RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO PELO INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
DANO DA PERDA DE CHANCE OU OPORTUNIDADE
Sumário

I - A indemnização a fixar a favor do contraente que declara resolver o contrato por incumprimento da contraparte pode também abranger o denominado interesse contratual positivo.
II - Se o contraente que declara resolver o contrato não prestou serviço à contraparte após essa declaração, não tem direito a receber a remuneração vencida após a cessação do contrato.
III - Não havendo uma probabilidade séria de que o contraente que declarou resolver o contrato iria auferir um valor se o contrato se mantivesse em vigor, não deve ser indemnizado a título de dano de perda de chance.

Texto Integral

Processo n.º 1018/19.5T8PVZ.P1

Sumário.
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Processo n.º 1018/19.5T8PVZ.P1.
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1). Relatório.
B…, residente na residente na Rua…, lote …, nº …, …, Guimarães, propôs contra Clube Desportivo C…, Lda. – Em Liquidação, com sede na Rua …, n.º …, …, Porto, ação declarativa, com forma de processo comum, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe:
15.561 EUR a título de indemnização referente a danos emergentes, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento;
58.645 EUR a título de indemnização referente a lucros cessantes, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento».
O sustento de tais pedidos radica em que o Autor, como empresário desportivo, apresentou ao Réu um atleta de futebol profissional, tendo o clube demostrado interesse na contratação do mesmo.
No seguimento, o Réu celebrou em 15/08/2017 um contrato de trabalho desportivo com o referido atleta e, na mesma data, foi também celebrado um contrato de prestação de serviços entre si e o Réu.
No âmbito desse contrato, o Réu contratou o Autor para assegurar os serviços do referido atleta com o objetivo de integrar a equipa de futebol do Réu e promover a futura venda com proveito financeiro;
Ficou acordado que o Autor tinha direito a receber do Réu a quantia de 8.645 EUR, durante a época desportiva 2017/2018, a pagar em dez prestações mensais e sucessivas, com início em 31/08/2017, com iguais valores em 2018/2019 e 2018/2020, esta última se o atleta se mantivesse ao serviço do Réu;
Mais se clausulou que, caso o Réu vendesse o atleta, teria de pagar ao Autor 40% do valor líquido recebido.
O Réu não pagou as prestações de novembro e dezembro de 2017, sendo que o atleta se lesionou em outubro de 2017, não mais tendo tido participação em qualquer jogo oficial;
O Autor, pelo incumprimento do Réu resolveu o contrato em causa.
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Citado, o Réu não contestou, tendo sido proferido despacho a considerar confessados os factos articulados na petição inicial.
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Foi proferida sentença a julgar parcialmente procedente o pedido, condenando o Réu a pagar 1 729 EUR, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral e efetivo pagamento, absolvendo o Réu do demais peticionado.
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Não concordando com a absolvição do Réu, interpôs o Autor recurso formulando as seguintes conclusões:
«1.ª A douta sentença em mérito incorreu em erro de julgamento, por violação da lei e preterição do Direito, designadamente na determinação da indemnização devida ao Autor pelos danos sofridos em virtude do incumprimento definitivo do contrato de prestação de serviços celebrado entre Autor e Réu, pelo que deve ser revogada e alterada nos termos que abaixo defenderemos.
2.ª Na presente acção, tendo o Réu sido citado regularmente e não tendo apresentado contestação à acção proposta pelo Autor, produziu-se de forma imediata a sua revelia, pelo que os factos articulados pelo Autor na Petição Inicial consideram-se confessados.
3.ª Assim, resultaram provados com relevância para a decisão da causa, porquanto constituem o fundamento da acção, os factos vertidos nos artigos 1.º, 2.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39.º e 40.º da Petição Inicial;
4.ª Insurge-se o Recorrente quanto ao entendimento/decisão do Tribunal a quo relativamente ao quantum indemnizatório que lhe é devido em virtude do incumprimento pelo Réu daquele do contrato de prestação de serviços contrato, que motivou a resolução contratual operada pelo A.
5.ª Com efeito, o Autor peticionou na acção a condenação do Réu a pagar-lhe as seguintes quantias a título indemnizatório:
«1) Relativamente aos danos emergentes:
- €6.916,00 […] referentes a 8 prestações da época 2017/2018;
- €8.645,00 […] referentes a 10 prestações da época 2018/2019;
2) Relativamente aos lucros cessantes:
- €8.645,00 […] referentes a 10 prestações da época 2019/2020, correspondente a mais uma época de renovação/opção;
- €50.000,00 […], uma vez que a actuação do R. inviabilizou por completo uma futura venda do jogador e a consequente comissão (40%) a pagar ao A. pela venda do Atleta»
6.ª tendo o Tribunal a quo condenado o Réu a pagar ao Autor apenas a quantia de €1.729,00.
7.ª Subjacente a esta decisão, com a qual o Recorrente não se conforma, está a tese expendida pela decisão recorrida no sentido de que tendo o A. optado por resolver o contrato de prestação de serviços que havia celebrado com o R. «optou por exercer o seu direito potestativo extintivo da relação contratual e que extinta a relação contratual, ocorre a desvinculação das partes, pelo que a partir desse momento, as partes ficam exoneradas dos seus deveres de prestação e perdem, simultaneamente, o direito à contraprestação.»
8.ª E que «a resolução abre caminho à indemnização apenas pelo interesse contratual negativo, pelos danos que o lesado sofreu por ter celebrado o contrato «a indemnização pelo dano negativo tende a por o lesado na situação em que estaria se não houvesse celebrado o contrato, ou mesmo iniciado as negociações com vista à respectiva conclusão, assistindo-lhe o direito a ser ressarcido do que despendeu na expectativa da consumação do negócio.»
9.ª Nos dizeres da sentença recorrida «após a resolução do contrato, extinguiu-se a relação contratual, pelo que, a partir desse momento, o Autor não poderá exigir do Réu o pagamento de prestações que não se chegaram a vencer (art. 433.º e art. 434.º do Código Civil).»
10.ª Ademais, afirma-se na sentença recorrida que «perante o incumprimento definitivo do Réu, o Autor não tinha necessariamente de resolver o contrato e extinguir a relação contratual; o Autor poderia ter optado pela manutenção do contrato e, nesse caso, as partes continuariam vinculadas aos seus deveres de prestação. Como o Autor optou por resolver o contrato celebrado com o Réu, com a consequente extinção da relação contratual, o Autor deixou de estar vinculado à sua obrigação contratual e o Réu, por seu turno, ficou desvinculado do pagamento da contrapartida pecuniária devida ao Autor.
Assim, o Autor não poderá exigir do Réu a quantia de €5.187,00, referente às prestações da época 2017/2018; a quantia de €8.645,00, referente a 10 prestações da época 2018/2019; a quantia de €8.645,00, referente a 10 prestações da época 2019/2020; e a quantia de €50.000,00 relativa a «uma futura venda do jogador e a consequente comissão (40%) a pagar ao A. pela venda do Atleta», venda essa que «a actuação do R. inviabilizou por completo»
11.ª Estribado nesta tese por referência à doutrina do Autor Joaquim de Sousa Ribeiro, que cita, o Tribunal a quo entendeu que o A. só teria direito a ser indemnizado relativamente ao valor das prestações relativas à época desportiva de 2017/2018 que já se tinham vencido quando o Autor resolveu o contrato, em 05-02-2018;
12.ª Tendo nessa conformidade decidido que a quantia de €1.729,00 (por correspondência à soma do valor de duas prestações) seria, pois, a contrapartida pelo serviço prestado pelo Autor ao Réu, pelo que o Autor pode exigir ao Réu apenas e só esse montante, deferindo ao Autor apenas esse valor a título indemnizatório.
13.ª Ora, o Recorrente discorda deste entendimento, reputando que o Tribunal a quo deveria ter equacionado o direito de indemnização pelos danos emergentes e lucros cessantes peticionados pelo Autor nos termos gerais para que aponta o artigo 801.º, n.º 2 do C.C. e nomeadamente à luz da doutrina que defende a cumulação do direito à resolução do contrato com o direito à indemnização pelo interesse contratual positivo.
14.ª Ora, como decorre da factualidade provada, o Réu à data da resolução do contrato pelo Autor encontrava-se em situação de incumprimento da execução do contrato – encontrava-se em dívida relativamente às prestações mensais referentes aos meses de Novembro, Dezembro de 2017 e Janeiro de 2018, devidas pela prestação de serviços do Autor – e perante a lesão sofrida pelo jogador D… fez com que este regressasse ao Brasil, tendo conseguido não se sabe por que vias obter a rescisão do contrato de trabalho desportivo celebrado com aquele, tendo assim o Clube Réu operado a desvinculação do jogador à revelia do Autor, inviabilizando também por essa via a manutenção do contrato de prestação de serviços celebrado com o Autor (cfr. Factos provados constantes dos artigos 18.º a 35.º da Petição Inicial).
15.ª Revelando ainda a factualidade provada que, face a esses sucessivos e gravosos incumprimentos do Clube Réu, também a confiança do autor ficou irremediavelmente afectada, daí ser-lhe inexigível a subsistência do vínculo contratual.
16.ª E note-se que o nível de descaso do Réu perante as obrigações contratuais por assumidas é tal que não respondeu a nenhuma das comunicações remetidas pelo Autor, ou sequer Contestou a presente acção.
17.ª Assim, à luz do que vem de ser dito, cremos que a resolução do contrato operada pelo Autor, era inevitável, e não meramente opcional como é referido na sentença recorrida.
18.ª Cremos, pois, que está assente que o não cumprimento do contrato em apreço se deveu a facto imputável ao Réu, ora Apelado, e que podia o Autor/credor resolver o contrato, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do citado art.º 801.º. Isto porque se presume a culpa daquele no incumprimento – artigo 799.º C.C. – e ele não logrou ilidir essa presunção atenta a falta de contestação à presenta acção – artigos 344.º n.º 1 e 350.º n.ºs 1 e 2 do C.C.
19.ª No entanto, a sentença recorrida equacionou quanto a nós mal, sempre salvo o devido respeito e melhor opinião, o direito à indemnização peticionado pelo Autor nos termos gerais para que aponta o artigo 801.º, n.º 2 do C.C.
20.ª Na verdade a sentença recorrida faz apelo da doutrina mais conservadora quanto aos efeitos da resolução do contrato e suas repercussões ao nível da indemnização a que o contraente lesado (neste caso Autor) terá direito.
21.ª A pretensão indemnizatória deduzida pelo Autor funda-se no incumprimento do contrato de prestação de serviços acima identificado, imputado ao Réu.
22.ª E tem por objeto os prejuízos sofridos pelo Autor, traduzidos na frustração do benefício patrimonial que aquele deixou de obter, em virtude desse incumprimento, nomeadamente as contrapartidas monetárias que deixou de auferir:
1) Relativamente aos danos emergentes:
- €6.916,00 […] referentes a 8 prestações da época 2017/2018;
- €8.645,00 […] referentes a 10 prestações da época 2018/2019;
2) Relativamente aos lucros cessantes:
- €8.645,00 […] referentes a 10 prestações da época 2019/2020, correspondente a mais uma época de renovação/opção;
- €50.000,00 […], uma vez que a actuação do R. inviabilizou por completo uma futura venda do jogador e a consequente comissão (40%) a pagar ao A. pela venda do Atleta»
23.ª Trata-se, portanto, de uma indemnização estribada na violação do chamado interesse contratual positivo – dano in contractu -, a título de danos emergentes e lucros cessantes, consubstanciada no incumprimento definitivo da obrigação pelo Réu, imputado exclusivamente a este, mas na situação específica em que ocorreu já a resolução do referido contrato.
24.ª A tese da cumulação do direito à resolução com o direito à indemnização pelo interesse contratual positivo postula que o contraente fiel/lesado possa optar pela resolução e, ao mesmo tempo, pretenda a indemnização de um prejuízo que o coloque, afora o efeito resolutivo, numa posição equivalente àquela em que estaria se o contrato tivesse sido celebrado/cumprido – dano in contractu, correspondente ao interesse contratual positivo.
25.ª Assim, para aferir do acerto/desacerto da decisão recorrida importa clarificar qual o âmbito da indemnização cumulável com a resolução do contrato, designadamente, se tal indemnização visa colocar o credor/lesado na situação em que estaria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido (ressarcimento do interesse contratual positivo) ou se tal indemnização visa antes coloca-lo na situação em que estaria se o contrato não tivesse sido celebrado (ressarcimento do interesse contratual negativo).
26.ª A propósito desta problemática tem-se pronunciado recentemente e com especial acuidade o Nosso Supremo Tribunal de Justiça em vários dos seus arestos onde se podem ver explanadas com minúcia as várias teses em confronto, nomeadamente as defensoras da doutrina clássica ou tradicional (que defendem a cumulação do direito à resolução do contrato com o direito à indemnização pelo interesse contratual negativo) e as que vêm defendendo a possibilidade de cumulação do direito à resolução com o direito à indemnização pelo interesse contratual positivo, sendo estas últimas, no sentido da admissibilidade dessa cumulação, que têm vindo a ser preferidas/adoptadas (Cfr. Os doutos Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça em 24/01/2017, PROCESSO N.º 1725/13.6TVLSB.C1.S1, em 15/02/2018, PROCESSO N.º 7461/11.0TBCSC.L1.S1. e em 17/05/2018, PROCESSO N.º 567/11.8TVLSB.L1.S2, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
27.ª Para demonstrar que o Tribunal a quo deveria ter reconhecido ao Autor o direito às quantias por si peticionadas na acção precisamente com base na cumulação do direito à resolução do contrato com o direito à indemnização pelo interesse contratual positivo, deverá seguir-se a orientação perfilhada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/02/2018, PROCESSO N.º 7461/11.0TBCSC.L1.S1, e que o Autor pretende que seja aplicada ao caso sub judice.
28.ª Nesse douto Acórdão faz-se uma explanação muito rigorosa e actual sobre a doutrina que defende a cumulação do direito à resolução com o direito à indemnização pelo interesse contratual positivo, e à luz da doutrina explanada, e que ali se acolheu, assim se sumariou naquele Aresto:
a) - Do preceituado no artigo 801.º, n.º 2, do CC, no respeitante à ressalva do direito a indemnização, em caso de resolução de contratos bilaterais, nenhum argumento interpretativo substancialmente decisivo se pode extrair no sentido de excluir o direito de indemnização pelos danos positivos resultantes do incumprimento definitivo desde que não se encontrem cobertos pelo aniquilamento resolutivo das prestações que eram devidas;
b) - Por isso mesmo, impõe-se equacionar a solução na perspetiva da finalidade e função da resolução, enquadrada no plano mais latitudinário do programa negocial, multidimensional, envolvente e da relação de liquidação em que, por virtude dessa resolução, se transfigura a relação contratual originária;
c) - Nesse quadro, deve ser reconhecido o primado do princípio geral da obrigação de indemnizar o credor lesado, consagrado no artigo 562.º do CC, segundo o método da teoria da diferença acolhido pelo artigo 566.º, n.º 2, do mesmo diploma, como escopo fundamental reintegrador dos interesses atingidos pelo incumprimento do contrato;
d) - Nessa medida, tendo em conta a “diversidade ontológica” da invalidade e da resolução, deve ser relativizada a eficácia retroativa atribuída a esta pelos artigos 433.º e 434.º, n.º 1, por equiparação aos efeitos daquela estatuídos nos artigos 289.º e 290.º do CC, em termos de salvaguardar a vertente da tutela ressarcitória (a par da tutela restituitória ou recuperatória), quanto aos danos positivos resultantes do incumprimento que serviu de fundamento à mesma resolução e não abrangidos pelo obliteração resolutiva das prestações que eram devidas, assim se ressalvando a finalidade da resolução (que se tem por restrita) a que se refere a parte final do citado artigo 434.º, n.º 1;
e) - Consequentemente, ao contraente fiel, perante o incumprimento definitivo imputável ao outro contraente, assistirá a faculdade de optar, em simultâneo, pela resolução do contrato de forma a libertar-se do respetivo dever típico de prestar ou a recuperar a prestação já por si efetuada, e pelo direito a indemnização dos danos decorrentes daquele incumprimento não satisfeitos pelo valor económico das prestações atingidas pela resolução;
d) - Todavia, em caso de resolução, poderá ser ainda assim desatendida a indemnização pelos danos positivos, quando esta revele desequilíbrio grave na relação de liquidação ou se traduza em benefício injustificado para o credor, ponderado, à luz do princípio da boa fé, o concreto contexto dos interesses em jogo, atento o tipo de contrato em causa, sem prejuízo, nessas circunstâncias, do direito a indemnização em sede do interesse contratual negativo nos termos gerais. »
29.ª Estribado na doutrina e na jurisprudência constante deste Acórdão, entende o Recorrente que mal andou o Tribunal a quo ao entender que a resolução do contrato operada pelo Autor apenas é cumulável com a indemnização pelo interesse contratual negativo e não com a indemnização pelo interesse contratual positivo.
30.ª Tal-qualmente, fez o Tribunal a quo uma equivocada interpretação e aplicação dos artigos 433.º e 434.º do C.C. quanto aos efeitos da resolução do contrato, pois devem ser entendidos conforme consta do sumário do acórdão do STJ supra transcrito [cfr. Alínea d)].
31.ª Terá então o Autor direito a ser indemnizado em sede da violação do interesse contratual positivo, com vista à reparação dos dano sofridos em consequência do incumprimento definitivo do contrato de prestação de serviços, imputado ao Réu e que serviu de fundamento à resolução deste contrato.
32.ª Os danos/prejuízos invocados pelo Autor consistem na frustração das vantagens patrimoniais que aquele obteria não fosse o incumprimento contratual por banda do Réu, nomeadamente:
- O valor correspondente ao montante das prestações referentes às duas épocas desportivas de 2017/2018 e 2018/2019, que estavam convencionadas na cláusula segunda do contrato de fls. 15v-16ve e que o Autor não recebeu, ou seja, €6.916,00 (seis mil novecentos e dezasseis euros) referentes a 8 prestações da época 2017/2018 e €8.645,00 (oito mil seiscentos e quarenta e cinco euros) referentes a 10 prestações da época 2018/2019;
A quantia de €8.645,00 (oito mil seiscentos e quarenta e cinco euros) referente a 10 prestações da época 2019/2020, correspondente a mais uma época de renovação/opção, prevista também convencionada na cláusula segunda do mesmo contrato;
- €50.000,00 (cinquenta mil euros), correspondente ao valor da comissão de 40% a pagar pelo Réu ao Autor pela venda do Atleta, prevista também na cláusula segunda do contrato, sendo o valor de mercado do jogador de €125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros).
33.ª Tais prejuízos, embora decorrentes daquele incumprimento definitivo do contrato de prestação de serviços pelo Réu (à excepção das três prestações vencidas referentes à época 2017/2018 e não pagas pelo Réu à data da resolução do contrato) não se encontram reparados por via da extinção resolutiva, com eficácia retroativa, da correspetiva contraprestação do Réu;
34.ª Entende o Recorrente que estão preenchidos os pressupostos referenciados no acórdão do STJ que supra se citou, para que possa, in casu, o Autor ser indemnizado nas quantias que peticiona na acção.
35.ª Porquanto à luz do princípio da boa-fé, o concreto contexto dos interesses em jogo, atento o tipo de contrato em causa, a não reparação daquele interesse (contratual positivo) é suscetível de gerar um grave desequilíbrio na relação de liquidação resultante da resolução do contrato e no quadro alargado do programa negocial, para o que se mostra mais adequada a solução de atender à indemnização pela violação do interesse contratual positivo, não se divisando, por outro lado, que desta solução advenha ao credor lesado qualquer benefício injustificado.
37.ª Crê o Apelante que ao não se arbitrar indemnização pelos danos positivos (pelo interesse contratual positivo) ao Autor, estar-se-á a compactuar com uma actuação de falta de lisura e de má-fé do Réu, que persistirá neste tipo de comportamento no comércio jurídico, recorrendo a expedientes para se eximir das suas obrigações, frustrando sem qualquer justificação as legítimas expectativas do contraente não faltoso, e de boa-fé.
38.ª Reputa o Recorrente que em face do exposto resulta reconhecida a susceptibilidade de indemnização dos danos alegados pelo Autor em sede de violação do interesse contratual positivo.
39.ª E, bem assim, entendemos que tem o Autor direito a ser indemnizado pelos danos invocados, nos montantes peticionados.
40.ª O princípio geral subjacente à obrigação de indemnização pressupõe que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – artigo 562.º do C.C. (princípio da reposição natural).
41.ª O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, os danos emergentes e os lucros cessantes – artigo 564.º, n.º 1 do C.C.
42.ª A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor; a indemnização em dinheiro, sem prejuízo de preceituado noutras disposições, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
43.ª Nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do C.C. o montante da indemnização pecuniária mede-se pela diferença entre a situação (real) em que o lesado se encontra e a situação (hipotética) em que ele se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano.
44.ª Assim, e de acordo com este preceito legal, no caso em apreço, o montante da indemnização pecuniária a arbitrar ao Autor é determinável e deverá corresponder aos valores dos danos peticionados pelo Autor, os quais estão dados como assentes atenta a confissão dos factos por falta de Contestação do Réu, ou seja: €6.916,00 (seis mil novecentos e dezasseis euros) referentes a 8 prestações da época 2017/2018 e €8.645,00 (oito mil seiscentos e quarenta e cinco euros) referentes a 10 prestações da época 2018/2019, correspondente ao montante das prestações referentes às duas épocas desportivas de 2017/2018 e 2018/2019, que estavam convencionadas na cláusula segunda do contrato de fls. 15v-16ve e que o Autor não recebeu; - A quantia de €8.645,00 (oito mil seiscentos e quarenta e cinco euros) referente a 1 prestações da época 2019/2020, correspondente a mais uma época de renovação/opção, prevista também convencionada na cláusula segunda do mesmo contrato; - €50.000,00 (cinquenta mil euros), correspondente ao valor da comissão de 40% a pagar pelo Réu ao Autor pela venda do Atleta, prevista também na cláusula segunda do contrato, sendo o valor de mercado do jogador de €125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros).
44.ª Pelo que deverá, pois, o Réu ser condenado na totalidade do pedido formulado pelo Autor.
45.ª Conclui-se, assim, que o Tribunal de 1.ª instância, ao decidir como decidiu, violou as normas jurídicas ínsitas nos artigos 798.º, 799.º, 801.º, 808.º, 562.º, 563.º, 564.º, n.º 1 e 566.º todos do Código Civil.
46.ª Caso Este tribunal Ad quem não venha a acolher o argumentação aduzida pelo Recorrente quanto à cumulação do direito à resolução do contrato com o direito à indemnização pelo interesse contratual positivo, condenando o Réu no pagamento ao Autor das quantias peticionadas na acção, o que não se concebe nem concede, mas que por mero dever de patrocínio se admite, sempre se dirá que ocorre um erro de julgamento, na sentença recorrida nos seguintes termos:
47.ª Com efeito, na fundamentação da sentença recorrida defende-se que o Autor optou por exercer o seu direito potestativo extintivo da relação contratual e que extinta a relação contratual, ocorre a desvinculação das partes, pelo que a partir desse momento, as partes ficam exoneradas dos seus deveres de prestação e perdem, simultaneamente, o direito à contraprestação.
48.ª Que nessa conformidade tendo o Autor feito operar a resolução do contrato de prestação de serviços que o ligava ao Réu, esta resolução só é cumulável com a indemnização pelo interesse contratual negativo, ou seja, o Autor só terá direito a ser indemnizado pelos danos que sofreu por ter celebrado o contrato; «a indemnização pelo dano negativo tende a por o lesado na situação em que estaria se não houvesse celebrado o contrato, ou mesmo iniciado as negociações com vista à respectiva conclusão, assistindo-lhe o direito a ser ressarcido do que despendeu na expectativa da consumação do negócio.»
49.ª E perfilhando este entendimento, desenvolve o Tribunal a quo «das quantias peticionadas pelo Autor, verificamos que (nos €6.916,00 referentes a 8 prestações da época 2017/2018) está aí incluído o montante de €1.729,00, o qual diz respeito a duas prestações relativas à época desportiva de 2017/2018 que já se tinham vencido quando o Autor resolveu o contrato, em 05-02-2018 (a partir da resolução do contrato venceram-se seis prestações relativas à época desportiva de 2017/2018).
O montante de €1729,00 é a contrapartida pelo serviço prestado pelo Autor ao Réu, pelo que o Autor pode exigir do Réu esse montante (…)
Após a resolução do contrato, extinguiu-se a relação contratual, pelo que a partir desse momento, o Autor não poderá exigir do Réu o pagamento de prestações que não se chegaram a vencer.»
50.ª Ora, cremos que à luz da tese propalada pelo Tribunal a quo supra reproduzida, Este incorreu em erro na decisão que proferiu, nomeadamente ao condenar o Réu apenas no pagamento da quantia de €1.729,00 ao Autor.
51.ª Efectivamente, como é referido na fundamentação da sentença, a resolução do contrato pelo Autor ocorreu em 02/05/2018;
52.ª Verdade sendo que consta também da fundamentação da sentença que «está provado que o Autor, representado por uma I. Advogada, em 17-12-2017, remeteu ao Réu uma carta – com o teor que consta do documento n.º 6 apresentado com a petição inicial e junto ao processo a fls. 19-19v – exigindo o pagamento dos «montantes em dívida» nessa data, sob pena de «rescindir, com justa causa, o contrato de prestação de serviços celebrado, nos termos da lei»;
53.ª Ora, os montantes em dívida referidos nessa carta – trata-se das prestações vencidas referentes dos meses de Novembro e Dezembro, conforme alegado no artigo 22.º da petição inicial, que está dado como provado.
54.ª Assim sendo, e que tendo em conta que o Autor resolveu o contrato com o Réu, apenas em 05/02/2018, ocorreu entretanto o vencimento de uma terceira prestação (vencida em 15 de Janeiro de 2018) ainda em momento anterior à resolução contratual.
55.ª Pelo que desenvolvendo o Tribunal a quo o raciocínio na premissa de que o Autor tem apenas direito a receber o montante referente às prestações que já se encontravam vencidas quando este resolveu o contrato, a conclusão que se impunha é no sentido de que a contrapartida pelo serviço prestado pelo Autor ao Réu, é de €2.593,50 (correspondente três prestações vencidas relativas à época desportiva de 2017/2018, nomeadamente os meses de Novembro e Dezembro de 2017 e Janeiro de 2018) em vez de €1.729,00;
56.ª Destarte, o Réu deveria ter sido condenado no pagamento ao Autor da quantia de €2.593,50 (dois mil quinhentos e noventa e três euros e cinquenta cêntimos) e não €1.729,00 (mil setecentos e vinte e nove euros), devendo a sentença recorrida ser revogada nessa parte.»
Termina pedindo a revogação da sentença proferindo-se nova decisão nos termos acima referidos.
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Não houve contra - alegações.
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A questão a decidir é aferir se o recorrente pode obter a condenação do recorrido no pagamento de outras quantias não atendidas na sentença por força da resolução contratual que operou.
*
2). Fundamentação.
2.1). De facto.
Foram considerados provados os seguintes factos:
1). O Autor é um empresário desportivo, licenciado e inscrito na Federação Portuguesa de Futebol desde 20.., tendo como atividade principal a representação dos interesses de jogadores profissionais de futebol, bem como a prestação de serviços de consultoria e assessoria técnica no âmbito da gestão dos interesses e da carreira dos atletas que representa;
2). Em agosto de 2017, o Autor apresentou ao Réu um atleta de futebol profissional de seu nome D…, de nacionalidade brasileira, tendo o clube demostrado interesse na contratação do mesmo.
3). O Autor diligenciou pela legalização e de toda a documentação necessária para a vinda do atleta para Portugal.
4). Nesse sentido, em 15/08/2017 foi celebrado na … um Contrato de Trabalho Desportivo, no qual constava como 1.º contraente o Réu e como 2.º contraente o referido jogador D… (documento n.º 3).
5). Nesse contrato clausulou-se entre o mais, o seguinte:
- «Cláusula Segunda: O presente contrato vigorará durante as épocas desportivas de 2017/2018 e 2018/2019, com início em 15 quinze de agosto de 2017 (dois mil e dezassete) e termo a 30 (trinta) de junho de 2019 (dois mil e dezanove);»
- «Cláusula Terceira: a) Na época 2017/2018 o Clube compromete-se a pagar ao jogador, a quantia global líquida de €8.355,00 (oito mil trezentos e cinquenta e cinco euros);
b) As remunerações serão pagas em dez (10) prestações mensais e iguais, de €835,50 (oitocentos e trinta e cinco euros e cinquenta cêntimos), vencendo-se a primeira até 15 de setembro de 2017 e as restantes ao igual dia dos meses subsequentes;
c) Na época 2019/2020, o 1.º Contraente terá opção de compra/ contrato sobre o 2.º Contraente. Caso se mantenha ao serviço, os mesmos valores se aplicam com a mesma periodicidade € 8.355,00 (oito mil trezentos e cinquenta e cinco euros) (…)»
6). Em 15/08/2017, na …, foi também celebrado um Contrato de Prestação de Serviços entre o Autor – como 1.º Contraente - e o Réu. – como 2.º Contraente (documento n.º 4).
7). Nesse contrato ficou clausulado, entre o mais, que o Segundo Contraente contratava o primeiro Contraente para assegurar os serviços do Atleta D…, com quem o Segundo Contraente pretendia celebrar Contrato de Trabalho para as próximas épocas desportivas com mais uma de opção, com o objetivo de integrar a sua equipa de Futebol e promover a futura venda com proveito financeiro.
8). De acordo com a cláusula segunda do referido contrato, ficou estipulado o seguinte:
«1) A título de contrapartida pela execução e cumprimento do disposto na cláusula anterior, o segundo Contraente confere ao primeiro Contraente, o direito a receber €8.645,00 (oito mil trezentos e cinquenta e cinco euros) durante a época desportiva 2017/2018 a pagar em 10 (dez) prestações mensais e sucessivas, com início em 31/08/2017;
2) Durante a época desportiva 2018/2019 os mesmos valores se aplicam, com a mesma periodicidade (oito mil trezentos e cinquenta e cinco euros);
3) Caso o Atleta, D…, se mantenha ao serviço do Segundo Contraente na época desportiva 2019/2020, os mesmos valores se aplicam, com a mesma periodicidade (oito mil trezentos e cinquenta e cinco euros);
4) Caso o Segundo Contraente consiga durante a vigência deste contrato a venda do Atleta D…, pagará ao primeiro Contraente 40% (quarenta por cento) do valor líquido recebido.»
9). Resulta ainda da cláusula quarta do mesmo contrato que este terá o seu início em 15/08/2017 e termo a 30/06/2019, ou seja pelo prazo de 20 meses (dez + dez), mais uma época de opção;
10). Prolongando o segundo Contraente automaticamente o contrato por mais 10 meses, caso o atleta permaneça ao serviço do mesmo na época 2019/2020.
11). Na mesma cláusula ficou também acordado que o incumprimento das obrigações contratuais legitima a resolução com justa causa e a consequente indemnização nos termos gerais da responsabilidade civil.
12). Em ../08/2017, o Autor e o jogador D… celebraram um Contrato de Representação - registado na Federação Portuguesa de Futebol - nos termos do qual o jogador encarregou o Autor, em regime de total exclusividade, de representar os seus interesses profissionais bem como de promover, dirigir e gerir a sua imagem e carreira enquanto futebolista profissional.
13). Nos termos da cláusula sétima do referido contrato, este seria válido por dois anos, com início a 27/08/2017 e termo a 26/08/2019.
14). Para além do mais, ficou ainda acordado na cláusula oitava «A rescisão ou denúncia do presente contrato por qualquer das partes sem justa causa antes do seu termo confere à parte não faltosa o direito a receber uma indemnização no valor de €150.000,00. O incumprimento pelo Atleta de qualquer das obrigações do presente contrato, confere ao Intermediário o direito de receber a indemnização fixada no parágrafo precedente, acrescida de todas as remunerações vencidas e vincendas a que teria direito no âmbito do presente contrato».
15). O jogador D… lesionou-se ao serviço do Réu durante o mês de outubro de 2017, não mais tendo tido participação em qualquer jogo oficial.
16). A lesão, ao que foi dado a conhecer ao Autor, tratava-se de uma pubalgia, lesão que demanda por via de regra um programa de reabilitação específico e demorado – no mínimo de 3 a 6 meses - mas que em situações mais complexas poderá atingir períodos até bem mais longos.
17). O Autor foi acompanhando, como lhe competia e era do seu interesse, dentro da medida das informações que lhe eram cedidas pelo Réu, o estado do jogador.
18). A partir do referido mês de outubro em que ocorreu a lesão do jogador, não mais o Réu procedeu ao pagamento das prestações devidas pelo contrato de prestação de serviços celebrado com o Autor.
19). Em sequência disso, e encontrando-se em dívida os valores referentes aos serviços prestados nos meses de novembro e dezembro de 2017, o Autor procurou os serviços de uma Advogada.
20). Foi assim que, em 14/12/2017, o Réu foi interpelado por carta registada com a/r para proceder à liquidação das prestações em dívida no prazo de cinco dias, sob pena de o Autor rescindir o contrato de prestação de serviços, conforme documento n.º 6.
21). Porém, apesar de interpelado para o efeito, não procedeu o Réu à liquidação dos valores em dívida.
22). Por conseguinte, em 05/02/2018, o Autor. comunicou ao R. por carta registada com aviso de recepção a rescisão, com justa causa, do contrato de prestação de serviços celebrado em 15 de Agosto de 2017 por motivo de falta culposa do pagamento dos serviços prestados nos já referidos meses de Novembro e Dezembro, conforme cópia da missiva junta sob documento n.º 7.
23). Exigindo que lhe fossem pagos os seguintes valores:
6.916 EUR referentes a oito prestações da época 2017/2018;
8.645 EUR, referentes a dez prestações da época 2018/2019;
50.000 EUR, por a actuação do Réu ter inviabilizado por completo uma futura venda do jogador e a consequente comissão (40%) a pagar ao A. pela venda do Atleta, atendendo à avaliação do jogador em 125.000 EUR.
24). Não tendo logrado obter qualquer resposta do Réu à sua missiva.
25). Entretanto, e como era habitual, o A. tentou contactar com o jogador D….
26). Primeiro telefonicamente para o seu telemóvel, de onde surgiu a informação de que número de telemóvel deixou de estar atribuído;
27). Tendo depois procurado o jogador na sua residência em Portugal, mas não conseguiu encontrá-lo.
28). Face à total ausência de notícias do jogador, e achando toda a situação muito estranha, o Autor solicitou à sua Advogada que contactasse o Réu no sentido de se obter notícias do jogador.
29). Tendo-lhe sido transmitido que o jogador havia regressado ao Brasil.
30). Questionado o Réu sobre o motivo do jogador ter regressado ao Brasil, foi dito que tal regresso se deveu ao facto do jogador se ter lesionado e ter feito poucos jogos.
31). Perante tal tese, dúvidas não restam ao Autor que o Réu ter-se-á aproveitado da lesão para chegar a um acordo de rescisão do contrato de trabalho desportivo celebrado entre o mesmo e o jogador - prejudicando dessa forma os interesses do A..
32). O que, aliás, já vem sendo prática do Clube com outros jogadores na mesma situação.
33). Em 13/07/2018, numa última tentativa, foi o Réu novamente interpelado por carta registada devido ao incumprimento contratual, conforme documento n.º 8.
34). Sem que, contudo, tenha tido qualquer sucesso.
35). Demonstrou o Autor o seu descontentamento e exigiu o cumprimento das obrigações contratuais por parte do Réu por diversas vezes.
36). Ora, não obstante todas as diligências no sentido de serem liquidados os valores que lhe são devidos, não viu o Autor a sua pretensão satisfeita.
*
2.2). Dos argumentos do recurso.
1). Da condenação do Réu no pagamento das quantias referidas na conclusão 44.ª do recurso.
O recorrente pretende que sejam pagos, além da quantia determinada na sentença recorrida, os seguintes valores:
6.916 EUR – oito prestações da época 2017/2018;
8.645 EUR – dez prestações da época 2018/2019;
8.645 EUR – uma prestação da época 2019/2020, correspondente a mais uma época de renovação/opção;
50.000 EUR - comissão de 40% a pagar pelo Réu ao Autor pela venda do Atleta, sendo o valor de mercado do jogador de 125.000 EUR.
Vejamos então.
O recorrente celebrou com o recorrido um contrato através do qual este contratava aquele para assegurar os serviços de um atleta (D…), com quem o recorrido pretendia celebrar contrato de trabalho para próximas épocas desportivas, com mais uma época de opção, com o objetivo de integrar a sua equipa de futebol e promover a futura venda.
Assim, o recorrente é um intermediário desportivo - empresário desportivo na aceção da Lei n.º 54/17, de 14/07, no seu artigo 2.º, alínea c) -, tendo obrigado-se a diligenciar os seus esforços para que o atleta em causa fosse contratado pelo Réu, integrando uma equipa de futebol deste, prevendo-se depois situações para o caso de o atleta se manter ao serviço do clube recorrido ou se ocorresse uma transferência para outro clube.
A definição de intermediário desportivo constante do artigo 4.º, do Regulamento do Intermediário (com entrada em vigor em 01/04/2015 – comunicado oficial da F. P. F. desse mesmo dia disponível em https://www.fpf.pt/Institucional/Intermedi%C3%A1rios) é: pessoa singular ou coletiva que, com capacidade jurídica, contra remuneração ou gratuitamente, representa o jogador ou o clube em negociações, tendo em vista a assinatura de um contrato de trabalho desportivo ou de um contrato de transferência.
O artigo 38.º, daquela Lei n.º 54/2017 determina, no que aqui releva, que:
O contrato de representação ou intermediação é um contrato de prestação de serviço celebrado entre um empresário desportivo e um praticante desportivo ou uma entidade empregadora desportiva- n.º 1 -.
O contrato está sujeito a forma escrita, nele devendo ser definido com clareza o tipo de serviços a prestar pelo empresário desportivo, bem como a remuneração que lhe será devida e as respetivas condições de pagamento- n.º 2 -.
O contrato tem sempre uma duração determinada, não podendo, em qualquer caso, exceder dois anos de duração – n.º 4 -.
O incumprimento culposo dos deveres decorrentes do contrato atribui ao contraente lesado o direito de o resolver com justa causa e com efeitos imediatos – n.º 6 -.
A parte que promover indevidamente a rutura do contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer – n.º 7 -.
As partes podem fixar, por acordo, o montante da indemnização a que se refere o número anterior – n.º 8 -.
Como o tribunal recorrido e o recorrente afirmam, está efetivamente em causa um contrato que se reconduz a uma prestação de serviços, tipo contratual expressamente referido no artigo 5.º, nºs. 1 e 2, do mencionado Regulamento e no transcrito artigo 38.º, da Lei 54/2017 – artigo 1154.º, do C. C. -.
Assim, o regime deste contrato é determinado pelo que estiver legalmente fixado em especial quanto a esse contrato, pelo contratualmente estipulado e, na falta de contratualização, pelo que se mostra disposto quanto às regras do contrato de mandato – artigos 405.º, n.º 1 e 1156.º, do C. C. -.
Está assente que, tendo o contrato iniciado-se em 15/08/2017, acaba por cessar antes do fim do primeiro termo previsto (30/06/2019) já que o recorrente declarou resolver o contrato em 05/02/2018 (facto 22).
Posteriormente o recorrente ainda procurou salvaguardar a vigência do contrato mas sem sucesso (factos 33 e 34).
Foi acordado entre as partes que o incumprimento das obrigações contratuais legitimava a resolução com justa causa e a consequente indemnização nos termos gerais da responsabilidade civil.
Esta cláusula reproduz o citado artigo 38.º, n.º 6, da lei 54/2017, permitindo assim a resolução por justa causa do contrato, ou seja, quando houver motivo justificado para cessar as obrigações contratuais por não ser exigível, segundo a boa-fé, a continuação da vinculação do à relação contratual (Manuel Januário da Costa Gomes, Direito das Obrigações, 3º Volume, ed. AAFDL, página 389).
Pode assim o contraente não responsável pela rutura contratual pedir uma indemnização pelos prejuízos que sofreu, como previsto no n.º 7 daquele artigo 38.º e como contratualmente foi previsto.
Assim, está definido que o contrato foi resolvido uma vez que não há recurso sobre esta questão, resolução que teve por base a alegação da falta de pagamento atempado pelo recorrido de duas das prestações acordadas (meses de novembro e dezembro de 2017).
Esse inicial atraso foi depois convertido em incumprimento definitivo face à interpelação demonstrada no facto 20, conforme artigo 808.º, n.º 1, do C. C. -.
Resolvido o contrato, importa aferir a que tipo de indemnização tem o recorrente direito.
Não estando previsto no regime do contrato de intermediação nem no do mandato norma especial que fixe algum tipo de medida dos direitos do contraente que resolve o contrato por incumprimento da outra parte, há que buscar a solução, como o tribunal recorrido e o recorrente doutamente fizeram, nas regras do incumprimento gerais.
Estas são as que resultam do artigo 801.º, n.º 2, do C. C., ou seja, resolvido o contrato, tem ainda essa parte direito a uma indemnização a qual terá de ser apta a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – artigo 562.º, do C. C. -.
O recorrente sustenta o seu recurso, em parte importante, na posição vertida no Ac. do S. T. J. de 15/02/2018, www. dgsi.pt que defende que, em caso de resolução de contrato por incumprimento, o dano deve abranger não só os danos que não se teriam tido se não se tivesse celebrado o contrato (artigos 433.º e 289.º, n.º 1, do C. C.) mas também os danos sofridos por causa da falta de cumprimento que não tenham sido reparados por aquela outra parcela indemnizatória.
Está-se perante a questão de que, na resolução contratual, deve não só ser indemnizado o interesse contratual negativo (interesse na confiança) mas também o interesse contratual positivo (interesse no cumprimento), como se menciona no indicado Acórdão citando-se Paulo Mota Pinto na sua obra «Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo».
Essa decisão (como outras, de que é exemplo a da R. P. de 27/06/2018, www.dgis.pt) é clara, extensa e profunda sobre a exposição dos diversos entendimentos e posições e sobre qual a melhor solução para o caso e, que na essência, se reconduz a que, na resolução contratual, devem ser indemnizados todos os prejuízos sofridos pelo contraente que não deu causa à mesma, sendo que ainda assim, deve ser desatendida a indemnização pelos danos positivos, quando esta revele desequilíbrio grave na relação de liquidação ou se traduza em benefício injustificado para o credor, ponderado, à luz do princípio da boa fé, o concreto contexto dos interesses em jogo, atento o tipo de contrato em causa, sem prejuízo, nessas circunstâncias, do direito a indemnização em sede do interesse contratual negativo nos termos gerais como se menciona em tal decisão.
Sucede que, no caso concreto, não se vislumbra que, em termos de interesse contratual positivo, o recorrente tenha sofrido outros danos. Na verdade:
quanto às prestações vencidas após a resolução contratual, com essa declaração, cessa a obrigação de o recorrente prestar qualquer serviço pelo que, não o prestando (como se afigura que não prestou pois o recorrente declarou cessar o contrato e não consta que tenha continuado a prestar qualquer serviço), não sofre prejuízo por não receber a prestação devida por esse serviço.
no que respeita aos 50.000 EUR, que seria o valor correspondente a uma comissão de 40% a pagar pelo recorrido em caso de venda do atleta, sendo o valor de mercado do jogador de 125.000 EUR, esse dano não se demonstra.
Por um lado, o que se clausulou foi que, caso o recorrido conseguisse durante a vigência do contrato proceder à venda «do atleta», teria de pagar ao recorrente 40% do valor líquido recebido; essa venda não ocorreu nem há qualquer facto que demonstre que previsivelmente iria ocorrer, assim afastando-se da classificação de um dano futuro – artigo 564.º, n.º 2, do C. C. -.
Por outro lado, pensamos que se poderia colocar a questão de existir uma possibilidade de o recorrido conseguir transferir onerosamente o atleta no âmbito do futebol pois é esse o tipo de funcionamento deste tipo de transações; ou seja, tal como o atleta foi contratado pelo recorrido, poderia vir a ser contratado por outro clube por iniciativa daquele.
Daí que as partes, certamente por essa ser uma possibilidade efetiva aquando da celebração do contrato, previram aquela remuneração caso ocorresse a transferência; ora, cessando o contrato por incumprimento de uma parte (recorrido), sendo a remuneração por uma futura transferência devida à outra (recorrente), pode efetivamente colocar-se a questão sobre se o incumprimento gerado pelo recorrido não teria defraudado a expectativa de aquele receber uma remuneração pela transferência do jogador.
Ou, apresentando a questão de outro modo, com o incumprimento gerado pelo recorrido, o recorrente teria deixado de ter possibilidade de auferir qualquer quantia com a venda do jogador já que, não havendo contrato, não subsiste a cláusula que lhe permitia obter esse valor.
O que estaria, na nossa visão, aqui em causa, seria o que se denomina o dano advindo da perda de chance, ou seja, por ter ocorrido a resolução contratual, o recorrente sofre um dano consistente na impossibilidade de vir a obter um rendimento com uma possível venda do jogador.
Como se vem escrevendo nesta questão que vem dividindo a doutrina e jurisprudência, para quem entende que este dano pode ser autonomizado do nexo de causalidade e assim ressarcido, não é necessário que haja a certeza de que iria ocorrer o evento futuro que daria origem ao valor que se pede (assim já não estaria em causa uma chance) mas que, de modo sério e real, previsivelmente esse evento iria suceder (veja-se neste sentido Ac. do S. T. J. de 01/07/2014, www. dgsi.pt ou, apontando outras possibilidades, o Ac. da R. L. de 27/02/2020, no mesmo sítio).
Na situação em análise, com a resolução do contrato, o recorrente também veria destruída a possibilidade de receber a dita quantia derivada de uma previsível transferência do atleta, assim ocorrendo o dano de perda de chance.
Se por exemplo o atleta tivesse sido transferido algum tempo após a resolução do contrato, pensamos que poderia haver matéria para considerar que essa perda de rendimento estava demonstrada pois, tendo cessando o contrato, o recorrente não pôde obter a compensação (por força da resolução contratual) que de modo sério existia (a consumada transferência do atleta demonstrava que era mesmo muito possível que fosse suceder a dita transferência).
Mas, no caso concreto, quando o contrato é resolvido em 05/02/2018, o jogador já se mostrava lesionado desde outubro de 2017, não tendo participado em qualquer jogo oficial.
Essa lesão do atleta, com contornos desconhecidos em termos objetivos mas considerada pelo recorrente como uma pubalgia que, na sua visão, demandaria por via de regra um programa de reabilitação específico e demorado – no mínimo de 3 a 6 meses – mas que poderia atingir períodos mais longos, para nós, afasta a existência séria e real dessa possibilidade de obter a dita remuneração.
Note-se que, depois da resolução contratual, o recorrente terá sabido que o jogador tinha regressado ao Brasil (facto 29).
Ora, se quando o contrato é resolvido pelo recorrente o jogador está lesionado, necessitando de recuperação física, e depois terá regressado ao Brasil, a possibilidade séria de até 30/06/2019 (data revista para o termo do contrato) ocorrer uma transferência não está demonstrada.
Sofrendo o atleta uma lesão, é muito improvável que venha a ser contratado por outra equipa, improbabilidade que se mantém mesmo com o jogador em recuperação pois ainda teria que demonstrar, com a participação em jogos, que estava apto e em condição física de modo a que pudesse rentabilizar a sua aquisição.
Mas, para além disso, ainda se desconhece se houve sequer algum tipo de tratamento médico e acresce que o atleta abandona o território português para outro continente, o que torna essa possibilidade de contratação, no mínimo, muito remota.
Daí que não se possa considerar, mesmo defendendo-se a sua existência, que ocorre este dano de perda de chance.
*
Se eventualmente houve algum tipo de atuação do recorrido, propositada, em inviabilizar a possibilidade do recorrente poder obter alguma quantia monetária com a transferência do jogador, essa situação não está demonstrada, existindo apenas conclusões e suposições por parte do mesmo recorrente – facto 31 -.
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2). Pagamento das quantias referidas nas conclusões 54 e 55.
O que aqui está em causa é somente determinar se, tendo o contrato sido resolvido em 05/02/2018, nessa altura estaria vencida já uma prestação a pagar pelo recorrido que não foi atendida pelo tribunal.
Foi acordado entre as partes que o recorrido conferia ao recorrente o direito a receber 8.645 EUR durante a época desportiva 2017/2018 a pagar em dez prestações mensais e sucessivas, com início em 31/08/2017 e que na época 2018/2019 eram esses os valores a aplicar com a mesma periodicidade.
Está provado que o Réu não pagou as prestações de 2018 a partir de outubro, ficando em dívida as referentes a novembro e dezembro de 2018 (factos 19 a 22); e também se apura que a resolução ocorreu em 05/02/2018 pelo que, quando o contrato é resolvido, já se tinha vencido outra prestação - a de janeiro de 2018 -.
Deste modo (como indica o tribunal recorrido), na vigência do contrato, o recorrente tinha direito à retribuição em causa pelo que também tem direito à retribuição desse mês de janeiro de 2018, no valor de 864,50 EUR que assim deve acrescer aos 1.729 EUR (meses de novembro e dezembro de 2017) – artigo 1167.º, b), do C. C. -.
*
3). Decisão.
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência, condena-se o Réu a pagar ao Autor a quantia de 2.593,50 EUR, mantendo-se o demais decidido na primeira instância.
Custas do recurso a cargo do recorrente e recorrido na proporção do decaimento.
Registe e notifique.

Porto, 23 de Abril de 2020
João Venade
Paulo Duarte
Fernando Baptista