QUESTÃO NOVA
Sumário

I - Verificando-se que a autora na acção não suscitou a questão de saber se o seu contrato de trabalho foi reduzido a escrito, ou não, nem se tal era exigível face ao disposto no art.º 153.º do CT, nem tão pouco quais os efeitos decorrentes da eventual inobservância da forma legal, ao colocá-la agora no recurso está a introduzir uma questão de facto e de direito que não foi submetida à apreciação da 1.ª instância, ou seja, estamos perante uma questão nova, por essa razão não podendo este tribunal de recurso dela conhecer.
II - Os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu”.

Texto Integral

APELAÇÃO n.º 1337/19.0T8MTS.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I.RELATÓRIO
I.1 B… instaurou a presente acção declarativa com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra C…, S.A. – Sucursal em Portugal, pedindo que julgada a acção procedente seja esta Ré condenada «(..) no pagamento dos montantes devidos a título de trabalho suplementar, trabalho noturno e em dias de descanso semanal obrigatório e complementar e, bem assim, na falta de atualização da retribuição de acordo com o salário mínimo nacional, no valor de 14 199,69 (..), acrescido de juros de mora contabilizados desde o vencimento da obrigação de pagamento até efetivo e integral cumprimento».
Alegou, no essencial, que foi admitida ao serviço da ré em Dezembro de 2014, desempenhando as funções de Trabalhadora de limpeza, auferindo actualmente a retribuição-base mensal de € 489,90. A sua retribuição é inferior à retribuição mínima prevista pela CCT aplicável para a sua categoria profissional, que correspondendo o seu horário a 40h semanais, a 8h diárias das 15h às 23h, com duas folgas rotativas, tendo trabalhado para além daquele horário a ré não lhe pagou a retribuição devida a título de trabalho suplementar seja em dia de serviço, seja em dia feriado, seja em dia de descanso semanal, nem lhe pagou o acréscimo relativo ao trabalho nocturno. Mais alega que o subsídio de alimentação sempre lhe foi pago à míngua, à razão de € 4,27 por dia de trabalho em vez dos impostos € 5,50.
Frustrada a conciliação, a ré apresentou contestação na qual alegou que a autora trabalhava a tempo parcial, tendo um horário semanal médio de 36,75 horas, já que, por um lado só trabalhava 7 horas por dia (das 15h às 23h com 1h de intervalo) e por outro trabalhava, até fevereiro de 2017, no regime de 6 seis de trabalho seguidos de dois dias de descanso, passando a partir de Fevereiro de 2017 em diante a ter um horário semanal médio de 32,66horas já que trabalhava as mesmas 7 horas, mas distribuídas por quatro dias, seguidos de dois dias de folga, pelo que não se verifica, nem verificou qualquer diferença relativa à retribuição mínima, tendo sempre pago á autora a retribuição correspondente às horas trabalhadas.
Mais alega que nada deve à autora a título de trabalho suplementar ou a qualquer outro tipo já que sempre pagou o trabalho nocturno, incluindo nos subsídios de férias e de Natal e que todo o trabalho suplementar prestado pela autora é o que consta das folhas de ponto que juntou com a contestação, tendo o mesmo sido pago.
A autora foi convidada a aperfeiçoar a petição inicial, designadamente a alegar de forma discriminada quais as condições em que prestou o trabalho cujo pagamento reclama como suplementar, quais os dias e horário.
Respondeu ao convite tendo apresentado nova petição inicial.
A R. nada veio acrescentar ao que já alegara na contestação.
Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi fixado o valor da acção em € 14.199,69. Foi dispensada a organização da matéria de facto com vista à prova em julgamento.
Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo, no decurso do qual a autora reduziu o pedido na parte respeitante ao trabalho suplementar do ano de 2018.
I.2 Subsequentemente, o Tribunal a quo proferiu sentença que concluiu com o dispositivo seguinte:
Por todo o exposto julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência decido:
I – condenar a ré a pagar à autora:
a) a quantia de € 47,29 (quarenta e sete euros e vinte e nove cêntimos) a título de diferenças de retribuição base, acrescida de juros de mora, à taxa legal, sobre cada uma das parcelas fixadas supra, desde o último dia do mês a que cada uma respeita, até integral pagamento;
b) a quantia de € 16,85 (dezasseis euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de diferenças de subsídio de alimentação, acrescida de juros de mora, à taxa legal, sobre cada uma das parcelas fixadas supra, desde o último dia do mês a que cada uma respeita, até integral pagamento;
c) a quantia de € 35,45 (trinta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos) a título de diferenças relativas á remuneração de trabalho nocturno, acrescida de juros de mora, à taxa legal, sobre cada uma das parcelas fixadas supra, desde o último dia do mês a que cada uma respeita, até integral pagamento;
d) a quantia de € 579,14 (quinhentos e setenta e nove euros e catorze cêntimos) a título de diferenças na remuneração de trabalho suplementar, acrescida de juros de mora, à taxa legal, sobre cada uma das parcelas fixadas supra, desde o último dia do mês a que cada uma respeita, até integral pagamento.
II – absolver a ré da parte restante do pedido.

*
Custas pela autora e pela ré na proporção do respectivo decaimento (art. 527º do Código de Processo do Trabalho), sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga a autora.
(..)».
I.3 Inconformada com esta sentença, a Autora interpôs recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram encerradas com as conclusões seguintes:
1. A A., ora Recorrente, desempenhou as suas funções de empregada de limpeza, sob as ordens e fiscalização da R., no D…;
2. A A. celebrou o seu contrato de trabalho com uma outra entidade patronal que transmitiu a sua posição à R..
3. A A. sempre teve horário de trabalho compreendido entre as 15h e as 23h;
4. Aquando da transmissão, em 2014, a A. (por força de um desmentimento entre a R. e um outro trabalhador) passou a trabalhar também no horário entre as 23h e as 24h;
5. Desde aquela data, a A. passou a trabalhar 40h por semana;
6. O contrato de trabalho a tempo parcial – que a R. alega e que foi, na douta sentença da qual se recorre, tido em conta – não foi reduzido a escrito, nem pela anterior entidade patronal nem pela R.;
7. Dispõe o artigo 153.º do Código do Trabalho que o contrato de trabalho a tempo parcial está sujeito a forma escrita e deve conter (...) a indicação do período normal de trabalho diário e semanal, com referência comparativa a trabalho a tempo completo;
8. Prosseguindo o n.º 3 daquele preceito que quando não tenha sido observada a forma escrita, considera-se o contrato celebrado a tempo completo;
9. Isto é, o desrespeito da forma escrita, constitui formalidade ad substantiam deste tipo contratual, cuja inobservância determina a invalidade do contrato (a tempo parcial) celebrado, o qual passa a subsistir a tempo completo (n.º 5);
10. Por tal, deve-se reconhecer a falta de forma escrita do contrato e, por consequência, considerar-se que a A. tinha um contrato de trabalho a tempo completo, condenando-se a R. a pagar àquela as diferenças de retribuição e subsídio de alimentação impetradas.
Conclui pedindo a procedência do recurso, sendo a apelada condenada na totalidade do pedido.
I.4 A Recorrida não apresentou contra alegações.
I.5 O Ministério Público junto desta Relação teve visto nos autos, nos termos do art.º 87.º3, do CPT, tendo-se pronunciado no sentido da improcedência do recurso, por não dever ser aprecia a questão suscitada pela recorrente, por constituir questão nova. Esse parecer, sustenta-se, no essencial, na consideração do seguinte:
-«Alega agora a Recorrente, que o contrato de trabalho a tempo parcial não foi reduzido a escrito, pelo que nos termos do disposto no nº 3 do artº 153º do CT, considera-se celebrado a tempo completo.
Desconhece-se se foi observada a forma escrita.
Não sendo tal matéria suscitada pelas partes nos articulados, trata-se de uma questão nova.
Pois, nunca a recorrente suscitou, perante o tribunal de 1.ª Instância, qualquer questão relacionada com a celebração de um contrato de trabalho a tempo parcial, a falta observância da forma escrita e a cominação de ser considerado a tempo completo pela falta de observância daquela formalidade, nos termos do nº 3 do artº 153º do CT».
I.6. Cumpriram-se os vistos legais e foi determinado que o processo fosse submetido à conferência para julgamento.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso, a questão colocada para apreciação pela recorrente consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento, devendo “reconhecer[-se] a falta de forma escrita do contrato e, por consequência, considerar-se que a A. tinha um contrato de trabalho a tempo completo, condenando-se a R. a pagar àquela as diferenças de retribuição e subsídio de alimentação impetradas”.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
Não havendo lugar a qualquer alteração à matéria de facto fixada pela 1.ª instância, nos termos do n.º 6, do art.º 663.º do CPC, remetemos para a decisão da 1.ª instância que decidiu sobre essa matéria, assim não se procedendo à sua transcrição.
II.2 IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
Nas alegações de recurso, sob o título “II - DA FACTUALIDADE PROVADA QUE SE IMPUGNA”, a recorrente depois enuncia o seguinte:
4) A autora trabalhava das 15h às 23h com 1 hora de intervalo de descanso diário;
5) De Fevereiro de 2015 até Janeiro de 2017 a autora trabalhava, em regime de folgas rotativas, trabalhando 6 dias, seguidos de dois dias de descanso, em escalas organizadas para períodos de 8 semanas, correspondente a um período de trabalho semanal medio de 36,75 horas.
6) A partir de Fevereiro de 2017, mantendo-se as folgas rotativas, a autora passou a trabalhar 4 dias, seguidos de dois dias de descanso, em escalas organizadas para períodos de 6 semanas, correspondente, a partir de Abril de 2017 a um período de trabalho semanal 32,66 horas.
7) No mês de Fevereiro de 2017, por acordo escrito entre a autora e a ré aquela passou a cumprir o horário das 7h às 9h30 e das 15h às 23h, com 1 hora de intervalo de descanso, em quatro dias, seguido de 2 dias de folgas rotativas.
9) A partir de Maio de 2017, por acordo escrito entre a autora e a R. aquela passou a cumprir o horário das 15h às 23h, com 1 hora de intervalo de descanso, em quatro dias, seguidos de dois dias de folgas rotativas.
Imediatamente a seguir surge o título “III - DA FACTUALDIADE DEMONSTRADA NOS AUTOS, MAS NÃO CONSIDERADA POR PROVADA”, dizendo a recorrente que “(..) olvidou a douta sentença – com o devido respeito – que a A. e R. (ainda que esta última não tenha contratado diretamente a A., a verdade que a manteve nas mesmas condições) não celebraram contrato de trabalho por escrito”, para depois concluir dizendo que “tendo em conta que tal facto se reveste essencial para uma escorreita aplicação do direito, deveria ter a douta sentença considerado matéria facto provada o seguinte: O contrato de trabalho não foi reduzido a escrito».
Do exposto retira-se que nas alegações a recorrente anuncia o propósito de impugnar a decisão sobre a matéria de facto.
Porém, adianta-se já, a impugnação não pode ser apreciada, dado que não foram manifestamente cumpridos os ónus de impugnação impostos pelo art.º 640.º CPC. Senão vejamos.
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222].
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
É também entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do STJ, que o recorrente não cumpre o ónus de especificação imposto no art.º 640º, nº 1, al b), do CPC, quando procede a uma mera indicação genérica da prova que, na sua perspetiva, justifica uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal de 1.ª Instância, em relação a um conjunto de factos, sem especificar quais as provas produzidas quanto a cada um dos factos que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, fazendo a apreciação crítica das mesmas. Nesse sentido, acompanhando o entendimento afirmado nos acórdãos do STJ de 20-12-2017 e 5-09-2018 [respectivamente, nos processos n.ºs 299/13.2TTVRL.C1.S2 e 15787/15.8T8PRT.P1.S2, disponíveis em www.dgsi.pt], no mais recente acórdão de 20-02-2019, daquela mesma instância [proc.º 1338/15.8T8PNF.P1.S2, Conselheiro Chambel Mourisco, disponível em www.dgsi.pt], consignou-se no respectivo sumário o seguinte:
- I. O artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos.
A este propósito, Abrantes Geraldes, após observar que a possibilidade de alteração da matéria de facto deixou de ter carácter excepcional, acabando “por ser assumida como uma função normal do Tribunal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra”, logo prossegue advertindo que “Nesta operação foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente“ [Op. cit., p. 123/124].
Acresce dizer, que conforme o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, quando o recorrente não cumpra o ónus imposto no art.º 640.º do Código de Processo Civil não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento, que está reservado para os recursos da matéria de direito [Cfr. acórdãos de 7-7-2016, processo n.º 220/13.8TTBCL.G1.S1, Conselheiro Gonçalves Rocha; e, de 27-10-2016, processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; (ambos disponíveis em www.dgsi.pt)].
Retomando o caso, no que concerne às conclusões verifica-se que a recorrente não faz qualquer alusão à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não cumprindo de todo com o que se entende minimamente exigível. Dito de outro modo, não há sequer a menção desse propósito e, muito menos, a indicação dos factos que se pretende impugnar e das respostas alternativas.
Por conseguinte, só por si, essa omissão é determinante da rejeição da apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Mas para além disso, o mesmo é de dizer quanto aos demais ónus de impugnação, verificando-se que a recorrente, no curto percurso que faz a este propósito, pese embora ter referido que impugna aquele conjunto de factos provados acima enunciados, depois não indica respostas alternativas para os mesmos, limitando-se a dizer, em termos genéricos “Deve assim ser considerado como provado, ao contrário da matéria fáctica que aqui se impugna, o sequente: O contrato de trabalho celebrado entre A. e R. é um contrato de trabalho por tempo completo”.
Acresce, que tão pouco há uma indicação dos meios de prova de acordo com o minimamente exigível. A recorrente, reportando-se “E…, testemunha nos autos”, diz que a própria testemunha o facto de a autora ter passado a trabalhar das 15h às 00h”, perfazendo “ as 40 horas semanais de um contrato de trabalho a tempo completo, seja nos momentos em que trabalhou 6 dias seguidos com duas folgas, seja no momento em que trabalhava 4 dias, seguidos de dois dias de descanso, em escalas organizadas para períodos de 6 semanas”, mas não indica em que ponto da gravação do testemunho se encontra declaração nesse sentido.
Por conseguinte, impõe-se rejeitar o conhecimento do recurso nesta parte, desde logo em razão das conclusões não cumprirem com as indicações que se entende como minimamente exigíveis, nomeadamente, não manifestando o propósito de impugnação da matéria de facto nem indicando os factos impugnados e a resposta alternativa, ou seja, o necessário para cumprirem o propósito de delimitarem o objecto do recurso.
II.3 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
Entende a recorrente que o Tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos, devendo “reconhecer[-se] a falta de forma escrita do contrato e, por consequência, considerar-se que a A. tinha um contrato de trabalho a tempo completo, condenando-se a R. a pagar àquela as diferenças de retribuição e subsídio de alimentação impetradas”.
No essencial, defende que o contrato de trabalho a tempo parcial não foi reduzido a escrito, nem pela anterior entidade patronal nem pela R. Como tal, exigindo o art.º 153.º do Código do Trabalho que o contrato de trabalho a tempo parcial seja sujeito a forma escrita, o desrespeito dessa formalidade ad substantiam determina a invalidade do contrato (a tempo parcial) celebrado, o qual passa a subsistir a tempo completo (n.º 5), em consequência devendo considerar-se que a A. tinha um contrato de trabalho a tempo completo, condenando-se a R. a pagar àquela as diferenças de retribuição e subsídio de alimentação impetradas.
Refere o Ministério Público junto deste Tribunal, no parecer emitido ao abrigo do art.º 87.º 3, do CPT, desconhecer-se se foi observada a forma escrita, matéria que não foi suscitada pelas partes nos articulados, tratando-se, assim, de questão nova, “Pois, nunca a recorrente suscitou, perante o tribunal de 1.ª Instância, qualquer questão relacionada com a celebração de um contrato de trabalho a tempo parcial, a falta observância da forma escrita e a cominação de ser considerado a tempo completo pela falta de observância daquela formalidade, nos termos do nº 3 do artº 153º do CT”.
Diremos, desde já, que concordamos com o douto parecer. Passamos a justificar esta asserção e, para que não subsistam dúvidas, recorrendo à Petição inicial, comecemos por ver o que foi alegado:
2.º a A. foi admitida ao seu serviço em dezembro de 2014,
3.º aí desempenhando funções de Trabalhadora de limpeza,
4.ºsob as ordens, direção e fiscalização da R.,
5.º de forma ininterrupta,
6.º auferindo, atualmente, a retribuição-base mensal de 489,90€ (quatrocentos e oitenta e nove euros e noventa cêntimos).
7.º À relação laboral estabelecida entre o A. e a R. aplica-se, por força do disposto no nº 1 do artigo 496.º do Código do Trabalho (CT), o Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) vertical convencionado entre a APFS – Associação Portuguesa de Facility Services – e a FETESE – Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços, publicado no BTE, n.º 34, 15/09/2015, aplicável às empresas – empregadores – que se dediquem às atividades de gestão e manutenção de edifícios; de higiene e limpeza, em edifícios, em equipamentos industriais, e noutro tipo de instalações, de pest control e higiene, de desinfestação, desratização e similares, de plantação e manutenção de jardins, de prestação de serviços administrativos e de apoio prestados a empresas, nomeadamente receção, atendimento telefónico e secretariado, de marketing operacional e comercial, no âmbito do objeto social da associação, e por outro lado aos trabalhadores ao seu serviço, por força da Portaria de Extensão n.º 89/2016, de 14 de abril, publicada em Diário da República, n.º 73, 1.ª série, de 14 de abril de 2016 e no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 17, 8/5/2016. Ora,
8.º verte do aludido CCT que a retribuição mensal integra o que, nos termos da lei e do presente contrato, o trabalhador tem o direito a receber como contrapartida do seu trabalho, sendo que se consideram retribuições mínimas as constantes do anexo II do [referido] contrato, isto é,
9.º o valor mínimo de 507,00€ (quinhentos e sete euros) – em 2015 – para os trabalhadores que se subsumam na categoria profissional de Trabalhador de Limpeza. Sendo que,
10.º dispõe, justamente, o Anexo II daquele CCT que Trabalhador de Limpeza é o trabalhador que executa todos os serviços de limpeza que não competem às outras categorias previstas neste CCT. Acresce que,
11.º o horário de trabalho da A. corresponde a 40 horas de trabalho por semana e 8 horas por dia, organizadas das 15:00 às 23:00,
12.º com duas folgas rotativas, Ora,
13.º todo o trabalho prestado fora do horário de trabalho é considerado trabalho suplementar – cf. artigo 226.º do Código de Trabalho e Cl. 22.ª do CCT.
14.º Nesse sentido, o trabalhador deve ser beneficiado com um acréscimo no valor pago à hora de trabalho dentro do seu horário.
15.º Dispõe a Cl. 24.ª do CCT que o trabalho suplementar é pago pelo valor da retribuição horária com os seguintes acréscimos:
[…]
16.º a Cl. 25.ª do CCT, dispõe que se considera trabalho noturno, o prestado entre as 22 horas de um dia e as 6 do dia seguinte: Porquanto,
17.º todos os dias, a A. presta, pelo menos, uma hora de trabalho noturno,
18.º o que representa um acréscimo de 25% para além do trabalho normal – Cl. 30.ª do CCT. Sucede que,
19.º à A. não foi paga a retribuição devida a título de: trabalho suplementar prestado em dia de serviço; trabalho suplementar prestado em dia feriado; e, trabalho prestado em período considerado descanso semanal, não obstante ter efetuado a prestação das suas funções dentro do período que impunha tal pagamento.
20.º A R., enquanto entidade patronal, é obrigada, nos termos do artigo 231.º do CT, a ter um registo de trabalho suplementar (…).
21.º Tal documentação é essencial para a descoberta da verdade e para a prova dos factos em crise, porquanto deve a mesma ser impreterivelmente junta aos autos, desde logo, por força do artigo 414.º e 429.º e com a cominação do artigo 417.º, todos do Código de Processo Civil (CPC). Por outro lado,
22.º períodos houve em que foram pagos, mas em clara violação do devido acréscimo mínimo imposto. Aliás,
23.º até o próprio montante da retribuição mínima não foi respeitado ao longo dos anos...
24.º designadamente, em 2019 a R. paga à A. o valor de 489,90 € (quatrocentos e oitenta e nove euros e noventa cêntimos) e não de, pelo menos, 600,00 € (seiscentos euros) como impõem o Decreto-Lei n.º 117/2018 e o CTT – com as consequentes atualizações remuneratórias – cf. doc. 1 que ao diante se junta e aqui se dá por integrado para os devidos e legais efeitos. (recibo de vencimento 2019). Acresce que,
25.º o subsídio de alimentação sempre foi pago à mingua, pelo valor taxado de 4,27€ (quatro euros e vinte e sete cêntimos) por cada dia de trabalho prestado, ao invés dos impostos 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos) – cf. Cl. 33.ª do CCT (cf.,de novo, doc. 1). Isto é,
26.º por cada mês com 20 dias de trabalho prestado seria devido à A. o valor de 110,00€ (cento e dez euros) – o que, por confronto com os recibos de vencimento da A., nunca foi o caso.
[…]».
Por outro lado, em coerência com os factos alegados, concluiu pedindo a condenação da Ré «(..) no pagamento dos montantes devidos a título de trabalho suplementar, trabalho noturno e em dias de descanso semanal obrigatório e complementar e, bem assim, na falta de atualização da retribuição de acordo com o salário mínimo nacional, no valor de 14 199,69 (..), acrescido de juros de mora contabilizados desde o vencimento da obrigação de pagamento até efetivo e integral cumprimento».
Por conseguinte, é por demais evidente que jamais a autora suscitou a questão de saber se o seu contrato de trabalho foi reduzido a escrito, ou não, nem se tal era exigível face ao disposto no art.º 153.º do CT, nem tão pouco quais os efeitos decorrentes da eventual inobservância da forma legal.
Trata-se, pois, da introdução de uma questão de facto e de direito que não foi submetida à apreciação da 1.ª instância, ou seja, estamos perante uma questão nova, por essa razão não podendo este tribunal de recurso dela conhecer, como tem sido entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência. Com efeito, apenas nos casos expressamente previstos (cfr. artigo 665º nº 2, 608º, nº 2, in fine, CPC), pode o tribunal superior substituir-se ao tribunal que proferiu a decisão recorrida, apreciando questões que não foram submetidas à sua apreciação e sobre as quais não se pronunciou.
Na verdade, é consabido que a jurisprudência tem reiteradamente entendido que os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu” [Cfr. Acórdãos do STJ (disponíveis em www.dgsi.pt): de 22-02-2017, proc.º 519/15.4T8LSB.L1.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; de 14-05-2015, proc.º 2428/09.1TTLSB.L1.S1, Conselheiro Melo Lima; de 12-09-2013, proc.º 381/12.3TTLSB.L1.S1 e de 11-05-2011, proc.º786/08.4TTVNG.P1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol].
Assim sendo, não podendo este Tribunal ad quem apreciar essa questão nova e sendo esse o único fundamento do recurso, tal significa a imediata improcedência do mesmo.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas do recurso a cargo da autora (art.º 527.º CPC), mas sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.

Porto, 14 de Julho de 2020
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira