PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
VENDA DE BENS
REMIÇÃO
DESPESAS DA VENDA
Sumário


1. O despacho judicial que autorize a coadjuvação da administradora da insolvência por uma leiloeira, nos termos do art.55º/3 do CIRE, e a cobrança direta por esta aos adquirentes da comissão de 5% do valor de venda dos bens imóveis, como condições da venda destes por seu intermédio: admitiu a exclusão das dívidas da massa insolvente das despesas da venda, que aí poderiam ser integradas nos termos do art.51º/1-c) do CIRE.
2. A remidora que pretenda remir os bens adquiridos por terceiros, que aceitaram as condições de venda autorizadas por despachos com o conteúdo referido em que 1 e que não sofreram recurso, nomeadamente dos insolventes: encontra-se vinculada às condições desta venda autorizada judicialmente, nos termos do art.620º do C. P. Civil.

Texto Integral


ACÓRDÃO

I. Relatório:

No processo de insolvência de M. J. e de M. C.:

1. M. F., na qualidade de titular do direito de remição de bens vendidos em leilão no processo de insolvência, pediu a dispensa do pagamento da comissão de 5% do valor da venda de imóveis, considerando que esta é uma despesa da massa insolvente:

2. O Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:

«Requerimento de 16.10.2019 [Refª 33720742]:

Tal como já se havia pronunciado o Tribunal no despacho proferido a 01.10.2019, os Credores e os Autos foram oportunamente informados de que a leiloeira imputava os seus custos aos adquirentes (com exceção para o Credor com garantia real), aquela devidamente autorizada, e estando as condições de venda acessíveis a todos os interessados, salvaguardando-se assim a posição da massa insolvente.---
As condições assim impostas aos adquirentes deverão, no caso, sê-lo igualmente à remidora.»
3. A remidora M. F. recorreu de apelação do despacho de I- 2 supra, recurso no qual:

3.1. Apresentou as seguintes conclusões:

«a) A decisão proferida errou ao interpretar e aplicar o artigo 842º do CPC e 51º nº 1 c) do CIRE;
b) Mal andou o Tribunal à quo ao decidir como se estivéssemos perante duas situações iguais;
c) Quando na verdade estamos perante situações cuja cauda de pedir e o objecto são distintos;
d) Se por um lado temos um leilão de bens móveis, realizado entre os dias 26 de Julho e 23 de Agosto de 2019, cujas condições de venda são diferentes, nomeadamente, o valor da comissão a pagar à leiloeira neste caso de 10% do valor de venda do bem, bem como o valor total dos bens remidos – 516,00€;
e) Por outro lado, temos um leilão de bens imóveis, realizado entre os dias 27 de Agosto e 25 de Setembro, cujas condições de venda são diferentes, nomeadamente, o valor da comissão a pagar à leiloeira neste caso 5% do valor da venda do bem, bem como o valor total dos bens remidos - 30.543,73€;
f) Na verdade a ora Apelante não tinha a obrigação de conhecer as regras e condições de venda dos leilões;
g) Pois que a mesma surge na qualidade de remidora nos termos do artº 842º do CPC, e não na qualidade de arrematante;
h) A vingar a tese partilhada pelo tribunal, a Remidora não adquire o bem “tanto por tanto” pois tem que pagar 5% à leiloeira e ainda corre o risco de pagar mais 5% ao proponente nos termos no art.º 843.º do CPC.
i) Sendo colocada numa posição inferior ao do adquirente, pagando mais pelo mesmo bem, desvirtuando todo o instituto do direito de remição há muito consagrado no nosso ordenamento jurídico e que visa proteger a família.
j) O tribunal a quo mais que fazer uma aplicação errada dos normativos legais aplicáveis descrimina negativamente o remidor.
k) As condições do acordo realizado entre a Sra. administradora de insolvência e a leiloeira é-lhe totalmente alheio;
l) A norma do artº 842º do CIRE, apenas prevê que “ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda”;
m) Não prevendo qualquer acréscimo pela actividade prestada pela leiloeira;
n) Pelo que, não estando legalmente previsto deverá ser o “exequente”, neste caso a massa insolvente, os credores, a assumir esta responsabilidade;
o) Pois que são os beneficiários da prestação de serviço da leiloeira, ou seja, da venda dos bens;
p) Aliás, quem contratualiza com a leiloeira é a própria administradora de insolvência, em representação da massa insolvente;
q) E fá-lo no âmbito dos poderes que lhe são conferidos enquanto administradora de insolvência nomeada, para liquidação dos bens;
r) Pelo que, esta comissão que a leiloeira reclama, mais não é do que uma divida da massa insolvente nos termos do artº 51º nº 1 c) do CIRE;
s) Não devendo ser imputada a terceiro alheio àquela contratualização e muito menos à remidora, alheia a qualquer condição fixada entre administradora de insolvência e leiloeira para os leilões;
t) Pois que a mesma pretende adquirir os bens exercendo um direito que lhe assiste – o de remir – e não na qualidade de arrematante num leilão.
u) Devendo a decisão em crise ser revogada e substituída por outra que reconheça que a ora Apelante, na qualidade de remidora, nos termos do artº 841º do CPC, apenas tem de pagar o valor de venda, sem a comissão à leiloeira.».

3.2. Pediu:

«Termos em que, como V/exas melhor apreciarão, deve ser revogado o despacho em crise e substituído por outro que reconheça que a remidora, ora Apelante, apenas terá de pagar o valor de venda dos bens imóveis e não a comissão de 5% sobre a venda dos mesmos à leiloeira.».
4. Após ter sido indeferido o recurso de I- 3 supra, foi apresentada reclamação, que, atendendo à mesma, considerou «deve ser admitido o recurso de apelação, a subir imediatamente, em separado, em com efeito devolutivo (arts.644º/1-g) e h), 645º/2 e 647º/1 do CIRE), nos termos e com os efeitos do art.643º/4 e 6 do CPC.» e determinou a sua subida.
5. Colheram-se os vistos.

II. Questões a decidir:

Se pode ser exigido à remidora dos imóveis vendidos no processo de insolvência, através de leiloeira contratada pela administradora da insolvência com autorização do Tribunal, a comissão de 5% cobrada pela leiloeira e achada sobre o preço da venda.

III. Fundamentação:

1. Matéria de facto provada relevante para a decisão do recurso:

1.1. No processo de insolvência de M. J. e de M. C. nº 808/18.0T8VLN, que corre termos no Juízo de Comércio de Viana do Castelo:
a) A 18.03.2019 foi proferida sentença de declaração de insolvência de M. J. e de M. C., na qual, nomeadamente: foi nomeada como administradora da insolvência a Dra. A. G., com escritório em …; não foi nomeada comissão de credores.

b) A 27.07.2019 a administradora da insolvência:

__ Requereu:
«que seja relevado o atraso na comunicação prévia da autorização para ser coadjuvada por auxiliares, nos termos do artº55º nº3 do CIRE, a qua se ficou a dever à manifesta urgência face aos perigo de dissipação dos bens móveis (automóveis) e o número de bens em liquidação; autorizando a signatária a continuar com os serviços da X até à venda final de todos os bens.»:
__ Alegou como fundamentando do seu pedido: que os insolventes não eram colaborantes, que o insolvente marido disse-lhe que vendera todas as 21 viaturas registadas em sem nome na Conservatória, quando estava a utilizar uma e foram encontradas 15 com ajuda da GNR; que tem o seu escritório principal em Loures e os bens encontram-se em vários locais, nomeadamente em Paredes de Coura, Braga e Ponte de Lima; que, face ao perigo de delapidação, viu-se na contingência de recorrer aos serviços de uma leiloeira- a X, que rapidamente pudesse colocar em venda todos os bens apreendidos para a massa, mostrá-los aos interessados; que «a X não cobra à massa qualquer custo, imputando os mesmos sobre terceiros adquirentes; ou quando os bens adjudicados ao credor hipotecário, a massa apenas suportará o custo dos anúncios que tiverem sido publicados e inerentes despesas administrativas, unicamente aos bens que foram alvo de adjudicação», sendo que, «Sendo os bens vendidos a terceiros, que não ao credor hipotecário, a massa não terá de suportar qualquer custo com a intermediação dos referidos bens», concluindo que o recurso à leiloeira é o mais vantajoso para a massa em termos de custos e de celeridade.

c) A 30.07.2019 foi proferido despacho sobre b) supra:
«Requerimento AI (…) de 27.07.2019: Em face do exposto, releva-se o atraso no pedido de autorização para ser coadjuvada por auxiliares e autoriza-se a AI a continuar os serviços da X até à venda final de todos os bens, ao abrigo do disposto no art.55º nº3 do CIRE.».
d) A 14.09.2019 M. F., na qualidade de filha dos insolventes e remidora:
__ Pediu, em relação aos bens móveis nº5, 11 e 16, que declarou pretender remir, que se ordenasse “à Sra Administradora Judicial, que permitida à remidora efetuar o pagamento das verbas remidas devendo a sra Administradora assegurar o pagamento das despesas e serviços prestados pela leiloeira - com quem contratualizou”.
__ Alegou como fundamento: que a 29.08.2019 foi informada que poderia exercer o direito de remição, o que veio a fazer em relação às verbas nº5, 11 e 16; que, após isto, recebeu um email da leiloeira solicitando-lhe que pagasse o valor de € 4 200, 00 da arrematação por cheque à ordem da massa insolvente, de € 230, 00 de IVA a 23%, de € 516, 00 de serviços prestados pela promoção da venda acrescidos de IVA, a pagar à ordem de “Y- X, SA.”; que não teria que pagar este terceiro custo, uma vez que o mesmo corresponde à remuneração acordada entre a leiloeira e a massa insolvente, acordo a que a remidora é alheia e que integra um custo daquela massa, nos termos do art.51º/1-c) do CIRE.
e) Por despacho de 01.10.2019 (notificado a 02.10.209 à remidora, à administradora, aos insolventes e aos credores), incidente sobre d) supra foi decidido:
«Os Credores e os Autos foram oportunamente informados de que a leiloeira imputava os seus custos aos adquirentes (com exceção para o Credor com garantia real), estado aquela devidamente autorizada e estando as condições de venda acessíveis a todos os interessados, salvaguardando-se assim a posição da massa insolvente.---
As condições assim impostas aos adquirentes deverão, no caso, sê-lo igualmente à remidora.».
f) A 01.10.2019 a remidora M. F. apresentou novo requerimento:
«M. F., filha dos insolventes melhor identificada nos presentes autos, vem informar que é sua pretensão remir os imóveis apreendidos a favor da massa insolvente e alienados pelo que, se requer a V. Exa. se digne a ordenar a notificação da Sra. administradora de insolvência no sentido de vir aos presentes autos informar o valor dos mesmos, bem como a forma de pagamento.»
g) A 16.10.2019 a remidora M. F.:
__ Requereu «requer-se se digne ordenar que a remidora exerça o direito de remição sobre os bens imoveis levados a leilão e admitir que exerça a remição sobre os identificados bens pelo preço de venda sem pagamento da comissão de 5% à leiloeira.».
__ Alegou como fundamento: que foi «notificada da colocação dos bens imoveis em leilão e da sua realização e encerramento veio aos autos exercer o direito de remição sobre as verbas verba 1, verba 4, verba 5, verba 6, verba 11, verba 13, verba 14, verba 15.»; que «Encerrado o leilão dos bens imoveis, foi notificada para depositar à ordem da massa o valor de venda dos bens imoveis acrescido de 5% + IVA (24.832,30€+5.711,43€): 30.543,73€ (trinta mil, quinhentos e quarenta e três euros e setenta e três cêntimos) a pagar por cheque emitido à ordem de Y - X, S.A., ou a transferir para a n/ conta do Banco … com o IBAN PT50 0018 0003 …… 60..”»; que este «Valor que não pode ser incluído no preço de venda dos bens imóveis previsto no Código de Processo Civil pois tal comissão de 5% é uma dívida da massa insolvente qualificada no CIRE “..As dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente...” (art.51º, nº1, c).»; que suportam este entendimento, entre outras decisões superiores já preferidas sobre a matéria, o «Ac. da Relação de Coimbra datado de 02.12.2014, proc. 3884/12.6TJCBR-D.C1, onde se lê no sumário do: “ A comissão da mediadora ou leiloeira na venda, estabelecida em 5% do preço oferecido, acordada entre aquela e o administrador da insolvência, não pode ser imposta à remidora do bem, por não ser um encargo próprio da aquisição, constituindo antes uma remuneração aceite por aqueles e uma dívida da massa insolvente, nos termos do art.51º, nº1, alínea c), do C.I.R.E ”».
h) Por despacho de 17.10.2019 (notificado por ato da mesma data de 17.10.2019 à remidora, à administradora, aos insolventes e aos credores), incidente sobre requerimento de g) supra, foi decidido:
“Tal como já se havia pronunciado o Tribunal no despacho proferido a 01.10.2019, os Credores e os Autos foram oportunamente informados de que a leiloeira imputava os seus custos aos adquirentes (com exceção para o Credor com garantia real), aquela devidamente autorizada, e estando as condições de venda acessíveis a todos os interessados, salvaguardando-se assim a posição da massa insolvente.
As condições assim impostas aos adquirentes deverão, no caso, sê-lo igualmente à remidora.
1.2. No processo de liquidação do ativo nº 808/18.0T8VLN-E, apenso ao processo de insolvência referido em 1.1. supra:
a) A 28.08.2020 a administradora da insolvência juntou aos autos o anúncio da venda dos imóveis, com indicação:
__ Do período do leilão: «Início 27·08·19 [17h] | Fim 25·09·19 [10h30] Podendo prolongar-se por períodos de 30’».
__ Dos imóveis e preços de cada um destes.
__ Do gestor comercial e contacto.
__ Da informação «O presente anúncio não dispensa a consulta integral do regulamento de venda e informações complementares, disponíveis no site X ou a entregar sempre que solicitador.».
b) A 20.09.2020, após reclamação da ...., CRL sobre a modalidade da venda através da X (com a alegação que esta cobrava 5% da venda aos adquirentes, que este valor adicional diminuiria as ofertas de compra a beneficiar a massa, que a venda poderia ser feita sem intermediários e com pequenos custos através da plataforma oficial dos leilões eletrónicos) e sobre a falta de audição prévia dos credores, foi proferido o seguinte despacho, notificado por ato da mesma data à administradora, ao mandatário dos insolventes (que é o mesmo da remidora) e aos credores:
«Da reclamação quanto à modalidade da venda
Atendendo que a coadjuvação foi autorizada por despacho à Sr.ª Administradora e que dos autos não resulta que a modalidade de venda escolhida tenha efectivamente repercussões negativas para a massa insolvente, improcede a reclamação apresentada.»
c) A 03.10.2019 a administradora da insolvência:
c1) Informou o resultado da venda dos imóveis anunciada em a) (indicando os bens com propostas superiores à licitação e que deveriam ser adjudicados- 1, 4, 5, 6, 11, 13, 14 e 15, os bens sem propostas e os bens com propostas abaixo do valor de licitação) e que a que a filha dos insolventes teria a intenção de exercer o direito de remição, intenção que deveria formalizar, indicando as verbas que pretendia que lhe fossem adjudicadas.
c2) Juntou documentos.
d) A 07.10.2019 M. F., na qualidade de filha dos ora insolventes, apresentou requerimento no qual declarou e requereu:
«notificada do resultado do resultado do leilão com vista à venda dos imóveis apreendidos nos presentes autos vem informar que remeteu, na presente data, email á Sra. administradora de insolvência dando a conhecer que pretende exercer o direito de remição quanto aos seguintes bens melhor identificados no auto de apreensão e na acta do leilão electrónico junto por aquela:
- Verba nº 1, cujo valor da proposta mais elevada foi de 34.723,00€;
- Verba nº 4, cujo valor da proposta mais elevada foi de 56.000,00€;
- Verba nº 5, cujo valor da proposta mais elevada foi de 59.800,00€;
- Verba nº 6, cujo valor da proposta mais elevada foi de 59.300,00€;
- Verba nº 11, cujo valor da proposta mais elevada foi de 9.100,00€;
- Verba nº 13, cujo valor da proposta mais elevada foi de 83.000,00€;
- Verba nº 14, cujo valor da proposta mais elevada foi de 99.418,00€;
- Verba nº 15, cujo valor da proposta mais elevada foi de 95.305,00€. (…)

Nestes termos, requer-se a V. Exa. se digne a ordenar a notificação da Sra. Administradora de insolvência no sentido de informar o IBAN da massa insolvente para onde deverá a n/ constituinte efectuar o depósito dos valores supra mencionados, para exercício do direito de remição sobre os referidos imóveis.».

1.3. No procedimento de venda dos imóveis dos insolventes por leilão eletrónico referido em 1.2. supra:

a) A 11.09.2019 a Leiloeira fez a seguinte comunicação aos mandatários dos insolventes (e da remidora M. F.), com remessa do catálogo do Leilão Eletrónico:


b) No Catálogo do Leilão Eletrónico dos imóveis dos insolventes de Paredes de Coura, Braga e Resende do Leilão anunciado em 1.2.- a) supra e referido também em 1.3-a) supra, constavam:
b1) O Regulamento/Condições da Venda, cujas «Condições Gerais de Participação no Leilão» tinham previsto na cláusula 4, com a epígrafe «Pagamento do Preço»:



b2) A identificação de cada uma das verbas dos imóveis, com fotografias, descrição predial, valor base da venda e com a indicação das seguintes condições de venda:


c) Após o leilão, a leiloeira julgou arrematados as seguintes verbas imóveis, pelas ofertas mais altas apresentadas no leilão eletrónico:
- A Verba nº 1, por F. S., pelo preço de € 34.723,00;
- A Verba nº 4, por F. P., pelo preço de € 56.000,00;
- A Verba nº 5, por E. B., pelo preço de € 59.800,00;
- A Verba nº 6, por F. P., pelo preço de € 59.300,00;
- A Verba nº 11, por F. S., pelo preço de € 9.100,00;
- A Verba nº 13, pela Caixa ..., CRL, pelo preço de € 83.000,00;
- A Verba nº 14, pela Caixa ..., CRL, pelo preço de € 99.418,00;
- A Verba nº 15, por M. P., pelo preço de € 95.305,00.
d) A 02.10.2019 a Sra. Administradora comunicou por e-mail ao Ministério Público e aos mandatários dos credores, com conhecimento aos mandatários dos insolventes (os mesmos da remidora), nomeadamente:
«Na sequência do e-mail infra, cumpre dar conhecimento a V.ª Exas. do resultado da diligência de venda encetada.
Para os efeitos tidos por convenientes, junto se anexa o relatório de venda.
Ora, a diligência de venda encerrou com propostas acima do valor mínimo de venda estipulado no que respeita às verbas n.º 1, 4, 5, 6, 11, 13, 14 e 15. Quanto a estas, entende a Administradora da Insolvência dever adjudicar os bens aos Proponentes pelo preço oferecido. No entanto, foi a Signatária informada de que a filha dos Insolventes teria a intenção de exercer o Direito de Remição. Assim, e quanto a esta possibilidade, deve a remidora quanto a tal direito formaliza-lo, indicando as verbas que pretende adjudicar.» (atos documentais constantes do ato de 03.10.2019, referido em 1.2. supra).

2. Apreciação de mérito do recurso:

Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda, nos termos previstos neste art.842º e nos artigos 843º a 845º do C. P. Civil, aplicável ao processo de insolvência, ex vi do art.17º/1 do CIRE. Este direito de remição trata-se de um especial de direito de preferência, que tem como «finalidade a proteção do património familiar», evitando, «quando exercido, a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado» (1).

De acordo com reste regime o remidor apenas pode remir os bens nas condições e pelo preço pelos quais os mesmos foram adjudicados ou vendidos ao adquirente, não podendo exercer o direito de remição em condições mais favoráveis do que aquelas que foram exigidas aos compradores ou adquirentes e aceites por estes.

Ora, no processo de insolvência onde foi proferido o despacho sob recurso, as condições de venda foram autorizadas pelo Tribunal antes da mesma, por despachos não impugnados por via de recurso:

a) No processo de insolvência, após a administradora ter pedido autorização para ser coadjuvada pela X para a venda de todos os bens do insolvente, explicando claramente que não decorreria desse serviço qualquer imputação de custo à massa insolvente mas uma imputação direta ao adquirente: por despacho de 30.07.2019 o Tribunal autorizou a administradora a ser coadjuvada por auxiliares, nos termos do art.55º/3 do CIRE, e, em particular, a continuar com os serviços de venda de todos os bens com a X (vide factos provados em 1.1.- b) e c) de III-1 supra).
b) No processo de liquidação, após reclamação expressa da ...., CRL sobre a modalidade da venda de bens imóveis definida pela administradora, por considerar que a imputação de uma comissão de 5% sobre a venda diminuiria as ofertas e prejudicará a massa: a 20.09.2019 o Tribunal julgou expressamente improcedente a reclamação da credora, declarando que a coadjuvação foi autorizada à Senhora Administradora por despacho e que dos autos não resultava que a modalidade de venda escolhida tivesse repercussões negativas para a massa insolvente (vide facto 1.2.- b) de III- 1 supra).

Foi nesta sequência e neste contexto judicialmente autorizado: que foi aberto o leilão eletrónico de venda dos imóveis entre 27.08.2019 e 25.09.2019 e que foi publicitado pela Leiloeira a mesma como estando sujeita também ao pagamento pelo arrematante à leiloeira de 5% do valor da venda, acrescido de IVA, condições estas que foram também comunicadas expressamente ao mandatário dos insolventes (e da remidora) a 11.09.2019, com remessa de catálogo com estas condições (vide facto 1.2. - a), facto 1.3-b)- b1) e b2) e facto 1.3.-a) de III-1 supra); que os proponentes apresentaram licitações para compra dos imóveis, que vieram a ser aceites pela leiloeira e pela administradora (vide factos 1.3.-c) e d) de III-1 supra), conhecendo a remidora esta aceitação pelo menos desde 02.10.2019, antes das intenção de remição dos imóveis exercidas a 07.10.2019 e a 16.10.2019 (factos 1.3.-d), 1.2.-d) e 1.1.-g) de III-1 supra).

Ora, a remidora encontra-se vinculada pelas condições da venda dos imóveis autorizadas por despachos prévios à publicitação e à realização da venda, nos termos do art.620º do C. P. Civil, independentemente de não ter o estatuto de parte, despachos estes que não sofreram recurso, nomeadamente dos insolventes interessados na proteção do património. Por acórdão do STJ de 10.12.2009, proferido no processo nº 321-B-1997.S1, relatado por Lopes do Rego, considerou-se que o regime legal faz presumir que o remidor tem conhecimento dos atos relevantes para o exercício do direito de remição através do executado (neste caso insolvente), concluindo nas conclusões «2. O titular do direito de remição – que não detém o estatuto processual de parte na execução –não tem de ser pessoalmente notificado dos actos e diligências que vão ocorrendo na tramitação da causa, presumindo a lei de processo que o seu familiar - executado e, nessa qualidade, notificado nos termos gerais, - lhe dará conhecimento atempado das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do direito - não impondo a lei de processo que seja notificada a data e local em que se irá realizar certa venda extrajudicial, cujos elementos essenciais já se mostram definidos e foram levados ao oportuno conhecimento dos interessados» (2).

A remidora, neste processo, teve ainda conhecimento efetivo das condições da venda através da notificação ao mandatário do insolvente e seu mandatário: da decisão da reclamação sobre a modalidade da venda de 20.09.2019, que a manteve com a condição de pagamento pelo arrematante de 5% à leiloeira, sem que tenha sido interposto recurso deste despacho; de atos subsequentes sobre a publicitação dos encargos da venda para os adquirentes, sobre a realização da venda por leilão e aceitação de propostas de proponentes (1.2.- b), 1.1.-e), 1.3.-a), b) e d) de III supra).

Assim, podendo apenas a remidora exercer o direito de remição pelo preço e pelas condições das compras e vendas efetuadas, autorizados por despachos judiciais transitados em julgado (e de que teve conhecimento antes da conclusão do leilão), não pode vir a ser reconhecido à remidora a dispensa de pagamento de um custo que foi imputado aos adquirentes na venda dos bens da insolvência, condições com base nas quais estes fizeram as propostas de compra que foram aceites (dispensa que, para além de violar o caso julgado, a colocaria em condições mais favoráveis de aquisição do que os arrematantes).

A eventualidade de poder recair sobre o remidor, ainda, a possibilidade de pagamento ao arrematante preterido com a remição da indemnização de 5% do valor da compra, nos termos previstos no art.843º/3 do C. P. Civil, possibilidade invocada pela recorrente no seu recurso como fundamento da maior oneração no seu tratamento, corresponde a uma oneração decorrente da própria lei e não dos despachos em discussão no recurso.

Desta forma, os demais fundamentos do recurso têm o seu conhecimento prejudicado neste recurso de apelação em face das decisões judiciais prévias não recorridas: a apreciação da adequação ou da desadequação de nomeação como administradora da insolvência de pessoa com sede profissional a 300 km do local dos bens, determinante da sua contratação com leiloeira da proximidade dos bens, está prejudicada pela prévia sentença que decretou a insolvência com essa nomeação; a apreciação da regularidade ou da irregularidade do acordo entre a leiloeira e a administradora, quando este excluiu das despesas da massa insolvente os custos da liquidação da remuneração da leiloeira, que são passíveis de integrar dívidas da massa insolvente, nos termos do art.51º/1-c) do CIRE, está prejudicada pelas decisões de aceitação desse acordo pelo Tribunal em julho e em setembro de 2019

Regista-se neste contexto, em qualquer caso: que na situação objeto da decisão sumária, proferida no processo nº3884/12.6TJCBR-D.C1, a 02.12.2014, por Fernando Monteiro (que considerou não ser exigível ao remidor a comissão de 5% do preço da venda), este fez mencionar expressamente que não se conhecia no processo a autorização da comissão de credores ou do Tribunal quanto ao recurso a auxiliares do administrador na venda, nos termos do art.55º/3 do CIRE (3), situação distinta da do presente processo onde essa autorização foi dada; que, no acórdão do STJ de 15.01.2013, proferido no processo nº2538/05.4TBBRG.G2.S2, relatado por Nuno Cameira, considerou-se, ainda, em relação ao pretérito regime das falências, a possibilidade de existir um acordo que excluísse a remuneração de uma leiloeira das custas da falência e as fizesse repercutir sobre os adquirentes, ao abrigo da autonomia privada, não lesiva das normas de interesse público: «I - Tendo a ré agido como auxiliar do liquidatário judicial na venda por negociação particular com recurso a leilão de um imóvel pertencente ao património de massa falida, não é substancialmente nulo o acordo concluído entre a ré, o liquidatário judicial e a comissão de credores tendente à cobrança pela ré de uma comissão de 10% sobre o preço da venda efectuada, a exigir ao adquirente do bem. II - Considerando que foi dado prévio conhecimento ao autor das condições da venda, nelas incluído o pagamento da comissão à ré no valor de 10% do preço, e que o mesmo as aceitou, adquirindo voluntariamente o bem leiloado e procedendo ao pagamento da quantia estipulada àquele título, não há que restituir ao autor a importância paga. III – (…) IV - A comissão de 10% cobrada ao autor não deve ser considerada como remuneração do liquidatário judicial, mas sim como a retribuição dum terceiro que o liquidatário, licitamente e sob a sua responsabilidade, escolheu como auxiliar na venda que lhe competia levar a cabo. V - A regra da precipuidade fixada no art. 208.º do CPEREF significa que o pagamento das custas da falência deve ter lugar antes de todos os créditos, tendo como objectivo assegurar esse pagamento. VI - Tal desiderato da lei não é prejudicado ou inviabilizado pelo acordo em causa, pois ele significa, em termos práticos, não que as custas da falência tenham deixado de ser encargo da massa, mas sim que as partes retiraram das custas a remuneração estabelecida para a “leiloeira” que coadjuvou o liquidatário, colocando-a a cargo do adquirente, que aceitou comprar nessas condições. VII - Do art. 208.º do CPEREF, em conjugação com os arts. 133.º do mesmo diploma e 1.º do CCJ, resulta que é só a remuneração do liquidatário judicial que, como despesa da liquidação da massa, tem de sair precípua do respectivo produto; não a que ele, mediante prévia concordância da comissão de credores e sob sua responsabilidade, tenha pago à leiloeira que o auxiliou no exercício das suas funções. VIII - O comportamento negocial analisado situou-se dentro dos limites impostos pela lei à autonomia privada e não implicou a violação de nenhuma norma civil de natureza imperativa (arts. 280.º e 405.º do CC).» (4).

Desta forma, improcede a apelação e confirma-se o despacho de 17.10.2017.

IV. Decisão:

Pelo exposto, as Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães julgam improcedente o recurso de apelação.

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Custas pela recorrente.
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Guimarães, 18 de junho de 2020
Elaborado, revisto e assinado pelas Juízes Desembargadoras Relatora e Adjuntas

Alexandra Viana Lopes
Anizabel Sousa Pereira
Rosália Cunha


1. Lebre de Freitas, in A acção executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, Gestlegal, 7ª edição, págs.387 e 388.
2. Disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/44851b1f21fa68d38025768d00562019?opendocument
3. Disponível em: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/57e9358b28267aac80257db20038795f?OpenDocument
4. Disponível em http://www.homepagejuridica.net/pesquisador/jurisprudencia.htm.