PROCESSO
CONTRA-ORDENAÇÃO
RECURSO
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
QUESTÃO NOVA
ESTABELECIMENTO
APOIO SOCIAL
INICIO DE ACTIVIDADE
SANÇÃO ACESSÓRIA
ENCERRAMENTO
Sumário

I - Em processo contra-ordenacional, de acordo com o Acórdão de fixação de jurisprudência 3/2019 do STJ, poderá ser alegada e decidida em sede de recurso para o Tribunal da Relação, questão relativa a matéria de direito e conexionada com o objecto processual dos autos, pese embora, não ter sido suscitada e debatida em 1ª instância, ou seja, objecto de impugnação judicial.
II - Atento o enunciado no art. 11º, do DL nº 64/2007 de 14.03, os estabelecimentos de apoio social geridos por entidades privadas, com fins lucrativos, só podem iniciar a actividade, após a concessão da respectiva autorização ou licença de funcionamento pelo Instituto da Segurança Social, ainda que provisória.
III - Tendo a arguida sido condenada pela prática de contra-ordenação muito grave, consistente no facto de explorar um estabelecimento (Lar de idosos) sem possuir o necessário alvará ou autorização provisória de funcionamento, persistindo, por sua vontade, na sua conduta anti-jurídica desde, há mais de cinco anos, altura em que foi emitido o último parecer técnico desfavorável relativo ao estabelecimento, sem demonstrar que, após, realizou quaisquer diligências com vista ao licenciamento daquele é manifesto que, não podia deixar-se de lhe aplicar a sanção acessória de encerramento, uma vez que aquele só pode funcionar licenciado.
IV - Pois, sendo desse modo, no caso concreto, mostra-se verificado, não só o pressuposto específico para a aplicação da sanção acessória de encerramento do estabelecimento, legalmente prevista na al. d), do nº 1, do art.39º-H, do DL 64/2007 de 14.03, como se verificam os pressupostos gerais de aplicação da sanção acessória em apreciação, a “gravidade da infracção” (censurabilidade do facto) e a “culpado agente” (censurabilidade do agente), atento o disposto no art. 21°, n° 1, do DL nº 433/82, de 27.10.

Texto Integral

Proc. Nº 22/19.8T8MAI.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto,
Juízo do Trabalho da Maia, J1
Recorrente: B… Unipessoal, Lda.
Recorrida: Instituto da Segurança Social, IP
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO
A sociedade, “B… Unipessoal, Lda.”, com sede na Rua…, n.º …, Maia, veio interpor recurso de impugnação judicial da decisão proferida no processo de contraordenação nº …………, da Segurança Social, que lhe aplicou uma coima no montante de € 20.000,00, por infracção ao disposto nos artigos 11º, nº1, 5º, 25º, 27º, als. b), d), e), g) e h), 39º-B, als. a), b), f) e h), 39º-D, als. b), d), e), f) e g), 39º-E, als. b) e d) do DL nº 64/2007, de 14/03, na versão republicada em Anexo ao DL nº 33/2014 de 04.03, artigo 10º e artigo 13º, als. c), d), e e) da Portaria nº 67/2012 de 21/03 e 3º, nº1, al. b) do DL nº 156/2005, de 15.09, bem como, a aplicação da sanção acessória de encerramento do estabelecimento, nos termos do nº 1, al d), do art. 39º-H, daquele DL nº 64/2007, com as alterações introduzidas pelo referido DL nº 33/2014.
Fundamentou a impugnação judicial, nos termos constantes de fls. 254 e ss., concluindo e requerendo a substituição da coima de que foi alvo por admoestação, invocando:
“a) a impugnante não tinha alvará que lhe permitisse explorar um lar de terceira idade, pelo facto de desconhecer a sua obrigatoriedade;
b) no entanto, todas as regras de funcionamento do lar de terceira idade sempre foram asseguradas e em excesso, nada faltando aos seus utentes;
c) tem ao seu serviço pessoal altamente qualificado, nunca registando qualquer queixa de qualquer utente, aliás, tem lista de espera;
d) também o interesse público não foi lesado, facto este assumido pela tutela, dado que a infracção ocorreu em 2014 e, apesar da inexistência de alvará, o lar sempre funcionou e sem qualquer reparo das entidades fiscalizadoras; e
e) por isso, dada a reduzida gravidade da infracção e culpa do agente, deve a impugnante ser alvo da admoestação a que se refere o artigo 51º do Regime Geral das Contraordenações”.
*
Admitida a impugnação judicial e designada data para audiência de julgamento, foi este realizado, nos termos documentados nas actas de fls. 288 e ss. e proferida sentença, de cujo dispositivo consta a seguinte decisão:
“Em face do exposto, julga-se improcedente, por não provada, a presente impugnação judicial e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.
Custas pela arguida, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.
Comunique à Segurança Social, nos termos do disposto no artigo 45.º/3 da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.
Notifique e deposite.”
*
Inconformada com esta decisão a arguida interpôs recurso, nos termos da motivação junta a fls. 298 e ss., que terminou com as seguintes “CONCLUSÕES:
……………………………………
…………………………………....
……………………………………
*
Nos termos que constam a fls. 302 vº e ss., respondeu o Ministério Público apresentando contra-alegações que finalizou com as seguintes “CONCLUSÕES:
……………………………………..
……………………………………..
……………………………………..
*
Os autos subiram a esta Relação, após reclamação que admitiu o recurso e requisitou aqueles.
*
Nesta Relação, o Ex.mº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido de o recurso não obter provimento, no essencial, por aderir à tese do Ministério Público, apresentada em contra-alegações, na 1ª instância.
*
Foi cumprido o disposto no art. 418º do CPP, por via electrónica.
*
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (cfr. art.s 403º, nº 1 e 412º, nº 1, do CPP), a questão única a apreciar consiste em saber se deve revogar-se a decisão recorrida, na parte em que manteve a sanção acessória de encerramento do estabelecimento.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO
A) O Tribunal a quo considerou o seguinte:
Factos provados:
1) A arguida, “B…, Unipessoal, Lda.”, é proprietária de um estabelecimento lucrativo de apoio social a idosos, denominado “C…”, sito na Rua…, n.º …, Maia.
2) No dia 09.10.2014, data da ação de fiscalização, o referido estabelecimento encontrava-se a funcionar sem para tal estar titulado por licença ou autorização provisória de funcionamento.
3) Na data da ação inspetiva, o estabelecimento acolhia 12 utentes, a saber: D…, E…, F…, G…, H…, I…, J…, K…, L…, M…, N… e O….
4) Os utentes, pelos serviços prestados, pagavam mensalidades que variavam entre os €600,00 e €650,00.
5) O estabelecimento não dispunha de instalações sanitárias separadas por sexos de apoio à área de convívio e de atividades e à área de refeições.
6) Não existiam quartos individuais.
7) Não existia sistema amovível entre as camas que garantisse a privacidade dos residentes.
8) Não existia área de serviços de enfermagem.
9) Não se encontrava afixado o horário de funcionamento do estabelecimento.
10) Não se encontrava afixado o mapa de pessoal e respetivos horários.
11) Não se encontrava afixado o mapa de ementas.
12) Não se encontrava afixado o preçário, com os valores mínimos e máximos praticados.
13) Não se encontrava afixado o regulamento interno.
14) Não existia Direção Técnica assegurada por técnico com formação superior em ciências sociais e do comportamento, saúde ou serviços sociais, nem um ajudante de cozinha.
15) Desde 01/12/2014, data em que foi emitido o último parecer técnico desfavorável relativo ao estabelecimento em causa, não constam quaisquer diligências realizadas pela arguida com vista ao seu licenciamento.
16) A arguida agiu deliberada, livre e conscientemente bem sabendo que o seu comportamento é proibido e punido por lei.
17) A arguida, após a ação inspetiva, iniciou a tramitação necessária para a obtenção do referido alvará.
18) O estabelecimento onde a arguida explora o lar de idosos está munido de todos os condicionalismos para que os seus utentes se sintam o melhor possível.
19) O estabelecimento em causa não tem mais utentes por manifesta incapacidade física e tem lista de espera.
20) O lar tem 10 funcionários permanentes, com as seguintes funções: 6 auxiliares de ação direta; 1 cozinheira; 1 ajudante; 1 gestora administrativa; 1 animadora social.
21) Tem também uma enfermeira externa.
22) O bem-estar de todos os utentes do lar é reconhecido pelos seus familiares.
23) Até hoje não ocorreu o encerramento do estabelecimento.
*
Factos não provados:
- Aquando da ação inspetiva a arguida não havia solicitado o alvará para exploração de um lar de idosos por profundo desconhecimento de tal necessidade.
- Por absoluto desconhecimento, a arguida não deu cumprimento às disposições legais que regulam à atividade que explora.
- A arguida sanou de imediato todos os incumprimentos oferecidos pela inspeção de que foi alvo.
- O lar tem um fisioterapeuta e um auxiliar externos.
- Os serviços médicos estão assegurados pelo Dr. P…, que regularmente visita todos os utentes e acede a qualquer chamada, a qualquer hora, quando a sua intervenção é necessária.
- A elaboração das ementas observa todos os condicionalismos nutricionais adaptados a cada utente, tendo em conta as suas patologias.
- Nenhum estabelecimento congénere tem uma melhor atenção para com os seus utentes.
*
O Tribunal não se pronuncia (ou seja, não o elenca nos factos provados ou não provados) quanto aos demais trechos constantes da decisão recorrida e do recurso apresentado, por se tratar de matéria de direito e/ou conclusiva e, portanto, não suscetível de integrar a matéria de facto.”.
*
B) O DIREITO
Através do presente recurso, como decorre das suas alegações, pretende a arguida que seja revogada a decisão recorrida, na parte em que manteve a sanção acessória de encerramento do estabelecimento que lhe foi aplicada, alegadamente, por errada interpretação e aplicação das normas estatuídas no art. 21º do RGCO (DL nº 433/82, de 27.10, alterado pelo DL nº 244/95 de 14.09), art. 39º-H nº 1, al. d) do (DL 64/2007 de 14.03 republicado pelo DL 33/2014 de 04.03) e ainda art. 30º nº 4 da Constituição da República Portuguesa.
Previamente, a analisar se lhe assiste ou não razão, importa dizer o seguinte.
Verifica-se que a questão, agora, suscitada, não o foi em sede de impugnação judicial, invocando a recorrente para justificar a possibilidade de o fazer, nesta sede, o disposto no art. 75º, nº 2, al. a) do RGCO e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 3/2019 (publicado no DR nº 124/2019, Série I de 2019-07-02) no qual se decidiu fixar a seguinte jurisprudência: “Em processo contra-ordenacional, no recurso da decisão proferida em 1.ª instância o recorrente pode suscitar questões que não tenha alegado na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa”.
Que dizer?
Decorre, daquele, o entendimento de que, como é o caso, em processo contra-ordenacional, questão relativa a matéria de direito e conexionada com o objecto processual destes autos, pese embora, não ter sido suscitada e debatida em 1.ª instância, poderá ser alegada e decidida em sede de recurso para o Tribunal da Relação, permitindo que este Tribunal possa decidir sobre questões que não tenham sido objecto da impugnação judicial.
Ora, sendo desse modo e ainda que o entendimento ali expresso não seja de aplicação obrigatória, o certo é que, como é o caso, não se vislumbrando argumentos válidos para o afastar o mesmo deve ser seguido (conforme art. 8º, nº 3, do CC) e, nessa medida, nada obsta a que se conheça da questão colocada no presente recurso, apesar de não ter sido suscitada na 1ª instância.
Vejamos, então.
Pese embora, possamos adiantar, desde já, analisadas as alegações e conclusões da recorrente, que não lhe assiste razão, como bem o considerou o Ministério Público, quer na 1ª instância quer nesta sede, afigura-se-nos não merecer qualquer reparo ou censura o decidido na sentença recorrida, na medida em que manteve a decisão administrativa, em concreto, quanto à sanção acessória aplicada, tendo em atenção a argumentação que naquela foi expendida, nos seguintes termos:
«Quanto às infrações imputadas à arguida e pelas quais a mesma veio a ser coimada, cumpre, desde já, realçar que para nós a decisão administrativa se encontra corretamente fundamentada, quer de facto, quer de direito.
Com efeito, e tal como se apurou em sede de audiência de julgamento, à data da ação inspetiva a arguida era proprietária de um estabelecimento lucrativo de apoio social a idosos, o qual, todavia, funcionava sem para tal estar titulado por licença ou autorização provisória de funcionamento. Ademais ficaram igualmente provados os restantes factos constantes do auto de notícia, exceção feita à inexistência de contratos de prestação de serviços celebrados com os utentes.
Estão, pois, verificados os elementos objetivos das infrações que lhe foram imputadas.
Por outro lado, e considerando que a autoridade administrativa sancionou a arguida a título de dolo eventual, tendo ainda considerado estarmos perante um concurso de crimes aparente e, logo, que o preenchimento do tipo legal mais grave inclui o preenchimento do tipo legal menos grave, afigura-se-nos que foram totalmente respeitados os princípios norteadores fixados nos artigos 18.º e 19.º do RGCO, nada havendo a censurar. Note-se que a arguida foi punida pelo mínimo previsto no artigo 39.º-E, al. a) do DL 64/2007, de 14/03, na redação dada pelo DL n.º 33/2014, de 04/03.» (sublinhados nossos).
Por sua vez, a respeito da questão, agora, impugnada, consta da decisão administrativa o seguinte: «..., entende esta autoridade administrativa, que dada a gravidade da contraordenação praticada, (abertura e funcionamento de estabelecimento sem licença ou autorização provisória de funcionamento), bem como pelo facto de, desde 01.12.2014, data em que foi emitido o último parecer técnico desfavorável, não constarem, quaisquer diligências realizadas com vista ao seu licenciamento, e ainda de acordo com a Orientação Superior da Diretora do GAJC – (Gabinete de Assuntos Jurídicos e Contencioso), do ISS.IP, deverá em simultâneo com a coima, aplicar á arguida a sanção acessória de Encerramento Contraordenacional do estabelecimento que explora, nos termos da alínea d), do art.° 39º - H, do DL nº 64/2007 de 14/03, republicado pelo DL 33/2014 de 04.03.». (sublinhados nossos).
O que ocorreu e a decisão recorrida manteve a sua aplicação.
Pugna, no entanto, a arguida pela sua revogação no que à aplicação da sanção acessória de encerramento do estabelecimento respeita mas, como já dissemos, não lhe assiste razão. Os argumentos que invoca não são susceptíveis de afastar os argumentos que, nos termos da decisão administrativa, fundamentaram a aplicação daquela, nem de demonstrar a violação de qualquer dispositivo legal.
Comecemos por, uma breve incursão sobre o regime jurídico que, sem discussão, é aplicável no caso, decorrente do Dec.Lei nº133-A/97, de 30.05, diploma que, substituiu o Dec.Lei nº 30/89, de 24.01, procurando implementar um quadro legal que permitisse e fomentasse respostas de qualidade e inibisse as que a não possuíssem, em matéria de equipamentos para prestação de apoio social, promovendo-se, assim e através dele, o bem-estar dos respectivos utentes.
Dispõe, desde logo, o seu art. 1º, sob a epígrafe “Objectivo” que:
“O presente diploma define o regime de licenciamento e de fiscalização da prestação de serviços e dos estabelecimentos, adiante designados por estabelecimentos, em que sejam exercidas actividades de apoio social do âmbito da segurança social relativas a crianças, jovens, pessoas idosas ou pessoas com deficiência, bem como os destinados à prevenção e reparação de situações de carência, de disfunção e de marginalização social.”
Enunciando no art. 2º, sob a epígrafe “Estabelecimentos”, que:
“1-As actividades de apoio social a que se refere o artigo anterior podem ser exercidas em creches, centros de actividades de tempos livres, lares para crianças e jovens, lares para idosos, centros de dia, lares para pessoas com deficiência, centros de actividades ocupacionais para deficientes e através de serviços de apoio domiciliário” e o nº 2 do mesmo preceito, estipula que: “Consideram-se ainda abrangidos pelo presente diploma os estabelecimentos de apoio social com diferente designação, desde que prossigam objectivos semelhantes aos dos estabelecimentos referidos no nº 1 do artigo 1º”.
No art. 6º, nº1, inserido no Capítulo II, relativo ao licenciamento dos estabelecimentos dispõe:
“Nenhum estabelecimento pode iniciar a sua actividade sem se encontrar licenciado”.
E no art. 19º, sob a epígrafe “Autorização provisória de funcionamento”, dispõe:
“1 - Não se encontrando reunidas todas as condições técnicas de funcionamento exigidas para a concessão do alvará, mas sendo seguramente previsível que podem ser satisfeitas no prazo de 180 dias, pode ser concedida uma autorização provisória de funcionamento, que deve especificar as condições a satisfazer pelo requerente.
2 - A autorização provisória é válida pelo prazo de 180 dias, prorrogável por uma só vez, mediante requerimento fundamentado.”.
Ora, no caso, como decorre dos factos provados 2 e 15 o estabelecimento, em causa, no dia 09.10.2014 encontrava-se a funcionar sem estar titulado por licença ou autorização provisória de funcionamento e desde 01/12/2014, data em que foi emitido o último parecer técnico desfavorável relativo ao mesmo, não constam quaisquer diligências realizadas pela arguida com vista ao seu licenciamento.
E, para quando assim acontece o diploma, que se vem a referir, dispõe no Capítulo IV, sob a epígrafe “Regime sancionatório”, no art. 30º, que:
“A abertura ou o funcionamento de estabelecimento que não se encontre licenciado nem disponha de autorização provisória de funcionamento válida constitui contra-ordenação...”.
Sem dúvida e sem discussão, o que ocorre no caso.
Refira-se que, aquele regime sancionatório manteve-se inalterado, com a revogação do Dec.Lei nº133-A/97, de 30.05, com a entrada em vigor do Dec.Lei nº64/2007, de 14.03, o qual veio reformular o regime de licenciamento e de fiscalização da prestação de serviços e dos estabelecimentos de apoio social, em que sejam exercidas actividades e serviços do âmbito da segurança social relativos a crianças, jovens, pessoas idosas ou pessoas com deficiência, bem como os destinados à prevenção e reparação das situações de carência, de disfunção e de marginalização social, com excepção do regime sancionatório constante do capítulo IV, onde se integra aquele art. 30º, como decorre do seu art. 45º, sob a epígrafe “Regime sancionatório”, dispondo que, “1 - Aplica-se ao licenciamento da actividade o regime sancionatório constante do capítulo IV do Decreto-Lei n.º 133-A/97, de 30 de Maio” e do seu art. 47º, que sob a epígrafe “Norma revogatória”, dispõe que, “Fica revogado o Decreto-Lei n.º 133-A/97, de 30 de Maio, sem prejuízo do disposto no artigo 45.º”.
Com este Dec.Lei nº 64/2007 alterado e republicado pelo Dec.Lei nº 99/2011, de 28.09 e uma segunda vez alterado e republicado pelo Dec.Lei nº 33/2014 de 04.03 (que entrou em vigor a 04.05) manteve-se a exigência do licenciamento dos estabelecimentos de apoio social, da competência do Instituto da Segurança Social, I.P., com a possibilidade de obter uma autorização provisória de funcionamento, como antes acontecia. Dispondo o art. 11º, sob a epígrafe “Âmbito” que, “1 - Os estabelecimentos abrangidos pelo presente decreto-lei só podem iniciar a actividade após a concessão da respectiva licença de funcionamento, sem prejuízo do disposto nos artigos 37.º e 38.º”.
Mas, no que toca ao regime sancionatório, este último diploma procedeu à sua revisão, “atenta a relevância e os níveis de exigência que as atividades de apoio social implicam” como consta do seu preâmbulo, e por se considerar que aquele regime, previsto no capítulo IV do Dec.Lei nº 133-A/97, de 30.05, aplicável às entidades que desenvolvem actividades e serviços de apoio social nos termos do nº 1 daquele art. 45º do Dec.Lei nº 64/2007, de 14.03, alterado e republicado pelo Dec.Lei nº 99/2011, de 28.09, “encontra-se desajustado da realidade atual, designadamente no que concerne aos limites mínimos e máximos das coimas aplicáveis, que se mantêm inalterados desde 1997.”
Assim, nos termos do seu art. 3º, aditou “ao Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de Março os artigos 39.º-A a 39.º-K, com a seguinte redação:
«Artigo 39.º-A “Contraordenações”
As infrações ao disposto no presente decreto-lei constituem contraordenações, nos termos dos artigos seguintes.
Artigo 39.º-B “Infrações muito graves”
Constituem infrações muito graves:
a) A abertura ou o funcionamento de estabelecimento que não se encontre licenciado nem disponha de autorização provisória de funcionamento válida;
(...).
Artigo 39.º-E “Coimas”
Às infrações previstas nos artigos 39.º-B a 39.º-D são aplicáveis as seguintes coimas:
a) Entre 20.000,00 EUR e 40.000,00 EUR, para a infração muito grave referida na alínea a) do artigo 39.º-B;
(...)»
Por último, dispõe o Artigo 39.º-H, sob a epígrafe “Sanções acessórias”, que:
“1 - Cumulativamente com as coimas previstas pela prática de infrações muito graves e graves, podem ser aplicadas ao infrator as seguintes sanções acessórias:
a) (...);
d) Encerramento do estabelecimento e suspensão da licença ou da autorização provisória de funcionamento;
(...).”.
E, porque é o essencial da discussão, importa referir que para a aplicação da sanção acessória de encerramento contraordenacional do estabelecimento cujo funcionamento esteja sujeito a autorização provisória de funcionamento ou licença da autoridade administrativa é necessária a conjugação da al. d), daquele art. 39°- H, com os art.s 21°, n° 1, al. f) e 21°-A, n° 6, do RGCO.
O art. 21º, sob a epígrafe “Sanções acessórias”, enuncia que, “1 - A lei pode, simultaneamente com a coima, determinar as seguintes sanções acessórias, em função da gravidade da infracção e da culpa do agente:
(...);
f) Encerramento de estabelecimento cujo funcionamento esteja sujeito a autorização ou licença de autoridade administrativa;
g) Suspensão de autorizações, licenças e alvarás.
2 - As sanções referidas nas alíneas b) a g) do número anterior têm a duração máxima de dois anos, contados a partir da decisão condenatória definitiva.
(...).”.
E o art. 21º-A, sob a epígrafe “Pressupostos da aplicação das sanções acessórias”, dispõe:
“ (...).
6. As sanções referidas nas alíneas f) e g) do n.º 1 do artigo anterior só podem ser decretadas quando a contra-ordenação tenha sido praticada no exercício ou por causa da actividade a que se referem as autorizações, licenças e alvarás ou por causa do funcionamento do estabelecimento.”
Resulta da análise conjugada dos normativos referidos que, para além da verificação do pressuposto específico para a aplicação de qualquer sanção acessória das legalmente previstas, não basta a verificação do pressuposto de cada uma, sendo ainda necessário que, no concreto caso, se verifiquem também os pressupostos gerais de aplicação da sanção acessória em apreciação, como é o caso, a mesma só pode ser decretada quando a contra-ordenação tenha sido praticada no exercício ou por causa da actividade a que se referem as autorizações, licenças e alvarás ou por causa do funcionamento do estabelecimento (cfr. n° 6, do referido art. 21°-A, do DL n.°433/82, de 27.10), e é necessário que, em concreto, se verifiquem os pressupostos gerais de aplicação de toda e qualquer sanção acessória, a saber, a "gravidade da infracção" (censurabilidade do facto) e a "culpa do agente" (censurabilidade do agente), (cfr. o disposto no art. 21°, n° 1 do supra referido diploma legal), neste sentido, veja-se o (Acórdão desta Relação, proferido em 2020.03.09, Proc. nº 1991/19.3T8PNF.P1, relatado pelo Desembargador Domingos Morais, in www.dgsi.pt).
Deste modo, a lei pretende determinar que, a aplicação das sanções acessórias não seja feita de forma automática, sempre que se verifiquem os pressupostos específicos de que depende a sua aplicação mas, antes, seja feita uma apreciação casuística pela Autoridade Administrativa, a quem compete aplicar as sanções. O que, sem dúvida, ocorreu no caso.
Como se verifica dos elementos juntos aos autos, o ISS, após uma análise cuidada das instalações do estabelecimento dos autos, verificou várias infracções, algumas, que não permitem que a arguida possa prosseguir com a actividade que vem desenvolvendo de forma manifestamente dolosa e à margem da lei, como bem reconhece nas conclusões L), J), K) e O), da sua alegação de recurso.
De salientar que, desde 01.12.2014, data em que foi emitido o último parecer técnico desfavorável relativo ao estabelecimento em causa, não constam quaisquer diligências realizadas pela arguida com vista ao seu licenciamento (facto 15), agindo de forma deliberada, livre e conscientemente bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei (facto 16). O que, para efeitos de decisão de encerramento ou não do estabelecimento, retira qualquer relevância ao facto de a mesma, após a acção inspectiva, em 09.10.2014, ter iniciado a tramitação necessária para a obtenção do referido alvará (facto 17), o estabelecimento revestir as características referidas nos factos provados 18 a 22, ou até hoje não ter ocorrido o seu encerramento (facto 23). Porque, o que se verifica é que o estabelecimento, até hoje, nem das condições para iniciar actividade dispõe, ou seja, para obter alvará ou autorização provisória de funcionamento.
Além disso, ficou provado que o estabelecimento não dispunha de instalações sanitárias separadas por sexos de apoio à área de convívio e de actividades e à área de refeições, não existiam quartos individuais, sistema amovível entre as camas que garantisse a privacidade dos residentes e área de serviços de enfermagem, (factos 5, 6, 7 e 8). No mesmo não estavam afixados o horário de funcionamento do estabelecimento, o mapa de pessoal e respectivos horários, o mapa de ementas, o preçário, com os valores mínimos e máximos praticados, o regulamento interno, (factos 9 a 13), nem existia Direcção Técnica assegurada por técnico com formação superior em ciências sociais e do comportamento, saúde ou serviços sociais, nem um ajudante de cozinha, (facto 14).
Acrescendo, ainda, o facto de a actividade exercida pela arguida ser lucrativa, pagando os 12 utentes que acolhia mensalidades que variavam entre os €600,00 e €650,00 (factos 3 e 4), valor que face ao rendimento médio mensal da população portuguesa, permite exigir a prestação de cuidados qualitativamente correspondentes e em local próprio e adequado para o efeito o que, manifestamente, a recorrente não logrou demonstrar que o fosse, de modo a obter o licenciamento da sua actividade.
Verifica-se, assim, que a matéria de facto, constante do Auto de Notícia que alicerçou a decisão administrativa e resultou provada em julgamento, vai além do âmbito previsto no referido art.11°, do DL nº 64/2007, uma vez que não se refere, apenas, à ausência de licenciamento, mas, ainda, a outras infracções com consequências directas, necessariamente, ao nível dos cuidados prestados aos utentes, nomeadamente ao nível das instalações e segurança do estabelecimento, bem como, à falta de pessoal técnico necessário no sentido de assegurar os níveis adequados de qualidade do funcionamento do lar, acrescendo o facto de a arguida estar ciente do seu comportamento ser proibido e punido por lei.
Assim, o que se deixa exposto, além de demonstrar, face às conclusões apresentadas, porque a questão suscitada pela recorrente não merece acolhimento demonstra, também, porque a decisão administrativa e a sentença não merecem censura, mostrando-se face aos factos apurados o seu enquadramento jurídico efectuado, de modo adequado e proporcional enquanto contra ordenação muito grave, nos termos do citado art. 39º-B, al. a) do DL nº 64/2007, de 14.03, na redacção introduzida pelo DL nº 33/2014, de 04.03.
Pois, estão verificados os elementos objectivos das infracções que foram imputadas à arguida e, atenta a gravidade da contra-ordenação praticada (abertura e funcionamento de estabelecimento sem licença ou autorização de funcionamento provisória) bem como pelo facto de desde 01.12.2014, data em que foi emitido parecer técnico desfavorável, não constarem quaisquer diligências realizadas com vista ao seu licenciamento, à semelhança do que ficou decidido quanto às infracções pelas quais a mesma veio a ser coimada, também, quanto à Sanção Acessória de Encerramento do Estabelecimento a decisão administrativa se encontra correctamente fundamentada, quer de facto, quer de direito, não se vislumbrando a interpretação errada de qualquer dispositivo legal, nem a violação do princípio constitucional a que se alude no nº 4 do art. 30º da CRP que a recorrente invoca, sem qualquer fundamento concreto que o demonstre.
Pois, sempre com o devido respeito por diferente opinião, no caso concreto, mostra-se verificado, não só o pressuposto específico para a aplicação da sanção acessória de encerramento do estabelecimento, legalmente prevista na al. d), do nº 1, do art.39º-H, do DL 64/2007 de 14.03, como se verificam os pressupostos gerais de aplicação da sanção acessória em apreciação, a “gravidade da infracção” (censurabilidade do facto) e a “culpa do agente” (censurabilidade do agente), atento o disposto no referido art. 21°, n° 1, do DL nº 433/82, de 27.10.
Em suma, tendo a arguida sido condenada pela prática de contra-ordenação muito grave, consistente no facto de explorar um estabelecimento (Lar de idosos) sem possuir o necessário alvará ou autorização provisória de funcionamento, persistindo, por sua vontade, na sua conduta anti-jurídica desde, há mais de cinco anos, altura em que foi emitido o último parecer técnico desfavorável relativo ao estabelecimento em causa, sem demonstrar que, após, realizou quaisquer diligências com vista ao seu licenciamento, é manifesto que não podia deixar-se de lhe aplicar a sanção acessória de encerramento, uma vez que aquele só pode funcionar licenciado.
Improcede, desta forma, o recurso interposto.
*
III – DECISÃO
Por todo o exposto, acordam as Juízas desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pela recorrente, B…, Unipessoal, Lda, mantendo-se a decisão recorrida.
*
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em duas UC’s.
*
Após trânsito em julgado deste Acórdão, comunique à autoridade administrativa, com cópia certificada do mesmo.
*
Porto, 27 de Abril de 2020
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes