SERVIDÃO DE PASSAGEM
ALTERAÇÃO DA SERVIDÃO
ALARGAMENTO DO LEITO DA SERVIDÃO
Sumário


I- Em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício da servidão, entender-se-á que foi constituída por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente (n.º 2 do art.º 1565.º do C.C.), não devendo, por isso, serem consideradas as necessidades anormais ou que surjam imprevistamente.
II- No juízo de aferição da insuficiência da comunicação de um prédio à via pública não relevam as potencialidades de desfrute de raiz meramente subjectiva, nem as pretensões de particular incremento na valorização da coisa, nem tão pouco a simples satisfação de melhores níveis de comodidade do proprietário do prédio dominante.
III- O alargamento do leito de uma servidão de passagem configura uma alteração do âmbito da servidão, devendo, por isso, serem tidos em consideração os requisitos a que o art.º 1568.º do C.C. a sujeita.
IV- Sendo o alargamento pedido pelo proprietário do prédio dominante, este terá de demonstrar que desse alargamento lhe resultam reais vantagens, sendo insuficientes as simples comodidades, e de demonstrar ainda a inexistência de prejuízo relevante para o proprietário do prédio serviente.

Texto Integral


ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- A. M. e esposa M. C. intentaram a presente acção declarativa comum contra a Ré A. G. pedindo:
I - se declare que:
a) eles, Autores, são donos do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial;
b) o prédio da Ré, identificado no artigo 10.º da petição inicial, mais concretamente o seu logradouro, encontra-se onerado com uma servidão de passagem, durante todo o ano, para pessoas a pé, com ou sem cargas, animais, carros de tração animal, tractores e outras máquinas agrícolas, em benefício do prédio dos autores descrito no artigo 1.º da petição inicial;
c) o leito dessa servidão tem a largura e configuração contante do desenho junto como documento n.º 8;
d) sendo o seu piso em terra, torna-se dificultoso e incómodo o trânsito de pessoas e veículos, em especial no inverno com chuva, devido à lama e gelo que nele se forma, pelo que deverá ser pavimentado em cimento ou cubo de pedra;
e) no verão de 2012, a Ré estreitou o leito dessa servidão, numa área aproximada de 11,633m2, ficando com a configuração constante do desenho que se junta como documento n.º 7;
f) na mesma data, a Ré apropriou-se de um espaço de terreno, com a área de 6,033m2, que constitui parte integrante do logradouro do prédio deles, Autores, no local identificado no desenho que se junta como documento n.º 8.
II - se condene a Ré a:
a) reconhecer e aceitar o acima mencionado em I – a), b), c), d), e) e f);
b) repor a largura do leito dessa servidão com as medidas que tinha antes das obras efectuadas no verão de 2012 e acima referidas;
c) retirar a ramada e os postes que, nessa mesma data, colocou ocupando área de terreno integrante do prédio dos autores e acima referida;
d) autorizar a que:
1 – nos termos do artigo 1550.º do C. C., a dita servidão seja alargada no seu âmbito para permitir também o trânsito de veículos automóveis ligeiros de passageiros e mercadorias, até 3500Kg, veículos de incêndios e ambulâncias;
2 – o seu leito fique com a largura e configuração que constam do desenho junto com a petição inicial como documento n.º 10, ou seja, para as medidas que variam entre até 6,24m no seu início, junto ao caminho público, e 3,90m junto do portal de acesso ao prédio deles, Autores, que será alargado para essa medida;
3 – a ramada de vinha que cobre o leito da servidão seja retirada;
4 – o leito da servidão seja pavimentado em cimento ou cubo de pedra.
III – Em contrapartida, disponibilizam-se eles, Autores, a indemnizar a Ré pelos eventuais prejuízos que a pretensão acima deduzida possa causar-lhe.

