SERVIDÃO DE PASSAGEM
MUDANÇA DE SERVIDÃO
MUDANÇA PARA PRÉDIO DE TERCEIRO
Sumário


I - A mudança da servidão a que alude o art. 1568º nº 1 do C.C. é um expediente conferido pela lei ao proprietário do prédio serviente com vista a diminuir as incidências negativas desse encargo ou mesmo eliminá-lo e tem como requisitos: a) a conveniência para o proprietário do prédio serviente; b) não causar prejuízos sérios e graves para os interesses do proprietário do prédio dominante; c) os custos inerentes à mudança são suportados por quem a requer e d) caso a mudança se faça para o prédio terceiro este dê o seu consentimento (não exigindo a lei forma especial).
II - Incumbe ao julgador a ponderação casuística dos interesses em causa com recurso a um critério de proporcionalidade entre a referida conveniência na diminuição/eliminação do encargo sobre o prédio serviente e o mencionado prejuízo que a mudança de servidão pode acarretar para o prédio dominante.
III – No que concerne à servidão de passagem, quando a mudança do locus servitutis se opera dentro do mesmo prédio serviente ocorre, em princípio, uma modificação objectiva da servidão originária, mas quando essa mudança se opera para outro prédio do mesmo proprietário serviente (contíguo ou não) ou para prédio de terceiro ocorre a extinção da servidão originária (qualquer que seja o título constitutivo) e a constituição de uma nova servidão a favor do mesmo prédio dominante mediante sentença judicial se não houver acordo.
IV – A servidão de passagem a pé durante todo o ano e com carro e gado de 29/09 a 31/05 junto à casa de habitação permanente dos autores retira privacidade a estes sendo que nada impede a mudança da mesma para local de prédio de terceiro (que deu o seu consentimento) cujo piso é mais largo e mais plano, onde não terá restrições temporais, ainda que a nova servidão seja 532 m mais longa.
V – Não obstante a habitação haver sido construída pelos autores junto à extrema do seu prédio e junto à servidão anos depois da constituição desta não exercem aqueles abusivamente do seu direito ao requerer a sua mudança para prédio de terceiro tanto mais que instauram a respectiva acção quase duas décadas depois.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

A. A. e mulher, M. G., residentes no lugar de ..., freguesia de ..., Vila Verde, instauraram a presente processo comum contra A. L. e mulher, A. G., residentes no Lugar do …, nº …, freguesia de …, Vila Verde, e M. P. e mulher, A. B., residentes na Avenida de .., n.º …, freguesia de ..., Vila Verde, pedindo:

- a declaração de que são donos e legítimos possuidores do prédio denominado “Leira da ...”, sito no lugar de ... da freguesia de ..., Vila Verde, descrito na C.R. Predial com o nº … e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art. …;
- a condenação dos réus a reconhecerem esse seu direito de propriedade;
- a declaração da mudança de servidão que actualmente onera o seu prédio passando os réus a acederem aos seus prédios pelo caminho de servidão do Ribal, que onera os prédios de herdeiros de J. C. que, para tal já deram o devido consentimento, suportando os autores todos os custos inerentes.
Para tanto alegam, em síntese, que o seu prédio, descrito na C.R. Predial sob o nº ... e inscrito na matriz sob o art. ... encontra-se onerado com servidões de passagem a favor de dois prédios, um de cada um dos casais réus. Estes prédios dominantes não se mostram encravados tendo acesso pelo Caminho de Ribal que, depois de melhorado pelos autores há cerca de um ano, assegura aos réus melhores condições de utilização, sem restrições temporais, pelo que não mantêm os réus qualquer necessidade de aceder aos seus prédios através do prédio dos autores. Por outro lado, o caminho de servidão sobre o prédio dos autores, tal como definido ficou na sentença proferida e tem vindo a ser utilizado, tem o seu assento junto das extremas Norte e Nascente deste seu prédio, passando junto à porta e janelas da casa de habitação dos autores retirando-lhes privacidade e sossego. Os proprietários do prédio onde passa o Caminho R. deram o seu consentimento à constituição de nova servidão. Acresce que os réus utilizam há longos anos ambos os caminhos conforme lhes é mais conveniente.

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Os réus contestaram deduzindo excepção de caso julgado com o processo nº 346/97 da extinta 2ª secção do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Verde.
No mais, impugnam o alegado e referem que a mudança de servidão não é possível, desde logo, porque não está demonstrado a quem pertence o prédio no qual se integra o leito do Caminho de Ribal, e consequentemente, o respectivo consentimento. Por outro lado, a alteração proposta implica um percurso mais longo, com condições de acesso mais precárias e dificultadoras do trânsito de veículos.
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Foi apresentada réplica dizendo que tal autorização foi concedida pelos herdeiros de J. C. muito antes da realização das obras de melhoramento do Caminho R.. Referem os autores que os réus insistem na servidão que onera o prédio dos autores por capricho.
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Foi realizada audiência prévia, na qual foi feito convite ao aperfeiçoamento da p.i., o que os réus fizeram de imediato, foi fixado o objecto do litígio, foram enunciados os temas de prova e foram admitidos os requerimentos probatórios.
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Em 26/01/2016 foi proferida decisão que julgou verificada a excepção de caso julgado por via da decisão proferida no Proc. nº 346/97 que correu termos na 2ª secção da extinta comarca de Vila Verde e foram os réus absolvidos da instância.
Interposto recurso o Tribunal da Relação de Guimarães revogou esta decisão, por entender que a causa de pedir na aludida acção era distinta e determinou o prosseguimento dos autos.
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Foi realizada audiência de discussão e julgamento, após a qual foi proferida sentença, cuja parte decisória reproduzimos em parte:

“Por tudo o exposto, julga-se a presente ação totalmente procedente, por provada, e em consequência:
a) Declara-se que os autores, A. A. e mulher M. G. são donos e legítimos possuidores do prédio identificado em 1 dos factos provados, e condena-se os réus, A. L. e mulher A. G. e M. P. e mulher A. B., a reconhecerem esse seu direito de propriedade.
b) Declara-se a mudança de servidão que atualmente onera o prédio dos autores, passando os réus a acederem aos seus prédios pelo caminho de servidão do Ribal, que onera os prédios de herdeiros de J. C. e que, para tal já deram o devido consentimento, suportando os autores todos os custos inerentes. (…)”
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Não se conformando com esta sentença vieram os rés M. P. e A. B. dela interpor recurso de revista directamente para o S.T.J. ao abrigo do disposto no art. 678º do C.P.C. apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1 – Interpuseram os Recorrentes o presente recurso, por entenderem que ao ser a presente acção julgada, como o foi, não houve acatamento da matéria de facto assente e não foi observado o preceituado nos textos legais, relativamente às questões adiante enunciadas e que são o objecto do recurso, a saber, o reconhecimento pelo tribunal da verificação dos requisitos legais para a pretendida mudança de servidão no concernente ao prédio dos Recorrentes.
2 – A nosso ver, o documento junto aos autos pelos Recorridos, em 21 de Julho de 2015, que acompanhava o douto requerimento referência 20216532, não é idóneo para preencher o requisito legal da autorização para que a mudança de servidão se possa processar através de prédio de terceiros, como é o caso dos autos.
3 - Ora, a passagem através de prédio de terceiro importa, quanto a nós, a constituição de uma nova servidão, diferentemente do que sucede quando se pretende tal mudança dentro do próprio prédio serviente.
4 – O modo legalmente previsto para a constituição das servidões, previsto no artigo 1547º do CC é taxativo, não estando contemplada a sua constituição por “autorização”, o que remete sempre para uma situação precária e não constitutiva de direitos.
5 – Aliás, a lei refere o consentimento do terceiro, que não poderá entender-se de outro modo, em nossa perspectiva, que não seja através de negócio jurídico adequado à constituição do respectivo direito de servidão.
6 - Daí que, ainda que por documento particular autenticado, em alternativa à escritura pública, caberia aos Recorridos fazerem prova e quanto a nós não o fizeram, de que os proprietários do prédio para onde pretendiam mudar a servidão, tinham celebrado negócio jurídico idóneo, através do qual declaravam constituir uma nova servidão de passagem através do seu prédio, a favor do prédio dos Recorrentes.
7 - O que tal documento encerra é, quanto a nós, uma mera autorização no sentido de que os Recorrentes passem a ser “beneficiários” do dito caminho.
8 - Por outro lado, as servidões são constituídas a favor de prédios, não de pessoas, conforme dispõe o artigo 1543º do CC.
9 - No dito documento, além de a sobredita “autorização” ser prestada a favor de determinadas pessoas, designadamente dos Recorrentes, estes são identificados como sendo proprietários de determinado prédio, como por acaso o são de vários outros, não existindo tão pouco, quanto a nós, qualquer menção, nem relação, dessa identificação com a possibilidade da constituição de qualquer servidão de passagem.
10 – Refere-se ainda na douta decisão recorrida que, a falta de intervenção dos terceiros na constituição da nova servidão através do seu prédio, sempre poderia ser suprida pela intervenção dos mesmos nos autos, isto na sequência da expressa impugnação feita pelos Recorrentes na sua contestação.
11 - Não se percebe bem que tipo de intervenção de terceiros poderia suprir o indispensável negócio jurídico, por força do qual aqueles terceiros acordariam na constituição de uma nova servidão através do seu prédio, para servir os interesses dos Recorridos.
12 – Em todo o caso sempre seria aos Recorridos que incumbiria tomarem tal iniciativa, posto que era a estes que cumpria demonstrar a existência dos requisitos legais para o exercício do seu invocado direito.
13 - A Meritíssima Julgadora “a quo” refere-se às “vantagens” que os Recorrentes terão com a mudança do trajecto o que, salvo o devido respeito, não conseguimos descortinar, quer em face de todo o invocado pelos Recorrentes nos autos, quer em face da matéria de facto considerada provada e das considerações tecidas pela Meritíssima Julgadora “a quo” a esse respeito na análise da matéria de facto.
14 - O falado declive de 20% à entrada do prédio dos Recorridos, arma de arremesso fundamental dos Recorridos na sua argumentação, nunca foi motivo impeditivo do exercício do direito de servidão por parte dos Recorrentes e é um facto que estes utilizam tal caminho há décadas sem qualquer problema.
15 - O facto dos Recorrentes terem de percorrer mais de meio quilómetro, não é um simples ‘incómodo’, legalmente irrelevante, antes constitui um prejuízo sério e grave para os mesmos Recorrentes, para o exercício do seu direito.
16 - Efectivamente, o facto de pessoas, animais e veículos de tracção animal, como os usados pelos Recorrentes, terem de percorrer mais de meio quilómetro e, com o regresso, mais de um quilómetro, para acederem de sua casa ao seu prédio que beneficia do direito de servidão em causa e o caminho inverso, constitui um prejuízo sério e gravíssimo para os Recorrentes.
17 – A afectação dos interesses do titular dos prédios dominantes resulta, além do mais, do maior percurso a trilhar, mais elevado encargo económico e dificuldade da utilização da servidão para onde se pretende a mudança.
18 - De salientar ainda que a alegada desvantagem que a existência da servidão acarreta para os Recorridos, não pode deixar de lhes ser imputável, em face do tempo e do modo como construíram a sua casa de habitação, dado que está em causa um acesso de servidão já há muito constituído, tendo resultado provado que até a casa construída pelos Recorridos nesse seu prédio o foi em tempo muito posterior à servidão constituída e sempre utilizada pelos Recorrentes, o que conduz a que a existência dessa servidão torna-a impeditiva de qualquer mudança, como novo sítio criador de uma nova servidão pois o que já existe não pode ser criado e dar lugar também à extinção do já existente.
19 – Resulta dos autos que a situação ora invocada pelos Recorridos, de prejuízo para a sua casa de habitação, a existir foi por eles próprios criada, visto que já cerca de 10 anos antes de a construírem, os Recorridos pretenderam impedir, judicialmente, o exercício do direito de servidão pelos seus legítimos titulares, no que soçobraram e, igualmente dois anos após terem construído a mesma casa, voltaram à lide judicial, com idêntico objecto, no que igualmente naufragaram.
20 – Deste modo, quer pela referida falta de documento idóneo a demonstrar o consentimento de terceiro para a mudança de servidão, quer principalmente pelo facto desta mudança acarretar muito sérios, graves e desproporcionados prejuízos, para o prédio dos Recorrentes, prejudicando de modo flagrante os interesses destes, verifica-se a total falta de fundamento legal, por inexistência dos respectivos requisitos legais, para a mudança de servidão pretendida pelos Recorridos.
21 – Assim, ao julgar, como o fez, houve-se a Meritíssima Juíza “a quo” com inobservância, além do mais, do disposto nos artigos 1543º, 1547º-1 e 1568º, do Código Civil.
22 - Impõe-se e, assim se espera, decisão em sentido contrário, ou seja, a total improcedência da acção no que concerne aos Recorrentes, para o que não pode deixar de se decretar a revogação da douta sentença ora recorrida.
23 - Uma vez que o presente recurso versa exclusivamente sobre questões de direito e estão reunidas as demais condições previstas no artigo 678º do Código de Processo Civil, os Recorrentes requerem que o presente recurso suba directamente para o Supremo Tribunal de Justiça (recurso per saltum).”

Pugnam pela revogação da sentença julgando-se a acção improcedente no que concerne aos recorrentes com os fundamentos acima invocados e em conformidade com o objecto do presente recurso.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como sendo de revista, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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O S.T.J. proferiu decisão sumária em 24/03/2020, na qual entendeu que uma das duas questões objecto de recurso, a referente à autorização para mudança de servidão, se desdobra no juízo acerca da inadequação formal do documento para preencher o requisito previsto no art. 1568º nº 1 do C.C. que consubstancia questão de direito, e no juízo referente à interpretação da vontade real da declaração de autorização que consubstancia questão de facto, pelo que esta última ultrapassa o âmbito da revista. Assim, determinou a baixa dos autos a esta Relação a fim de aqui serem tramitados como apelação.
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O recurso foi neste Tribunal admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., as questões a decidir são:

A) Apurar se da “Declaração de Autorização” junta com o requerimento de 21/07/2015 se extrai o consentimento de terceiros à mudança da servidão que onera o prédio dos autores para o seu prédio e, na afirmativa, se o mesmo é formalmente válido;
B) Saber se se mostram verificados os demais requisitos da requerida mudança da servidão.
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II – Fundamentação

Foram considerados provados os seguintes factos:
1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº .../19931123, da freguesia de ..., um prédio misto, sito em ..., inscrito na matriz predial rústica sob o art. … e na matriz predial urbana sob o art. ..., composto de casa de rés-do-chão e andar denominado “Leira da ...”. –rectificado face ao art. 1º da p.i. e doc.
2. Pela Ap. 6 de 1994/02/08 foi registada a aquisição de tal prédio, por doação, a favor da autora mulher, no estado de casada com o autor marido, no regime de comunhão
geral.
3. O prédio referido em 1 confronta do norte com estrada municipal nº … (estrada que liga … a …), no nascente com M. C., do sul com caminho de servidão e com os primeiros réus e do poente com F. C..
4. Por escritura de doação de 13/01/1994, outorgada no Cartório Notarial de …, os pais da autora, António e R. R., doaram à autora o prédio designado por Leira da ....
5. No extremo norte da “Leira da ...” os autores construíram um prédio urbano que constitui a sua habitação e que é composto de R/C e 1º andar com rossio.
6. Para além do título referido em 4, os autores e antes destes os anteriores proprietários (designadamente os pais e os avós paternos da autora que possuíram o prédio durante várias décadas) detêm a “Leira da ...” e agora ocupam e habitam a casa e o rossio, há mais de 20, 30, 50 e 100 anos, agricultando a leira ou quintal, colhendo todos os frutos que é susceptível de produzir, trazendo o prédio devidamente demarcado e defendido, pagando as respectivas contribuições, tudo isto diante de toda a gente, sem nunca ter havido quaisquer questões ou perturbações, dia a dia, ano a ano, ininterruptamente, com a fé e ânimo de quem é verdadeiro dono e adquiriu o seu prédio por justo título.
7. Por sua vez os réus A. L. e mulher são donos e legítimos possuidores do seguinte prédio: “Leira ...”, terreno de lavradio, sito no lugar de ..., freguesia de ..., que confronta a norte com os autores (com o prédio descrito em 1), do nascente com caminho de servidão (do Ribal ou da Vila), do sul e do poente com J. C. (herdeiros).
8. Os réus M. P. e mulher são donos e legítimos proprietários do seguinte prédio: “Leira ou Campo da ...” também situada no lugar do ..., da freguesia de ..., que confronta do norte com M. B. (herdeiros), do nascente com F. A. e do sul e do poente com A. C. e M. R..
9. Os réus António e mulher e M. P. e mulher, por si e pelos anteriores proprietários, cada um relativamente aos prédios acima identificados detêm-nos, deles retirando os frutos que são susceptíveis de produzir e suportando os respectivos ónus há mais de 50 anos, diante de toda a gente, sem nunca ter havido perturbações, dia a dia, ininterruptamente, com o ânimo de quem é verdadeiro dono.
10. Aos prédios dos réus pode aceder-se por caminho de onera o prédio dos autores e pelo Caminho denominado do Ribal.
11. O caminho que onera o prédio dos autores começa no topo norte-noroeste do seu prédio, junto à estrada municipal ... – ...;
12. Processa-se através de uma rampa, com declive a partir da estrada municipal … de cerca de 20%, descendo para o prédio dos autores;
13. Prosseguindo, depois, no sentido norte-sul, sempre junto da extrema nascente;
14. Até atingir o extremo sul;
15. Onde existe uma cancela com tranqueiros de pedra, que liga ao Caminho R..
16. Os réus M. P. e mulher atravessam esta cancela, acedendo ao Caminho R. e por aí ao seu prédio referido em 8.
17. Os réus A. L. e mulher não entram nessa cancela, antes inflectem à direita cerca de 1 metro, onde, mediante uma rampa em terra, acedem ao seu prédio.
18. Onde existe uma outra cancela para acesso exclusivo ao seu prédio.
19. O prédio dos primeiros réus A. L. e mulher confronta directamente com o Caminho R., pela sua extrema nascente, onde não possui qualquer entrada.
20. O caminho alternativo faz-se pelo denominado Caminho R.;
21. Que onera o prédio de herdeiros de J. C.: A. C., A. R. e L. C.;
22. E tem o seu início num caminho público;
23. Prosseguindo no sentido sul-norte, terminando na extrema sul do prédio dos autores.
24. Este caminho era estreito, com largura média de um metro e máxima de 1,5 metros, com acesso difícil, uma vez que o seu leito era bastante irregular.
25. Sucede que os autores, a suas expensas exclusivas e com autorização dos referidos herdeiros de J. C., proprietários dos prédios por onde este Caminho R. se processa;
26. Procederam a melhoramentos neste Caminho R.;
27. Alargando-o;
28. Construíndo muros separadores dos prédios servientes;
29. Regularizando parte do seu leito, com colocação de cascalho, areia e gravilha.
30. Com largura variável entre os 3,20m e os 3,90m, sem qualquer cancelas ou obstáculos à sua utilização e o seu leito regularizado, sem buracos nem pedregulhos.
31. Onde antes não passavam tractores, nem alfaias agrícolas, actualmente podem nele transitar.
32. Para além da utilização do Caminho R. - que autores e réus também utilizam sempre que entendem, com o consentimento dos respectivos donos, há mais de 20 anos e à vista de toda a gente -, o acesso aos prédios acima referidos tem vindo igualmente a processar-se desde, há vários anos, através do prédio dos autores.
33. Em 21/04/1987, no âmbito do processo de acção sumária nº 54/86 da 3ª secção do extinto Tribunal da Comarca de Vila Verde, foi proferida sentença que condenou os ora autores, ali reconvindos, a reconhecerem “o direito de passagem de carro, gado e alfaias agrícolas entre 29 de Setembro e 31 de Maio e a pé durante todo o ano” sobre o seu prédio.
34. O caminho de servidão de acesso aos prédios dos réus sobre o prédio dos autores tem a largura variável não inferior a 1,50 metros.
35. E tem, desde o seu início na entrada, junto à estrada municipal ... – ..., uma extensão de 73,80m até alcançar o prédio dos réus A. L. e mulher; e deste até ao prédio dos réus M. P. e mulher distam 463,00 m.
36. Ambos os réus, primeiros e segundos, utilizam o caminho de servidão que passa pelo prédio dos autores para atingirem os respectivos prédios com carro, gado e alfaias agrícolas desde a estrada municipal ... – ... e em sentido inverso.
37. Desde o dia 29 de Setembro de cada ano até 31 de Maio do ano seguinte.
38. Podendo os réus utilizá-lo de 1 de Junho até 28 de Setembro apenas a pé.
39. Já o acesso pelo dito Caminho R. pode ser utilizado de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de cada ano, quer de carro, com alfaias, com gado e a pé.
40. Para acederem aos seus prédios, para além do Caminho R., os réus utilizam o caminho que onera o prédio dos autores há, pelo menos, 20 anos, nele transitando de carro, com alfaias agrícolas e animais, no período que vai de 29 de Setembro a 31 de Maio, quer para da via publica atingirem os seus prédios, quer em sentido inverso;
41. E, a pé, durante todo o ano.
42. Os autores habitam - na casa situada no top11o Norte – ocupando o rossio e trabalhando o quintal.
43. Nele têm a sua vida económica e familiar concentrada, definida e estabilizada, e residem permanentemente.
44. O caminho de servidão sobre o prédio dos autores tem o seu assento junto das extremas norte e nascente deste seu prédio, passando junto à casa de habitação dos autores, nas suas fachadas norte e nascente, junto da porta e janelas da residência dos autores.
45. Nele circulam os réus com gado, alfaias agrícolas e com carros, invadindo-lhes o rossio, retirando-lhes privacidade, quer durante todo o ano, quando passam a pé, quer do período de 29 de Setembro a 31 de Maio quando circulam com carro, gado e alfaias agrícolas.
46. A mera passagem permite ouvir conversas e saber quem se encontra na habitação dos autores.
47. Desde que os autores fizeram melhoramentos no Caminho R. alguns dos iniciais utilizadores, designadamente L. C., deixaram de utilizar a servidão que onera o prédio dos autores.
48. Os autores já se prontificaram, relativamente ao prédio do réu A. L. e mulher, a executar, na extrema sul do seu prédio, uma nova entrada no Caminho R., excluindo a actualmente existente no topo sul do prédio dos autores.
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49. Os primeiros réus, A. L. e mulher, residem na freguesia de … que se situa para nascente do prédio dos autores (nº 2 na planta de fls. 240).
50. E possuem acesso directo, através de caminho público, ao cruzamento que liga directamente e sem entraves ao Caminho R..
51. Para acederem ao seu prédio, em alternativa à utilização do prédio dos autores, nos termos representados na planta de fls. 241, têm as seguintes possibilidades:
a) Para efectuar o percurso entre a sua residência e o seu prédio, alcançando-o no ponto B (local onde acedem utilizando o caminho que onera o prédio dos autores):
a.1) Um percurso rodoviário de extensão global de 2.290 metros, saindo da sua residência (2), seguindo para norte pelo caminho público até ao entroncamento com a EM 532-1, seguindo depois por esta via para poente até ao ponto A, continuando para poente pela EM 532 até ao entroncamento do caminho público que deriva à esquerda, para sul, passando pelo ponto G e F e entrando para norte pelo Caminho R. desde os pontos F a B; ou
a.2) Um percurso rodoviário de extensão global de 1.168 metros, saindo da sua residência (2), seguindo para sul/poente pelo caminho público até ao entroncamento em G, seguindo para nascente no caminho público até F e entrando a norte pelo Caminho R. desde os pontos F a B.
b) Para efectuar o percurso entre a sua residência e o seu prédio, alcançando-o no ponto E (local mais próximo do Caminho R. com que confronta):
b.1) Um percurso rodoviário de extensão global de 2.186 metros, saindo da sua residência (2) e seguindo para norte pelo caminho público até ao entroncamento com a EM 532-1, continuando depois por esta via para poente, passando pelo ponto A, prosseguindo para poente até ao entroncamento com o caminho público que deriva para sul com a EM 532-1, passando pelo ponto G e F e entrando para norte pelo Caminho R. desde F até E; ou
b.2) Um percurso rodoviário de extensão global de 1.064 metros, saindo da sua residência (2), seguindo para sul/poente pelo caminho público até ao entroncamento em G, seguindo para nascente no caminho público até F e entrando para norte pelo Caminho R. desde F até E.
52. Comparativamente com a distância que os primeiros réus percorrem usando o caminho que onera o prédio dos autores:
a) O percurso referido em 51.a.1, desde a residência dos primeiros réus e até ao seu
prédio é mais longo cerca de 690,20 metros.
b) O percurso referido em 51.a.2, desde a residência dos primeiros réus e até ao seu
prédio é mais curto cerca de 287,80 metros.
c) O percurso referido em 51.b.1, desde a residência dos primeiros réus e até ao seu
prédio é mais curto cerca de 104,00 metros.
d) O percurso referido em 51.b.2, desde a residência dos primeiros réus e até ao seu
prédio é mais curto cerca de 104,00 metros.
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53. Por sua vez, os segundos réus, M. P. e mulher, residem no centro da freguesia de ... (nº 3 na planta de fls. 241), podendo aceder ao seu prédio utilizando o caminho público.
54. Estes réus, possuem uma outra entrada, a pé, para este seu prédio, por um outro terreno, com início na estrada municipal ... - ..., a nascente do prédio dos autores, com trajecto mais curto.
55. Para acederem ao seu prédio, em alternativa à utilização do prédio dos autores, nos termos representados na planta de fls. 241, têm a seguinte possibilidade: um percurso com a extensão total de 1.069,00 metros, desde a sua residência (3), seguindo pela EM 532 até ao ponto A, derivando para poente pela EM 532 até ao entroncamento com o caminho público que desce para sul, passando pelo ponto G e depois F, entrando para norte pelo Caminho R. desde F até C, virando depois à direita, para nascente, passando pela poça, até D.
56. Comparativamente com a distância que os segundos réus percorrem usando o caminho que onera o prédio dos autores, o percurso referido em 55, desde a residência dos segundos réus e até ao seu prédio, é mais longo cerca de 532,20 metros.
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57. Os autores estão dispostos a suportar as despesas inerentes à mudança de servidão, procedendo à alteração da entrada para o prédio dos réus A. L. e mulher, que, em vez de acederem ao seu prédio pela rampa em terra e cancela existente no topo sul do prédio dos autores e no terreno destes, passaríam a fazê-lo por uma nova cancela, a expensas dos autores, idêntica ou igual à existente, a instalar no topo sul do prédio destes primeiros réus, logo na sua parte inicial, onde confronta com o Caminho R..
58. A casa construída pelos autores e referida em 1 foi inscrita na matriz predial urbana no ano de 1995.
- sublinhado e bold nosso -
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Não se provou:
i) Os réus, com os carros carregados, nem sequer conseguem subir a rampa de acesso à estrada municipal.
ii) Só os réus utilizam o caminho que onera o prédio dos autores, posto que os restantes utilizadores passaram a utilizar somente o Caminho R..
iii) Muito frequentemente os réus estacionam ou deixam junto da habitação o gado e o carro com que transitam.
iv) Aí deixando lixo como palhas, ervas e até excrementos dos animais.
v) Permitindo inclusivamente os réus que o gado transite pelo prédio dos autores sem ser acompanhado, com tudo o que isso implica em termos de segurança de pessoas e bens.
vi) Gado esse que, frequentemente, também invade o quintal – a leira– dos autores;
vii) Danificando plantações, sujando os rossios e até comendo cereais, arbustos, plantas e frutos.
viii) Foi por tais factos que os autores viram-se obrigados a adquirir e colocar, por empresa do ramo, uma rede, de forma a minimizar estes danos.
ix) Rede esta que amiudadas vezes é danificada pelos animais.
x) Os segundos réus não utilizam a servidão existente no prédio dos autores, quando possuem os tractores ou carros de gado carregados, porque se torna impossível vencer a rampa existente na entrada norte do caminho de servidão que onera o prédio dos autores.
xi) Não raras vezes, nessa rampa, os tractores descem sem controle humano, porque as rodas escorregam, mesmo travadas e engatadas ao motor.
xii) No regresso dos campos, com carros carregados, torna-se absolutamente impossível subir essa rampa, dado o enorme declive que é necessário transpor.
xiii) Razão pela qual os réus descem com os carros a referida rampa, mas quando no regresso às suas casas vêm com os carros carregados, utilizam o percurso pelo Caminho R. - e não o caminho que passa pelo prédio dos autores.
- Todos os demais a que se não fez referência expressa, constantes dos articulados, considerados estes como expurgados de expressões conclusivas ou que integram matéria de direito.
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Pedem os autores a mudança da servidão que onera o seu prédio e que beneficia os prédios dos primeiros e segundo réus para o caminho de servidão do Ribal que onera os prédios dos herdeiros de J. C., os quais deram o seu consentimento.

Vejamos.

O art. 1543º do C.C. fornece a noção de servidão predial nos seguintes termos:
Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia.
A servidão é um direito real em virtude do qual é possibilitado ao proprietário de um prédio (prédio dominante) o gozo de certas utilidades do prédio (ius in re aliena) pertencente a dono diferente (prédio serviente). Este proveito ou vantagem de que um prédio beneficia tem de encontrar-se objectivamente ligado a outro prédio, implicando consequentemente uma restrição ou limitação do direito de propriedade do prédio onerado, inibindo o respectivo proprietário de praticar actos que possam perturbar ou impedir o exercício da servidão.

Segundo Menezes Leitão, in Direitos Reais, Almedina, 2009, p. 394 e ss. as servidões prediais possuem as seguintes características:

a) ligação necessária ao prédio por intermédio do qual ela se exerce (a atribuição da servidão faz-se sempre em função da pessoa titular de um prédio dominante, o proprietário, o usufrutuário ou superficiário);
b) atipicidade do seu conteúdo (o seu objecto varia em função das utilidades susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante - art. 1544º do C.C. - por ex. servidão de passagem (servitus itineri), de aqueduto (servitus aqueductus), de aproveitamento de águas (servitus aquae haustos), de escoamento, etc.);
c) inseparabilidade em relação ao prédio sobre que incide (art. 1545º do C.C.);
d) indivisibilidade (não são susceptíveis de ser repartidas em partes, incidem sobre a totalidade do prédio serviente e não sobre uma parte deste e são exercidas por intermédio de todo o prédio dominante e não apenas sobre uma parte - art. 1546º do C.C.).
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No que concerne ao modo de constituição das servidões dispõe o art. 1547º do C.C.:

1. As servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação de pai de família.
2. As servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos.

Referindo-se às modalidades ou tipo de servidões escreve José de Oliveira Ascensão, in Direito Civil – Reais, 4ª edição (reimpressão), pág. 251-252, que a expressão servidão legal é utilizada “para designar certas categorias de servidão que podem ser coactivamente impostas. São disso exemplo (…) as servidões de trânsito ou passagem previstas nos art.º 1550º a 1556º” do C.C.. Diz-se que as servidões são legais porque, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos (art.º 1547º/2)”. E “(…) servidão coactiva não é a que foi coactivamente imposta, mas a que o pode ser coactivamente. (…) Se as partes, por contrato, por exemplo, regularem a sua situação, o legislador não deixa de considerar existente uma servidão legal. Este princípio tem a sua consagração legal no art.º 1569º, n.º 3, do Cód. Civil, que dispõe a extinção por desnecessidade das servidões legais, qualquer que tenha sido o título da sua constituição. Com isto se quer dizer que, verificando-se os pressupostos que permitem impor uma servidão legal, a servidão que se constituir se deve sempre considerar legal, mesmo que não tenha sido coactivamente actuada”.
Assim, o critério que diferencia as servidões legais e voluntárias reside apenas na circunstância das primeiras, ao contrário das segundas, poderem ser impostas coactivamente sendo que, caso não o tenham sido por os proprietários do prédio serviente terem consentido voluntariamente na sua sujeição, as mesmas não perdem aquela natureza.
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“(…) as servidões de passagem mergulham as suas raízes nas antigas servidões rústicas romanas que se subdividiam em iter, passagem a pé e a cavalo, actus, passagem de gado, ou via, caminho destinado ao transporte de mercadorias, unindo iter e actus (…)” – José Luís Bonifácio Ramos, in Manual de Direitos Reais, 2017, AAFDL Editora, p. 413. Este mesmo autor sublinha que actualmente não se densifica o meio de transporte utilizado ou a espécie de bens que atravessam o prédio serviente.
Ao lado da servidão legal de passagem prevista nos art. 1550º a 1556º do C.C. existem as servidões voluntárias de passagem constituídas ao abrigo do disposto no art. 1547º nº 1 do C.C..
No caso em apreço, a servidão que onera o prédio dos autos em benefício dos prédios dos réus é uma servidão de passagem constituída por usucapião e assim reconhecida pela sentença proferida no Proc. nº 54/86 da 3ª Secção do extinto Tribunal da Comarca de Vila Verde.
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A mudança da servidão ou a sua extinção por desnecessidade são expedientes conferidos pela lei ao proprietário do prédio serviente com vista a diminuir as incidências negativas desse encargo ou mesmo eliminá-lo.

Dispõe o art. 1568º do C.C., sob a epígrafe Mudança de Servidão:

1 – O proprietário do prédio serviente não pode estorvar o uso da servidão, mas pode, a todo o tempo, exigir a mudança dela para sítio diferente do primitivamente assinado, ou para outro prédio, se a mudança lhe for conveniente e não prejudicar os interesses do proprietário do prédio dominante, contanto que a faça à sua custa; com o consentimento de terceiro pode a servidão ser mudada para o prédio deste.
2 – A mudança também pode dar-se a requerimento e à custa do proprietário do prédio dominante, se dela lhe advierem vantagens e com ela não for prejudicado o proprietário do prédio serviente.
3 – O modo e o tempo de exercício da servidão serão igualmente alterados, a pedido de qualquer dos proprietários, desde que se verifiquem os requisitos referidos nos números anteriores.
4 – As faculdades conferidas neste artigo não são renunciáveis nem podem ser limitadas por negócio jurídico.
A mudança de servidão a que alude este preceito tem uma acepção ampla abarcando:
- quer a mudança do sítio por onde primitivamente se exercia a servidão (nº 1 e 2):
- para outro sítio do mesmo prédio;
- para outro prédio do mesmo proprietário serviente (contíguo ou não);
- para prédio de terceiro;
- quer a alteração do modo e do tempo de exercício da servidão (nº 3).

A mudança do locus servitutis, i.e., o lugar preciso em que a servidão pode exercitar-se (sem prejuízo da mesma incidir sobre todo o prédio) prevista no nº 1 do acima referido preceito depende da verificação dos seguintes requisitos:

a) ser a mudança conveniente para o autor.
O conceito de conveniência concretiza-se “em vantagens evidentes justificativas do pedido de mudança” nas palavras de Tavarela Lobo, in Mudança e Alteração de Servidão, Coimbra Editora Limitada, 1984, p. 72. Mais adiante refere o mesmo autor que não é “necessária uma conveniência notável ou acentuada, mas séria e real” (p. 77). É, assim, um conceito qualitativamente mais lato do que o conceito de interesse usado para o proprietário do prédio dominante ou de necessidade.
b) não prejudicar os interesses do proprietário do prédio dominante.
A mudança não lhe pode causar prejuízos sérios, graves, ainda que a servidão se torne menos cómoda. Nas palavras do mesmo autor, ob. cit., p. 76, esses interesses “devem ser dignos de ponderação, não os meros caprichos ou a pura comodidade do titular do prédio serviente” e “o prejuízo para inviabilizar a mudança deve ser de certo modo sensível, sendo irrelevante o prejuízo insignificante ou pequeno” (p. 77). Estes interesses referentes aos benefícios obtidos com a servidão têm que ser analisados objectivamente à luz de um critério de normalidade e previsibilidade das necessidades do prédio dominante.
c) ser feita à custa de quem a requer.
Naturalmente que o interessado na mudança da servidão paga as despesas necessárias à mesma.
d) ter o terceiro dado o seu consentimento para que a mudança se faça para o prédio deste, se for este o caso
“A lei não prevê forma especial para o consentimento, podendo ele ser dado por qualquer meio” como se lê no Ac. da R.C. de 12/10/2010 (Emídio Costa), in www.dgsi.pt, endereço a que pertencerão os demais arestos citados sem menção de origem.
A propósito dos efeitos da mudança da servidão para prédio de terceiro importa distinguir duas realidades.
A mudança do locus servitutis dentro do mesmo prédio serviente, a mudança da servidão propriamente dita, corresponde em princípio a uma modificação objectiva da servidão originária ou da relação jurídica assente neste encargo, mas a servidão é juridicamente a mesma tendo o mesmo conteúdo.
Contudo, no caso de mudança do locus servitutis para outro prédio do mesmo proprietário serviente (contíguo ou não) ou para prédio de terceiro, situação que derroga o princípio da inseparabilidade da servidão em relação ao prédio sobre o qual incide previsto no art. 1545º do C.C., verifica-se a extinção da servidão originária (qualquer que seja o título constitutivo) e a constituição de uma nova servidão, ainda que com o mesmo conteúdo, a favor do mesmo prédio dominante. Neste sentido vide Tavarela Lobo, ob. cit., p. 52-53, 137-138 e 151-154.
No que concerne à mudança para prédio de terceiro refere este autor, ob. cit., p. 112: “Inspirado no Código italiano (art. 1068), o legislador português entendeu também ultrapassar as meras relações entre proprietários dominante e serviente – os limites da servidão constituída – e permitir que nesta relação jurídica se introduzam um novo prédio e um novo sujeito da servidão: o terceiro que presta o seu consentimento.”
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A doutrina defende que a mudança da servidão tem como fundamento razões de equidade – vide Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, p. 672.
Incumbirá ao julgador a ponderação casuística dos interesses em causa e o recurso a um critério de proporcionalidade entre a referida conveniência na diminuição/eliminação do encargo sobre o prédio serviente e o mencionado prejuízo que a mudança de servidão pode acarretar para o prédio dominante. Neste sentido vide, entre outros, Ac. da R.P. de 19/11/2002 (Henrique Araújo), citado Ac. da R.C. de 12/10/2010 e de 12/11/2013 (Fonte Ramos).
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Feitas estas considerações importa agora analisar o caso em apreço começando pelo requisito do consentimento por parte dos proprietários do prédio que se pretende que passe a estar onerado com a servidão que beneficia o prédio dos recorrentes.
Importa interpretar e qualificar juridicamente o escrito junto pelos autores com o requerimento de 21/07/2017.
Este documento é denominado de “Declaração de Autorização”.
Neste A. C., A. R. e L. C. apresentam-se como herdeiros do seu falecido pai, J. C., e assim proprietários do prédio rústico denominado “Campo do Ribal”, sito na freguesia de ..., concelho de Vila Verde, descrito na C.R.Predial de … com o nº … daquela freguesia e inscrito na matriz sob o art. ….
Declaram que este seu prédio está onerado com uma servidão de passagem denominada “Caminho R.” que se inicia no caminho público e termina no extremo sul do seu prédio.
Os declarantes autorizam os aqui autores a proceder a quaisquer obras de melhoramento e alargamento do caminho de servidão, designadamente regularizando todo o seu leito, com colocação de cascalho, areia e gravilha, a expensas deles.
E consignam: “Mais declaramos que autorizamos que pelo nosso prédio, concretamente, pelo denominado Caminho R., passem a ser também beneficiários, a pé e de carro e todo o ano, do mesmo caminho os proprietários da Leira ..., sito (…) que são os Senhores A. L. e mulher A. G., (…) bem como, os proprietários da Leira ou Campo da ..., sito (…), que são os Senhores M. P. e mulher A. B. (…)”.
Ora, interpretar uma declaração negocial é a actividade tendente a determinar o que as partes quiseram ou declararam querer. A regra prevista no nº 1 do art. 236º do C.C. é que o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, i.e., medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real em face do comportamento do declarante. As excepções são: não poder ser imputado ao declarante razoavelmente aquele sentido (nº 1) ou o declaratário conhecer a vontade real do declarante (nº 2).
Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações. (art. 237º do C.C.)
Nos negócios formais é necessário que o sentido da declaração tenho reflexo ou expressão no texto do documento (art. 238º do C.C.), não podendo tal sentido ser deduzido pelo declaratário e não pode ser imposto ao declarante. Optou nesta sede a lei por uma orientação objectiva.
Assim sendo, do acima referido escrito no seu conjunto, um declaratário normal retira, na parte que aqui importa, a autorização concedida pelos proprietários do prédio já onerado com uma servidão de passagem denominada “Caminho R.” aos proprietários dos prédios denominados “Leira ...” e “Leira ou Campo da ...” (que no momento da declaração são propriedade dos aqui primeiros e segundos réus) para passarem (está implícito que deixarão de usar uma anterior servidão que beneficia os seus respectivos prédios) também (i.e., ao lado de outros proprietários de outros prédios dominantes que não identificam sendo que não o tinham que fazer) a beneficiar da mesma servidão de passagem a pé e de carro, e durante todo o ano.
Esta “autorização” não pode corresponder a um mero direito obrigacional uma vez que emerge de uma declaração unilateral e não de um acordo.
Também não pode corresponder a uma mera tolerância ou favor na medida que esta pressuporia uma reacção dos proprietários do prédio em causa ao efectivo uso dos aqui réus do “Caminho R.”, o que não é o caso, além de que a tolerância por definição não é plasmada num escrito.
Como resulta claramente da letra do escrito a mesma consubstancia o consentimento por parte dos herdeiros de J. C. a que alude a partir final do nº 1 do art. 1568º do C.C., i.e., a aceitação que se crie uma nova servidão de passagem a pé e de carro e durante todo o ano, que onere o seu prédio rústico denominado “Campo do Ribal”, cujo locus servitutis corresponde ao denominado “Caminho R.”, a favor também dos prédios “Leira ...” e “Leira ou Campo da ...”.
Contrariamente ao defendido pelos apelantes a lei não exige, para a “mudança” da servidão para prédio de terceiros/constituição de nova servidão no prédio de terceiros que o consentimento revista uma forma especial ou a necessária intervenção destes terceiros nos autos em que tal se discuta.
No art. 1568º nº 1 do C.C. encontramo-nos perante uma servidão legal, i.e., susceptível de ser imposta coactivamente por sentença judicial em caso de ausência de acordo prevista no nº 2 do art. 1547º (e não de servidão voluntária constituída por contrato prevista no nº 1 do mesmo preceito).
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No que concerne aos demais requisitos, atenta a matéria de facto dada como provada, verificamos, desde já, que a mudança da servidão traz vantagens sérias e evidentes para os autores não se inscrevendo tal pedido em qualquer capricho destes.
O sítio da servidão, na parte norte, passa junto à extrema norte e nascente do prédio dos autores, onde se encontra a sua casa de habitação permanente cuja porta e janelas dá para a mesma. Assim, a circulação a pé pelos réus durante todo o ano ou com alfaias agrícolas e/ou com gado de 29/09 a 31/05 nessa servidão retira privacidade aos autores uma vez que facilmente se apercebem de quem está em casa, o que está a fazer e conseguem ouvir conversas. Ora, reserva da intimidade da vida privada e familiar é considerado um direito absoluto inerente à personalidade (art. 26º nº 1 da C.R.P., art. 8º nº 2 da C.E.D.H., art. 80º nº 1 do C.C.)
Contrariamente aos apelantes entendemos que a extinção da servidão em causa e a constituição de nova servidão correspondente ao “Caminho R.”, que entretanto foi melhorado (significativamente alargado, passou a ter um leito regularizado nele podendo passar tractores e alfaias agrícolas), não causa aos mesmos prejuízos relevantes, sérios, graves.
Antes de mais, os segundos réus já utilizam parte daquele Caminho R. - com início no fim da servidão que onera o prédio dos autores ou na estrema sul do prédio destes (vide pontos 15 e 16 dos factos) – pelo que a ser julgada procedente a acção passam a ter a favor do seu prédio uma única servidão.
Apesar de aludirem ao “mais elevado encargo económico”, não o concretizam sendo certo que o maior gasto de combustível usado nos tractores e alfaias agrícolas para perfazer duas vezes os 532m não é significativo a ponto de se poder falar em prejuízo sério e relevante. Referem igualmente “dificuldade de utilização da servidão” sem o concretizar. De qualquer modo, da prova produzida resulta exactamente o contrário uma vez que, enquanto a servidão existente se inicia com uma rampa com um declive de cerca 20% (para não dizer que o ângulo de saída ou entrada da EM532 é difícil e perigoso), tem uma largura variável não inferior a 1,50m, pode ser usada com carro e gado de 29 de Setembro a 31 de Maio e a pé o ano todo, o Caminho R. não tem nenhum declive, tem presentemente uma largura variável entre os 3,20m e os 3,90m, tem o seu piso regularizado dado que aí foi colocado cascalho, areia e gravilha e pode ser usado a pé, com carro e gado durante todo o ano. Assim sendo, acompanhamos o tribunal recorrido quando refere que a nova servidão é globalmente mais vantajosa para os segundos réus.
Os 532m a mais, na ída e no regresso, e o tempo a mais para percorrer tal distância (que varia conforme for a pé ou de carro) não tem dignidade suficiente para consubstanciar um prejuízo significativo que impeça a mudança da servidão apresentando-se como um prejuízo insignificante senão mesmo apenas um incómodo. Acresce que resulta da mesma matéria de facto (ponto 54) que a propriedade destes réus tem uma outra entrada a pé do lado nascente através de outro prédio, a qual tem um trajecto mais curto, o que possibilita que estes, quando a pé, escolham o acesso ao seu prédio.
Em resumo, sopesando a conveniência dos autores e o prejuízo ou incómodo dos segundos réus claramente que estes devem ceder face aos interesses daqueles.
Por fim, a mudança da servidão é feita à custa dos autores que, devidamente autorizados pelos proprietários, procederam ao seu melhoramento em largura e condições do piso.
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Por fim, vieram ainda os apelantes dizer que os autores exercem o seu direito à mudança de servidão de forma abusiva, na modalidade de venire contra factum proprium, porquanto a servidão com aquele trajecto é muito anterior à construção da casa pelos autores pelo que a desvantagem para estes da existência daquele encargo é-lhes imputável.
Vejamos.

Dispõe o art. 334º do C.C., sob a epígrafe “Abuso de direito”:

É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
A doutrina do abuso de direito ganhou consistência na Europa nos finais do Séc. XIX e princípios do Séc. XX e surgiu como uma necessidade de “relativização” dos direitos por contraposição ao seu carácter absoluto. Foi especialmente desenvolvida pela doutrina alemã.
Em Portugal tal doutrina foi igualmente recebida tendo Manuel de Andrade, in Teoria Geral das Obrigações, I, Coimbra, 1958, pág. 63-64, referido: “”Grosso modo”, existirá um tal abuso quando, admitido um certo direito como válido em tese geral, todavia no caso concreto ele aparece exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, entendida segundo o critério social dominante”.
O Professor Vaz Serra, in Abuso de Direito, B.M.J., nº 85, escreveu “Pode dizer –se, de um modo geral, que há abuso do direito quando o direito, legítimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante; e a consequência é a de o titular do direito a ser tratado como se não tivesse tal direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito extracontratual”.
Funciona como uma válvula de segurança do sistema, um dos expedientes ditados pela consciência jurídica para obtemperar a situações em que um preceito legal, certo e justo para as situações normais, venha a revelar-se injusto na sua aplicação a uma hipótese concreta, por virtude das particularidades ou circunstâncias especiais que nela concorram.
O art. 334º do C.C. foi introduzido por influência do Professor Vaz Serra revelando uma recepção ampla da referida doutrina. O legislador adoptou a concepção objectiva na medida em que não é necessário que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito exercido, bastando que com o seu acto tenha excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício.
Não obstante a lei falar em exercício de direitos a locução “direito” surge numa acepção ampla de molde a abranger, não apenas o exercício de direitos subjectivos, mas de quaisquer posições jurídicas, quer pela acção ou pela omissão.
Este instituto jurídico baseia-se na boa fé que exprime os valores fundamentais do sistema e para cuja concretização utilizam-se dois princípios: o princípio da tutela da confiança legítima e o princípio da primazia da materialidade subjacente.
De entre os grupos típicos de actuação abusiva o venire contra factum proprium, i.e., o exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente.
esta parte acompanhamos de perto Menezes Cordeiro, in Teoria Geral do Direito Civil, 1º vol, AAFDL, 1987/88; in Do abuso de direito: Estado das Questões e Perspectivas, R.O.A., nº 65, Set. 2005 e in Tratado do Direito Civil, Parte Geral, Tomo V, Almedina, 2011.
Revertendo ao caso em apreço entendemos que não assista razão igualmente nesta parte aos apelantes.
No ano de 1987 foi reconhecida judicialmente a servidão constituída usucapião em proveito dos prédios dos réus que onera o prédio dos autores. Apenas nesta medida o direito de propriedade destes foi comprimido ou restringido pelo que nada os impedia de, quando bem entendessem e no local que entendessem, aí construíssem a sua casa de habitação, o que veio a ser feito por volta de 1995 junto à extrema nascente por onde passa a servidão de passagem em questão - art. 1305º do C.C.. Afigura-se-nos que, sendo o direito seu, não se pode afirmar que lhes são imputáveis as desvantagens inerentes à servidão (falta de privacidade). De qualquer modo, durante longos anos têm convivido com a mesma suportando as referidas desvantagens sendo que, atentas as então características do Caminho R., este não era uma boa alternativa.
Nada impede os autores de virem exercer o seu direito à mudança da servidão ao abrigo do disposto no art. 1568º nº 1 do C.C. num momento em que, fruto dos melhoramento por eles levados a cabo no mencionado Caminho R., este passou a ser uma alternativa.
Ao fazê-lo não se vislumbra que tenham ído contra a confiança que os réus tivessem de que nunca o fariam. Acresce que esse direito é imprescritível, irrenunciável e não pode ser limitado por negócio jurídico (nº4). Também não se vislumbra que esse exercício se revele concretamente injusto.
Ainda que os autores tenham anteriormente tentado “retirar” a servidão do seu prédio através de acções que naufragaram, desde que não ocorra violação do caso julgado, a instauração da presente acção não consubstancia qualquer exercício abusivo de direito à mudança da servidão, muito menos na modalidade de venire contra factum proprium, pois inexiste qualquer contradição entre as suas condutas.
Por todo o exposto, improcede a apelação.
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Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:

I - A mudança da servidão a que alude o art. 1568º nº 1 do C.C. é um expediente conferido pela lei ao proprietário do prédio serviente com vista a diminuir as incidências negativas desse encargo ou mesmo eliminá-lo e tem como requisitos: a) a conveniência para o proprietário do prédio serviente; b) não causar prejuízos sérios e graves para os interesses do proprietário do prédio dominante; c) os custos inerentes à mudança são suportados por quem a requer e d) caso a mudança se faça para o prédio terceiro este dê o seu consentimento (não exigindo a lei forma especial).
II - Incumbe ao julgador a ponderação casuística dos interesses em causa com recurso a um critério de proporcionalidade entre a referida conveniência na diminuição/eliminação do encargo sobre o prédio serviente e o mencionado prejuízo que a mudança de servidão pode acarretar para o prédio dominante.
III – No que concerne à servidão de passagem, quando a mudança do locus servitutis se opera dentro do mesmo prédio serviente ocorre, em princípio, uma modificação objectiva da servidão originária, mas quando essa mudança se opera para outro prédio do mesmo proprietário serviente (contíguo ou não) ou para prédio de terceiro ocorre a extinção da servidão originária (qualquer que seja o título constitutivo) e a constituição de uma nova servidão a favor do mesmo prédio dominante mediante sentença judicial se não houver acordo.
IV – A servidão de passagem a pé durante todo o ano e com carro e gado de 29/09 a 31/05 junto à casa de habitação permanente dos autores retira privacidade a estes sendo que nada impede a mudança da mesma para local de prédio de terceiro (que deu o seu consentimento) cujo piso é mais largo e mais plano, onde não terá restrições temporais, ainda que a nova servidão seja 532 m mais longa.
V – Não obstante a habitação haver sido construída pelos autores junto à extrema do seu prédio e junto à servidão anos depois da constituição desta não exercem aqueles abusivamente do seu direito ao requerer a sua mudança para prédio de terceiro tanto mais que instauram a respectiva acção quase duas décadas depois.
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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmam integralmente a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
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Guimarães,17/09/2020

Relatora: Margarida Almeida Fernandes
Adjuntos: Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade