INQUÉRITO JUDICIAL À SOCIEDADE
DIREITO À INFORMAÇÃO
Sumário

I - O sócio ou acionista pode ter direito a ser informado independentemente dos fins a que possa destinar a informação, respeitem ou não a direitos sociais.
II - Motivo justificado para os efeitos do nº 1, do artigo 288º do Código das Sociedades Comerciais pode ser o “simples desejo de os sócios [ou acionistas] conhecerem o que vai sucedendo na “sua” sociedade (na sociedade de que fazem parte e onde, além do mais, têm interesses nada insignificantes)”.

Texto Integral

Processo nº 3647/19.8T8STS.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 3647/19.8T8STS.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
Em 13 de novembro de 2019, B…, na qualidade de acionista da C…, S.A., instaurou a presente ação especial de inquérito judicial à sociedade alegando, em síntese, que não obstante a ré apresentar consecutivamente resultados positivos desde 2005, nunca foram distribuídos dividendos, sendo os resultados sempre aplicados em reservas legais e resultados transitados; o acionista D…, membro do conselho de administração da sociedade ré, é remunerado pelo exercício desse cargo, conseguindo dessa forma que a sociedade pague dividendos pelo seu capital, sem deliberar qualquer distribuição; em outubro de 2019, a autora remeteu à ré carta solicitando a consulta no prazo de dez dias dos relatórios de gestão e documentos de prestação de contas relativos aos três últimos exercícios, incluindo os pareceres do conselho fiscal, da comissão de auditoria, do conselho geral e de supervisão ou da comissão para as matérias financeiras, bem como os relatórios do revisor oficial de contas sujeitos a publicidade, nos termos da lei, as convocatórias, as atas e as listas de presença das reuniões das assembleias gerais e especiais de acionistas e das assembleias de obrigacionistas realizadas nos últimos três anos, os montantes globais das remunerações pagas, em cada um dos três últimos anos, aos membros dos órgãos sociais, os montantes globais das quantias pagas nos últimos três anos aos dez empregados que recebam as remunerações mais elevadas e o documento de registo de ações; a sociedade ré negou à autora o acesso à informação solicitada.
A autora termina a sua petição inicial pedindo que seja determinado à demandada que preste à autora a informação pedida ao abrigo do disposto no artigo 288º do Código das Sociedades Comerciais.
Citada a ré e E…, contestaram a C…, S.A., F…, E… e D… pugnando pela total improcedência da ação e pela condenação da demandante como litigante de má-fé, em multa e indemnização de pelo menos quarenta mil euros[1], alegando, em síntese, que previamente à assembleia geral da sociedade demandada e realizada em 07 de agosto de 2019 foram facultados à demandante, na pessoa do seu mandatário e de pessoa que se identificou como revisor oficial de contas todos os documentos disponíveis em conformidade com a convocação para a assembleia geral e ainda todos os que então foram solicitados; a demandante compareceu na assembleia geral realizada em 07 de agosto de 2019 acompanhada do seu mandatário e por intermédio deste formulou vários pedidos de esclarecimento que foram respondidos, tendo a assembleia geral votado, por maioria, os dois pontos da ordem de trabalhos e com o voto contra da demandante.
A autora ofereceu articulado em que se pronunciou sobre o pedido contra si dirigido de condenação como litigante de má-fé, pugnando pela sua improcedência.
Proferiu-se despacho a designar uma tentativa de conciliação.
A conciliação entre as partes gorou-se, sendo aberta conclusão para prolação de decisão final.
Em 26 de fevereiro de 2020 foi proferida sentença[2] que julgou improcedente o pedido de inquérito judicial relativamente aos exercícios de 2016 e 2017 e procedente quanto ao exercício de 2018, devendo ser disponibilizados à demandante os documentos a que aludem as alíneas a) a e) do nº 1, do artigo 288º do Código das Sociedades Comerciais, na sede social da requerida, no prazo de dez dias.
Em 06 de março de 2020, inconformada com a sentença, B… interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
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C…, S.A. contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso.
Face à natureza estritamente jurídica do objeto do recurso e à sua relativa simplicidade, com o acordo dos restantes membros do coletivo dispensaram-se os vistos, cumprindo agora apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
A única questão a decidir é a de saber se à semelhança do decidido relativamente ao exercício de 2018, devia ter sido julgada procedente a pretensão da recorrente quanto aos exercícios de 2017 e 2016.
3. Fundamentos de facto exarados na decisão recorrida, que se mantêm por não terem sido impugnados e não se registar qualquer fundamento para a sua alteração oficiosa
3.1 Factos provados
3.1.1
A requerida é uma sociedade comercial, sob a forma de sociedade anónima, NUPC ………, com sede na Avenida …, n.º .., ….
3.1.2
A requerida sociedade foi constituída em 31.12.1986 e tem um capital social de 810.000,00€ e uma estrutura acionista de base familiar, constituída por:
- G… – 50,617%;
- E… – 22,377%;
- D… – 22,377%;
- B… – 4,630%.
3.1.3
A requerida, na pessoa do seu Presidente da Assembleia Geral e por carta registada com A/R, com a data de 4 de julho de 2019, convocou os acionistas, entre os quais a requerente, para uma Assembleia Geral.
3.1.4
Dessa convocatória consta, entre o mais, o seguinte: “Todos os elementos previstos no art.º 289.º do C.S.C., incluindo Relatório de Gestão, as contas do exercício, demais documentos de prestação de contas incluindo certificado legal das contas, parecer do conselho fiscal e relatório do mesmo estão à ordem, nos quinze dias anteriores à data da Assembleia para serem examinados na sede social.”
3.1.5
A data fixada para a Assembleia foi 07 de agosto de 2019, pelas 10H30.
3.1.6
Na ordem de trabalhos consta ainda: “Primeiro: Deliberar sobre o relatório de gestão e contas de 2018. Segundo: Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados de 2018”.
3.1.7
No dia da Assembleia compareceu a requerente acompanhada do seu Ilustre Mandatário Judicial.
3.1.8
Pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral foi aceite a presença na referida Assembleia do Ilustre Advogado e mesmo que este ditasse para a Ata o que entendesse em nome da sua constituinte.
3.1.9
Iniciada a Assembleia, desde logo a requerente, via pessoa de seu mandatário formulou vários pedidos de esclarecimento sobre várias questões (vd. questões 1 a 5 referente ao ponto primeiro[3]).
3.1.10
As questões colocadas foram respondidas pelos administradores e pelo Presidente do Conselho Fiscal e ainda pelo Revisor Oficial de contas.
3.1.11
Após discussão dos temas em questão o ponto número um da Ordem de trabalhos foi posto à votação e obtido o seguinte resultado: votaram a favor 95, 38% do capital e contra 4, 63%[4].
3.1.12
O mesmo ocorreu quanto ao ponto Segundo da Ordem de trabalhos.
3.1.13
A requerente remeteu para a requerida, em 11 de outubro de 2019, missiva com o seguinte teor:
“Exºs. Senhores:
Na qualidade de acionista da sociedade C…, SA, com o NIF ……… e com sede na Avenida …, n.º .., ….-…, …, sirvo-me da presente para solicitar a V. Exª. a consulta, no prazo de 10 dias, dos seguintes documentos, nos termos do artigo 288º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais:
a) Os relatórios de gestão e os documentos de prestação de contas previstos na lei, relativos aos três últimos exercícios, incluindo os pareceres do conselho fiscal, da comissão de auditoria, do conselho geral e de supervisão ou da comissão para as matérias financeiras, bem como os relatórios do revisor oficial de contas sujeitos a publicidade, nos termos da lei;
b) As convocatórias, as actas e as listas de presença das reuniões das assembleias gerais e especiais de accionistas e das assembleias de obrigacionistas realizadas nos últimos três anos;
c) Os montantes globais das remunerações pagas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos membros dos órgãos sociais;
d) Os montantes globais das quantias pagas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos 10 empregados da sociedade que recebam as remunerações mais
elevadas;
e) O documento de registo de acções.
A consulta da referida documentação mostra-se necessária por várias ordens de razão. Destaca-se, nesta frente, o facto de não haver memória, nos últimos 10 anos, de que tenha existido distribuição de dividendos pelos acionistas. Tal situação é causadora de algum espanto, se atendermos que a sociedade, nos últimos 11 anos, apresentou sempre resultados positivos, tendo lucros acumulados em valor superior a 2.5 milhões de euros, dos quais nem um cêntimo foi distribuído aos acionistas.
Também importa esclarecer algumas questões relacionadas com a própria administração da sociedade.
Neste âmbito, importa, em primeiro lugar, perceber os contornos da alienação de um imóvel a um dos acionistas por valor abaixo do valor de mercado. É fundamental esclarecer se tal manobra visou remunerar e privilegiar algum dos principais acionistas, em detrimento do mecanismo legal de distribuição de dividendos, que é o único que assegura tratamento igualitário entre acionistas.
Por outro lado, o ano de 2018 foi marcado pela apresentação, pela primeira vez em longos anos, de resultados negativos. Isto quando o referido ano foi dos melhores em termos de desempenho recente da economia portuguesa.
Impõe-se, por isso, perceber a que se deve essa preocupante novidade nos resultados apresentados.”
3.1.14
A requerida, por carta de 17 de outubro de 2019, respondeu nos seguintes termos:
“Exma. Sra.:
1 – Acusamos receção de v/ carta com a data supra e pela qual nos são solicitados vários elementos, como relatórios de gestão dos últimos 3 anos, convocatórias e listas de presença, montantes globais das remunerações pagas aos administradores, montante das remunerações pagas a cada trabalhador nos últimos três anos e aos 10 empregados que recebam remuneração mais elevada e finalmente documentos do registo das ações.
2- Em resposta:
2.1 – Antes de tudo a v/ carta é anómala, pois aos sete de Agosto de 2019 foi realizada Assembleia Geral desta sociedade e na qual V. Excia esteve presente e interveio para solicitar todos os elementos que teve por bem. Todos os elementos solicitados lhe foram facultados.
2.2 – Se V. Excia não concordou com o aí deliberado, devia e podia ter interposto recurso judicial.
3.1.15
A requerente interveio e participou em todas as Assembleias Gerais relativas aos exercícios de 2016 e 2017, realizadas em 30.05.2017 e 29.05.2018, respetivamente, tendo a requerente votado a favor dos relatórios de gestão e as contas de exercício de 2016 e 2017, aprovado a proposta de aplicação de resultados apresentada pelo Conselho de Administração e dado um voto de confiança e de louvor ao conselho de Administração e Conselho Fiscal da sociedade pela forma como têm desempenhado[5] as suas funções.
4. Fundamentos de direito
À semelhança do decidido relativamente ao exercício de 2018, devia ter sido julgada procedente a pretensão da recorrente quanto aos exercícios de 2017 e 2016?
A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida na parte em que julgou improcedente a sua pretensão. Para tanto, refere que a “a ausência de distribuição de dividendos aos accionistas há largos anos, conjugada com o aparecimento de indícios fortes da existência de um esquema de remuneração alternativo de acionistas, como a alienação de imóveis a acionistas abaixo do valor de mercado”, levou a que a recorrente começasse “a questionar a idoneidade da administração quando foi confrontada com indícios fortes da existência de irregularidades na gestão e de tratamento discriminatório de accionistas na distribuição de lucros empresariais” sendo por isso errado “punir” a aprovação de contas e o voto de louvor nas AG de 2017 e 2018 com a negação do acesso à informação relativa aos exercícios de 2016 e 2017, e não existe nenhuma incongruência entre o voto expresso pela recorrente nesses anos e os pedidos formulados agora”.
Na decisão recorrida, para fundamentar a improcedência da pretensão da recorrente relativamente aos exercícios de 2017 e 2016 escreveu-se o seguinte:
No caso em apreço, atentos os factos provados, há que distinguir os exercícios em causa.
Com efeito, considerando o facto provado 15. (a requerente interveio em todas as Assembleia Gerais relativas aos exercícios de 2017 e 2016, nas Assembleias Gerais realizadas em 30.05.2017 e 29.05.2018, respetivamente, tendo a requerente votado a favor sobre os relatórios de gestão e as contas de exercício de 2016 e 2017, aprovar a proposta de aplicação de resultados apresentada pelo Conselho de Administração e dar um voto de confiança e de louvor ao conselho de Administração e Conselho Fiscal da sociedade pela forma como tem desemprenhado as duas funções), tendo a ação dado entrada em 13.11.2019, decorrido tal lapso temporal, não faz sentido conceder tal direito. Na verdade, tendo a requerente tido liberdade de acesso à documentação requerida com a presente ação referente aos exercícios de 2016 e 2017 (constata-se que na petição inicial o contrário não é sequer alegado) e tendo votado a favor sobre os relatórios de gestão e as contas de exercício de 2016 e 2017 e sobre a proposta de aplicação de resultados apresentada pelo Conselho de Administração e dar um voto de confiança e de louvor ao conselho de Administração e Conselho Fiscal da sociedade pela forma como tem desemprenhado as duas funções, não existem motivos sérios, razoáveis ou justificáveis para conceder tal documentação, devendo, nesta parte, o pedido improceder.
Quanto ao exercício de 2018, e considerando que pela primeira vez em longos anos a sociedade requerida apresenta prejuízos, pese embora a alegação da requerida que a requerente teve possibilidade de consultar os documentos que pretendia, face ao que foi dado como provado nos factos 13. e 14. o pedido terá de proceder.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 21º, nº 1, alínea c) do Código das Sociedades Comerciais, todo o sócio tem direito a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato.
De acordo com o disposto no nº 1, do artigo 288º do Código das Sociedades Comerciais, sugestivamente epigrafado como “Direito mínimo à informação” e inserido na regulamentação própria das sociedades anónimas, “[q]ualquer accionista que possua ações correspondentes a, pelo menos, 1% do capital social pode consultar, desde que alegue motivo justificado, na sede da sociedade:
a) Os relatórios de gestão e os documentos de prestação de contas previstos na lei, relativos aos três últimos exercícios, incluindo os pareceres do conselho fiscal, da comissão de auditoria, do conselho geral e de supervisão ou da comissão para as matérias financeiras, bem como os relatórios do revisor oficial de contas sujeitos a publicidade, nos termos da lei;
b) As convocatórias, as atas e as listas de presença das reuniões das assembleias gerais e especiais de acionistas e das assembleias de obrigacionistas realizadas nos últimos três anos;
c) Os montantes globais das remunerações pagas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos membros dos órgãos sociais;
d) Os montantes globais das quantias pagas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos 10 ou aos 5 empregados da sociedade que recebam as remunerações mais elevadas, consoante os efeitos do pessoal excedam ou não o número de 200;
e) O documento de registo de ações.”
O nº 1, do artigo 292º do Código das Sociedades Comerciais prescreve que o “acionista a quem tenha sido recusada informação pedida ao abrigo dos artigos 288º e 291º ou que tenha recebido informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa pode requerer ao tribunal inquérito à sociedade.”
O Professor Jorge Manuel Coutinho de Abreu[6], sustenta que o sócio ou acionista tem direito a ser informado independentemente dos fins a que possa destinar a informação, e respeitem ou não a direitos sociais e que, além disso, “motivo justificado” para os efeitos do nº 1, do artigo 288º do Código das Sociedades Comerciais pode ser o “simples desejo de os sócios [ou acionistas] conhecerem o que vai sucedendo na “sua” sociedade (na sociedade de que fazem parte e onde, além do mais, têm interesses nada insignificantes)”[7].
Na decisão recorrida afirma-se que “considerando o facto provado 15. (a requerente interveio em todas as Assembleia Gerais relativas aos exercícios de 2017 e 2016, nas Assembleias Gerais realizadas em 30.05.2017 e 29.05.2018, respetivamente, tendo a requerente votado a favor sobre os relatórios de gestão e as contas de exercício de 2016 e 2017, aprovar a proposta de aplicação de resultados apresentada pelo Conselho de Administração e dar um voto de confiança e de louvor ao conselho de Administração e Conselho Fiscal da sociedade pela forma como tem desemprenhado as duas funções), tendo a ação dado entrada em 13.11.2019, decorrido tal lapso temporal, não faz sentido conceder tal direito. Na verdade, tendo a requerente tido liberdade de acesso à documentação requerida com a presente ação referente aos exercícios de 2016 e 2017 (constata-se que na petição inicial o contrário não é sequer alegado) e tendo votado a favor sobre os relatórios de gestão e as contas de exercício de 2016 e 2017 e sobre a proposta de aplicação de resultados apresentada pelo Conselho de Administração e dar um voto de confiança e de louvor ao conselho de Administração e Conselho Fiscal da sociedade pela forma como tem desemprenhado as duas funções, não existem motivos sérios, razoáveis ou justificáveis para conceder tal documentação, devendo, nesta parte, o pedido improceder.
Será assim?
Não o cremos, ao menos seguramente em toda a extensão do afirmado pelo tribunal recorrido.
De facto, a documentação que está acessível ao acionista a título preparatório da assembleia geral (artigo 289º, nº 1, alínea e), do Código das Sociedades Comerciais) é mais restrita do que a integra o direito à informação mínima, tal como previsto no artigo 288º, nº 1, do mesmo código, apenas havendo coincidência no que respeita à que está prevista na alínea a), do nº 1, do artigo 288º do Código das Sociedades Comerciais.
De todo o modo, não obstante esta coincidência na acessibilidade da aludida documentação e a posição adotada pela recorrente nas assembleias gerais realizadas em 2017 e 2018, face às questões que formulou na assembleia geral realizada em 2019 e às respostas que então lhe foram dadas[8], é compreensível que pretenda de novo examinar toda essa documentação, com uma perspetiva crítica diferente.
A nosso ver, não obstante a recorrente ter votado favoravelmente os relatórios de gestão e as contas de exercício de 2016 e 2017, aprovado a proposta de aplicação de resultados apresentada pelo Conselho de Administração e dado um voto de confiança e de louvor ao conselho de Administração e Conselho Fiscal da sociedade pela forma como têm desempenhado as suas funções, nesses anos, isso não a inibe de à luz de novos factos pretender reexaminar alguma documentação que lhe esteve acessível e bem assim toda a restante documentação agora pretendida a fim de ter um retrato mais completo da sociedade ré e da sua evolução financeira ao longo dos anos e aquilatar da existência ou não de irregularidades que a prejudicam, como suspeita.
Neste enquadramento, entende-se existir motivo justificado para a recorrente exigir da recorrida ré que lhe seja facultada para consulta, na sede da sociedade ré toda a documentação mencionada no nº 1, do artigo 288º do Código das Sociedades Comerciais.
Pelo exposto, conclui-se pela procedência da apelação, respondendo a recorrida pelas custas do recurso e bem assim pela integralidade das custas da ação, pois que decaiu integralmente (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo.
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar procedente o recurso de apelação interposto por B… e, em consequência, em revogar a decisão recorrida proferida em 26 de fevereiro de 2020, no segmento impugnado e, por via disso, condenar a C…, S.A. a facultar à recorrente, no prazo de dez dias, os documentos a que aludem as alíneas a) a e) do nº 1, do artigo 288º do Código das Sociedades Comerciais, relativamente aos anos de 2016 e 2017, na sede social da ré.
Custas da ação e do recurso a cargo da ré, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
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O presente acórdão compõe-se de doze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 14 de julho de 2020
Carlos Gil
Carlos Querido
Mendes Coelho
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[1] No corpo da petição é pedida indemnização a título de litigância de má-fé no valor de cem mil euros.
[2] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 27 de fevereiro de 2020.
[3] As questões colocadas foram as seguintes: 1ª – “pretendia ver esclarecido o valor na conta de Fornecimento e Serviços Externos de 423.738,64€, onde se destaca o valor de eletricidade de 340.991,59€ a que se deve e que benefícios económicos é que temos com estes gastos”; 2ª – “o porquê da rubrica de outros gastos ter uma menos-valia da venda do edifício no valor de 231.069,73€, uma vez que o mercado está em alta e porquê das contas não especificarem o tipo de imóvel e porque teve esta menos-valia tão grande”; 3ª – “pretende ver esclarecida a conta Propriedades de Investimento, o que incorpora, que tipo de bens e qual o justo valor destes bens, uma vez que as contas não referem e na sua opinião deviam referir e ainda que benefícios económicos cada bem gera para a empresa”; 4ª – “o que é que está na conta de acionistas no anexo às contas, uma vez que não especifica o que é, pretende saber se são suprimentos dos sócios ou se são outros movimentos, no caso de serem suprimentos, porque é que não estão na conta 253”; 5ª – “na rubrica outros investimentos financeiros, onde está contabilizada a participação financeira da H…, com o valor de aquisição de 200.000,00€ e porque não foi realizada qualquer imparidade deste ativo, pretende saber qual a hipótese de recuperar este valor, se é que existe.” As respostas a estas questões foram as seguintes: “O Dr. I… tomou a palavra e para prestar os seguintes estabelecimentos [sic]: - Questão número 1: que o montante despendido com a eletricidade é redebitado a um dos inquilinos. Assim, resulta evidente que a sociedade tem um gasto e um proveito sensivelmente iguais. De seguida tomou a palavra o Dr. J… e em complemento do esclarecimento prestado pelo Dr. I… disse: o custo de eletricidade pago pela L… foi de 340.991,59€ tendo, no entanto, debitado aos seus inquilinos (clientes) a quantia de 318.894,84€, sendo assim, o custo próprio para a sociedade de aproximadamente de 22.000,00€. Quanto à questão nº 2 pelo Dr. J… foi tomada a palavra e no uso dela disse: que o bem alienado ocorreu dentro de uma operação de Dação em Pagamento. O valor fixado é igual ao Valor Patrimonial Tributário e só por essa razão foi fixado o mesmo. De seguida, tomou a palavra o acionista D… e no uso dela disse: que a alienação do referido imóvel (armazém) foi deliberado por todos os accionistas, mormente pela Drª B… e que é conhecedora do negócio. Relativamente à questão nº 3, pelo Dr. I… foi pedida a palavra e no uso dela disse: o conceito de Propriedades de Investimento equivale aos prédios dados em arrendamento. O benefício desses imóveis são necessariamente as rendas que estão contabilizadas. Quanto ao valor dos imóveis, os mesmos estão registados pelo seu custo histórico e cumprindo assim as Normas Contabilísticas em vigor. Acrescentou ainda que uma das referências para o valor de mercado é o Valor Patrimonial Tributário. Quanto ao ponto nº 4 foi pedida a palavra pelo Dr. I… e no uso dela disse: confirma que o valor registado na conta de acionistas é suprimentos, sendo irrelevante estarem contabilizados na conta 253 ou na 268 ou outra. Quanto ao ponto nº 5, foi pedida a palavra pelo Dr. I… e no uso dela disse: o activo financeiro sobre a H…, S.A. é de duvidosa cobrança. Pediu a palavra o Dr. J… e disse: o valor em causa existe desde 2007/2008. Nunca foi contabilizada qualquer imparidade sobre esse ativo porquanto se desconhecia o valor das sociedades que estavam subjacentes ao universo da sociedade H…, S.A., Entretanto, esta sociedade foi dissolvida sendo que se iniciou o processo de liquidação em 2016 e que deve estar terminado em 2019. Liquidada a sociedade será possível definir e quantificar o valor a ser tratado como perda e com os efeitos fiscais inerentes.”
[4] Registe-se a estranheza do total do capital votante totalizar 100,01%, o que certamente deriva de arredondamentos por excesso.
[5] E não “desemprenhado” como certamente por lapso consta dos fundamentos de facto da sentença recorrida.
[6] Veja-se Curso de Direito Comercial, Volume II, 2013 – 4ª Edição, Almedina, página 256.
[7] Citação extraída da obra citada na nota antecedente, página 261.
[8] Não se entende por que razão um imóvel alegadamente objeto de dação em cumprimento foi avaliado pelo valor patrimonial tributário, valor que raramente corresponde ao valor de mercado, desconhecendo-se que com esta dação se extinguiu um crédito de suprimentos de igual montante o que, a ter sucedido, não deixa de ser uma notável coincidência. Também não se entende que havendo contabilisticamente uma conta própria para suprimentos (253), se sustente que estes possam ser registados numa conta que tem caráter residual, como é a 268.