Fundamentam estas pretensões alegando, em síntese, que são donos e legítimos possuidores do prédio urbano que identificam no artigo 1.º da petição inicial (P.I.), sendo a Ré proprietária do prédio que identificam e descrevem no artigo 10.º do mesmo articulado.
Porque o seu prédio não confronta, por nenhum dos seus lados, com a via pública (sendo, por isso, um prédio encravado), interpondo-se, entre ele e o caminho público, que passa a nascente, o referido prédio da Ré, o acesso do prédio deles, Autores, ao caminho público sempre se fez através de um caminho implantado no logradouro do prédio da Ré, caminho com as características descritas nos artigos 14 a 18 da P.I., estando, por isso este prédio da Ré onerado com uma servidão legal de passagem a favor do prédio deles, Autores.
Mais alegam que no verão de 2012, a Ré resolveu estreitar o espaço do leito do caminho acima referido ao longo do seu logradouro, bem como alargar o espaço aéreo da ramada que cobre o leito de servidão, ocupando, com postes e ramada, terreno que faz parte integrante do logradouro do prédio deles, Autores, o que prejudica o trânsito pelo dito caminho (dificuldade de manobra de entrada e saída de tractores e outras máquinas agrícolas). Ora, pretendendo eles, Autores, fazer obras de ampliação e restauro no seu prédio, com vista a adaptar toda a parte construída para a habitação, cujo projecto já foi aprovado pela Câmara Municipal de …, vão precisar de transitar pelo referido caminho também com veículos automóveis ligeiros de passageiros e de mercadorias até 3500Kg, e veículos de incêndios e ambulâncias;
Alegam, finalmente, que, sendo o leito do caminho em terra, torna-se dificultoso e incómodo o trânsito de pessoas e veículos, em especial no inverno, com chuva, devido à lama que nele se forma e, por vezes, gelo, pelo que a servidão actualmente existente é insuficiente para o tipo de trânsito necessário.
Regularmente citada, a Ré contestou, confessando a existência de um caminho de servidão, mas impugnando as características do caminho alegadas pelos Autores, designadamente no que se refere à sua largura, recusando ter estreitado o caminho. Ao invés, alega, os Autores, aproveitando-se da sua ausência em França, escavaram a terra da berma que, no lado esquerdo e no sentido sul norte, balizava o leito do caminho de servidão, procurando alargar este (embora ainda permaneçam pedras em granito implantadas no solo as quais balizavam o leito do caminho nesse lado esquerdo e agora, por ter sido retirada a terra à sua volta em cerca de 50 cm., aparecem no interior do leito do caminho) vendo-se, ela Ré, obrigada a demarcar nesse lado, o dito leito do caminho, colocando postes em cimento unidos por arame, impondo pois, uma barreira física às intenções ilegais dos Autores.
Nega ainda que a ramada esteja sobre prédio dos Autores, já que este está demarcado e separado, no seu lado nascente, do logradouro do prédio dela, Ré, com um muro de vedação em pedra, com mais de 1 m de altura, implantado no limite da linha divisória entre os dois prédios, sendo, por isso, falso que ao aludido imóvel dos Autores pertença qualquer parcela de terreno exterior ao referido muro em pedra. Mais alega que todo o logradouro do seu prédio bem como o espaço onde está implantado o leito do caminho sempre estiveram cobertos com a aludida ramada ou latada, com videiras, postes em pedra e em cimento, que permanecem neste local, desde há mais de 50 a 60 anos, e ainda, que o terreno com a área de 6,033 m2, identificado no artigo 31 da P.I., faz parte integrante do logradouro do seu prédio urbano. Afirma que, há cerca de cinco anos, se limitou a reparar a latada existente, substituindo algumas travessas em madeira por vigas em cimento, não a tendo, porém, alterado e nem a alargado, pois esta já cobria, como sempre cobriu, todo o seu logradouro e também o leito do caminho de servidão
Impugna a necessidade de os Autores transitarem pelo caminho de servidão, em toda a sua extensão, com os veículos por eles referidos já que o caminho público fica a cerca de 10 metros da porta de entrada do prédio urbano deles, impugnando ainda os demais factos invocados por aqueles, tradutores de necessidades de trânsito pelo caminho.
Mais alega que o caminho público que se inicia na estrada municipal e vai até ao seu prédio urbano e respectivo logradouro tem em algumas zonas a largura de 2,6 m, mesmo na zona de curvas, e as latadas que ainda o cobrem têm a altura média de 2,4 m, pelo que nunca os Autores poderão transitar desde a via pública até ao interior do seu prédio urbano com veículos que tenham largura e altura que não lhes permitam transitar neste caminho público, e daí a absoluta inutilidade que constitui o pretenso alargamento da servidão de passagem.
Finalmente, alega que o leito do caminho de servidão está em terra e erva, pelo que nunca se transforma em lama ou dificulta qualquer tipo de trânsito, nomeadamente, de tractores e carros de tracção animal.

Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando parcialmente procedente, por parcialmente provada, a acção, decidiu:

a) - Reconhecer judicialmente o direito de servidão de passagem que onera o prédio da Ré, identificado em 9 dos factos provados, a favor do prédio dos Autores identificado em 1, pelo caminho identificado em 13, com as características descritas em 14.
b) - Autorizar a mudança de servidão nos seguintes termos:
i) Alargamento do leito do caminho referido em 13., passando a ter as medidas escritas a azul do documento de fls. 110, com o limite de 2,60 (metros) de largura;
ii) Pavimentação do leito do caminho referido em 13., em cimento.
c) – Reconhecer o direito de propriedade dos Autores sobre o prédio identificado em 1., bem como sobre a parcela de terreno identificada em 28., com a área de 6,033 m2 (assinalada a fls. 114), como parte integrante daquele prédio, e, consequentemente, condenar a Ré a retirar a ramada e os postes que ocupam o espaço aéreo do mesmo.
d) – Absolver a Ré do demais peticionado.

Os Autores não se conformaram com esta decisão, e trazem o presente recurso, pretendendo que o alargamento do caminho se faça para uma largura entre os 3,50m e os 5m., por forma a permitir a circulação de veículos automóveis ligeiros de passageiros e de mercadorias até 3.500 Kg, veículos de incêndios e ambulâncias.
Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.
Colhidos, que foram, os vistos legais, cumpre decidir.

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II.- Os Apelantes/Autores formularam as seguintes conclusões:

NULIDADE DA SENTENÇA

1. - Nos pontos 29 e 30 dos factos provados, considerou-se o seguinte:

1. O caminho identificado em 13., com a largura que apresenta atualmente (configuração descrita em 14.) e atendendo a que o trajeto não é uma linha reta, não possui raios de curvatura suficientes que permitam a circulação de veículos automóveis ligeiros de passageiros e mercadorias, bem como tratores e máquinas agrícolas de pequena dimensão;
2. Para que os veículos automóveis identificados em 29., circulem livremente no caminho 13., é necessário que o mesmo tenha a configuração e medidas escritas a azul no desenho de fls 110 e a ramada, a altura mínima de 2.5m, livre de ramos de videiras;
2 - No desenho de fls 110, não se encontra assinalado qualquer caminho, muito menos pelas linhas a azul. Por esse desenho, pretendeu-se apenas verificar o espaço ou área que, no entender dos autores, a ré havia retirado do leito do caminho de servidão já existente e alegado por aqueles.
3 - Na verdade, conforme resulta da fundamentação da sentença, daí ressalta que a Meritíssima Juíza quereria referir-se que o pretendido alargamento do caminho deveria ser feito para as medidas constantes a azul, não no desenho de fls. 110, mas do desenho de fls 23.
4 - Isto porque, na sentença, para justificar a necessidade do alargamento da servidão, diz-se textualmente, a fls 143:

“Analisando estes factos (os atrás relatados), verificamos que relativamente à conveniência da alteração para os Autores, conclui-se dos factos provados que a modificação no que se refere ao alargamento do caminho 13 para as dimensões de fls. 23, permitir-lhes-á que acedam ao seu prédio com veículos ligeiros de passageiros e mercadorias, o que se afigura, nos dias de hoje, uma necessidade“.
5 - Por outro lado, como fundamento para que fosse fixada a matéria de facto constante dos pontos 29 a 35, a Meritíssima Juíza, apontou apenas como resultantes do relatório pericial de fls. 81 e não outros.

Sobre esse relatório, escreveu-se, a fls 134:

“Merece destaque uma referência – até porque o mencionado meio de prova encontra-se sujeito, como os demais, à livre apreciação do Tribunal – no sentido de que se concorda com os doutos pareceres nos mesmos emitidos, especialmente o Relatório apresentado pelo S. Perito indicado pelos AA, atenta a maior objetividade e precisão nas respostas” (fls. 81 a 84).
6 – Ora, sobre a matéria relacionada com as medidas para as quais deverá ser alargado o caminho em causa, escreveu o senhor perito dos autores, no seu relatório de fls. 81 a 84, em resposta ao quesito 2º, apresentado pelos autores:
Quesito 2º:
“… atendendo a que o seu trajeto (do caminho) configura duas curvas, donde resulta a necessidade de fazer as pertinentes manobras de mudança de direção, o seu leito deve ficar com a largura e configuração que consta do desenho junto aos autos como documento nº 1, ou seja, para as medidas que variam entre até 6,24m no seu início, junto ao caminho público, e 3,90, junto ao portal de acesso ao prédio dos autores que será alargado para essa medida? “
Diga-se que, nesse quesito, por lapso, se escreveu como referindo-se ao desenho junto aos autos como doc. nº 1, quando se queria referir como doc. nº 10, de fls. 23, porquanto, o doc. nº 1 junto com a petição inicial diz respeito ao artigo matricial do prédio dos autores, portanto, não descreve qualquer caminho e, efetivamente o doc. nº 10, diz respeito às pretendidas medidas desse caminho, precisamente aquelas que consta desse quesito.
7 - Em resposta a esse quesito, escreveu o senhor perito:
“O atual leito do caminho de servidão não possui raios de curvatura suficientes que permitam a circulação das viaturas alegadas no quesito 1, nomeadamente os veículos ligeiros de passageiros e mercadorias. O desenho do leito do caminho proposto no documento, responde às necessidades de circulação destes veículos ligeiros de passageiros e mercadorias”.
8 – Posto isto, não restam dúvidas a fundamentação da matéria de facto, designadamente a acima referida, é ambígua e está em contradição com o que dela se considerou provado.
9 - Conforme resulta do acima exposto a fundamentação é toda ela orientada no sentido de que o caminho em causa fique com as medidas correspondentes ao desenho fls. 23, todavia, na douta sentença, acabou por considerar-se que deveria ficar com as medidas constates do desenho de fls 110.
10 - Daí a nulidade da sentença recorrida, também nos termos da al. c) do nº 1, do artigo 615º do C. P.C.

SEM PRESCINDIR,
11 - Na douta sentença, como âmbito da servidão já existente, considerou-se, no ponto 19 dos factos provados, que:
“Pelo caminho descrito em 13., e por esse trajeto, é exercido o trânsito, durante todo o ano, para pessoas a pé, com ou sem cargas, animais, veículos de tração animal, tratores e outras máquinas agrícolas”;
12 - Os autores pediam, no Ponto II-d) -1:
- Que esse âmbito da servidão seja alargado para “permitir também o trânsito de veículos automóveis ligeiros de passageiros e mercadorias, até 3500Kg, veículos de incêndios e ambulâncias”.
13 - Do texto do ponto 29, dos factos provados, resulta que o Tribunal considerou justificar-se o alargamento do âmbito da servidão para “automóveis ligeiros de passageiros e mercadorias, bem como tratores e máquinas agrícolas de pequena dimensão”
14 - Ora, esse alargamento do âmbito da dita servidão, apesar de reconhecido na fundamentação da sentença, não passou para o seu dispositivo, não condenando, consequentemente, a ré a autorizar tal alargamento.
15 - Nesta conformidade, também, por esse facto, a fundamentação da sentença está em oposição com a decisão, o que conduz à sua nulidade nos termos da al. c), do nº 1, do artigo 615º do C. P.C.

II - AINDA SEM PRESCINDIR,

16 - Da matéria de facto considerada como provada, em função de toda a prova carreada para os autos, a constante dos pontos abaixo indicados deveria ser considerada provada de modo diferente.
17 – Vejamos o que resulta de tais provas relativamente à matéria contante do ponto 30, com referência ao dado como provado no ponto 29:
18- Quanto à prova pericial:
Entendeu a Meritíssima Juíza que, dos relatórios periciais, concorda “especialmente com o relatório apresentado pelo Sr. perito indicado pelos AA, atenta a maior objetividade e precisão nas respostas (fls. 81 a 84).”
Ora, sobre as medidas que deve passar a ter o leito do caminho de servidão, aquele senhor perito pronunciou-se, em resposta ao quesito 2º, apresentado pelos autores, nestes termos:
“O atual leito do caminho de servidão não possui raios de curvatura suficientes que permitam a circulação das viaturas alegadas no quesito 1, nomeadamente os veículos ligeiros de passageiros e mercadorias. O desenho do leito do caminho proposto no documento, responde às necessidades de circulação destes veículos ligeiros de passageiros e mercadorias”.
Ou seja, esse senhor perito entende que as medidas devem ser aquelas que constam do desenho de fls. 23, o desenho proposto.
Aliás, os restantes senhores peritos, no seu relatório de fls. 76 a 78, apesar de reconhecerem, veja-se resposta ao quesito 11º, apresentado pela ré, que “apesar das dimensões atuais do caminho de servidão, este não possui raios de curvatura suficientes que permitam circular todas as viaturas alegadas pelos AA”, foram completamente omissos sobre as medidas que, em função daquele entendimento, deveria ficar o caminho, como resulta das respostas por eles dadas aos quesitos 1º e 2º apresentados pelos AA.
Daí que a Meritíssima Juíza, com o devido respeito, não deveria ter outra alternativo que, relativamente às medidas necessárias que a servidão deve ter para o tipo adequado às necessidades do prédio dos autores, designadamente, o mencionado na resposta ao quesito 1º, dada por todos os peritos, ou seja, ligeiros de passageiros e mercadorias e mistos.
19 – Quanto à prova testemunhal:
A. S. - Audição do dia 19.11.2018, com inicio ás 15:43:26 e fim às 16:44:50 - Audição do minuto 17:03 ao minuto 19:13.
A. J. - Audição do dia 19.11.2018, com inicio ás 15:08:24 e fim às 15:42:20 - Audição do minuto 06:59 ao minuto 08:47 e audição do minuto 10:13 ao minuto 11:29.
20 - Também como supra se refere, na sentença, para justificar a necessidade do alargamento da servidão, diz-se textualmente, a fls 143:
“Analisando estes factos (os atrás relatados), verificamos que relativamente à conveniência da alteração para os Autores, conclui-se dos factos provados que a modificação no que se refere ao alargamento do caminho 13 para as dimensões de fls. 23, permitir-lhes-á que acedam ao seu prédio com veículos ligeiros de passageiros e mercadorias, o que se afigura, nos dias de hoje, uma necessidade“.
Por outro lado, como fundamento para que fosse fixada a matéria de facto constante dos pontos 29 a 35, a Meritíssima Juíza, apontou apenas como resultantes do relatório pericial de fls. 81 e não outros.
Sobre esse relatório, escreveu-se, a fls 134:
“Merece destaque uma referência – até porque o mencionado meio de prova encontra-se sujeito, como os demais, à livre apreciação do Tribunal – no sentido de que se concorda com os doutos pareceres nos mesmos emitidos, especialmente o Relatório apresentado pelo S. Perito indicado pelos AA, atenta a maior objetividade e precisão nas respostas (fls. 81 a 84)”
21 - Em função dos elementos de prova acima indicados, do referido ponto 30, como matéria dada como provada, deveria ficar com a seguinte redação:
- Para que os veículos automóveis identificados em 29., circulem livremente no caminho 13., é necessário que o mesmo tenha a configuração e medidas escritas a azul no desenho de fls 23 e a ramada a altura mínima de 2.5m, livre de ramos de videiras;
22 – O alargamento do leito da servidão não pode ficar condicionado pela atual largura do caminho público, de 2,60m, que a ela dá acesso.
A não ser assim, logo que o caminho público seja alargado para medidas consideradas normais para esse tipo de vias, entre 3,50 a 5m, os autores teriam que voltar a instaurar nova ação, pugnado pelo alargamento da servidão para tais medidas.
23 - Sem prescindir da nulidade da presente sentença acima alegada, nessa sentença, como âmbito da servidão já existente, considerou-se, no ponto 19 dos factos provados, que: “Pelo caminho descrito em 13., e por esse trajeto, é exercido o trânsito, durante todo o ano, para pessoas a pé, com ou sem cargas, animais, veículos de tração animal, tratores e outras máquinas agrícolas”;
Os autores pediam, no Ponto II-d) -1:
- Que esse âmbito da servidão seja alargado para “permitir também o trânsito de veículos automóveis ligeiros de passageiros e mercadorias, até 3500Kg, veículos de incêndios e ambulâncias”.
Do texto do ponto 29, dos factos provados, resulta que o Tribunal considerou justificar-se o alargamento do âmbito da servidão para “automóveis ligeiros de passageiros e mercadorias, bem como tratores e máquinas agrícolas de pequena dimensão”
Ora, esse alargamento do âmbito da dita servidão, apesar de reconhecido na fundamentação da sentença, não passou para o seu dispositivo, não condenando, consequentemente, a ré a autorizar tal alargamento, o que devia fazer.
24 – Pelo que deve a ré/recorrida ser condenada a autorizar o alargamento do âmbito da servidão em causa para automóveis, ligeiros de passageiros e mercadorias, bem como tratores e máquinas agrícolas de pequena dimensão;
25 – Não o entendendo nos termos expostos, pela douta sentença recorrida, com o devido respeito, foram violados o disposto nos artigos 1550º, nºs 1 e 2 e 1553º, ambos do C. C., e 607º, 608º e 615, nº 1, al. c) “a contrario”, todos do C. P. C., e demais legislação que doutamente será suprida.
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do C.P.C., sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões acima transcritas, cumpre:

- conhecer das nulidades arguidas à sentença;
- reapreciar a decisão no que se refere às dimensões (largura) do caminho de servidão.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

IV.- Os Apelantes arguiram a nulidade da sentença, apontando-lhe ambiguidade resultante de contradição entre a fundamentação e a decisão.
No essencial, fundam a arguição alegando que no desenho de fls. 110, para o qual remete o ponto de facto n.º 30, não está assinalado o caminho nem existem “medidas escritas a azul”, extraindo-se do relatório pericial, no qual a Meritíssima Juiz alicerçou a decisão quanto àqueles factos, que o desenho a ter em conta é o de fls. 23 dos autos.
Mais defendem que, tendo pedido a condenação da Ré a autorizar que a servidão seja alargada para permitir o trânsito de veículos automóveis ligeiros de passageiros e de mercadorias até 3.500 Kg, veículos de incêndios e ambulâncias, e tendo o Tribunal a quo considerado justificado o alargamento do âmbito da servidão para o trânsito daqueles veículos, devia ter passado o alargamento para o dispositivo.
O Tribunal a quo, pronunciando-se sobre as nulidades arguidas, reconheceu a existência do lapso apontado e supriu a primeira, dando ao ponto de facto n.º 30 a seguinte redacção:
30. Para que os veículos automóveis identificados em 29. circulem livremente no caminho 13, é necessário que o mesmo tenha a configuração e medidas escritas a azul no desenho de fls. 23 e a ramada a altura mínima de 2,5m, livre de ramos de videiras”.
Deve, pois, ter-se por eliminada a apontada contradição quanto ao supramencionado ponto de facto, e relativamente à autorização da mudança de servidão apenas para os limites de 2,60 metros, ela está devidamente fundamentada, designadamente pela largura do caminho público, não consubstanciando, por isso, a nulidade invocada.
Deste modo, quanto a esta parte julga-se improcedente a arguição.
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V.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:

i) julgou provado que:

1. Encontra-se inscrito e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº .., o seguinte prédio: “(…) Urbano situado em .... (…) Matriz n.º ... (…) Casa de Morada de 2 pisos, 125,5m2 – logradouro 380 m2 – e quintal – 148m2 – norte: A. F. e herdeiros de M. A., sul: herdeiros de M. A.; nascente: caminho; poente: M. M. e outros (…)”;
2. O prédio identificado em 1 encontra-se descrito na caderneta predial rústica sob o artigo matricial n.º …;
3. Por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de …, em 28 de agosto de 2008, os autores declararam comprar a M. M., e este declarou vender, pelo preço de 26.000,00€, o prédio identificado em 1.;
4. Pela Ap. 1 de 2008/09/15, encontra-se registada a aquisição do prédio identificado em 1., a favor dos Autores;
5. Os autores estão, por si e seus antecessores, desde há mais de 20, 30, 50 e mais anos, na posse pública, pacífica, exclusiva e contínua do prédio identificado em 1.;
6. Sempre, por forma reiterada, se aproveitando de todas as suas utilidades, designadamente, habitando-o, utilizando-o para arrumos e recolha de animais, por si ou a seu mando, fazendo nele obras de restauro e conservação e pagando as correspondentes contribuições legais;
7. Actos que sempre praticaram à vista de toda a gente e com ânimo de exercerem sobre esse prédio os poderes correspondentes ao direito de propriedade, sem oposição de ninguém, designadamente da ré;
8. Antes toda a gente reconhecendo ao longo de todo esse tempo, que só eles eram os seus legítimos donos e possuidores;
9. Encontra-se inscrito e descrito na caderneta predial rústica o seguinte prédio urbano sob o artigo matricial n.º …: “… (…) Palheiro e rossios sito em .... Confrontações do prédio: Norte: A. F.; Sul: Manuel; Nascente: Caminho; Poente: Manuel M. (Herdeiros); área total (há): 0,021700. Descrição: Dependência agrícola e pastagem. Titulares: (…) A. G. (…)”;
10. Os prédios descritos em 1 e 9 são confinantes;
11. O prédio descrito em 1. não confronta, por nenhum dos seus lados, com a via pública;
12. Interpondo-se, entre o prédio identificado em 1. e o caminho público, que passa a nascente, o prédio descrito em 9.;
13. Pelo que, o acesso do prédio descrito em 1 ao caminho público sempre se fez através de um caminho implantado no logradouro do prédio descrito em 9.;
14. O caminho referido em 13. tem leito em terra dura, coberta de vegetação e erva, calcada e trilhada, nunca trabalhada, bem demarcado do restante terreno desse logradouro, uma largura variável, mas aproximada, que oscila entre 4,20m (na zona da entrada onde termina o caminho público) e 2,25m (na zona da curva) - conforme medidas escritas a vermelho no desenho de fls. 110 - existindo implantadas no solo pedras em granito que balizam o leito do caminho;
15. O caminho público fica à distância de 11,5 m da porta de entrada para o 1.º andar do prédio urbano descrito em 1.;
16. O trajecto, para se aceder ao 1.º andar do prédio urbano descrito em 1., desde o caminho público, entrando no caminho identificado em 13., na direcção nascente-poente, é em recta, tendo o caminho uma largura que varia entre 4,20m (na entrada) e 3,65m (onde desemboca no prédio (referido em) 1.);
17. Nesse local, confina directamente com o prédio (referido em) 1., para onde se acede através de uma entrada, com 3,65m de largura, ao nível do 1º andar;
18. Para se aceder desde o caminho público ao rés-do-chão do prédio (referido em) 1., no início do caminho identificado em 13, quem vem do caminho público, flete para norte, flectindo aí novamente para poente, entrando directamente no prédio (referido em) 1, ao nível do rés-do-chão, através de um portal aí existente para o efeito, com 2,04m de largura;
19. Pelo caminho descrito em 13., e por esse trajecto, é exercido o trânsito, durante todo o ano, para pessoas a pé, com ou sem cargas, animais, veículos de tração animal, tractores e outras máquinas agrícolas;
20. Desde há 20, 50, 100 e mais anos, isto é, desde data em que já não se recordam os vivos, que os autores, e seus antecessores na posse e propriedade do seu referido prédio, vêm utilizando o caminho descrito em 13., nos termos e condições acima referidas, para acesso do prédio (referido em) 1., ao caminho público e vice-versa, de forma pública, pacífica e contínua, sem oposição de ninguém, na fé e ânimo de exercerem o correspondente direito de servidão;
21. O logradouro do prédio identificado em 9., em toda a sua extensão (incluindo o caminho descrito em 13), encontra-se coberto por uma latada com videiras, postes em pedra e em cimento e arame, e até há 5 anos, vigas em madeira e assentes em postes de granito e de cimento que tem mais de 30 anos de existência;
22. A latada referida em 21. tem a altura mínima de 2,70m;
23. A latada referida em 21., produz uvas da casta “Jaquê” (Jacquez) para consumo próprio da Ré, para além de proporcionar um aproveitamento estético e lúdico, constituindo zona verde, de sombra e protecção do prédio (referido em) 9.;
24. Os autores resolveram fazer obras de restauro e ampliação no prédio identificado em 1., com vista a adaptar o mesmo (rés-do-chão e primeiro andar) a habitação, tendo o projecto já sido aprovado pela Câmara Municipal;
25. Em meados de 2012, estando a Ré ausente em França por ser emigrante, os AA. escavaram a terra da berma que, no lado esquerdo e no sentido sul-norte, balizava o leito do caminho de servidão, procurando alargar as medidas que o mesmo sempre apresentou, referidas em 14.;
26. Após o que a Ré, para demarcar nesse lado o dito leito do caminho, mandou colocar postes em cimento unidos por arame, voltando o caminho a ter a configuração descrita em 14.;
27. Na mesma ocasião mencionada em 26., a Ré mandou levantar a vinha identificada em 21., e reparar a latada existente, substituindo algumas travessas em madeira por vigas em cimento;
28. Com as obras descritas em 27., a Ré alargou o espaço aéreo da ramada que cobre o leito de servidão, ocupando, com postes e ramada, uma parcela de terreno que faz parte integrante do logradouro do prédio identificado em 1., com área de 6,033 m2 (parcela assinalada a fls. 114);
29. O caminho identificado em 13., com a largura que apresenta actualmente (configuração descrita em 14.) e atendendo a que o seu trajecto não é em linha recta, não possui raios de curvatura suficientes que permitam a circulação de veículos automóveis ligeiros de passageiros e mercadorias, bem como tractores e máquinas agrícolas de pequena dimensão;
30. Para que os veículos automóveis identificados em 29. circulem livremente no caminho (referido em) 13., é necessário que o mesmo tenha a configuração e medidas escritas a azul no desenho de fls. 23 e a ramada a altura mínima de 2,5m, livre de ramos de videiras;
31. Para que a videira tenha a altura mencionada em 30., com a floração e crescimento dos ramos, é necessário efectuar trabalhos tais como podar e atar, sulfatar e vindimar;
32. O trânsito regular de veículos no caminho (referido em) 13. irá deteriorar o leito, dificultando e incomodando o trânsito de pessoas e veículos, especialmente no inverno e com chuva, o que é ultrapassável através da sua pavimentação em cimento;
33. O caminho público que se inicia na estrada municipal e vai até ao prédio urbano da Ré e respectivo logradouro, tem em algumas zonas a largura de 2,6 m, mesmo na zona de curvas;
34. O alargamento do caminho (referido em) 13 nos termos referidos em 30 reduzirá a área do logradouro do prédio (referido em) 9..

ii) julgou não provado que:

1. O logradouro do prédio da Ré no seu lado poente e junto da esquina poente-sul, prolonga-se até ao logradouro do prédio identificado em 1., início de umas escadas em pedra que pertencem ao indicado prédio dos AA.;
2. O imóvel dos AA. identificado em 1 está demarcado e separado no seu lado nascente do logradouro do prédio da Ré com um muro de vedação em pedra, com mais de 1 m de altura, implantado no limite da linha divisória entre os dois prédios;
3. Pelo que, o terreno com a área de 6,033 m, identificado a cor-de-rosa no desenho de fls. 17. (na realidade é fls. 22), faz parte integrante do logradouro do prédio urbano da Ré, identificado 9., e nunca fez parte do leito do caminho de servidão, já que por esse terreno nunca foi exercida qualquer servidão de passagem;
4. O terreno com a área de 6,033 m, identificado no artigo 31 da petição faz parte integrante do logradouro do prédio urbano da Ré, identificado no artigo 10 da petição e também nunca fez parte do leito do caminho de servidão, já que por esse terreno nunca foi exercida qualquer servidão de passagem;
5. Os AA. necessitam de transitar no caminho descrito em 13/14 também com veículos de mercadorias, até 3500Kg, e veículos de incêndios e ambulâncias;
6. No caminho descrito em 13 circulam e têm circulado ao longo dos anos tractores agrícolas, com atrelados – que têm uma largura semelhante aos veículos de mercadorias até 3500 kg e aos veículos de combate a incêndios médios ou ambulâncias;
7. O caminho público que se inicia na estrada municipal e vai até ao prédio urbano da Ré e respectivo logradouro, tem latadas que ainda o cobrem, com a altura média de 2,4 m;
8. Entre o caminho público e o lado sul do prédio urbano dos AA. e até da sua fachada principal, interpõe-se apenas um pequeno prédio rústico, destinado à cultura do milho e erva, com cerca de 10 m de largura, com o seu terreno direito e sem barreiras físicas com insignificante dimensão económica, dada a sua pequena área, cuja passagem teria pouco prejuízo atendendo ao seu diminuto aproveitamento económico;
9. O imóvel da Ré sempre se destinou à habitação e assim continuará a destinar-se no futuro;
10. Com a aludida pretensão dos AA. desaparecerá o logradouro do prédio da Ré, enquanto tal, o que constituirá um elevado dano patrimonial para este, pois ficará devassado e coarctado do terreno adjacente e contíguo, que representa uma mais-valia para este em montante superior a 15.000,00 €.
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VI.- Com a argumentação que aduziram nas conclusões 16 a 24 propugnavam os Apelantes, em primeira linha, a alteração ao ponto de facto n.º 30 (que veio a ser introduzida pelo Tribunal a quo), pretendendo fazer valer a configuração do caminho e as medidas constantes do desenho de fls. 23, para o qual remete aquele ponto de facto, não aceitando que as dimensões do alargamento sejam condicionadas pela actual largura do caminho público, que é de 2,60 metros, porquanto, “A não ser assim, logo que o caminho público seja alargado para medidas consideradas normais para esse tipo de vias, entre 3,50 a 5m.”, “teriam que voltar a instaurar nova acção, pugnando pelo alargamento da servidão para tais medidas”.
Pelo desenvolvimento que lhe foi dado na Sentença, o enquadramento jurídico da situação sub judicio merece total adesão, posto que se apresenta fundamentado, quer doutrinal, quer jurisprudencialmente.
No que ora importa, e como aí ficou referido, de acordo com o disposto no art.º 1564.º do Código Civil (C.C.), as servidões são reguladas, no que respeita à sua extensão e exercício, pelo respectivo título, e compreendem tudo quanto seja necessário para o seu uso e conservação.
Em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício, entender-se-á constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente – cfr. n.º 2 do art.º 1565.º do C.C..
De acordo com PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “referindo concretamente as necessidades normais e previsíveis, a disposição sacrifica as necessidades anormais ou que surjam imprevistamente” (in “Código Civil Anotado”, vol. III, 2.ª Ed. Revista e Actualizada, págs. 664/665).
Como é entendimento pacífico, a alteração do destino do prédio dominante não determina a alteração da servidão, no sentido da sua adequação àquele novo destino - cfr., por todos, o Acórdão do S.T.J. de 20/10/1992, que, citando Tavarela Lobo, refere que “só deverão ser atendidas em princípio as modificações do prédio dominante que sejam naturais e previsíveis, ainda que futuras. Só as que natural e previsivelmente aumentariam com o decurso do tempo” (in B.M.J. nº. 420 – 1992 – pág. 587).
Por outro lado, refere o Acórdão do S.T.J. de 12/10/2017, que na aferição da insuficiência da comunicação de um prédio à via pública “não relevam as potencialidades de desfrute de raiz meramente subjectiva, nem as pretensões de particular incremento na valorização da coisa, nem tão pouco a simples satisfação de melhores níveis de comodidade do proprietário do prédio dominante” (ut Proc.º 361/14.4TBVVD.G1.S1, in www.direitoemdia.pt).
Alegaram os Apelantes que “recentemente”, resolveram “fazer obras de restauro e ampliação” do seu prédio, “com vista a adaptar toda a parte construída para a habitação”, e por isso, “para além da servidão de que beneficiam … necessitam de transitar também com veículos automóveis ligeiros de passageiros e de mercadorias, até 3500 Kg e veículos de incêndios e ambulâncias”, o que a curta largura do leito da servidão lhes não permite.
Concorda-se que a situação sub judicio configura uma alteração do âmbito da servidão, devendo, por isso, serem tidos em consideração os requisitos a que o art.º 1568.º do C.C. a sujeita – cfr., neste sentido, para além do Acórdão da Relação de Coimbra de 10/05/2011 (ut proc.º 3871/05.0TBLRA.C1, in www.dgsi.pt), referenciado na sentença, ainda o Acórdão da Relação do Porto de 14/06/1988 (in B.M.J., 378.º, pág. 792).
E, tendo a alteração sido requerida pelos proprietários do prédio dominante, que são os Apelantes, de conformidade com o n.º 3 do referido art.º 1568.º, incumbe-lhes demonstrar as vantagens resultantes da pretendida alteração e a ausência de prejuízo para a proprietária do prédio serviente, a Apelada.
Como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “admite-se a mudança da servidão a requerimento do proprietário do prédio dominante. Os pressupostos dessa mudança são simétricos dos fixados no n.º 1 para a hipótese mais vulgar da mudança a pedido do dono do prédio serviente: vantagem para o requerente; nenhum prejuízo (sério, relevante) para o outro interessado” (Ob. Cit., pág. 671).
Deve ainda deixar-se referido que a simples comodidade para o requerente não é suficiente para justificar a mudança.
A solução acertada será, pois, a que consiga o equilíbrio entre os particulares interesses dos Apelantes, titulares do prédio dominante, e os interesses da Apelada, titular do prédio serviente
De acordo com a decisão de facto, não se provou que tenham circulado pelo caminho de servidão tractores agrícolas com atrelados, com largura semelhante aos veículos de mercadorias até 3.500 Kg., e aos veículos de combate a incêndios de dimensões médias, assim como ambulâncias.
Ficou provado que o caminho, com as dimensões que ora apresenta, posto que o traçado não é em linha recta, porque não possui raios de curvatura suficientes, não permite a circulação de veículos automóveis ligeiros de passageiros e de mercadorias, bem como tractores e máquinas agrícolas de pequena dimensão. Para estes veículos circularem livremente é necessário que o caminho tenha a configuração e as medidas constantes do desenho de fls. 23, e a ramada tenha a altura mínima de 2,50 metros livre de ramos e videiras.
A questão da ramada já se não colocará visto ter ficado provado que tem a altura mínima de 2,70 metros (cfr. ponto de facto n.º 22) e, como se sabe, os ramos das videiras crescem para cima. Por outro lado, se, como ficou provado, a Apelada/Ré destina a produção de uvas ao seu próprio consumo, decerto que não deixará a ramada “ao abandono” e providenciará pela poda e tratamento das videiras, condição essencial para que continue a produzir.
A questão essencial a decidir é, agora, a da definição das medidas da largura da servidão, atenta a limitação física constituída pela menor largura do caminho público comparativamente com aquela que os Apelantes pretendem.
Com efeito, como ficou provado, entre a estrada municipal e o início da servidão interpõe-se um caminho público, que obrigatoriamente tem de ser percorrido pelos Apelantes quando se dirigem para o seu prédio, o qual tem em algumas zonas a largura de 2,60 metros, mesmo na zona de curvas.
Há, assim, um obstáculo físico intransponível para a circulação de veículos cujas dimensões lhes não permitam, em marcha, descrever as referidas curvas.
E por isso é que a Apelada/Ré defende que, nunca podendo os Apelantes transitar desde a via pública até ao interior do seu prédio urbano com veículos que tenham largura que não lhes permita transitar neste caminho público, constitui uma “absoluta inutilidade” o alargamento da servidão de passagem.
Também o Tribunal a quo equacionou aquele obstáculo físico ao trânsito de veículos com as dimensões pretendidas pelos Apelantes, enquadrando-o no conceito da “necessidade/desnecessidade”, como se alcança dos seguintes dizeres: “Sucede que, simultaneamente, provou-se que “O caminho público que se inicia na estrada municipal e vai até ao prédio urbano da Ré e respectivo logradouro, tem em algumas zonas a largura de 2,6 m, mesmo na zona de curvas” (33.º facto provado), o que tem relevância na medida em que se conclui pela desnecessidade de o caminho 13. ter dimensões maiores do que as do caminho público, por onde os veículos que pretendam aceder ao prédio 1 obrigatoriamente têm que passar antes de desembocar no referido caminho. Na verdade, pelos referidos motivos, seria desproporcional permitir o alargamento do caminho 13. além daquele limite de 2,60m de largura”.
Os Apelantes, porém, não aceitam que o alargamento do leito da servidão fique condicionado pela actual largura do caminho público que a ela dá acesso, contrapondo que, “a não ser assim, logo que o caminho público seja alargado para medidas consideradas normais para esse tipo de vias, entre 3,50 a 5m, os autores teriam que voltar a instaurar nova ação, pugnando pelo alargamento da servidão para tais medidas.”.
Este argumento, porém, ressalvado o respeito devido, não é suficientemente consistente para justificar o sacrifício dos interesses da Apelada, que se consubstanciam, além do mais, na amputação do logradouro do seu prédio.
É que, por um lado, com a prática do dia-a-dia, pode vir a constatar-se que, afinal, a largura de 2,60m se revela suficiente para as necessidades normais de circulação de veículos para o prédio dos Apelantes, e, não menos importante, porque, como é do conhecimento geral, o alargamento de um caminho público (municipal ou vicinal), para além de estar dependente do assentimento dos proprietários confinantes, ou de uma expropriação por utilidade pública, se esta se justificar, está, sobretudo, sempre dependente da vontade e empenho dos poderes autárquicos; a obra terá de ser projectada, discutida, e aprovada, e ser incluída no plano anual de actividades da autarquia.
Ora, nada disto foi, tampouco, ventilado nos autos, havendo apenas notícia da remoção das ramadas que existiam sobre o referido caminho.
Daqui resulta inequívoco que os Apelantes nunca poderiam retirar quaisquer vantagens do alargamento da servidão para dimensões superiores às do caminho público.
Assim, não se mostra preenchido um dos requisitos – o das vantagens – justificativos da mudança da servidão.
Decidiu, pois, acertadamente o Tribunal a quo julgando justificada a mudança de servidão pelo alargamento do respectivo leito, para o limite máximo de 2,60 metros, medida igual à do caminho público.
Apenas se nos impõe deixar aqui uma observação quanto à pavimentação do leito da servidão, que o Tribunal a quo decidiu dever ser em cimento.
Contudo, foi pedido que a pavimentação se fizesse em “cubos de pedra” ou cimento, e nisso parece-nos insistir os Apelantes.
Ora, salvo algum motivo preponderante que se nos tenha escapado, não vislumbramos razão relevante para não deixar aos Apelantes a escolha do material com que farão a pavimentação do leito da servidão, sendo que a opção pelos cubos de granito, para além de ser a mais tradicional na região, alcançar os mesmos efeitos do cimento, será mais benéfico para o ambiente porque salvaguarda a porosidade do solo, tendo ainda a mais valia de facilitar um futuro alargamento se o mesmo vier a ter lugar (basta acrescentar mais algumas fiadas de cubos).
Do que vem de ser referido se extrai que, sem embargo de a decisão impugnada dever ser confirmada, o seu sentido sairá clarificado se se aditar aquela alternativa quanto ao pavimento, assim como o documento para o qual remete no que se refere ao seu traçado que, tendo sido corrigido no ponto de facto n.º 30, não o foi no dispositivo.
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C) DECISÃO

Considerando quanto acima se deixa exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente confirmando e mantendo a decisão impugnada.

Assim, e no que respeita ao objecto do presente recurso, julgam justificada a mudança da servidão, condenando a Apelada/Ré a autorizá-la, nos seguintes termos:

a) Alargamento do leito do caminho referido no ponto de facto n.º 13, passando a ter as medidas escritas a azul no documento de folhas 23 dos autos, com o limite de 2,60 metros de largura;
b) Pavimentação do leito do caminho acima referido em cimento ou com cubos de pedra.
Custas da apelação pelos Apelantes.
Guimarães, 17/09/2020

Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho