RECURSO DE REVISÃO
ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
EXAME HEMATOLÓGICO EXCLUDENTE DA PATERNIDADE
Sumário

É fundamento de recurso extraordinário de revisão do acórdão da Relação que confirmou a decisão da primeira instância numa acção de investigação de paternidade, o exame hematológico que exclui a paternidade do recorrente em relação à recorrida [cfr. artigo 696.º, nº 1 al. c) do CPCivil]

Texto Integral

Proc. n.º 328/19.6YRPRT – 3ª Secção (Recurso de Revisão)
Rel. Deolinda Varão (1278)
Adj. Des. Freitas Vieira
Adj. Des. Madeira Pinto

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B…, residente em …, n.º ., ….-… Ponte de Lima,
interpôs recurso extraordinário de revisão contra
C…, residente na Rua …, n.º .., r/c esq.º, ….-… Arcos de Valdevez.
Como fundamento, alegou, em síntese:
- Por sentença de 31.07.70, proferida na acção de investigação de paternidade ilegítima instaurada pelo Ministério Público contra o ora recorrente, no Tribunal Judicial de Ponte de Lima, 1ª Secção, foi declarado que a ora recorrida era filha ilegítima do requerente;
- Aquela sentença foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19.03.71, transitado em julgado, proferido nos autos de apelação n.º 10590/1970, da 2ª Secção;
- Em 12.11.18, o recorrente e a recorrida requisitaram ao Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, IP - Delegação do Norte, Serviço de Genética e Biologia Forenses, Relatório Pericial de Investigação de Parentesco Biológico, no qual se conclui que, de acordo com os resultados obtidos, o recorrente é excluído da paternidade da requerida.
A recorrida não respondeu.
Entendendo-se que não havia diligências a efectuar, por a prova produzida nos autos ser exclusivamente documental, ordenou-se a notificação das partes para alegarem por escrito.
Alegou apenas o recorrente, reiterando a petição inicial.
Não há nulidades, excepções ou questões de que cumpra conhecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II.
Com interesse para a decisão do recurso, estão provados os seguintes factos:
1. A recorrida C… nasceu a 06.06.69 e está registada como filha do recorrente B… e de D…, no Assento de Nascimento n.º …../2008, da Conservatória do Registo Civil de Arcos de Valdevez (resultante da informatização do Assento n.º …/1969). (fls. 19 e 20)
2. Por sentença de 31.07.70, proferida na acção de investigação de paternidade ilegítima instaurada pelo Ministério Público contra o ora recorrente, no Tribunal Judicial de Ponte de Lima, foi declarado que a ora recorrida era filha ilegítima do requerente. (fls. 8 e seguintes)
3. Naquela sentença, foram considerados provados os seguintes factos:
O réu iniciou namoro com a mãe da autora em data imprecisa do ano de 1966 tendo sido visto em público com ela, nomeadamente à porta da casa desta. ---No decurso do namoro o réu começou a beijar e a abraçar a mãe da autora e com ela manteve relações sexuais em data imprecisa de 1967 e, depois disso, muitas outras vezes. ---Após ter a mãe da autora regressado a Arcos de Valdevez em 6 de Agosto de 1968, foi o réu visto em atitude de namoro com ela, à porta de casa, até altas horas da noite, estando os dois ora apeados, ora dentro do carro do réu, e neste veículo foram mesmo vistos sair com um destino ignorado. ---Por volta do dia 15 de Agosto de 1968, de noite, num sítio escondido da quinta E…, sita em Arcos de Valdevez (…), foi o réu visto a manter relações sexuais com a mãe da autora e relações do mesmo género manteve com ela, por diversas vezes, ainda durante esse mês. ---As pessoas da freguesia … consideram a autora como fruto das relações sexuais havidas entra a mãe daquela e o réu. ---A mãe da autora manteve-se fiel ao réu, não tendo mantido relações sexuais com qualquer outro homem, nomeadamente nos primeiros 120 dias dos 300 que antecederam o nascimento da autora.”. (fls. 8 e seguintes)
4. A referida sentença foi confirmada por acórdão deste Tribunal de 19.03.71, transitado em julgado, proferido nos autos de apelação n.º 10590/1970, da 2ª Secção. (fls. 8 e seguintes)
5. Em 12.11.18, o recorrente e a recorrida requisitaram ao Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, IP - Delegação do Norte, Serviço de Genética e Biologia Forenses um exame pericial para investigação de parentesco biológico. (fls. 17 a 19)
6. No relatório daquele exame pericial, datado de 18.01.19, foram formuladas as seguintes conclusões:
ADN AUTOSSÓMICO:
- B… apresenta incompatibilidades relativamente a C…, nos poliformismos de ADN: D3S1358, D16S539, CSF1PO, TPOX, D8S1179, D2S11, D19S433, FGA, D22S1045, D13S317, SE33, D1S1656, D12S392, PentaE, PentaD.
- De acordo com os resultados obtidos, B… é excluído da paternidade de C…”. (fls. 17 v.º)
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III.
O recurso de revisão previsto nos artigos 696.º e seguintes do CPC é sempre interposto de uma decisão transitada em julgado, conforme se diz expressamente no citado artigo 696.º, e pode ter como fundamento qualquer um dos enunciados nas suas als. a) a g).
Um desses fundamentos é a apresentação de documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever, e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida (al. c).

No caso, o acórdão a rever confirmou a sentença da 1ª Instância que declarou que o ora recorrida é filha do ora recorrente.
Essa decisão foi tomada com fundamento na prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, sendo que, à data (1970), não eram ainda realizados os exames hematológicos para investigação de parentesco biológico.
Por isso, o relatório do exame hematológico, requerido pelas partes em 12.11.18 e elaborado em 18.01.19, constitui um documento de que as partes não puderam fazer uso na acção em que foi proferido o acórdão a rever, pelo que pode servir de fundamento à revisão desse acórdão, nos termos que estão previstos na citada al. c) do artigo 696.º do CPC.
Esse relatório, ao concluir pela exclusão da paternidade biológica do ora recorrente relativamente à ora recorrida, é, só por si, suficiente para infirmar o seguinte facto, que foi considerado provado na acção de investigação de paternidade: “---A mãe da autora manteve-se fiel ao réu, não tendo mantido relações sexuais com qualquer outro homem, nomeadamente nos primeiros 120 dias dos 300 que antecederam o nascimento da autora.”.
Esse facto terá, pois, de ser excluído do acervo da factualidade que foi considerada provada na sentença que veio a ser confirmada pelo acórdão a rever.
Atente-se em que o relatório do exame hematológico não infirma a demais factualidade que está provada, designadamente, que o ora recorrente manteve relações sexuais com a mãe da ora recorrida no período de 6 a 15 de Agosto de 1966 (no período legal de concepção), mas tal é irrelevante porque as conclusões do exame hematológico excluíram a paternidade biológica do ora recorrente em relação à ora recorrida.
Aquelas conclusões, plasmadas na factualidade ora considerada provada, têm, assim, a virtualidade de ilidir a presunção de paternidade estabelecida na al. e) do n.º 1 do artigo 1871.º do CC, conforme resulta do n.º 2 do mesmo preceito.
O que tem como consequência a revogação da sentença de 31.07.70, proferida na acção de investigação de paternidade ilegítima que correu termos no Tribunal Judicial de Ponte de Lima, 1ª Secção.
Face a tal, o registo da paternidade do ora recorrente que consta do Assento de Nascimento da ora recorrida, n.º ….. do ano de 2008, da Conservatória do Registo Civil de Arcos de Valdevez, deve ser cancelado (artigo 91.º, n.º 1, al. b) do CRC).
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IV.
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente o presente recurso extraordinário de revisão e, revendo o acórdão de 19.03.71, transitado em julgado, proferido nos autos de Apelação n.º 10590/1970, da 2ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto:
- Julga-se procedente a apelação e, em consequência:
A) Revoga-se a sentença recorrida de 31.07.70, proferida pelo Tribunal Judicial de Ponte de Lima, 1ª Secção, que havia declarado ser a ora recorrida C… filha ilegítima do ora recorrente B…;
B) Ordena-se o cancelamento do registo da paternidade do ora recorrente feito no Assento de Nascimento da ora recorrida, n.º ….. do ano de 2008, da Conservatória do Registo Civil de Arcos de Valdevez.
Custas pela recorrida.
Após trânsito em julgado, comunique à Conservatória do Registo Civil de Arcos de Valdevez.
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Porto, 02 de Julho de 2020
Deolinda Varão
Freitas Vieira
Tem voto de conformidade do Sr. Des. Madeira Pinto
(artigo 15.º-A do DL 20/20, de 01.05)