidas custas, por isenção do processo.
Registe, notifique, publicite (de imediato, isto é, antes do trânsito), através de afixação de editais neste Juízo e no “citius”.
Após trânsito, comunique-se à Conservatória do Registo Civil”.

Inconformada, apelou a Requerente concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“CONCLUSÕES

A ratio do artigo 143º, nº 3, do Código Civil, ao permitir a nomeação de vários acompanhantes com diferentes funções, especificando as atribuições de cada um, é permitir que, em determinado período de tempo, necessariamente simultâneo, possam ser nomeados mais do que um acompanhante, cada um deles com determinadas funções/competências/tarefas específicas.

O que o Tribunal decidiu foi, formalmente, nomear dois acompanhantes, em regime rotativo anual, sendo certo que, materialmente, em cada ano, só um deles o será efetivamente, jamais o sendo em simultâneo, ainda que com diferentes funções.

Ao decidir nomear como acompanhantes da beneficiária os seus dois filhos, nos termos em que o fez, concedendo-lhes poderes de representação geral e administração total de bens, em anos civis alternados, o Tribunal a quo aplicou erradamente o instituto do maior acompanhado e violou o disposto no artigo 143º, nº 3, do Código Civil.

O Tribunal a quo quis sobretudo harmonizar e conciliar os interesses entre os irmãos que se encontram de relações cortadas, ao invés de pensar essencialmente no que seria melhor, e mais adequado, à defesa dos interesses da beneficiária, os únicos que verdadeiramente deveriam estar em jogo.

À requerente assiste a faculdade de não aceitar o regime de acompanhamento preconizado pelo Tribunal, que não foi peticionado, uma vez que competia sim ao Tribunal, perante as duas pretensões dos dois irmãos, ambas legítimas, qual seria a que melhor asseguraria os interesses da beneficiária, e assim decidir ou, no limite, nomear os dois em simultâneo, para o mesmo período de tempo, atribuindo tarefas concretas e específicas a cada um deles.

Sabendo-se apenas não haver inconveniente do ponto de vista clínico para a residência alternada da beneficiária e que os dois filhos possuem condições para dar assistência à beneficiária, sem qualquer outro suporte factual ou fundamentação, tal é manifestamente insuficiente para concluir que esse regime é o que se afigura mais adequado, e o que melhor assegura, a defesa dos interesses da beneficiária.

Reconhecendo a sentença existir contenda entre irmãos, considerando a existência de desentendimentos, sabendo que os mesmos se encontram desavindos e que existe, afinal, corte de relações entre ambos, como a sentença reconhece e declara, é perfeitamente antagónico, e contraditório, concluir-se, como se afirma no parágrafo 5 da página 18 da sentença, que se afigura «como desejável estabelecer um regime de acompanhamento repartido».

Inexiste na sentença fundamentação para o estabelecido regime de residência alternada (nem por três meses, nem por qualquer outro período), que nunca existiu em momento anterior, não fazendo sentido estribar-se uma decisão referindo que «se restabeleça o regime de residência alternada que outrora vigorou», pela simples razão de não se poder restabelecer o que antes não existiu.

Não conseguindo a beneficiária estabelecer qualquer tipo de comunicação verbal, não conhecendo os próprios filhos, é ilegítimo concluir que o melhor (para a beneficiária) é residir de três em três meses nas casas deles e, de ano a ano, cada um deles ser o seu acompanhante.
10ª
O regime decidido pelo Tribunal é inexequível, por um lado, por impor que a beneficiária passe sempre os mesmos períodos de tempo, durante o ano, e durante todos os anos, com o mesmo filho; por entender que um filho seja nomeado acompanhante durante 12 meses, 6 dos quais a beneficiária estará a residir com o outro filho; por considerar ser possível fixar o regime de visita do filho que não esteja a residir com a beneficiária por imposição unilateral (mera comunicação) ao outro, com a antecedência mínima de 24 horas; por entender que irmãos de relações cortadas poderão acordar, com a antecedência mínima de 8 dias, pernoitas em dias festivos em casa de um, em período durante o qual a beneficiária estará a residir com o outro; por considerar ser possível, naquele contexto de corte de relações, que as decisões quanto a tratamentos médicos de que a beneficiária careça, possam ser tomadas por um dos filhos quando a mesma está a residir com o outro; por nada decidir quanto às empregadas para cuidarem da beneficiária, designadamente quem celebra os contratos de trabalho, a que prazo, quem lhes dá férias, suporta os encargos sociais, nem sequer equacionar se a rotatividade de empregadas é benéfica para a beneficiária ou se cada um dos filhos estará disposto a receber em sua casa empregada que não conhece e ademais foi contratada pelo outro; e quem estará disposta a trabalhar por períodos intermitentes de três meses.
11ª
A requerente, filha, habituada a assegurar dos deveres de cuidado para com a sua mãe, providenciando pela toma da medicação adequada, agendamento e acompanhamento médico, bem como adesão às terapêuticas que lhe forem prescritas, toma de vacinas, submissão a atos e tratamentos médicos, estando a beneficiária habituada à sua presença, considera ser mais benéfico para os interesses da beneficiária mantê-la no meio ambiente que a circunda e nos espaços físicos reconhecíveis, designadamente a sua cama articulada, a sua casa de banho privativa, o seu cadeirão, o seu espaço, o jardim por onde circula, por vezes em cadeira de rodas, e as suas rotinas diárias, devendo por isso ser nomeada, em exclusivo, sua acompanhante”.

Pugna a Recorrente pela procedência do recurso e consequentemente que:

1) se decrete a nulidade da sentença, por decidir coisa totalmente diferente, que não foi peticionada, ocorrendo condenação para além do pedido, ou em objeto diverso do pedido, verificando-se ainda que a mesma excede o âmbito da pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615º do C. P. Civil; se assim se não entender,
2) se declare que a sentença não indagou o regime de acompanhamento que melhor acautelaria os interesses da beneficiária, antes procurando equilibrar os interesses pessoais dos dois filhos da mesma, violando o disposto no artigo 143º, nº 3, do Código Civil e, em consequência, ser revogada a decisão do Tribunal a quo, concretamente o disposto nas suas alíneas c) a k);
3) Outrossim, porque a requerente não é obrigada a aceitar o acompanhamento repartido, ou partilhado, que não peticionou, seja a Requerente nomeada como acompanhante exclusiva da beneficiária, sem prejuízo de ser estabelecido, com rigor e exatidão, o direito de visitas do curador provisório, sua esposa e filhos;
4) No mais, deve manter-se o decidido nas alíneas a), b), l), m), n) e o), nos seus precisos termos.
O Ministério Público apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.
J. P. apresentou contra-alegações pugnando também pela improcedência do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente, são as seguintes:

1 - Saber se a sentença é nula nos termos das alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil;
2 - Saber quem deve ser nomeado acompanhante, se podem/devem ser nomeados dois acompanhantes em regime de rotatividade e se deve ser fixada uma residência alternada.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

3.1. Factos considerados provados em Primeira Instância:
1. A beneficiária O. C. nasceu a ..-01-1946, sendo filha de A. D. e de J. F..
2. Em 15-04-1967, casou com O. F., que viria a falecer a ..-01-2017 e de quem permanece viúva.
3. Tem dois filhos, maiores: M. D., nascida a ..-12-1967 e J. P., nascido a
..-06-1972.
4. Estudou até concluir o magistério primário e trabalhou como professora primária até se reformar com 56 anos de idade.
5. Em 2008, começaram a notar-se na beneficiária alguns défices de memória, pelo que passou a ser acompanhada em neurologia a nível particular.
6. Os défices de memória continuaram a interferir nas atividades do dia-a-dia desenvolvidas pela beneficiária até que, cerca do ano de 2013, deixou de conseguir cuidar de si autonomamente.
7. A beneficiária padece de Demência de Alzheimer em estado moderado desde abril de 2013.
8. Tal doença neurológica assume caráter de permanência, não é passível de cura e limita o desempenho da beneficiária totalmente em termos volitivos e cognitivos.
9. No exame pericial: a beneficiária não reconheceu os filhos que estavam presentes; não sabia o seu nome ou idade; não conseguiu orientar-se no tempo ou no espaço; apresentou um discurso escasso, de poucas palavras, sem nexo lógico; quando lhe foi apresentado dinheiro não o conheceu, tendo ficado evidente que não conhecia o seu valor.
10. A beneficiária encontra-se totalmente dependente de terceiros para realização de todas as tarefas normais do dia-a-dia, nomeadamente, na realização da higiene pessoal, na alimentação e na toma da terapêutica.
11. Usa fralda de incontinência de fezes e urina.
12. Não sinaliza quando faz as necessidades.
13. Encontra-se totalmente dependente de terceiros para realização de tarefas domésticas, como preparar refeições, tratar da roupa e ir às compras.
14. À beneficiária foi atribuída uma incapacidade permanente global de 80%.
15. Na diligência de audição de beneficiária, a beneficiária: não conseguiu estabelecer qualquer tipo de comunicação verbal; não respondeu quando perguntado pelo seu nome; não respondeu quando perguntado pelo local onde se encontrava; não reconheceu os seus filhos; não reagiu quando lhe foi exibida uma nota.
16. Desde dezembro de 2015 até julho de 2018, a beneficiária passava o dia na sua casa, onde almoçava, acompanhada de uma empregada.
17. E, à noite, pernoitava em casa dos seus filhos, em regime de rotatividade, de três em três meses.
18. A requerente e o curador provisório, no contexto do regime de pernoita alternada, e depois do fim deste regime, apenas a requerente, proviam pela alimentação e higiene da beneficiária, e conduziam-na a consultas e exames médicos.
19. Em julho de 2018, ocorreu um desentendimento entre requerente e curador provisório devido às férias do verão desse ano.
20.Em 26-07-2018, foi enviada uma carta pelo Ilustre mandatário da requerente ao curador provisório, informando-o que a beneficiária passaria a viver, em exclusivo, na habitação daquela.
21. Desde então, a beneficiária nunca mais voltou a pernoitar em casa do curador provisório.
22.O curador provisório e a requerente ainda se encontram desavindos.
23.A requerente reside numa moradia constituída por cave, rés-do-chão e 1.º andar; na cave existe um salão polivalente com cozinha e sala usada em períodos festivos; o rés-do-chão é constituído por três casas-de-banho (uma totalmente acessível a pessoas com deficiência/incapacidade), e dois quartos (um deles com cama articulada), um hall de entrada muito espaçoso e uma sala conjunta (jantar e estar) com bastante espaço, bem como uma cozinha completamente equipada e de grande dimensão; o piso tem três quartos e duas casas de banho; toda a habitação revela cuidados de higiene e conforto e tem bastante luz natural; tem ainda um grande espaço exterior com jardim, terraço e piscina.
24.O curador provisório vive um apartamento T4, muito espaçoso; é constituído por quatro quartos (um com cama articulada e cadeirão de descanso), uma sala comum, uma cozinha completamente equipada, três casas de banho (uma totalmente acessível a pessoas com deficiência/incapacidade), um hall muito espaçoso e amplo e corredores largos e amplos; é um apartamento com muita luz natural confortável e com boas condições de higiene e salubridade.
25.Em exame pericial complementar de 15-01-2020, o perito médico do INML atestou que o estado de saúde da beneficiária permite a execução de um regime de residência alternada.
26.A beneficiária não outorgou testamento vital ou procuração para cuidados de saúde.
27.Os filhos da beneficiária não têm antecedentes criminais e nunca foram declarados insolventes.
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Factos considerados não provados em Primeira Instância:

a) Até à data de entrada da presente ação era primordialmente a requerente a acompanhar a beneficiária e a prestar-lhe os cuidados de saúde e higiene necessários.
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3.2. Da nulidade da decisão recorrida

Conforme supra delimitamos é objecto do presente recurso aferir da nulidade da decisão recorrida pois a Recorrente sustenta que a mesma padece de nulidade nos termos do artigo 615º n.º 1 do Código de Processo Civil (de ora em diante apenas designado por CPC), designadamente por condenar para além do pedido ou em objecto diverso do pedido e por excesso de pronúncia.

Dispõe o n.º 1 do referido artigo 615º que:

1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.

As decisões judiciais podem encontrar-se viciadas por causas distintas, sendo a respectiva consequência também diversa: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a respectiva consequência é a sua revogação, se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas, são nulas nos termos do referido artigo 615º.
Segundo o invocado pela Recorrente estão em causa as nulidades previstas nas alíneas d) e e) do referido preceito, ou seja a nulidade por excesso de pronúncia e por o juiz condenar em objecto diverso do pedido.
Vejamos então se lhe assiste razão.
A nulidade prevista na alínea d) prende-se com a omissão de pronúncia (quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar) ou com o excesso de pronúncia (quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento).
A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronuncia) há-de assim resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do referido artigo 608º do Código de Processo Civil do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Por outro lado, a decisão que ultrapassa o pedido formulado passando a abranger matéria distinta, está ferida da nulidade prevista na referida alínea e).
Sustenta a Requerente que o Tribunal a quo decidiu coisa diferente do que fora equacionado e peticionado na petição inicial, ocorrendo, por isso, uma manifesta condenação para além do pedido, ou em objecto diverso do pedido, e um excesso de pronúncia, que torna a sentença nula nos termos do artigo 615º do CPC.
Não cremos, contudo, que lhe assista razão e que se verifiquem as invocadas nulidades.
É certo que a Requerente sugeriu na petição inicial (considerando que os autos se iniciaram como ação especial de interdição, por anomalia psíquica, antes da entrada em vigor da Lei n.º 49/2018 de 14 de agosto, que criou o Regime Jurídico do Maior Acompanhado, não se encontrando questionada nos autos a aplicação do novo regime) a sua nomeação como tutora, na qualidade de filha mais velha, como 1º Vogal e Protutor, seu irmão J. P., como 2º Vogal – M. J., seu marido e como curadora provisória A. P., empregada doméstica “contratada em 1 de março de 2017 pelos filhos da interditanda e que desde então sempre tem acompanhado esta durante o dia nas suas atividades quotidianas”.
No entanto, cumpre relembrar que o processo de acompanhamento de maior tem carácter urgente, aplicando-se ao mesmo, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária e nestes, ainda que o seu surgimento venha a ocorrer por iniciativa de uma das partes, não está totalmente limitado pelo princípio dispositivo.
Conforme preceitua o artigo 891º n.º1 do CPC (na redacção introduzida pela Lei n.º 49/2018 de 14 de agosto, que criou o regime jurídico do maior acompanhado) o processo de acompanhamento de maior tem carácter urgente, e aplica-se-lhe, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes.
Assim, ainda que formalmente o processo de acompanhamento de maiores não deva ser considerado um processo de jurisdição voluntária (pois não se encontra inserido no Título XV do Livro V do Código de Processo Civil e nem é dessa forma classificado por nenhuma disposição), a verdade é ao mesmo se aplica o disposto naqueles processos no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes.
Tal significa que o Juiz pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, podendo também admitir apenas as provas que considere necessárias para a boa decisão da causa.
A intervenção do tribunal não está aqui limitada pelo pedido formulado, nem pelos elementos de facto e provas carreados para o processo pelas partes para defesa das posições expressas nos autos (cfr. n.º 2 do artigo 986.º do CPC); e, conforme estabelece o artigo 987º do CPC nas providências a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna.

Não vemos, por isso, como possa afirmar-se que pelo facto do Tribunal a quo ter decidido de forma diferente do que fora equacionado e peticionado na petição inicial pela Recorrente, condenou em objecto diverso do pedido ou conheceu de questão que não podia conhecer.
Improcede, por isso, nesta parte o recurso.
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3.3. Da nomeação de acompanhante e fixação de residência alternada

Importa, em primeiro lugar, realçar, que nos presentes autos não está em causa a necessidade de decretar o acompanhamento de O. C. e nem a medida de acompanhamento decretada de representação geral e administração total de bens da beneficiária.
A Recorrente pretende apenas ver revogada a decisão do Tribunal a quo, relativamente às alíneas c) a k), mantendo-se o decidido nas alíneas a), b), l), m), n) e o).
Nas alíneas c) a k) o Tribunal a quo decidiu o seguinte:
“(…) c) Nomear como acompanhantes a filha M. C. e o filho J. P., os quais exercerão os poderes inerentes à representação geral e à administração total de bens em anos civis alternados;
d) Determinar que, no corrente ano, seja a filha M. C. a exercer aqueles poderes, alternando em 01/01/2021 para o filho J. P. e assim sucessivamente;
e) Instituir um regime de residência alternada de três meses em casa de cada filho/acompanhante, que se iniciará 8 dias após trânsito da presente decisão;
f) Permitir que o acompanhante que tiver o convívio da beneficiária em cada trimestre possa, em seu nome, realizar os negócios da vida corrente que se justificarem para garantir a aquisição dos bens essenciais à sua higiene, alimentação e saúde, devendo para esse efeito dispor de cartão multibanco ou outro dispositivo de pagamentos adequado, associado à conta bancária à ordem que exista em nome da beneficiária, para a qual, mensalmente, seja transferida a sua pensão de reforma;
g) Autorizar, duas vezes por semana, a convivência da beneficiária com os filhos e netos que não estejam a residir consigo em determinado trimestre, sempre que comuniquem essa visita ao acompanhante residente com a antecedência mínima de 24 horas;
h) Por forma a garantir-se, entre o mais, a alternatividade do convívio em dias festivos com cada uma das famílias dos acompanhantes, autorizar que, no dia da Mãe e dia de aniversário da beneficiária, dias de aniversário dos filhos, genro/nora e netos, bem como nos dias 24/25 de dezembro, passagem de ano e Páscoa, se realizem convívios alternados e, eventualmente, pernoitas, independentemente do regime de residência alternada, desde que previamente acertados os seus termos entre os acompanhantes com a antecedência mínima de 8 dias;
i) Na perspetiva de todos poderem gozar de férias nos meses de Verão, designadamente nos meses de julho, agosto e setembro, autorizar que cada um dos acompanhantes opte por uma quinzena em dois desses meses (num total de duas quinzenas cada um), que assim caberá ao outro e que será compensando nos meses subsequentes àqueles;
j) Determinar que a requerente (que tem vindo a cuidar em permanência da beneficiária desde julho/agosto de 2018) poderá preferir na escolha das quinzenas no primeiro ano em que a questão se coloque (eventualmente o presente ano), alternando a preferência na escolha no ano subsequente, e devendo a opção ser comunicada até ao final do mês de abril de cada ano, com exceção do presente, em que deverá ser comunicada com uma antecedência mínima de 15 dias, se for o caso;
k) Determinar que caberá ao acompanhante que estiver no exercício dos poderes de representação geral dar autorização a qualquer tratamento médico proposto que careça de consentimento da beneficiária, devendo para o efeito auscultar o outro acompanhante (…)”.
Insurge-se a Recorrente em primeiro lugar contra a nomeação como acompanhante dos dois filhos da beneficiária, a Recorrente e seu irmão, em regime rotativo e pelo período de um ano.
De facto, decidiu o Tribunal a quo nomear como acompanhantes a filha M. C. e o filho J. P., os quais exercerão os poderes inerentes à representação geral e à administração total de bens em anos civis alternados.
Vejamos então.
A Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto veio criar o Regime Jurídico do Maior Acompanhado, eliminando os institutos da interdição e da inabilitação, previstos no Código Civil (de ora em diante designado apenas por CC), e procedendo à alteração de diversos diplomas, aliás conforme expressamente consignado no seu artigo 1º.
Este regime veio dar concretização a vários princípios internacionais, designadamente consagrados na Convenção das Nações Unidas de 30 de março de 2007 sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em Nova Iorque (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 56/2009, de 07 de maio, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 71/2009, de 30 de julho) em cujo artigo 1º se estabelece que o seu objecto é “promover, proteger e garantir o pleno e igual gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente”, comprometendo-se os Estados Partes nos termos do artigo 4º “a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais para todas as pessoas com deficiência sem qualquer discriminação com base na deficiência”.
Conforme se pode ler na Proposta de Lei n.º 110/XIII (disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=42175) importava “assegurar o tratamento condigno não só das pessoas idosas mas também das de qualquer idade carecidas de proteção, seja qual for o fundamento dessa necessidade. O Código Civil não pode ficar indiferente ao aumento das limitações naturais da população, determinante de um acréscimo de patologias limitativas, fruto do aumento da esperança de vida, de um melhor diagnóstico, de uma diminuição da capacidade agregadora das famílias e, em certos casos, das próprias condições de vida prevalecentes”, salientando-se a desadequação do regime das interdições e inabilitações até então previsto no Código Civil perante essa realidade, desde logo a sua rigidez que “obsta à maximização dos espaços de capacidade de que a pessoa ainda é portadora; o carácter estigmatizante da denominação dos instrumentos de proteção; o papel da família que ora dá, ao necessitado, todo o apoio no seu seio, ora o desconhece; o tipo de publicidade previsto na lei, com anúncios prévios nos tribunais, nas juntas de freguesia e nos jornais, perturbador do recato e da reserva pessoal e familiar que sempre deveria acompanhar situações deste tipo”.
O novo regime jurídico do maior acompanhado, aprovado pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, afastou-se assim do sistema dualista até então consagrado da interdição/inabilitação, demasiado rígido, e veio introduzir um regime monista e flexível norteado pelos princípios da “primazia da autonomia da pessoa, cuja vontade deve ser respeitada e aproveitada até ao limite do possível” e da “subsidiariedade de quaisquer limitações judiciais à sua capacidade, só admissíveis quando o problema não possa ser ultrapassado com recurso aos deveres de proteção e de acompanhamento comuns”, e por um “modelo de acompanhamento e não de substituição, em que a pessoa incapaz é simplesmente apoiada, e não substituída, na formação e exteriorização da sua vontade” (v. a Proposta de Lei n.º 110/XIII).
Estabeleceu-se, dessa forma, no artigo 140º do CC que o acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as exceções legais ou determinadas por sentença (n.º 1) e que a medida não tem lugar sempre que o seu objetivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam (n.º 2).
E conferiu-se ao futuro acompanhado a escolha do acompanhante, sujeita, no entanto, a confirmação pelo Tribunal, conforme decorre do disposto no n.º 1 do artigo 143º do CC.

Nos termos do disposto neste artigo 143º o acompanhante, maior e no pleno exercício dos seus direitos, é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente (n.º 1) e, na falta de escolha, o acompanhamento é deferido, no respetivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário, designadamente:
a) Ao cônjuge não separado, judicialmente ou de facto;
b) Ao unido de facto;
c) A qualquer dos pais;
d) À pessoa designada pelos pais ou pela pessoa que exerça as responsabilidades parentais, em testamento ou em documento autêntico ou autenticado;
e) Aos filhos maiores (…).

O n.º 3 deste artigo prevê também a possibilidade de o acompanhado ter vários acompanhantes com diferentes funções, especificando-se as atribuições de cada um.
O artigo 144º do CC prevê ainda a possibilidade de escusa e exoneração, ressalvando que o cônjuge, descendentes e ascendentes não podem escusar-se ou ser exonerados (n.º 1), podendo contudo os descendentes ser exonerados a seu pedido, ao fim de cinco anos, se existirem outros descendentes igualmente idóneos (n.º 2).
E o artigo 146º estabelece que no exercício da sua função, o acompanhante privilegia o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada, mantendo um contacto permanente com o acompanhado, devendo visitá-lo, no mínimo, com uma periodicidade mensal, ou outra periodicidade que o tribunal considere adequada.
Conforme já referimos não vem questionada nos autos a necessidade de decretar o acompanhamento de O. C. e nem a medida de acompanhamento decretada, mas a nomeação de acompanhante decidida pelo Tribunal a quo.
Entende a Recorrente que o artigo 143º do CC não permite a nomeação de dois acompanhantes tal como decidido em 1ª Instância, mas apenas a nomeação em simultâneo de mais do que um acompanhante, cada um com especificas funções, e que ao Tribunal a quo restaria escolher qual dos irmãos estaria em melhores condições para exercer o cargo e melhor assegurar os interesses da beneficiária, ou nomear os dois em simultâneo com especificas tarefas cada um.

Quid iuris?

Em face do preceituado no referido artigo 143º o cargo de acompanhante poderia ser atribuído a qualquer um dos filhos maiores da beneficiária, a Recorrente ou seu irmão, tal como a própria reconhece pois afirma serem legítimas as duas pretensões, entendendo que deveria ser decidido qual dos irmãos estaria em melhores condições para desempenhar o cargo ou nomeados os dois em simultâneo com atribuição de tarefas concretas e especificas a cada um.
A nomeação de um acompanhante ou de mais do que um em simultâneo, e com especificas tarefas (permitindo-se, por exemplo, o desdobramento no acompanhamento pessoal, por alguém mais íntimo do beneficiário, e no acompanhamento patrimonial, relacionado com a administração do seu património, por alguém que, embora pessoalmente mais distante, possua essas mesmas qualidades) resulta inequivocamente do preceituado no referido artigo 143º e constituirá efectivamente, e na generalidade dos casos, a solução a adotar.
A questão que aqui se coloca, contudo, é se é ainda admissível a nomeação de dois acompanhantes, mas não para exercerem o cargo em simultâneo, ou se tal hipótese contraria o preceituado no artigo 143º do CC.
E julgamos, salvo melhor opinião, que a resposta será afirmativa e que o preceituado no referido artigo 143º comporta também tal possibilidade; o que não será admissível é o exercício em simultâneo do cargo de acompanhante por mais do que uma pessoa, a não ser que lhes sejam atribuídas concretas funções e se especifiquem as atribuições de cada um.
Cremos que não é efectivamente admissível a nomeação de várias pessoas para exercerem em simultâneo o cargo se não forem especificadas as atribuições que competem a cada um; o que bem se compreende, sob pena de na prática surgirem dificuldades no exercício do cargo, designadamente dúvidas sobre a competência para a tomada de decisões ou se estas deveriam ser tomadas conjuntamente ou até, no limite, a tomada de decisões contraditórias.
Conforme se reconhece na decisão recorrida “os acompanhantes não se devem sobrepor entre si no exercício de funções, sob pena de poder tornar-se a vida do maior acompanhado ingovernável, o que vai, obviamente, contra os seus interesses”.
Porém, a solução preconizada pelo Tribunal a quo não é a do exercício simultâneo do cargo de acompanhante pelos dois irmãos, mas o exercício do cargo apenas por um, mas num período de tempo fixado (concretamente de um ano), em regime de rotatividade.
Resulta da fundamentação do Tribunal a quo que “tendo em consideração estas normas legais, uma vez que a beneficiária está incapaz de escolher acompanhante, considerando que nenhum dos seus filhos se dedicará em exclusivo ao acompanhamento (pois têm atividades profissionais que vão além dessas tarefas), que ambos pretendem participar na vida da mãe e já demonstraram, no passado, ter condições habitacionais para esse efeito além das imprescindíveis competências emocionais, encontrando-se porém de relações cortadas, afigura-se como desejável estabelecer um regime de acompanhamento repartido, no qual a ambos acompanhantes incumbirá o dever de assistência permanente (aliás, sendo filhos, esse dever já decorre da lei – cf. artigo 1874.º do Código Civil), mas no que tange ao exercício dos poderes de representação geral e administração total (que entre si também se podem sobrepor), deverão ser compartimentados, privilegiando-se um sistema de rotação anual que não nos parece incompatível com o espírito da lei, ao permitir a repartição de responsabilidades e ao privilegiar o compromisso entre os familiares a quem incumbem essas funções.
Tal regime em nada interfere, no nosso modesto entender, com o dever de prestar contas por ambos os acompanhantes no que concerne aos períodos da respectiva administração”.
Também entendemos não ser a solução encontrada incompatível com o espírito da lei.
De facto, e conforme deixamos já expresso, pretendeu-se afastar o regime anterior, caracterizado por ser demasiado rígido, e introduzir um regime caracterizado pela flexibilidade; tal flexibilidade tem também tradução nas próprias regras processuais ao aplicar-se, com as necessárias adaptações, e como já referimos, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes.
Tais características levam-nos a considerar a possibilidade de nomear dois acompanhantes sem atribuição especifica de funções, desde que não exerçam o cargo em simultâneo, mas em período de tempo determinado e em regime de rotatividade, e desde que tal solução salvaguarde o interesse do beneficiário.
É este - o interesse imperioso do beneficiário- que deve ter-se como critério para a nomeação de acompanhante.
A este propósito o Tribunal a quo esclareceu de forma fundamentada o regime que fixou, não só relativamente à nomeação de acompanhante, mas também à residência da beneficiária, fixada de forma alternada e por períodos de três meses em casa de cada filho e visitas, bem como o decidido nas demais alíneas e que com estas se interligam; entendeu designadamente restabelecer o sistema de residência alternada que outrora vigorou, cabendo a cada filho acolher a beneficiária em sua casa em períodos rotativos de 3 meses.
De facto, resulta dos factos provados que desde dezembro de 2015 e até julho de 2018, altura em que ocorreu um desentendimento entre os irmãos devido às férias do verão desse ano, a beneficiária à noite, pernoitava em casa dos seus filhos, em regime de rotatividade, de três em três meses, sendo a requerente e o curador provisório, no contexto do regime de pernoita alternada, que proviam pela alimentação e higiene da beneficiária, e a conduziam a consultas e exames médicos; tal só deixou de ocorreu porque, na sequência do desentendimento, em 26/07/2018, foi enviada uma carta pelo Ilustre mandatário da requerente ao curador provisório, informando-o que a beneficiária passaria a viver, em exclusivo, na habitação daquela e desde então, a beneficiária nunca mais voltou a pernoitar em casa do curador provisório.
De salientar que o tribunal a quo teve o cuidado de salvaguardar o interesse da beneficiária indagando junto do perito médico se a doença da beneficiária permitia esse regime de residência, perguntando se “em face do estado de saúde atual da beneficiária, encontra algum inconveniente do ponto de vista clínico para que aquela possa viver em regime alternado de três meses com cada um dos seus filhos, ou em outro período que considere adequado, informando ainda se é necessária a adoção de outros cuidados de saúde que se adequem ao estado e evolução da doença padecida” (cfr. ata de 11/11/2019) tendo o perito médico atestado que o estado de saúde da mesma permite o regime de residência alternado sem indicar a necessidade de adoção de quaisquer cuidados (o que não foi então questionado pela Recorrente), nada permitindo também concluir ser mais benéfico para a mesma mantê-la exclusivamente na residência da Recorrente conforme vem ocorrendo desde julho de 2018, apenas por vontade e iniciativa unilateral da Recorrente.
Não vemos, por isso, e ao contrário do que sustenta a Recorrente, que a decisão do Tribunal a quo não salvaguarde o interesse da beneficiária, sendo certo que lhe permite, não obstante o actual estado de saúde e a doença neurológica de que padece e que infelizmente não lhe permite já reconhecer os filhos, continuar a beneficiar do convívio próximo com os dois filhos e respectiva família que possuem condições para o feito. E, analisados os autos, nada decorre dos mesmos que permita concluir não ser essa a vontade que a beneficiária expressaria, se a doença assim lho permitisse.
Do exposto decorre que entendemos ser de manter a decisão recorrida.
As custas são da responsabilidade da Recorrente atento o seu decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
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SUMÁRIO (artigo 663º n.º 7 do Código do Processo Civil)

I – O novo regime jurídico do maior acompanhado, aprovado pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, afastou-se do sistema dualista, até então consagrado, da interdição/inabilitação, demasiado rígido, e veio introduzir um regime monista e flexível norteado pelos princípios da “primazia da autonomia da pessoa, cuja vontade deve ser respeitada e aproveitada até ao limite do possível” e da “subsidiariedade de quaisquer limitações judiciais à sua capacidade, só admissíveis quando o problema não possa ser ultrapassado com recurso aos deveres de proteção e de acompanhamento comuns”, e por um “modelo de acompanhamento e não de substituição, em que a pessoa incapaz é simplesmente apoiada, e não substituída, na formação e exteriorização da sua vontade”.
II – Ainda que formalmente o Processo de Acompanhamento de Maiores não seja de considerar um processo de jurisdição voluntária, ao mesmo é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes (cfr. artigo 891º n.º1 do CPC).
III – Nos termos do disposto no artigo 143º do CC o acompanhante é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente e, na falta de escolha, o acompanhamento é deferido, no respetivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário.
IV – O artigo 143º do CC só permite a nomeação de mais do que um acompanhante para o exercício do cargo em simultâneo se forem atribuídas concretas funções e se especifiquem as atribuições de cada um, mas não afasta a possibilidade de nomeação de mais do que um acompanhante se o cargo for exercido apenas por um, num período de tempo concretamente fixado e em regime de rotatividade.
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V. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Guimarães 17 de setembro de 2020
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta)
Margarida Sousa (2ª Adjunta)