PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS SALARIAIS
FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
Sumário


Sumário (1):

- O credor de créditos laborais que tenha oportunamente reclamado o seu crédito, inicialmente ou por via de impugnação da lista de credores apresentada pelo administrador de insolvência, beneficia da possibilidade de os de reclamar junto do Fundo do Garantia Salarial com a simples certificação dessas pretensões por parte desse administrador, nos termos e para os efeitos do art. 5º, nº 2, al. a), do D.L. nº 59/2015;
- Nessas circunstâncias esse credor não pode ser considerado interessado para efeitos de prosseguimento excepcional do processo de insolvência, previsto no art. 232º, nº 2, do CIRE.

Texto Integral


Recorrente(s): J. P. e M. M.;

Recorrido(s): Insolvente Fábrica de Serração X, Ldª.,

*
Acordam os Juízes na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. RELATÓRIO

A empresa insolvente acima nomeada apresentou-se à insolvência nos presentes autos.
Em 17.10.2019 foi proferida sentença que declarou a sua insolvência com carácter limitado.
Os Recorrentes formularam nos autos em 28.10.2019 os seguintes pedidos: a) Deverá proceder-se ao complemento da sentença de declaração de insolvência com as restantes menções do artigo 36º, nº1, nos termos do artigo 39º, nº2, alínea a) e nº4, primeira parte, todos do C.I.R.E., devendo seguir-se os termos dos artigos 37º e 38º do C.I.R.E..; b) Deverá ser dispensado o depósito do montante previsto no artigo 39º, nº3 do C.I.R.E., bem como a prestação de caução, por insuficiência económica da ora requerente; c) Deverá o incidente de qualificação da insolvência prosseguir como pleno, nos termos do artigo 39º, nº4, in fine do C.I.R.E...

Em 5.11.2019 foi, por isso, proferida decisão com o seguinte teor:

“O Acórdão n.º 83/2010 do Tribunal Constitucional, da 1.ª Secção, decidiu julgar inconstitucional a norma do artigo 39.º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, quando interpretada no sentido de que o requerente do complemento da sentença, quando careça de meios económicos e, designadamente, beneficiar do apoio judiciário na modalidade de isenção da taxa de justiça e demais encargos com o processo, se não depositar a quantia que o juiz especificar nem prestar a garantia bancária alternativa não pode requerer aquele complemento de sentença.
Assim, no seguimento desta jurisprudência, dispenso o depósito de qualquer quantia, nos termos do disposto do citado art.º 39,3 CIRE.

Ao abrigo do disposto no n.º 4 do art.º 39, passo a complementar a sentença proferida nos seguintes moldes:

1 – Declaro a insolvência de Fábrica de Serração X, Ld.ª, com sede na Av. …;
2 – Fixo a residência aos sócios da insolvente, na mesma morada.
3 - Como Administrador da Insolvência mantenho a Sr. Dr.ª C. B.;
4 – Nos termos do artº 66º, nº 2, e sem prejuízo do disposto no artº 67º, nº 1, não se procede à nomeação da Comissão de Credores.
5 – Determino que a insolvente proceda à entrega imediata ao administrador da insolvência dos documentos a que aludem as alíneas do nº 1 do art. 24º (art. 36º, al. f).
6 - Ordeno a imediata apreensão de todos os bens da insolvente, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos (art. 36º, a. g).
7 - Fixo em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos (art. 36º, al. j).
9 – Designo, para realização da Assembleia de Apreciação do Relatório a que alude o art. 156º do CIRE o próximo dia 14-1-20, pelas 10 horas (art. 36º, al. n).
10 - Dê publicidade à sentença nos termos previstos nos arts. 37 e 38º do CIRE.
11 - Notifique a presente sentença:
a) à insolvente;
b) ao Ministério Público;
c) ao administrador da devedora;
12 – Cite os demais credores e outros interessados, nos termos do art. 37º, nº 5, 6 e 7.
13 – Remeta certidão à Conservatória do Registo Comercial, no prazo de 5 dias, nos termos e para os efeitos previstos no art. 38º, nº 2, a. b), nºs 5 e 6 do CIRE e arts. 9º, al. i) e l) do Cod. Reg. Comercial.
14 – Cumpra o disposto no art. 38º, nº 3 e 5.
15 – Custas pela massa insolvente (art. 304º).”

Esta decisão foi notificada aos Recorrentes com a data de 6.11.2019.
Em 6.1.2020 a Srª. Administradora apresentou o relatório a que alude o art. 155º, do CIRE no qual propõe o encerramento definitivo do estabelecimento e o encerramento dos presentes autos por manifesta insuficiência de massa, nos termos do n.º 7 do art.º 232.º do CIRE.
Simultaneamente, no apenso A, de reclamação de créditos, apresentou a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, entre os quais se encontram o reclamado pela aqui Recorrente M. M., no valor de 43648,05, do qual reconheceu 21772,54€, e o oficiosamente reconhecido ao Recorrente J. P., no valor de 2966,61€.
Ambos estes credores impugnaram essa lista, entendendo este último que o seu crédito é de, pelo menos, 16189,89€ e aquela primeira que o seu crédito atinge os 30934,65€.
Entretanto, em 14.1.2020, em assembleia de credores para apreciação desse relatório, conforme regista a respectiva acta, o ilustre mandatário do credor J. P. declarou que impugnou a lista de credores reconhecidos, apresentada pela sr.ª Administradora da Insolvência, em virtude do não reconhecimento da totalidade do crédito que é devido ao trabalhador requereu o reconhecimento dos créditos nos termos reclamados antes do encerramento do processo, bem assim decisão quanto à impugnação apresentada nos autos, de modo a instruir requerimento para pagamento de créditos junto do Fundo de Garantia Salarial.

Foi então proferida decisão com o seguinte dispositivo:

“Considerando que estamos perante uma situação de insuficiência da massa insolvente, conforme descrito pela Srª. Administradora da Insolvência no seu relatório, determino o encerramento dos presentes autos, nos termos do nº 2 do artigo 232º do CIRE, uma vez que a questão levantada pelo credor J. P. não é suficiente para manter o processo de insolvência, havendo alternativas para determinar o valor do crédito do trabalhador.
Tendo presente o teor da decisão que antecede, relativa ao encerramento de processo nos termos do disposto no art.º 232º do CIRE, e uma vez que a presente insolvência não apresenta receitas mas apenas despesas, as quais serão suportadas pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça (cfr. art.º 27º, nº 1, da Lei nº 32/2004, de 22/07, actual artigo 30º, nº1, da Lei nº 22/2013, de 26/02), constata-se que, no caso sub judice, a criação do incidente de prestação de contas, com o ritual processual previsto no artigo 64º do CIRE, se mostra inútil e potencialmente causador de atrasos e despesas processuais, não se vislumbrando, in casu, que interesses (seja dos credores seja dos insolventes) poderá o surgimento de tal incidente processual acautelar.
Atento o acima exposto, dispensa-se a apresentação da prestação de contas por parte da Srª. Administradora de Insolvência, que afirmou nesta sede não ter despendido com despesas valor superior ao da provisão prestada.
Ao abrigo do disposto no art.º 1,2 da Portaria 51/2005, de 20-1, analogicamente aplicado, uma vez que os presentes autos tiveram uma duração inferior a 6 meses, determina-se a fixação dos honorários devidos em 1000 euros.
Determino ainda que, nos termos do nº 4 do artigo 234º do CIRE, seja dado conhecimento à competente conservatória do registo comercial da decisão de encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente.
Comunique ao Serviço de Finanças o encerramento do estabelecimento, nos termos do disposto no n.º 2 e 3 do art. 65º do CIRE.
Nos termos do artº 233º, nº 6 do CIRE., atribui-se carácter fortuito à presente insolvência.”

Entretanto, em 20.1.2020, os Recorrentes pronunciaram-se no sentido de se ordenar o prosseguimento do processo, até à prolação de decisão no âmbito do apenso de reclamação de créditos.

Mais tarde apresentaram a presente apelação da decisão proferida em 14.1.2020, que culminam com as seguintes
conclusões.

1- O presente recurso tem por objecto o douto despacho proferido no âmbito do processo supra identificado – para o qual remetemos e que aqui damos por integralmente reproduzido por questões de economia processual – na medida em que dá por encerrado o presente processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente.
2- No apenso A aos presentes autos (reclamação de créditos), os oras recorrentes impugnaram a lista provisória de credores reconhecidos pela Sra. Administradora de Insolvência, com base na não inclusão de diversos valores nos créditos (de natureza laboral) que lhe foram reconhecidos. Tais reclamações preencheram os requisitos da legitimidade e tempestividade legalmente exigidos.
3- No entanto, foi realizada a assembleia de apreciação do relatório da Sra. Administradora de Insolvência (em que ficou desde logo decidido o encerramento do processo por insuficiência da massa) sem que tais impugnações tivessem sido decididas – ou seja, a pretensão (o crédito) dos recorrentes não foi apreciada pelo Tribunal.
4- Os ora recorrentes não se podem conformar com tal decisão na medida em que os seus direitos são directamente coarctados por esta decisão, que tem por consequência a extinção, sem mais, do apenso de reclamação de créditos.

II) Contextualização Prévia.

5- Nesta sede, e por questões de economia processual, remetemos para o corpo das motivações supra aduzidas, o qual damos aqui por integralmente reproduzido.

Posto isto,

Da matéria de direito.

III) As normas jurídicas violadas, bem como o sentido com que, no entender os recorrentes, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas.
6- Recuperando toda a matéria já exposta, a qual damos por integralmente reproduzida por questões de economia processual, verifica-se que não poderia o presente processo de insolvência ter sido encerrado por insuficiência da massa, sem mais.
7- A assembleia de apreciação do relatório a que se refere o artigo 155º do CIRE teve lugar enquanto ainda decorria o prazo legal para impugnação da lista de créditos reconhecidos pela Administradora de Insolvência, não tendo, a final, sido proferida qualquer decisão quanto às impugnações apresentadas pelos ora recorrentes.
8- Na própria assembleia, a decisão de encerramento nela proferida foi votada contra pelo ora recorrente J. P., precisamente por não ter sido decidida a sua pretensão (impugnação do crédito) e ainda pelo facto de a decisão de reconhecimento do crédito revestir utilidade, para efeitos do Fundo de Garantia Salarial – sendo certo que, posteriormente, apresentou requerimento nos termos do artigo 232º, nº2 do CIRE opondo-se ao encerramento e requerendo o prosseguimento do processo, requerimento esse que também foi apresentado pela ora recorrente M. M..
9- Por despacho proferido na assembleia supra-referida, o Tribunal a quo entendeu que “a questão levantada pelo credor J. P. não é suficiente para manter o processo de insolvência, havendo alternativas para determinar o valor do crédito do trabalhador.” – conforme consta da ata datada de 14/01/2020.
10- Ora, em primeiro lugar, cumpre referir que o fundamento para esta decisão não é suficiente para efectivamente coarctar os direitos dos recorrentes impugnantes.
11- Na verdade, e em bom rigor, não existem meios alternativos para determinar o crédito do trabalhador após o encerramento definitivo do processo de insolvência, pois que a sociedade irá extinguir-se.
12- E, mesmo que houvesse um “meio alternativo”, tal não pode significar que os direitos dos trabalhadores, ora recorrentes, fiquem dependentes de uma eventualidade quando tais direitos podem ser salvaguardados neste processo de insolvência.
13- Note-se que os trabalhadores, ora requerentes, ficam assim impossibilitados de verem a totalidade do crédito a que têm direito ser judicialmente reconhecido, e, no caso em específico do recorrente J. P., encontra-se de todo impossibilitado de recorrer ao Fundo de Garantia Salarial, tendo em conta os requisitos do artigo 5º, nº2 do DL 59/2015, de 21 de Abril.
14- Motivo pelo qual não se pode concordar com a decisão de encerramento do processo.

Ademais,

15- Os ora recorrentes manifestaram a sua oposição ao encerramento nos termos do nº2 daquele preceito.
16- De acordo com o artigo 232º, nº2 do CIRE, qualquer interessado pode obstar aos efeitos de encerramento do processo de insolvência mediante o depósito à ordem do Tribunal de montante que garanta o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa – sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário, de que a ora recorrente M. M. goza e que foi requerido pelo recorrente J. P..
17- Neste âmbito, como bem ensina o acórdão da Relação de Guimarães, de 15/03/2018, processo 459/17.7T8VNF-C.G1, o encerramento por insuficiência da massa não pode acarretar a extinção dos apensos por inutilidade superveniente ou impossibilidade se os mesmos revelarem que têm, de facto, utilidade prática para os requerentes, nem que tal utilidade seja “apenas” para efeito de accionar o Fundo de Garantia Salarial.
18- Por outro lado, de acordo com o acórdão da Relação de Guimarães, de 04/06/2015, processo 51/14.8T8VLN.G1, tendo algum interessado requerido o prosseguimento dos autos – como foi o caso -, tal pretensão deverá, no mínimo, ser apreciada.
19- O referido aresto continua e refere que, gozando de apoio judiciário, o interessado que requeira o prosseguimento não estará obrigado ao depósito a que se refere o nº 3 do 232º, sob pena de inconstitucionalidade por violação do acesso ao direito e aos tribunais.
20- Ou seja, em boa verdade, deveria o Tribunal a quo ter apreciado a pretensão dos recorrentes e, bem assim, ordenado o prosseguimento do processo.
21- Reitera-se, a ausência de decisão quanto à impugnação da lista de créditos apresentada representa um coarctar inadmissível dos direitos dos trabalhadores, ora recorrentes, com o qual o direito não pode compactuar.

Por último,

22- Refira-se ainda que o carácter “pleno” do processo de insolvência, após o complemento da sentença a que se refere o artigo 39º, nº2, alínea a), não seria cabalmente garantida se o processo encerrasse por insuficiência da massa insolvente, sem serem apreciadas as questões que verdadeiramente têm alguma utilidade.
23- É que já era do conhecimento geral que a massa insolvente não iria ter bens suficientes para pagar as suas dívidas. Tanto é que, num primeiro momento, foi proferida a sentença nos termos do artigo 39º, nº1 do CIRE.
24- Assim sendo, o presente processo de insolvência apenas teria utilidade (para além dos efeitos perante a insolvente) para que os credores, nomeadamente os trabalhadores, pudessem ver os seus créditos reconhecidos e, por conseguinte, accioná-los perante o Fundo de Garantia Salarial.
25- Ora, não sendo as impugnações ora em causa apreciadas, tal utilidade vê-se coarctada, impedindo os trabalhadores recorrentes de ver reconhecido os seus plenos direitos.

Destarte,

26- Face a toda a factualidade exposta supra, entendem os ora recorrentes que o Tribunal a quo, não operou uma correta interpretação dos artigos 39º, nº2, 130º e ss. e 232º, nº 2, todos do CIRE, motivo pelo qual deverá a decisão ora recorrida ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos para obtenção de uma decisão quanto às impugnações apresentadas no âmbito do apenso de reclamação de créditos.

Nestes termos, não só certamente pelo alegado mas principalmente pelo alto critério de Vªs Exªs, deve ser dado pleno provimento ao presente recurso, devendo revogar-se a decisão proferida e, em consequência, ordenar-se o prosseguimento do presente processo de insolvência, até que seja proferida decisão quanto às impugnações apresentadas no apenso de reclamação de créditos.

A Recorrida apresentou alegações.

2. QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. (2) Esta limitação objectiva da actividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas (3) que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. (4)
As questões enunciadas pelo/a(s) recorrente(s) podem sintetizar-se da seguinte forma: Saber se deve subsistir a decisão de encerramento do processo apesar do interesse que estes demonstraram na apreciação dos créditos que reclamaram.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. FACTOS A CONSIDERAR

a) Factos provados.

Os acima relatados.

3.2. DO DIREITO APLICÁVEL

Dita o art. 1.º, do CIRE, que o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.
Em concreto e sobre a problemática suscitada pelos Recorrentes, dita o art. 39º, desse mesmo CIRE, que (1) concluindo o juiz que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente e não estando essa satisfação por outra forma garantida, faz menção desse facto na sentença de declaração da insolvência, dando nela cumprimento apenas ao preceituado nas alíneas a) a d) e h) do n.º 1 do artigo 36.º, e, caso disponha de elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação da insolvência, declara aberto o incidente de qualificação com carácter limitado, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 36.º 2 - No caso referido no número anterior: a) Qualquer interessado pode pedir, no prazo de cinco dias, que a sentença seja complementada com as restantes menções do n.º 1 do artigo 36.º; b) Aplica-se à citação, notificação, publicidade e registo da sentença o disposto nos artigos anteriores, com as modificações exigidas, devendo em todas as comunicações fazer-se adicionalmente referência à possibilidade conferida pela alínea anterior. 3 - O requerente do complemento da sentença deposita à ordem do tribunal o montante que o juiz especificar segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das referidas custas e dívidas, ou cauciona esse pagamento mediante garantia bancária, sendo o depósito movimentado ou a caução accionada apenas depois de comprovada a efectiva insuficiência da massa, e na medida dessa insuficiência. 4 - Requerido o complemento da sentença nos termos dos n.os 2 e 3, deve o juiz dar cumprimento integral ao artigo 36.º, observando-se em seguida o disposto no artigo 37.º e no artigo anterior, e prosseguindo com carácter pleno o incidente de qualificação da insolvência, sempre que ao mesmo haja lugar. 5 - Quem requerer o complemento da sentença pode exigir o reembolso das quantias despendidas às pessoas que, em violação dos seus deveres como administradores, se hajam abstido de requerer a declaração de insolvência do devedor, ou o tenham feito com demora. 6 - O direito estabelecido no número anterior prescreve ao fim de cinco anos. 7 - Não sendo requerido o complemento da sentença: a) O devedor não fica privado dos poderes de administração e disposição do seu património, nem se produzem quaisquer dos efeitos que normalmente correspondem à declaração de insolvência, ao abrigo das normas deste Código; b) O processo de insolvência é declarado findo logo que a sentença transite em julgado, sem prejuízo da tramitação até final do incidente limitado de qualificação da insolvência; c) O administrador da insolvência limita a sua actividade à elaboração do parecer a que se refere o n.º 2 do artigo 188.º; d) Após o respectivo trânsito em julgado, qualquer legitimado pode instaurar a todo o tempo novo processo de insolvência, mas o prosseguimento dos autos depende de que seja depositado à ordem do tribunal o montante que o juiz razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas e das dívidas previsíveis da massa insolvente, aplicando-se o disposto nos n.os 4 e 5. (…)

Por sua vez, o seu art. 232.º, estipula que (1) verificando que a massa insolvente é insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, o administrador da insolvência dá conhecimento do facto ao juiz, podendo este conhecer oficiosamente do mesmo. 2 - Ouvidos o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, o juiz declara encerrado o processo, salvo se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente. (…).
Resumindo o estado dos autos em causa, estamos perante situação em que o processo, a pedido dos Recorrentes, prosseguiu com carácter pleno.
Nessas circunstâncias, tal como ficou dito no Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 4.6.2020 (5), em que o presente relator foi adjunto e por economia aqui reproduzimos, “uma vez proferida essa sentença, se no decurso do processo vier a apurar a insuficiência da massa insolvente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente (o que se presumirá, relembra-se, quando o património da massa seja inferior a cinco mil euros – n.º 7 do art. 232º), o juiz, a requerimento do administrador da insolvência ou oficiosamente, determina o imediato encerramento do processo, uma vez ouvidos o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, excepto se algum interessado requerer o prosseguimento do processo e depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz para garantir o pagamento das custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente.
O encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa, nos termos do disposto no art. 232º, determinará, além dos demais efeitos jurídicos previstos no art. 233º, a extinção da instância dos processos de verificação de créditos (6), excepto se já tiver sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos (art. 233º, n.º 2, al. a)), mas nunca determina o encerramento do incidente de qualificação da insolvência que tenha sido declarado aberto na sentença que declarou a insolvência e que ainda não estiver findo à data do encerramento, o qual prosseguirá os seus termos como incidente limitado (n.º 5 do art. 233º).
São requisitos para que o interessado se oponha ao encerramento imediato do processo de insolvência com fundamento em insuficiência da massa: a) que aquele se oponha ao encerramento do processo no prazo fixado pelo juiz para que o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente se oporem a esse encerramento; b) que o mesmo seja “interessado”; e c) que seja depositado à ordem do tribunal o montante por este fixado para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente.”

No caso, está em causa para verificação desta excepção a qualificação dos Recorrentes, credores da aqui insolvente, como “interessados” no prosseguimento dos autos para os efeitos previstos no art. 232º, nº 2, do CIRE.
Conforme se escreveu a propósito de referência legal próxima, inscrita no citado art. 39º, do CIRE, no Acórdão deste Tribunal da Relação, acima citado, reproduzindo jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto “de 15/10/2007 (7), a propósito do conceito de interessado para efeitos de complemento da sentença, mas cujas considerações jurídicas são, por identidades de razões, plenamente aplicáveis aos interessados para efeitos de oposição ao encerramento do processo de insolvência com fundamento em insuficiência da massa (art. 232º, n.º 2), “o conceito de «interessado» para efeitos do art. 39º deve ter um âmbito mais amplo do que o de «parte legítima» (legitimidade), não se confundindo – sendo mais amplo – com o «interesse em agir». Interessado será todo aquele que é titular de um interesse, ainda que em litígio, tendo interesse em contradizer (aqui se aproximando da “legitimidade”). Será ainda interessado todo aquele que mostre interesse no objecto do processo ou interesse no próprio processo (será interessado todo aquele que mostre, assim, um interesse em agir). “Qualquer interessado (…) será todo aquele que invoca ser titular de um certo direito, ainda que esse direito se encontre a ser discutido em juízo”. Assim, um credor titular de um crédito litigioso é “interessado”, nos termos do art. 39º, n.º 2, al. a) do CIRE, podendo, deste modo, requerer o complemento da sentença (8).
O interesse concreto que neste caso os Recorrentes visam com o prosseguimento do apenso de reclamação de créditos prende-se com a alegada necessidade de existir uma decisão judicial – nomeadamente a desse apenso - para que mais tarde possam assegurar o pagamento pelo do Fundo de Garantia Salarial, nos termos do art. 5º, do D.L. nº 59/2015, da totalidade dos créditos que dizem ter sobre a insolvente.
Todavia, como ficou dito no Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães, citado supra, “A esse respeito impõe-se referir que o art. 336º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02, na sua 17ª versão, aprovada pela Lei n.º 14/2018, por ser a que se encontrava em vigor à data em que, em 09/11/2018, a apelante resolveu o seu contrato de trabalho, invocando justa causa, estabelece que “o pagamento de créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação específica. (…)
O art. 1º, n.º 1, al. a) do DL n.º 59/2015, estabelece que o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato ou da sua violação, desse que seja proferida sentença de declaração de insolvência do empregador, acrescentando o seu n.º 2, al. a), que para esses efeitos, o Fundo é notificado no âmbito do processo de insolvência, pelo tribunal da sentença de declaração de insolvência do empregador, a qual deve ser acompanhada de cópia da petição inicial e dos documentos identificados nas als. a) e b) do art. 24º do CIRE.
Por sua vez, o art. 5º desse diploma estatui que o Fundo efectua o pagamento de créditos garantidos mediante requerimento do trabalhador, do qual constam, designadamente, a identificação do requerente e do respectivo empregador e a discriminação dos créditos objecto do pedido (n.º 1), devendo o requerimento ser instruído, consoante as situações, com os seguintes documentos: a) declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador, emitida pelo administrador de insolvência ou pelo administrador judicial provisório; b) declaração comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida declarados no requerimento pelo trabalhador, quando o mesmo não seja parte constituída, emitida pelo empregador; c) declaração de igual teor, emitida pelo serviços com competência inspectiva do ministério responsável pela área do emprego, quando não seja possível obtenção dos documentos previstos nas alíneas anteriores (n.º 2), devendo o requerimento ser certificado pelo administrador da insolvência, pelo administrador judicial provisório, pelo empregador ou pelo serviço com competência inspectiva do ministério responsável pela área do emprego, consoante o caso, sendo a certificação feita: a) através de aposição de assinatura electrónica; ou b) através de assinatura manuscrita no verso do documento (n.º 3).
Conforme resulta linearmente do regime legal acabado de transcrever, para que a apelante, enquanto trabalhadora, possa fazer valer os seus direitos laborais em relação ao Fundo de Garantia Salarial, é condição que a sua entidade empregadora tenha sido declarada insolvente, embora tal não seja condição suficiente.
Com efeito, a apelante terá de reclamar esses créditos laborais junto do Fundo e esse requerimento terá de ser instruído com declaração ou cópia autenticada do documento comprovativo em como aquela reclamou os seus créditos, emitida pelo administrador da insolvência ou pelo administrador judicial provisório (este último, no âmbito do PER) ou por declaração emitida pelo empregador comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida ou declaração de igual teor, emitida pelo serviço com competência inspectiva do ministério responsável pela área do emprego quando não seja possível ao trabalhador obter essa declaração do empregador ou do administrador.”

Neste processo, como acima se relata, ambos os Recorrentes reclamaram inicialmente ou sucessivamente (por via da impugnação da listra de credores) os créditos que entendem lhes serem devidos e nada impede que a A.I. certifique, cumprindo a exigência desse art. 5º, nº 1, al. a), o valor em causa, quer o que lhes foi reconhecido, quer o que reclamaram inicialmente ou na impugnação entretanto deduzida, sendo certo que essa norma não exige, por um lado, qualquer certificação por sentença judicial e, por outro, não faz depender a pretensão dos requerentes do prévio reconhecimento desses créditos pelo A.I., bastando-se com o registo da sua singela pretensão no âmbito da insolvência, não se podendo extrair da letra dessa norma coisa que não está lá e que, portanto, o legislador não quis (cf. art. 9º, do Código Civil). A situação dos Recorrentes é, portanto diversa daquela em que se encontravam quando pediram o complemento da sentença insolvencial ao abrigo do disposto no art. 39º, nº 2, do CIRE, já que puderam entretanto reclamar os seus créditos.
Foi isso, aliás, que de alguma forma já se deixou dito no Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães do passado dia 4.6.2020, na seguinte passagem: “É que contrariamente ao pretendido pela apelante, a reclamação junto do Fundo “é independente do reconhecimento dos créditos salariais em sede de insolvência, bastando a declaração ou cópia autenticada do documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador emitida pelo administrador de insolvência” (9).”
Isso mesmo foi dito no Ac. deste mesmo Tribunal da Relação de Guimarães, de 14.5.2020 (10), no qual se concluiu que: “O encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente não impede o apelante de requerer, perante o Fundo de Garantia Salarial, o seu crédito reclamado e reconhecido no processo de insolvência nem a interpretação das normas em que o tribunal se fundamentou viola o princípio da legalidade nem o do acesso ao direito.”
Seguindo esse entendimento (cf. art. 8º, nº 3, do Código Civil), discordamos respeitosamente da posição expressa no Ac. de 15.3.2018, deste mesmo Tribunal da Relação de Guimarães (11), invocado pelos Recorrentes, dado que não fica, pelas razões expostas, precludido o concreto direito que invocam, nem esta interpretação das normas em apreço pode ser posta em causa pela simples circunstância de coexistir interpretação diversa por parte de qualquer outra instituição judicial ou administrativa (cf. art. cf. art. 8º, nº1, do Código Civil).
Nestas circunstâncias o prosseguimento do processo apenas para satisfação desse “interesse” particular dos Recorrentes seria um acto inútil (cf. art. 130º, do Código de Processo Civil), como já se defendeu no citado arresto de 4.6.2020 e bem assim no Ac. deste mesmo Tribunal da Relação de Guimarães, de 16.11.2017 (12), no qual ficou dito que “a partir do momento em que se tem como assente nos autos que nenhuma quantia será distribuída pelos credores, designadamente, com o encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, como é o caso, torna-se inútil reconhecer e graduar os créditos reclamados, pois o processo atingiu o seu fim.”
Acrescente-se que a natureza plena ou limitada do incidente de qualificação, prevista, v.g., no art. 36º, nº 1, al. i), do CIRE, não é confundível com o objecto mais vasto do processo insolvencial, nem contende, neste caso, com o concreto direito aos créditos reclamados, sendo de lembrar que a abertura daquele deixou de ter carácter obrigatório desde a redacção dada pela Lei nº 16/2012.
Em suma, os Recorrentes não podem ser considerados interessados para os efeitos do citado art. 232º, pelo que carece de fundamento a sua apelação.

4. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes, em partes iguais (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil).
*
*
Guimarães, 23-06-2020

Assinado digitalmente por:
Rel. – Des. José Flores
1º Adj. - Des. Sandra Melo
2º - Adj. - Des. Conceição Sampaio


1. Da responsabilidade do relator – cf. art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.
2. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106.
3. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
4. Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107.
5. In Proc. nº 7329/18.0T8VNF.G1, inédito.
6. O sublinhado é nosso…
7. In http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/46d5deb6f4d14118802573770030b09a?OpenDocument
8. Luís M. Martins, ob. cit., pág. 215.
9. Ac. TCAN de 29/11/2019, Proc. 00250/17.0TEVIS e de 07/07/2017, Proc. 00416/14.5MDL, in base de dados da DGSI.
10. In http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/2cf5eac59bf98ed480258576004e8d89?OpenDocument
11. In http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/7d5c4936e65d21308025826a003179fd?OpenDocument
12. In http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/82F8A6348477ABB18025821A0036F89A