MEDIDAS DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
ACOLHIMENTO EM INSTITUIÇÃO
CONFIANÇA COM VISTA A FUTURA ADOPÇÃO
Sumário

I - A medida de confiança de menor a instituição para efeitos de posterior adopção depende da verificação de dois requisitos cumulativos, a saber: a) - inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação; b) – ocorrência de alguma das situações objectivas tipificadas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 1978º, do Código Civil.
II - Não existindo comprometimento dos vínculos afectivos entre os menores e a progenitora, existindo família alargada disponível e idónea para os acolher e deles cuidar, ainda que carecendo de apoio psicopedagógico, social e económico, a medida de confiança para adopção só deve ser decretada se, previamente, se mostrar esgotada a possibilidade de integração dos menores no seio da família natural/alargada, procurando, pois, preservar, dentro do que é razoável e prudente, no superior interesse dos menores, os vínculos afectivos significativos existentes.

Texto Integral

Processo n.º 2042/16.8T8VFR-B.P1

Juízo de Família e Menores de Santa Maria da Feira – J1
Relator: Jorge Seabra
1º Juiz Adjunto: Des. Pedro Damião e Cunha
2º Juiz Adjunto: Desª. Maria de Fátima Andrade
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Sumário (elaborado pelo Relator):
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO:
A. Sob impulso do Ministério Público foi instaurado o presente processo de promoção e protecção dos menores B… e C…, por se entender que os mesmos se encontravam numa situação de perigo.
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B. Não tendo sido obtida decisão negociada, nos termos do disposto no artigo 107º, n.º 1 e 2 da Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99 de 1.09, alterada pelas Leis n.º 31/2003 de 22.08, n.º 142/2015 de 8.09 e n.º 23/2017 de 23.05 (doravante designada por LPCJP), foi declarada encerrada a instrução e dado cumprimento ao preceituado no artigo 114º, n.º 1, da LPCJP, tendo sido apresentadas alegações e requerida a produção de prova.
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C. Realizado o debate judicial, foi proferida sentença que aplicou aos menores B… e C… a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, sendo os mesmos confiados à guarda do Centro de Acolhimento Temporário “ D1… “, da Santa Casa da Misericórdia D…, nomeando-se como Curadora Provisória dos menores a Directora da referida instituição.
Mais, ainda, foram declaradas cessadas as visitas por parte da família biológica e, ainda, declarados inibidos do exercício das suas responsabilidades parentais os respectivos progenitores, tudo em conformidade com o disposto nos artigos 35º, n.º 1 al. g), 38º-A, 62º-A, n.ºs 1, 3 e 6 da LPCJP e artigo 1978º-A, do Código Civil.
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D. Inconformada veio interpor recurso a progenitora E…, recurso que foi admitido, com subida imediata, nos autos e com efeito suspensivo.
No seu âmbito foram oferecidas alegações e, a final, formuladas as seguintes
CONCLUSÕES
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Pelo exposto, requer-se seja alterada a decisão recorrida devendo as crianças serem confiadas à tia-Avó F… com o devido acompanhamento ao casal que se disponibilizou para assegurar a guarda dos menores.
Contudo se assim não se entender e porque mostrando-se as crianças, atualmente com 1 ano e 11 meses e seis anos de idade, bem integradas na instituição onde foram acolhidas, não sendo possível confiá-las neste momento aos pais e se se considerar não estando reunidos, pelo menos por ora, os pressupostos de aplicação de uma outra medida, nomeadamente o apadrinhamento civil, é aconselhável que a criança se mantenha na aludida instituição, em prazo a fixar.
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E. O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
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F. Foram cumpridos os vistos legais.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, n.ºs 3 e 4, 637º, n.º 2, 1ª parte, e 639º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, na redacção emergente da Lei n.º 41/2013 de 26.06 [doravante designado apenas por CPC], aplicável aos processos de jurisdição de família e menores por força do disposto no artigo 33º, da Lei n.º 141/2015 de 8.09.
Por conseguinte, a questão a decidir no presente recurso, em função das conclusões recursivas, é a de saber se se encontram reunidos os pressupostos legais necessários à aplicação da medida de promoção e protecção de confiança dos menores B… e C… a instituição com vista à sua futura adopção, ou, ao invés, se devem os mesmos ser confiados à guarda da sua tia-avó F…, ou, não se revelando possível essa outra medida, se devem permanecer na instituição onde se encontram, com visitas de sua mãe e por um prazo a fixar.
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III. FUNDAMENTAÇÃO de FACTO:
O Tribunal de 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. O menor B… nasceu em 14.11.2013, na freguesia de …, concelho de Santa Maria da Feira, encontrando-se registado como filho de E… e de G….
2. A menor C… nasceu em 27.02.2017, na freguesia de …, …, … e …, concelho de Santa Maria da Feira, encontrando-se registada como filha de E… e de G….
3. A requerida/progenitora é de etnia cigana, foi alvo na menoridade de processo de promoção, tendo sido sinalizada pelo não cumprimento dos deveres escolares.
Em termos de habilitações literárias concluiu o 6º ano de escolaridade e nunca esteve inserida em termos profissionais.
4. O requerido/progenitor é de etnia cigana, foi alvo de processo de promoção e de processo tutelar educativo.
O requerido era consumidor de estupefacientes.
Desde cedo foi conotado por envolvimento em actividades ilícitas, nomeadamente assaltos à mão armada.
5. O relacionamento amoroso dos requeridos/progenitores foi firmado anos antes pelas famílias de origem de ambos, estando prometidos desde crianças segundo os costumes ciganos.
6. A situação do B… foi sinalizada junto da CPCJ de … em 20.11.2013, pelo Hospital H…, na sequência do seu nascimento, o que deu origem à abertura de processo de promoção nessa estrutura referente ao B….
De tal sinalização constava que:
- Os progenitores do B… eram muito jovens, menores de idade, com 17 anos, de etnia cigana;
- Ambos tinham processos de promoção a decorrer na CPCJ, a mãe por abandono escolar e o progenitor por comportamento delinquente (nomeadamente assaltos à mão armada), com processo tutelar educativo pendente e a aguardar integração em Centro Educativo;
- A progenitora evidenciava limitações ao nível das competências parentais.
7. O agregado dos avós maternos, com quem os requeridos/progenitores à data viviam, aparentava poder constituir-se como retaguarda fundamental para prestar os cuidados ao B….
Os avós maternos do B… habitavam em ….
Desse agregado familiar faziam parte os avós maternos do B… (I… e J…), três filhos menores de idade (K…, L… e M…) e ainda os requeridos/progenitores e o menor B…, quando aí se encontravam.
8. Nos meses de Dezembro de 2013 e Janeiro de 2014 os progenitores, por iniciativa do requerido/progenitor, estiveram com o B… em dois períodos distintos em paradeiro incerto, numa primeira altura em Ílhavo (em casa de uma avô do requerido/G…) e num segundo momento suspeita-se que em …, Águeda (em casa do pai do requerido/G…).
Aquando dessas fugas, a família materna da requerida/E… não agiu, por temerem represálias do requerido/G….
O B… faltou à administração de uma vacina, tendo o pai da requerida/E… justificado essa falta com a ida dos progenitores e do menor para Aveiro, para aí residirem.
O requerido/G… estava sentenciado em processo tutelar educativo com medida tutelar em centro educativo, por 18 meses, comprometeu-se a apresentar-se em fins de Dezembro de 2013 para dar entrada no Centro Educativo N…, o que não veio a acontecer.
9. Em meados de 2014 o agregado dos avós maternos mudou de residência para ….
10. Em 3.06.2014, foi deliberada pela CPCJ a aplicação a favor do menor B… de uma medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, na figura da progenitora, com retaguarda dos avós maternos, pelo período de 3 meses, medida que foi sendo posteriormente prorrogada.
11. Em Novembro de 2014 o agregado deixou de beneficiar de RSI, por incumprimento de deveres inerentes à atribuição do subsídio.
O agregado passou a incumprir com o pagamento da renda da casa de ….
Em Dezembro de 2014, o avô materno do B… veio a ser preso.
Nesta mesma data, o requerido/G… foi também detido e iniciou o cumprimento da medida tutelar de acolhimento em Centro Educativo.
12. Os restantes membros do agregado dos avós maternos do B…, inclusive a requerida/progenitora e o menor B…, regressaram a um acampamento cigano sito na …, ….
A família não usufruía de RSI.
A habitação, abarracada, era composta por uma cozinha, dois quartos e uma casa de banho e o espaço era pequeno para o número de habitantes.
Algum tempo depois a requerida/progenitora passou a receber 271,44 Euros de RSI, para além de 36,00 Euros de abono de família.
Os restantes elementos do agregado passaram a beneficiar, igualmente, de RSI.
A progenitora frequentou o “projecto cegonha”, programa de reforço de competências parentais.
13. O requerido/progenitor esteve integrado no Centro Educativo (entre 16.12.2014 até 16.06.2016) em regime semiaberto, por agressões físicas a vizinhos, furtos, consumo de estupefacientes e desacatos, no âmbito do PTE nº 27/12.0T3OBR, que correu termos na Secção de Família e Menores de Oliveira do Bairro, onde o agregado familiar daquele já residiu, período no qual foi submetido a tratamento de desintoxicação de substâncias ilícitas, nomeadamente haxixe.
14. O requerido/progenitor findou a medida tutelar educativa de acolhimento em centro educativo e regressou à vivência com a requerida/E….
O agregado, composto pelos requeridos e pelo menor B…, passou a ocupar uma habitação, abarracada, feita com ripas de madeira mal isoladas, composta por uma cozinha e um quarto. Existia uma casa de banho exterior, comum aos restantes habitantes do acampamento. A casa era fria e húmida. No entanto o espaço apresentava-se higienizado e organizado.
O agregado passou a auferir 398,15 Euros de RSI e o abono de família do B….
Os encargos com a habitação eram no montante de 40,00 Euros mensais.
O requerido/progenitor foi inscrito em formação profissional, que iniciou, e dispunha de uma bolsa de formação de 150,00 Euros mensais.
15. A requerida/E… ficou grávida da menor C....
16. Verificou-se, entretanto, que durante o dia, os requeridos/progenitores não estavam no acampamento da …, passavam os dias em casa de outro casal, no …, ambiente que era tido pela mãe da E… como “menos bom”, tendo regressado as suspeitas de consumos de estupefacientes por parte do requerido.
17. No fim do ano de 2016 os requeridos/progenitores e o menor B… alteraram a sua residência para a Rua…, n.º …, …, …, casa arrendada por 250,00 Euros/mês, de tipologia T3, que contava com melhores condições de habitualidade mas que estava inserida em bairro com um ambiente social desadequado.
Em visita domiciliária foi verificado que a E…, sem apoio da sua mãe, contava com reduzidas práticas domésticas, na sequência do que a casa estava desorganizada, a cama do casal estava danificada, o casal não tinha a casa preparada para a bebé que em breve iria nascer.
18. Após o nascimento da menor C… foi aberto processo de promoção na CPCJ referente à mesma.
19. Já após o nascimento de C… (Fevereiro de 2017) verificou-se que:
- O casal dormia na cama com o B….
- A C… dormia no carrinho, apesar do risco de queda que tal representava.
- O casal passou a incumprir com o pagamento da renda de casa.
- O requerido/progenitor passou a faltar à formação.
- A requerida/progenitora também foi inscrita em formação profissional, que não cumpriu.
20. Em frente à casa existia uma fossa que provocava maus odores, em razão do que o casal alterou a sua residência para uma casa contígua, também de tipologia T3.
21. Em meados de 2017 verificou-se que:
- A “nova” casa apresentava-se em péssimas condições de higiene e organização, com grande quantidade de cobertores e roupa amontoados nas camas.
- O agregado havia contado com entrega de mobiliário, nomeadamente carrinho de bebé, cama de bebé, móvel de cozinha, cristaleira e 4 cadeiras, móveis que nesta visita domiciliária apresentavam-se em mau estado de conservação.
- O menor B… passou a evidenciar falta de higiene pessoal.
- A mãe da requerida/E… e os restantes 3 filhos passavam a viver na casa dos requeridos, casa que passou a dispor de pouco espaço para os 8 elementos.
- A água e a luz deixaram de ser liquidadas, pelo que era expectável o corte do respectivo fornecimento.
- A renda da casa, que era no montante de 250,00 Euros, também não era liquidada.
- O agregado beneficiava de rendimentos mensais de 679,39 Euros, a que acresciam 337,20 Euros de subsídio de maternidade, o que tudo totalizava 1.016,59 Euros.
- A requerida/progenitora não estava a cumprir com as consultas de planeamento familiar e de saúde infantil da C… e do B… no Centro de Saúde, apesar de o médico ter o cuidado de telefonar antes de cada consulta. As justificações que eram dadas para as faltas prendiam-se com as condições meteorológicas, ausência de transportes e deslocações a outros serviços.
- Havia sido solicitado aos progenitores a frequência pelo B… de infantário e a inscrição da C… em equipamento educativo, o que não foi cumprido.
- A requerida/progenitora queixava-se de violência doméstica por parte do requerido/G… (queixas que, aliás, existiam desde 2014).
- Em meados de 2017, quando questionado à requerida/E… pelo pai dos filhos, a mesma respondeu “ele anda por aí”.
- O Requerido/G… deixou de comparecer e de colaborar com as estruturas que realizavam o acompanhamento da situação dos menores.
22. Os processos de Promoção e Protecção do B… e da C… foram então remetidos para os Serviços do Ministério Público junto deste Tribunal, uma vez que os progenitores retiraram o consentimento à intervenção da CPCJ.
23. Os presentes autos de promoção deram entrada em 10.07.2017.
24. Por essa altura a requerida/progenitora manifestou vontade em romper o relacionamento com o pai dos filhos, aludindo a violência doméstica, maus-tratos físicos e psicológicos, a grandes períodos de ausência do requerido, quer no período diurno, quer nocturno, verbalizando “está sempre fora … a fazer asneiras”, “tenho de lhe fazer as vontades todas senão…” e disponibilizou-se a dar entrada com os filhos em Casa Abrigo.
25. Então com 3 anos de idade, foi identificado ao menor B… atraso na linguagem, motivado por falta de estimulação e ausência de frequência de equipamento educativo.
Foi confirmada a falta injustificada, e sem pedidos de remarcação, do B… a consultas de especialidade no hospital, mais concretamente a consultas de pediatria e de patologia endócrina.
No centro de saúde a progenitora cumpria com as consultas dos filhos.
Foi diagnosticada nessa data pelo médico de família ligeira debilidade mental e transtorno depressivo persistente à progenitora E…, sem qualquer outro encaminhamento médico.
26. No dia 28 de Julho de 2017 a progenitora e os filhos deram entrada em Casa Abrigo, onde se mantiveram até ao dia 04.08.2017, dado que a requerida pretendeu regressar a casa.
27. No âmbito dos presentes autos, em declarações prestadas no dia 07.08.2017, o progenitor das crianças admitiu consumos diários de haxixe (cerca de dois charros por dia) e apanha de sucata para venda, com vista ao sustento dos consumos.
28. Em 07.08.2017 foi aplicada aos menores, por acordo homologado pelo Tribunal, a medida de promoção e protecção de apoio junto dos progenitores, pelo período de três meses.
No âmbito desta medida os progenitores comprometeram- se a:
- Garantir a frequência das crianças em infantário ou equipamento equivalente e a comparecerem nas consultas médicas que forem marcadas ao menor B… no Hospital H….
- O progenitor comprometeu-se a manter-se abstinente do consumo de estupefacientes, a passar a ser acompanhado ao nível da prevenção/tratamento aos consumos e ainda a realizar testes de despiste a esses consumos.
- Os progenitores comprometeram-se a comparecer nas consultas que lhes fossem marcadas para efeito de avaliação às capacidades parentais.
29. O B… iniciou a frequência da pré-escola, era assíduo e estavam a melhorar as suas condições de higiene pessoal e adequação do vestuário.
A requerida mostrou-se uma encarregada de educação preocupada e presente.
A C… iniciou igualmente a creche, apesar da resistência inicial da progenitora.
A C… não estava habituada a comer sopa e por vezes procurava o peito das funcionárias da creche, por estar habituada a tal procedimento em casa com a mãe.
30. Em Novembro de 2017 o requerido/G… abandonou o agregado e foi viver com outra jovem de etnia cigana para um acampamento em ….
31. Em Março de 2018 a progenitora estava a viver com a sua mãe e dois irmãos na Rua…, em barraca que não tinha casa de banho, o chão era em terra batida, as janelas da barraca não estavam devidamente fechadas, casa que contava com apenas duas divisões.
Porém a progenitora dormia os filhos numa casa ao lado, onde vivia a avó paterna.
Tal casa contava com WC, mas as janelas também não estavam devidamente fechadas.
32. Em 4 de Abril de 2018 o progenitor referiu em juízo que a progenitora não sabia cuidar da higiene da casa e que havia regressado à barraca da casa dos pais, apesar de ter uma casa disponível com melhores condições, embora com a água cortada.
A progenitora também em tribunal disse que tinha deixado a anterior casa porque não tinha contrato, nem água, não foi buscar o mobiliário que lhe foi disponibilizado por falta de transporte, sendo que também não pediu ajuda para o efeito.
A progenitora aceitou, então, dar entrada em instituição com os filhos, com vista a reforço de competências e para permitir aos filhos condições dignas de habitabilidade, tendo a mesma ficado ciente de que estaria fora de questão no futuro regressar com os filhos às condições habitacionais em que vivia em casa da sua mãe.
33. No dia 18 de Abril de 2018 a progenitora deu entrada na instituição “O…”, em Coimbra, juntamente com as crianças, instituição destinada a jovens mães.
Quando deram entrada na instituição o menor B…, então com 4 anos e meio, não sabia falar, e a C…, com 18 meses, não andava.
As crianças revelaram muitas dificuldades com as rotinas do banho, com chuveiro, e a fazer refeições completas, por falta de hábitos nestas matérias.
34. No dia 5 de Junho de 2018 a progenitora e os filhos saíram da instituição para almoçar com o requerido/G… e não regressaram.
35. No dia 18 de Junho de 2018 a progenitora voltou à instituição, muito chorosa, juntamente com os filhos, o B… encontrava-se assustado, desconhecendo-se onde estiveram durante esses dias.
A progenitora verbalizou posteriormente ter estado nesse período de fuga na …, na casa de um amigo do requerido/progenitor.
36. Em 20.06.2018 foi aplicada por acordo a medida de promoção e protecção de apoio junto da progenitora, pelo período de seis meses, mantendo-se a progenitora acolhida juntamente com os filhos na instituição “O…”, não podendo ausentar-se da mesma com os filhos sem a presença de um adulto da instituição e caso pretendesse ausentar-se definitivamente da instituição os filhos ficariam à responsabilidade da instituição até que fosse proferida nova decisão sobre o seu destino.
37. Enquanto a progenitora e os filhos se mantiveram na instituição “O…”:
- As crianças integraram a creche/jardim de infância “P…”, que frequentaram com assiduidade.
- A C… não evidenciava problemas de desenvolvimento, tinha com boa interacção com os pares e com os restantes adultos do contexto da creche.
- O B… continuou a apresentar atraso de desenvolvimento, sobretudo ao nível da linguagem, foi alvo de intervenção pela equipa de intervenção precoce. O B… apresentava saúde frágil e frequentemente ficava doente.
- A progenitora realizou uma formação profissional na área do apoio à terceira idade, sem equivalência escolar, tendo revelado assiduidade e empenho.
- A requerida/progenitora apresentava graves lacunas nos cuidados dos filhos e organização do seu quarto, numa primeira fase realizou progressos nessas matérias, porém passado algum tempo começou a regredir, tendo, por exemplo, deixado de manter o quarto organizado.
- A progenitora recorrentemente isolava-se no quarto com os filhos.
- A requerida/progenitora mantinha-se a dormir com os dois filhos na mesma cama, apesar das instruções que lhe eram dadas para que tal não sucedesse, com vista a promover a autonomia dos filhos, tanto mais que a C… continuava a pedir o peito da mãe.
- A progenitora a partir de certa altura passou a denunciar saudades da família materna, desânimo, dificuldades em interagir com as outras mães utentes da instituição, bem como cansaço do acolhimento, falta de vontade em continuar com o esforço de evolução, verbalizava “se eu ficar aqui fico maluca”, tendo proposto ir viver para casa da avó paterna, no acampamento ….
- Foram-lhe identificadas também fragilidades na gestão e conhecimento do dinheiro. Em juízo verificou-se que a requerida não conseguia somar notas e moedas até ao valor de 100,00 Euros, nem conseguia, perante uma nota de 50,00 Euros e uma de 20,00 Euros que lhe foram exibidas, identificar o valor da respectiva soma.
- A progenitora foi inscrita numa formação na área da cozinha, que lhe permitiria auferir 400,00 Euros/mensais, tendo recusado a integração nessa formação.
- A progenitora alegava preferir trabalhar, porém evidenciou total desconhecimento das dificuldades em conseguir ocupação profissional, julgando que bastaria enviar curriculum para ter garantido um emprego.
- Após ter sido de novo ouvida em juízo em Abril de 2019, a progenitora deu mostras de novo aumento do empenho na instituição no que concerne à organização do seu quarto.
- A família materna telefonava todos os dias, porém não realizou nenhuma visita aos netos. Justificaram com falta de condições económicas para assumir os custos da viagem.
38. Em Maio de 2019 uma prima da requerida/progenitora, de seu nome Q…, manifestou nos autos disponibilidade para assegurar a guarda das duas crianças.
Realizada a avaliação a tal prima, verificou-se que a mesma residia sozinha em virtude de o companheiro ter sido preso por tráfico de estupefacientes, a visada estava também sujeita a duas apresentações diárias na GNR enquanto aguardava julgamento por tráfico de estupefacientes.
39. Em Julho de 2019, S…, de 20 anos de idade, primo da requerida, residente no mesmo acampamento …, mostrou disponibilidade para acolher as duas crianças, alegou viver com a companheira e uma filha de 3 anos de idade, dispor de casa de tijolo e cobertura tipo sandwich, composta por cozinha, dois quartos, sala e casa de banho.
Realizada avaliação ao referido primo e companheira, verificou-se, sinteticamente, a existência de condições mínimas de habitabilidade, eram pessoas educadas e cumpridoras com os deveres inerentes ao RSI, do qual essencialmente viviam, apresentavam higiene pessoal, não obstante exibiam fragilidades em termos de práticas educativas e de gestão da vida quotidiana, muito por conta dos hábitos da etnia e da idade dos elementos do casal; O S… beneficiava, ele próprio, de uma enorme retaguarda dos seus pais, que viviam ao seu lado.
40. No dia 08.07.2019 a progenitora fugiu de novo com os dois filhos da instituição “O…” para local não identificado, tendo os menores sido localizados em 02.10.2019 no acampamento …, onde se haviam escondido, com a ajuda dos familiares.
41. Em 03.10.2019 foi cessada a medida de promoção antes aplicada de apoio junto da progenitora (com permanência em instituição destinada a jovens mães) e foi aplicada a medida de promoção de acolhimento residencial, com natureza provisória, executada no dia 08.10.2019, por referência ao de D1…, …, local onde as crianças se mantêm.
42. No dia da retirada, ocorrida de manhã, as crianças encontravam-se muito sujas e a cheirar mal.
43. Na instituição os menores revelam-se crianças muito dóceis, com um comportamento exemplar, educados e respeitadores das regras e dinâmicas da casa.
Nas primeiras semanas os menores perguntavam pela mãe e choravam, tinham dificuldades em adormecer e dormiam mal durante a noite. Actualmente tal ocorre muito pontualmente.
O B… continua a evidenciar pequeno atraso no desenvolvimento, em particular na linguagem.
O B… verbalizou não querer ser cigano.
44. Desde que os menores estão acolhidos a progenitora procurou visitá-los uma vez por semana, aparece nas visitas com os familiares que a ajudam nas deslocações.
45. Nessas visitas a mãe mostra-se muito afectuosa com as crianças.
O momento da despedida é vivenciado com sofrimento por parte da mãe e dos menores, em particular pelo B….
46. Foi agendado debate judicial, sendo sido indicada pela requerida/progenitora, alguns dias antes do debate, a sua tia materna F…, residente na Maia, como uma alternativa para os filhos.
Realizada avaliação à referida familiar, verificou-se que:
- F… vive com o companheiro T… há 12 anos, não têm filhos, são tidos como um casal idóneo e com bom relacionamento entre si.
- O companheiro é portador de VIH, doença acompanhada medicamente.
- O companheiro era consumidor de estupefacientes, diz-se abstinente desde que iniciou este relacionamento.
- Residem em empreendimento municipal de construção recente, destinado ao realojamento de famílias de etnia cigana, em casa de tipologia V1-kitchnette, constituída por um quarto, uma sala, uma casa de banho, uma cozinha e um espaço exterior cimentado, por cuja ocupação pagam 10,00 mensais, casa que se encontrava arrumada e higienizada.
- Ambos os elementos do casal mostraram-se interessados e disponíveis para assumirem os cuidados das duas crianças.
- A última vez que haviam estado com as crianças (altura em que conheceram a C…) foi no período em que a progenitora fugiu pela segunda vez da “O…”, altura em que a mesma se acomodou com os filhos em casa destes familiares durante cerca de uma semana.
- O casal beneficia de RSI, no montante de 276,06 Euros.
- Recentemente o companheiro iniciou a trabalhar como guarda-nocturno, no que aufere 650,00 Euros mensais, por ora sem descontos.
- F… tem o 4º ano de habilitações literárias, está a fazer formação para completar o 6º ano. O companheiro é iletrado.
47. Do CRC da tia-avó materna dos menores e do companheiro nada consta registado.
Não obstante a tia-avó F… esteve presa há anos, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes.
48. O debate judicial foi dado sem efeito e foram determinadas visitas da tia-avó e companheiro aos menores, primeiro na instituição e posteriormente na sua residência.
49. Foram realizadas duas visitas na instituição e os menores permaneceram posteriormente em casa da tia-avó e companheiro, permanência acompanhada pela Instituição, pela Segurança Social e por Técnicos de primeira linha da área de residência da tia-avó.
50. No âmbito desse acompanhamento, ao fim de uns dias de estadia dos menores em casa da tia-avó, foi realizada visita domiciliária pelas 12.30 horas.
Nessa visita não estava ninguém em casa, o casal e os menores haviam-se deslocado ao supermercado para aquisição de bens, dado que o elemento masculino havia recebido naquele dia o vencimento.
O casal e as crianças foram interceptados pelos Técnicos no supermercado, as crianças não tinham almoçado, nem tinham o almoço preparado, estavam a comer chupa-chupas.
As crianças manifestaram entusiasmo pela presença das técnicas da instituição e questionaram pela mãe.
Três dias após foi realizada nova visita domiciliária, pelas 11.00 horas, esta pré-acordada.
Durante tal visita e durante o tempo em que a mesma decorreu a C… esteve sempre ao colo da tia-avó F… ou do companheiro I…, o que era recorrente, conforme pelos mesmos foi verbalizado.
O B… estava quieto e sentado no sofá, com semblante triste, tendo questionado pela mãe e verbalizado saudades da mãe (a qual telefonava todos os dias mas não visitou os filhos em casa da tia), não tendo mostrado entusiasmo com a sua estadia na casa da tia-avó.
O B… havia tido um comportamento agressivo num dos dias anteriores com a sogra da D. F…, comportamento nada típico no B….
Em casa do casal a atenção recaía principalmente sobre a C…, em razão da sua idade e das suas exigências de colo, tendo o B… sido relegado para segundo lugar.
O casal não estava a autorizar o B… a brincar com lápis e folhas, com receio de este se sujar e/ou de a casa ficar desarrumada.
Estava preparada sopa e foi verificada a existência de proteína (frango) para preparação do almoço.
Na opinião dos técnicos que acompanharam o período de visitas, a tia-materna F… e o companheiro necessitavam de desenvolvimento das competências parentais para se poder aferir posteriormente se podiam constituir alternativa definitiva para as crianças, o que poderia estar relacionado com o facto de nunca terem exercido o papel de cuidadores de crianças.
51. Face ao referido em 50 dos factos dados como provados, em 18.12.2019 foi determinado o regresso das crianças à instituição.
52. Desde Junho de 2018 o requerido/progenitor nunca mais contactou ou viu os filhos.
53. O requerido/progenitor passou a viver com nova companheira (U…, com 19 anos, mãe de duas crianças, uma encaminhada para a adopção e outra entregue aos cuidados da avó materna) no concelho de …, onde até hoje se mantém.
O requerido não trabalha, recebe RSI, reside em habitação de madeira e chapa de metal.
54. Os progenitores foram sujeitos a avaliação às capacidades parentais realizadas no GML de Santa Maria da Feira.
- Relativamente à progenitora, resulta do relatório pericial, datado de 18.10.2017, que esta apresenta grandes limitações tais como: dificuldades cognitivas, humor depressivo, funcionamento intelectual global inferior à média, acompanhado por limitações no funcionamento adaptativo, compatível com um atraso mental ligeiro, na vida adulta a progenitora tende a necessitar de apoio, orientação e assistência quando sob “ stress “social, vivencial, parental ou económico fora do habitual, revela desconhecimento sobre importantes aspectos do desenvolvimento e saúde infantil, é muito dependente da supervisão da progenitora no que toca aos cuidados a prestar às crianças e à organização familiar, apresenta baixo potencial de mudança.
No decurso da perícia a progenitora não soube descrever um quadro febril e medir a temperatura aos filhos, disse que colocava a mão na testa, a partir de 36 as crianças tinham febre, depois referiu 40, depois 38. Reportando-se à gestão económica, referia-se a contos.
- Relativamente ao progenitor, resulta do relatório pericial, datado de 17.10.2017, que este revela muitas fragilidades pessoais, relacionais, familiares, habitacionais, financeiras, laborais, sociocomunitárias, que parecem comprometer seriamente a capacidade de exercer, de forma autónoma e responsável, as responsabilidades parentais.
55. Em sede de debate judicial a progenitora verbalizou saber não ter capacidades para cuidar dos filhos, solicitou mais uma oportunidade (a que chama sempre a última) para poder ter os seus filhos ao seu lado, mostrou-se disponível para regressar para a “O…” com os filhos. Disse que sabia por exemplo fazer uma sopa para os filhos, questionada sobre os ingredientes que colocaria na sopa referiu batatas, cenouras e carne, questionada sobre outros legumes, disse que se esquecia dos mesmos. Disse igualmente que tinha aprendido na instituição a cuidar da higiene pessoal dos filhos, questionada por que razão os filhos estavam sujos e a cheirar mal no dia em que foram acolhidos, se tal se devia ao facto de não ter casa de banho em casa, referiu ter estado com eles em casa da avó paterna, casa que tem casa de banho e até banheira, encolheu os ombros e não soube explicar a razão pela qual as crianças se apresentavam nessas condições.
*
IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
Tendo em vista a decisão a proferir nestes autos quanto ao objecto do recurso, acima delimitado, importa, salientar, uma primeira nota, sendo que a mesma revela-se essencial à própria fundamentação da decisão.
Essa primeira nota é a de que, como se evidencia das conclusões do recurso, a Recorrente não procedeu à impugnação da decisão de facto proferida pelo Tribunal de 1ª instância nos termos do artigo 640º do CPC, o que significa, naturalmente, que na subsunção jurídica a fazer nesta instância não pode deixar de se respeitar o estrito enquadramento fáctico apurado e que acima se descreveu.
Na verdade, ainda que a Recorrente tenha tecido, nas alegações e nas conclusões do recurso, algumas considerações sobre determinados depoimentos prestados no âmbito do debate judicial e o seu conteúdo, certo é que, não tendo impugnado a decisão de facto nos moldes antes referidos, o quadro factual a considerar para efeitos decisórios não pode deixar de ser o que consta da sentença recorrida.
Feita esta prévia referência, na decisão recorrida e como se alcança da sua fundamentação na mesma considerou-se que, relativamente aos menores B… e C…, se mostra preenchida a previsão do artigo 1978º, n.º 1 al. c), do Código Civil (adiante designado por CC) ou do artigo 38º-A, da LPCJP, o que veio a fundar o decretamento da medida de protecção ora em análise, ou seja, a confiança dos menores a instituição para futura adopção.
A Recorrente, por seu turno, sem pôr em causa, ao menos de forma válida, os factos provados nos autos, sustenta, em termos essenciais, que o tribunal não teve em consideração os significativos laços afectivos existentes entre ela própria e os seus filhos e vice-versa, não ponderou os problemas que a atingiram e terão conduzido à situação de negligência para com os seus filhos (depressão; violência doméstica; a prisão do seu pai; falta de habitação própria), não ponderou o apoio que a mesma deveria ter tido no tratamento de tais problemas e não teve por parte das várias entidades envolvidas (Tribunal e Segurança Social) e não ponderou, ainda, a possibilidade de integração dos menores junto da família alargada, nomeadamente, junto da tia-avó, …, que se disponibilizou para os acolher e reúne condições para o efeito.
Destarte, considera a Recorrente, que não estão reunidas as condições para o decretamento da medida de confiança para adopção, pois que não estão comprometidos os laços afectivos com os seus filhos e não estão esgotadas as possibilidades da sua própria recuperação (com a aplicação coerente dos meios de apoio social que não lhe foram prestados) ou de integração no seio da família alargada (tia-avó F… e I…), também com o devido apoio e acompanhamento, acabando, pois, em seu ver, o tribunal por decidir contra o interesse superior das crianças (interesse que passa pela sua integração no seio da sua família biológica ou alargada, investindo na melhoria e/ou recuperação das suas disfuncionalidades) e trocando o certo, a existência de uma relação afectiva entre a Recorrente e os seus filhos e vice-versa, pelo incerto, pois se ignora se os mesmos serão adoptados, correndo o risco de ficarem eternamente na instituição, sem contactos ou visitas de sua mãe, que está proibida de o fazer.
Tendo presentes os sobreditos termos do litígio, cumpre decidir.
O artigo 35º da LPCJP estabelece que as medidas de promoção e protecção são as seguintes: a) Apoio junto dos pais; b) Apoio junto de outro familiar; c) Confiança a pessoa idónea; d) Apoio para a autonomia de vida; e) Acolhimento familiar; f) Acolhimento em instituição; g) Confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção.
A medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, conforme decorre do disposto no artigo 38º-A da LPCJP, só é aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no artigo 1978º do Cód. Civil.
Ora, neste último preceito, prevê-se que o tribunal aplicará esta medida «quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de qualquer das situações seguintes:
a) Se o menor for filho de pais incógnitos ou falecidos;
b) Se tiver havido consentimento prévio para a adopção;
c) Se os pais tiverem abandonado o menor;
d) Se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor;
e) Se os pais do menor acolhido por um particular ou por uma instituição tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.»
Relativamente à situação de perigo relevante, considera-se que o menor se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à protecção e à promoção dos direitos dos menores, o que ocorre, designadamente, quando a criança ou o jovem não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal – cfr. artigo 3º, n.º 2, al. c) da LPCJP conjugado com o nº 3 do citado artigo 1978º do CC.
A aplicação de qualquer medida de promoção e protecção depende, portanto, da verificação de alguma das situações de perigo para a criança ou para o jovem elencadas no artigo 3º, nº 2 da LPCJP, sendo que no n.º 1 da mesma disposição se prevê que «a intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo
Por outro lado, subjacentes ao decretamento de qualquer das medidas de promoção e protecção deverão estar as finalidades que vêm referidas no artigo 34º da LPCJP, quais sejam: a) afastar o perigo em que a criança ou o jovem se encontre; b) proporcionar-lhe as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral; c) garantir a recuperação física e psicológica da criança e do jovem vítima de qualquer forma de exploração ou abuso.
Além disso, no plano constitucional, o artigo 67º, n.º 1 da nossa Lei Fundamental declara que «a família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.»
Por seu turno, o artigo 68º da mesma Lei Fundamental acrescenta que «a maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes» (n.º 2) e que «os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia da realização profissional e da participação na vida cívica do país» (n.º 1).
Com especial relevo nesta matéria, preceitua, ainda, o artigo 36º da mesma Lei que «os pais têm o dever de educação e manutenção dos filhos» (n.º 5) e que «os filhos não podem ser separados dos pais» (n.º 6), para logo a seguir acrescentar neste mesmo número «salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial
Significa, assim, este último comando constitucional, que o princípio geral nele consignado de que os filhos não podem ser separados dos pais, não reveste natureza absoluta, não sobrelevando nas situações em que esteja em causa a necessidade de defesa dos direitos das crianças, nomeadamente quando os progenitores não cumpram esses seus deveres fundamentais para com elas e, por via desse incumprimento, não assegurem a necessária protecção e satisfação desses direitos, nomeadamente colocando em perigo a sua saúde e o seu são desenvolvimento intelectual e moral, ou seja, dito de outra forma, quando o direito da família biológica se mostre em confronto com o interesse superior da criança, interesse este considerado como o prevalente em face de outros interesses, designadamente da família biológica ou de terceiros, e ainda que estes possam ser tidos como atendíveis ou razoáveis.
Mais prevê o artigo 69º da Constituição, que se refere à infância, que «as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo de autoridade na família e nas demais instituições» (n.º 1), acrescentando a seguir que «o Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal.» (n.º 2)
A este nível, releva ainda, no plano internacional, a Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 20.11.1989, e que se mostra aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90 de 12.9.1990 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, ambos publicados no DR I-Série n.º 211, de 12.10.1990.
Nesta Convenção o princípio do interesse da criança tem expressa consagração no seu artigo 3º, n.º 1, onde se estabelece que «todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.» (sublinhado nosso)
Quanto ao princípio da proporcionalidade e actualidade, o artigo 9º da mesma Convenção prevê que a criança não será separada dos seus pais contra a vontade destes, a menos que essa separação se mostre necessária “no interesse superior da criança”.
E, ainda, o artigo 20º da mesma Convenção prevê a situação das crianças que “no seu interesse superior” não podem ser deixadas no seu ambiente familiar, reconhecendo-lhes o direito a protecção alternativa, que pode incluir a adopção.
Esta limitação ao denominado “ poder paternal “, rectius, responsabilidades parentais [1], em função do “ superior interesse “ da criança ou jovem, decorre, segundo a nossa doutrina, da própria natureza jurídica atribuída a tal “ poder “ enquanto poder funcional de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, em conformidade com a função que o direito lhe assinala, consubstanciada no objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses dos filhos, com vista ao seu integral e são desenvolvimento. [2]
Como refere JORGE DUARTE PINHEIRO, op. cit., pág. 283, “É a específica funcionalidade das responsabilidades parentais que legitima a interferência do Estado nas relações dos pais com os filhos menores. O princípio da direcção interna, parental, da vida familiar cede sempre que assim o exija o interesse do menor e isto apesar de qualquer oposição unânime dos sujeitos da relação de filiação à interferência externa. “
Em suma, dir-se-á que a preponderância da posição e interesses do menor – que se presume ser especialmente vulnerável e dependente - na concepção das responsabilidades parentais justifica o controlo estatal da regularidade do respectivo exercício e a consagração legislativa de medidas de protecção por parte do Estado – no que se inclui a opção pela adopção do menor, enquanto projecto de vida alternativo à família biológica -, sendo que a própria Constituição reconhece às crianças e jovens em perigo o direito à sua protecção por parte do Estado, incluindo perante os pais e quando estes coloquem em crise o seu superior interesse, interesse este que, obviamente, não tem de coincidir com o dos seus progenitores - artigo 69º da Constituição.
É esse, aliás, em nosso ver, o escopo fundamental da LPCJP como decorre do seu objecto consignado nos seus artigos 1º e 3º, já acima descritos, pois que ali se prevê expressamente a intervenção tutelar do Estado, através dos tribunais, na protecção da criança e jovem em perigo por acções ou omissões dos seus pais, representantes legais ou quem tenha sua guarda de facto.
Contudo, como é consabido, nem a lei nem os instrumentos internacionais definem o que deva entender-se por “ interesse superior da criança e do jovem “, sustentando até alguma doutrina que este critério, pela sua indeterminabilidade, acaba por se tornar inútil, pois que, em última instância, pode legitimar qualquer decisão adoptada.[3]
Em nosso ver, como salienta M. CLARA SOTTOMAYOR, op. cit., pág. 42, o conceito em apreço só adquire relevância quando referido casuisticamente ao interesse de cada criança ou jovem em concreto, defendendo-se até que haverá tantos interesses quantas as crianças.
Nesta perspectiva, o interesse de uma criança não se confunde com o interesse de outra criança e o interesse de cada uma é, ele próprio, susceptível de se modificar ao longo do tempo, já que o processo de desenvolvimento é uma sucessão de estádios, com características e necessidades próprias, distintas em cada criança ou jovem.
Como salienta, ainda, a mesma Autora, op. cit., pág. 46, “ o interesse da criança é um conceito indeterminado e que deve ser concretizado pelo juiz, de acordo com as orientações legais sobre o conteúdo das responsabilidades parentais: a) segurança e saúde da criança, o seu sustento, educação e autonomia (artigo 1878); b) o desenvolvimento físico, intelectual e moral da criança (artigo 1885, n.º 1); c) a opinião da própria criança, quando tenha atingido a maturidade mínima para a emitir (artigo 1878º, n.º 2, artigo 1901º, n.º 1).
Por conseguinte, cabe ao julgador, em cada caso, densificar o conceito de “superior interesse da criança ”, de conteúdo imprecisamente traçado, apreendendo, de forma casuística, o fenómeno familiar em causa e, numa análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, decidir, em termos prudentes e razoáveis, em oportunidade e de forma actual pelo que considerar mais justo e adequado à salvaguarda dos direitos da criança e do jovem.
No fundo, o dito princípio, significa que deve adoptar-se a solução mais ajustada ao caso concreto, de modo a oferecerem-se melhores garantias de desenvolvimento físico e psíquico da criança, do seu bem-estar, segurança e formação da sua personalidade, objectivo este a prosseguir por todos quantos possam contribuir para o seu desenvolvimento harmonioso: - os pais, no seu papel primordial de condução e educação da criança; as instituições, ao assegurar a sua tutela e o próprio Estado, ao adoptar as medidas tendentes a garantir o exercício dos seus direitos.
Como assim, no domínio da intervenção tutelar de protecção – como é o caso dos autos - a escolha da medida a aplicar deve ser norteada, prioritariamente, pelos direitos e interesses da criança ou jovem, devendo o julgador optar pela medida que, atendendo a esses interesses e direitos, se mostre a mais adequada a remover a situação de perigo em que a criança ou jovem se encontra.
Nessa escolha deve, ainda, como se referiu, ser dada prevalência às medidas que integrem a criança ou jovem na sua família, de forma a manter e desenvolver os laços afectivos existentes e conferir à criança ou jovem a segurança inerente a tais laços, promovendo e auxiliando, se necessário, os progenitores ou outros familiares próximos a assumir e cumprir de forma satisfatória os seus deveres parentais, desde que essas medidas se mostrem, em concreto, adequadas a remover a situação de perigo e a prosseguirem o superior interesse da criança ou jovem, o que supõe que a conduta e/ou a situação dos progenitores seja de molde, num juízo de prognose, a ter essa opção como viável e consistente.
Ao invés, não sendo isso viável – em função de um juízo de prognose que há-de sustentar-se em dados objectivos - e desde que verificados os requisitos exigidos pelo já citado artigo 1978º, deve ser, então, dada prevalência às medidas que, promovendo a adopção, visam a integração da criança ou jovem numa nova família que possa assegurar-lhe a satisfação e protecção das suas necessidades e dos seus direitos.[4]
Neste preciso sentido, na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 57/IX 3618 (DR, IIª série – A, de 26.04.2003) que deu origem à redacção do artigo 1978º, introduzida pela Lei n.º 31/2003, refere-se que “A adopção constitui o instituto que visa proporcionar às crianças desprovidas de meio familiar o desenvolvimento pleno e harmonioso da sua personalidade num ambiente de amor e compreensão, através da sua integração numa nova família. Quando a família biológica é ausente ou apresenta disfuncionalidades que comprometem o estabelecimento de uma relação afectiva gratificante e securizante com a criança, impõe a Constituição que se salvaguarde o superior interesse da criança, particularmente através da adopção. Esta concepção da adopção corresponde àquela que está plasmada em importantes instrumentos jurídicos internacionais como a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Europeia em Matéria de Adopção de Crianças. Trata-se, por outro lado, de uma intervenção que se reclama urgente, porquanto a personalidade da criança se constrói nos primeiros tempos de vida, revelando-se imprescindível para que a criança seja feliz e saudável que quem exerce as funções parentais lhe preste os adequados cuidados e afecto. E se, atento o primado da família biológica, há efectivamente que apoiar as famílias disfuncionais, quando se vislumbra a possibilidade destas reencontrarem o equilíbrio, situações há em que tal não é viável, ou pelo menos não o é em tempo útil para a criança, devendo em tais situações encetar-se firme e atempadamente o caminho da adopção. “
Na verdade, segundo se julga, a protecção da infância não pode continuar centrada numa ideia de recuperação, a todo o custo e até ao limite, da família biológica, esquecendo, nesse contexto, por um lado, que o tempo das crianças não é necessariamente o mesmo das suas famílias de origem e, sobretudo o dos adultos, sendo que o decurso do tempo pode comprometer o encontro de uma opção alternativa que proporcione à criança ou jovem o afecto, a dedicação e a estabilidade essenciais à sua formação e crescimento salutar, e colocando, por outro, em causa o direito da criança a crescer no seio de uma família que lhe propicie, o mais rapidamente possível, um crescimento feliz e saudável, o que só pode suceder no seio de uma família que a proteja, lhe providencie estabilidade e segurança e, ainda, lhe dedique, a tempo inteiro e de forma consistente, a atenção e o afecto a que a mesma tem direito e de que carece para o seu integral desenvolvimento pessoal e social.
Destarte, se a criança tem uma família (biológica ou alargada) que quer assumir, de forma séria, consistente, permanente e satisfatória as suas funções parentais em termos de garantir aqueles direitos e objectivos, não deve a criança ser separada dessa família, ainda que a família tenha de obter ajuda externa, ou seja, acompanhamento e apoios sociais, que não devem, pois, ser negados, antes empenhados na sua prossecução.
Todavia, se a não tem, isto é, se não tem uma família (biológica ou alargada) que reúna essas específicas condições e garanta aqueles direitos da criança e do jovem em perigo, em particular o estabelecimento ou a salvaguarda de laços afectivos relevantes, mesmo com ajuda externa, então, em nosso ver, há que cumprir o superior interesse da criança e caminhar para a adopção, enquanto meio alternativo de proporcionar uma família adoptiva/substitutiva.
O perigo para a criança ou jovem é, neste âmbito, o factor decisivo que legitima a intervenção no seio da família, sendo que, como antes se referiu, no conflito entre o interesse da criança e a intervenção mínima junto da família, com o intuito de acautelar os naturais interesses da família, seja da família biológica, seja da família alargada, é sempre a salvaguarda dos direitos da criança que prevalece.
Neste contexto, note-se, a medida de protecção e a própria confiança para adopção não visa punir ou censurar os pais ou a família alargada, mas garantir a prossecução do interesse do menor.[5] Dito de outra forma, as medidas a adoptar não são contra os pais mas a favor das crianças ou jovens, sendo o seu superior interesse a luz orientadora que há-de definir a opção a tomar pelo julgador, ainda que a mesma não coincida com o interesse dos adultos.
Com efeito, como se salienta no antes referido AC STJ de 30.06.2011, o pressuposto genérico da medida de confiança para adopção é a inexistência ou o sério comprometimento “ dos vínculos afectivos próprios da filiação “ (corpo do n.º 1 do artigo 1978º do Código Civil) e só pode ser decretada nas situações descritas nas várias alíneas do mesmo n.º 1, sendo que, na análise e subsunção de tais requisitos, o tribunal deve ter sempre em conta, prioritariamente, o superior interesse da criança, pelo que a respectiva aferição deve ser feita objectivamente, despida de qualquer juízo de censura ou de punição dos pais. “
Neste mesmo sentido, como salientam GUILHERME OLIVEIRA e PEREIRA COELHO [6],é requisito comum de todas as situações tipificadas no n.º 1 do artigo 1978º, a não existência ou o sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação, vistos tanto na perspectiva dos pais para com os filhos como na dos filhos para com os pais, não bastando apenas a verificação e prova de qualquer das circunstâncias tipificadas “, sendo, assim, condição de decretamento da medida de confiança judicial que, além da verificação de alguma das situações previstas no n.º 1 do artigo 1978º, se demonstre, ainda, não existirem ou encontrarem-se seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação.[7]

Portanto, e conforme o temos vindo a decidir em outros processos similares ao dos presentes autos, se é pacífico que a verificação objectiva de alguma das situações previstas no n.º 1 do artigo 1978º, do CC, não é o bastante para o decretamento da medida de confiança para a adopção, sê-lo-á quando, em função das circunstâncias do caso concreto e numa análise tão objectiva quanto possível, se possa concluir que não existem ou estão seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação.
No entanto, os «vínculos afectivos próprios da filiação» não se confundem apenas com laços sanguíneos ou com mera afeição, antes são o resultado de um processo que se prolonga no tempo, com avanços e recuos, próprios das relações humanas, mas que exigem sempre, para se manterem e formarem em termos gratificantes para a criança ou jovem, que os pais se dediquem de forma altruísta e permanente aos seus filhos, verificando e satisfazendo as suas necessidades físicas e emocionais, protegendo-os de quaisquer perigos, nomeadamente para a sua saúde e são crescimento pessoal e social, em suma, evidenciando por actos concretos, o autêntico afecto que sentem por eles e o valor e significado dos vínculos que os unem.
Como assim, se os pais, a despeito dos apoios que tenham tido, não cumprem os seus poderes-deveres para com os filhos e com isso colocam em risco, de forma significativa, a sua segurança, a sua saúde e o seu crescimento salutar e feliz, comprometendo, assim, por acção ou omissão, os vínculos afectivos próprios da filiação, e se idêntico prognóstico é possível fazer, em termos prudentes e segundo as regras da experiência, para o futuro, o interesse dos filhos postula ou indica que o caminho a seguir é o da adopção.
Neste sentido, como se ponderou no AC RL de 24.11.2009 [8] “Sendo manifesto, perante a factualidade provada, que qualquer dos progenitores descurou os cuidados de saúde e higiene de que cada um dos seus filhos necessitava, pondo em perigo a sua saúde, a sua formação, a sua educação e bem assim o seu desenvolvimento harmonioso e equilibrado, tudo se resumindo na incapacidade dos progenitores na manutenção e educação dos filhos, mostram-se preenchidos os pressupostos de facto da al. d) do n.º 1 do artigo 1978º, do Cód. Civil.
Em idêntico sentido, também se refere no AC RG de 21.05.2009 [9] “Revelando os pais biológicos manifesta incapacidade para cuidarem da sua filha menor, com perigo grave para o seu desenvolvimento integral, saúde, educação e formação, justifica-se decretar a confiança judicial da menor a instituição com vista a futura adopção.”
Tendo presente as considerações antes expostas, cumpre, pois, conhecer do concreto caso dos autos, ou seja, da situação dos menores B… e C… e dos seus progenitores.
Relativamente ao progenitor dos menores não é posto em crise que o mesmo não mantém actualmente com os seus filhos qualquer vínculo afectivo, assim como não é discutido que o mesmo, em razão do desinteresse e incapacidade que sempre revelou quanto ao cuidado, protecção e educação dos mesmos, os colocou em evidente perigo para a sua segurança, saúde, formação e desenvolvimento.
Com efeito, o mesmo progenitor, de acordo com a factualidade provada, pelo menos, desde Junho de 2018 nunca mais contactou ou viu os seus filhos, desinteressando-se, pois, por completo, da sua sorte, sendo certo que mesmo antes, no período em que viveu com a progenitora, os autos não dão notícia de que o mesmo tenha revelado qualquer cuidado ou preocupação pelos mesmos, nomeadamente com a sua protecção, com a sua saúde e com o seu desenvolvimento físico e emocional.
É, pois, evidente, segundo cremos, que este seu comportamento traduz um grave incumprimento dos seus deveres parentais e compromete de forma irremediável os vínculos afectivos próprios da filiação, seja do ponto de vista do progenitor, seja até do ponto de vista dos seus filhos, que, aliás, em razão desse desinteresse e abandono por parte de seu pai, não mostram, apesar da sua tenra idade, manter qualquer tipo de vínculo ou ligação afectiva com o mesmo, que sempre foi ausente das suas vidas.
No que se refere à progenitora e ora Recorrente, independentemente da censura que a mesma dirige às várias entidades que estiveram envolvidas com a sua situação, certo é que a mesma, pelo menos, desde 2013 – data em que nasceu o seu primeiro filho, B… –, sempre tem mantido uma forte instabilidade ao nível da sua vida pessoal e familiar, vivendo em sucessivos e distintos lugares, normalmente em locais sem condições para albergar condignamente os seus filhos (em acampamentos ou em casas abarracadas, com um número de pessoas inadequadas e sem condições básicas de higiene e organização) e, sobretudo, sem evidenciar organização ou gestão bastantes a nível pessoal e familiar susceptível de garantir as necessidades básicas de seus filhos (alimentação, vestuário, saúde e educação), a nível social, nunca providenciando ou mantendo ocupação profissional que lhe garantisse a si e aos seus filhos (de tenra idade) as condições mínimas de sustento, descuidando e desconsiderando a frequência da escola ou creche para os mesmos e não providenciando os cuidados e ou o acompanhamento médico de que os mesmos, em condições normais, atenta a sua tenra idade, carecem, colocando, pois, em risco a saúde, a educação, o bem-estar e o normal ou são desenvolvimento dos seus filhos.
Saliente-se que o que fica dito nada tem a ver com pobreza, com etnia ou raça, sendo que, segundo cremos, é possível ser pobre e providenciar ou tentar providenciar, em termos minimamente satisfatórios, pela segurança, saúde e educação dos filhos menores e é também possível, em nosso ver, salvaguardar equilibradamente a cultura e os costumes próprios, sem colocar em risco a segurança, a saúde e a educação dos filhos, sobretudo quando estão em causa crianças de tenra idade, como é o caso do B… e, muito em especial, a C…, protegendo, cuidando e acompanhando a situação e a evolução dos filhos, dando-lhes afecto e estímulos educativos, garantindo, assim, o seu crescimento salutar, o seu desenvolvimento integral e o seu futuro.
Note-se, ainda, neste particular, que a situação vinda de descrever não tem um, nem dois anos de duração, antes se prolonga desde, pelo menos, o nascimento do B…, em 2013, tendo vindo, aliás, a repetir-se com o nascimento da menor C…, que nasceu em 2017, o que significa que a progenitora e ora Recorrente não logrou, até à data, assumir, de forma responsável e estável, a sua maternidade e, nesse contexto, criar as condições mínimas para prover pelo superior interesse dos seus filhos.
De tal ordem é assim que, em 2019, quando os menores foram encontrados (após fuga da progenitora com os seus filhos da “O… “ onde estavam acolhidos e onde lhe eram propiciadas condições de estabilidade, segurança e educação) estavam num acampamento na …, muito sujos e a cheirar mal, sendo que, em tal data (Outubro de 2019), a C… tinha apenas 2 anos e meio e o B… tinha 5 anos (prestes a completar 6); por outro lado, ainda, antes, em Abril de 2018, quando foram recebidos na aludida “O… “, o B…, então com 4 anos e meio, evidenciava grandes dificuldades de linguagem, e a sua irmã C…, com cerca de 18 meses, ainda não andava, fruto das muito precárias condições em que viviam até à data, com a sua progenitora.
De referir, ainda, neste contexto, que o menor B… evidencia ter uma saúde mais débil, ficando, com frequência, doente.
Por conseguinte, em nosso ver, resulta evidenciado, à luz do preceituado no artigo 3º, n.ºs 1 e 2 al. c), da LPJCP, que o comportamento da progenitora e ora Recorrente é idóneo a colocar em causa a saúde, o bem-estar e a educação básica do B… e da C…, sendo certo que a lei não exige que esse perigo se mostre concretizado ou consumado, bastando-se com a sua previsibilidade, segundo as regras da experiência humana e da lógica.
Ao que fica dito acresce, ainda, que, como evidencia a avaliação às capacidades parentais da progenitora, realizada em 2017, a mesma releva sérias limitações pessoais, como sejam dificuldades cognitivas, humor depressivo, funcionamento intelectual global inferior à média, acompanhado por limitações no funcionamento adaptativo, compatível com atraso mental ligeiro, carecendo, por isso, ela própria, de apoio, orientação e assistência quando sob «stress» social, vivencial, parental ou económico fora do habitual, revelando desconhecimento sobre aspectos importantes do desenvolvimento e saúde infantil, apresentando-se como muito dependente da supervisão da sua própria progenitora (avó materna dos menores) no que toca aos cuidados a prestar às crianças e à organização familiar, revelando, ainda, fragilidades na gestão e conhecimento do dinheiro, não conseguindo fazer somas de valores em notas e/ou em moedas.
Ora, com todo o respeito, é, em nosso julgamento, seguro considerar-se que, no aludido circunstancialismo, a Recorrente, a despeito da ligação afectiva que revela para com os seus filhos e do sofrimento que sente, cremos de forma genuína, com a separação dos mesmos, não reúne, manifestamente, condições para providenciar, mesmo com apoio social, psicológico ou material, em termos razoáveis e estáveis, pela segurança, saúde, educação e normal desenvolvimento de seus filhos, antevendo-se, outrossim, em termos objectivos e segundo o que são as regras da experiência, que, mantendo-se os mesmos à sua guarda e cuidados, a situação de risco antes referida irá continuar a aprofundar-se, com riscos de sério comprometimento do seu bem-estar e ulterior desenvolvimento individual e inserção social.
Digamos, pois, em face do exposto, que a Recorrente não reúne condições para ter consigo os seus filhos, não por não o querer, não por não o desejar, não por não ter afecto para com os mesmos, que, aliás, lhe correspondem com idêntico afecto, mas por que não dispõe de condições pessoais que o permitam fazer de forma satisfatória e estável, sendo certo que, como transparece dos autos, ela própria, carece e sempre carecerá, apesar da sua idade, atentas as suas limitações cognitivas, o seu ligeiro atraso mental e as suas limitações a nível adaptativo, do apoio, assistência e acompanhamento da sua família, em particular da sua mãe, para prover, organizar e cuidar dela própria de forma minimamente aceitável.
Neste sentido, a progenitora e ora Recorrente é ela própria alguém que precisa de apoio, de ajuda, de assistência e orientação para organizar e prover à sua vida pessoal, não tendo, pois, em termos que cremos serem evidentes, aptidões ou condições para, por si ou com acompanhamento e apoio (como o bem evidencia a experiência do passado recente), prover à segurança, educação, saúde e normal desenvolvimento dos seus filhos, com a tenra idade que os mesmos têm actualmente e atenta a sua inevitável dependência de um adulto que deles cuide em termos permanentes e que lhes dê o devido acompanhamento ao nível da sua saúde e estímulo ao nível da sua evolução e educação básicas.
Por outro lado, não é aceitável que os menores fiquem com a sua vida em suspenso e a aguardar uma evolução positiva no futuro, quando no passado a progenitora não revelou condições satisfatórias para deles cuidar e os proteger, sob pena de comprometer totalmente os seus direitos.
Sinal disto mesmo é, no fundo, segundo julgamos, a Recorrente admitir, a título subsidiário, que, não havendo opção viável na família alargada, os menores se mantenham na instituição actual, atenta a sua inserção e a possibilidade de os ali visitar, admitindo, pois, que ela própria não reúne condições para garantir a segurança, a saúde, o bem-estar e o desenvolvimento dos seus filhos menores.
Sucede que, se é compreensível este desejo da progenitora, já não cremos que se possa, do ponto de vista do interesse dos menores B… e C… e do seu direito inalienável a crescerem no seio de uma família que lhes providencie o cuidado, a protecção, o afecto e o estímulo a que os mesmos têm direito e é fulcral ao seu crescimento enquanto crianças que são, defender a manutenção dos mesmos na instituição onde se encontram, submetidos ou sujeitos a um juízo de prognose que se nos afigura, antecipadamente, altamente improvável (em face do que já antes se verificou e, muito em especial, face às limitações da própria progenitora para, de forma autónoma e mesmo com auxílio de terceiros, prover à sua própria vida), quanto a uma eventual recuperação da progenitora ou uma incerta alteração das suas circunstâncias pessoais ou familiares, sendo certo que a situação retratada nos autos não é recente, mas outrossim se prolonga desde 2013 e sem fim à vista, não fosse, como se referiu, a intervenção de protecção ocorrida e a colocação dos menores na instituição onde se encontram actualmente.
Neste sentido, como se salienta no citado AC STJ de 20.01.2010, não é legítimo que o progenitor, que continuadamente não revelou condições para assumir as suas responsabilidades parentais de forma satisfatória, levando a que tivesse que ser um terceiro (instituição) a providenciar pelo cuidado e protecção do menor, “ pretenda perpetuar tal situação, prolongando-a até ao momento futuro, incerto e hipotético, em que, porventura, consiga adquirir as capacidades, disponibilidades e competências que, até ao momento, lhe faltaram para cuidar diariamente dos seus filhos “, sendo certo, ainda, que a vida dos menores não pode ficar em suspenso, ou, ainda, que “os menores não podem hipotecar a sua vida em função das necessidades dos pais “.
Por conseguinte, em nosso ver, não é aceitável, no sobredito contexto, que os menores permaneçam na instituição até que a progenitora obtenha, eventualmente, no futuro, condições para acolher, acompanhar e cuidar de forma satisfatória os seus filhos, sobretudo quando essas possibilidades são, como ora sucede, remotas ou bastantes incertas.
Compreende-se que seja esse o interesse da família natural e, em concreto, da progenitora, mas não é esse, ostensivamente, o interesse dos menores B… e C… e é este último que, em caso de conflito, como se referiu, deve prevalecer por ser o interesse primordial ou superior.
E, neste âmbito, como também se salienta no mesmo Acórdão, para efeitos de avaliação da situação, “ não pode obviamente deixar de pesar decisivamente o juízo (…) que fundadamente considera improvável a aquisição pelo progenitor recorrente das capacidades e condições que lhe permitam, de forma segura e adequada, assumir as suas responsabilidades parentais – sendo obviamente inconciliável com a tutela e prossecução do superior interesse do menor a adopção de soluções «experimentais», que o tribunal justificadamente considera de viabilidade e eficácia duvidosa e que a frustrarem-se, conduziriam seguramente a acrescidos danos para a segurança e estabilidade do projecto de vida dos menores.”
E não se invoque, como ora sucede, que à progenitora não foram dados apoios para que a mesma pudesse, dentro do possível, cuidar de forma satisfatória dos seus filhos e providenciar-lhes os cuidados e a protecção a que os mesmos têm direito, enquanto crianças de tenra idade.
Na verdade, a despeito do que invoca a progenitora e da situação em que os menores foram encontrados no acampamento de onde foram retirados, importa recordar que, após o nascimento dos seus filhos, lhe foi atribuído apoio económico (RSI), foi-lhe atribuído abono de família, foi-lhe proporcionada, sem sucesso visível, a frequência de programa para reforço das suas competências parentais (“ projecto cegonha “), que os problemas suscitados a nível habitacional não se reconduzem, ao contrário do que a mesma invoca, à falta de habitação ou à modéstia da habitação, mas à desorganização e falta de limpeza/higiene existentes nos locais onde habitava, fruto da incapacidade por si revelada para realizar as tarefas domésticas básicas (arrumação, limpeza e confecção de refeições), para garantir o acompanhamento da saúde dos seus filhos e providenciar pela sua educação básica, e, ainda, que, na sequência das queixas por maus-tratos e violência doméstica infligidos pelo progenitor, lhe foi concedido acolhimento em instituição (onde lhe foi ministrada formação profissional na área do apoio à terceira idade e onde foi inscrita em formação na área de cozinha, que não aceitou realizar) e de onde a mesma veio, aliás, a fugir por duas ocasiões, uma primeira vez, para regressar para junto do progenitor mau grado o anterior comportamento do mesmo (acabando por regressar à instituição cerca de 2 semanas depois, chorosa e com o seu filho B… assustado) e, uma segunda vez (cerca de um ano depois), para regressar de novo às precárias condições anteriores num acampamento na …, onde veio a ser encontrada com as crianças, nas circunstâncias já antes referidas.
Dir-se-á, pois, com todo o respeito, que o problema não reside nos apoios que foram concedidos, mas no aproveitamento dos mesmos por parte da progenitora, ao menos em prol dos seus filhos, e que foi, infelizmente, praticamente nenhum.
No entanto, independentemente do que antes se referiu e, portanto, da versão da Recorrente não colher demonstração no conjunto das diligências encetadas em seu apoio e dos seus filhos, a questão central não é, retrospectivamente, analisar ou sindicar os apoios providenciados, mas, antes, prospectivamente, e no contexto da decisão a proferir no âmbito do presente processo de promoção e protecção do interesse dos menores B… e C…, saber se os ditos apoios sociais (ou outros que sejam possíveis) garantem ou asseguram, em termos de objectiva prognose, à progenitora e ora Recorrente, para futuro e no superior interesse dos seus filhos, as condições para a mesma satisfazer e acautelar, nos termos legalmente exigíveis, a situação dos mesmos, providenciando, em termos consistentes e estáveis, pela sua protecção, pela sua saúde, pelo seu bem-estar e são desenvolvimento a nível pessoal e social.
Ora, é nosso julgamento que, a conduta anterior da progenitora e, mais do que isso, as suas condições pessoais (a que antes fizemos referência), não permitem a este tribunal estabelecer aquele juízo de prognose para o futuro, antes se evidenciando que, nas actuais circunstâncias, que não se antevê que possam ser alteradas de modo positivo a breve trecho, a Recorrente não reúne condições para assumir a confiança e a guarda dos seus filhos menores, mesmo sob acompanhamento ou com a prestação dos apoios sociais disponíveis, que, como bem se sabe, são sempre escassos.
Aqui chegados, a questão que se tem de colocar é, não obstante o que antes se expôs, a de saber se ocorrem os pressupostos para ser decretada a confiança a instituição para adopção dos menores B… e C…, como se sustenta na decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância, ou, se deve antes optar-se por uma solução que privilegie a sua inserção na família alargada (se existir), salvaguardando a protecção e o bem-estar dos mesmos, sem provocar, pois, a ruptura total dos laços afectivos ainda existentes entre os menores e a sua mãe e entre esta e os seus filhos.
Como se vê da sentença recorrida nela se perfilhou a posição de que, apesar de existirem alternativas no seio da família alargada (tia-avó F… e o seu companheiro), essa opção exigiria um investimento no melhoramento das competências parentais daqueles familiares, o que, em razão do tempo necessário para tanto, em razão da idade dos menores e em razão da incerteza do resultado a alcançar junto de tais familiares, deveria conduzir à opção pela confiança dos menores à instituição onde os mesmos se encontram e tendo em vista a sua ulterior adopção.
Neste sentido, escreve-se na sentença recorrida: “ Por estas razões este tribunal, pelo menos em primeira instância, entende que os menores não deverão aguardar que o casal F… e I… reforce as suas competências, que venha eventualmente a dar provas de ter evoluído na sequência desse reforço, com vista a ser definido posteriormente o seu projecto de vida, dado que tal implicaria tempo e o resultado seria incerto, não podendo as crianças manterem a definição do seu projecto de vida eternizado, a aguardar soluções incertas, no tempo e no resultado final.
Com todo o respeito, não subscrevemos o entendimento sufragado pelo Tribunal de 1ª instância na sua douta decisão, pois que, em nosso ver e como resulta do preceituado no artigo 1978º, n.º 1, do CC, a opção pela confiança dos menores a instituição para futura adopção não se basta com o preenchimento de alguma das situações objectivas previstas nas suas várias alíneas, antes exige, ademais, que os vínculos afectivos próprios da filiação não existam ou se mostrem seriamente comprometidos, o que, em nosso ver, no caso dos autos, não ocorre ou, pelo menos, não ocorre nas actuais circunstâncias.
Com efeito, como já antes se referiu, a medida de confiança supõe, além da verificação objectiva de alguma das situações tipificadas nas várias alíneas do n.º 1 do citado artigo 1978º, a inexistência de laços afectivos (como sucede, de forma indubitável, com o progenitor dos menores) ou o seu sério comprometimento, o que, segundo julgamos, supõe que a situação objectiva verificada seja de tal modo séria ou grave que seria desrazoável ou imprudente, segundo os padrões geralmente aceites na comunidade, manter ou proteger esses vínculos, colocando em sério risco a vida, a saúde ou o desenvolvimento futuro da criança ou jovem.
Na verdade, como nos diz a experiência, pais existem, infelizmente, que, apesar das condutas mais graves para com os seus filhos, da inexistência de quaisquer laços afectivos ou do seu total comprometimento, ainda assim invocam ou revelam algum afecto pelos mesmos.
No entanto, não cremos, com o devido respeito, que seja este o exacto caso dos presentes autos.
Vejamos.
Os menores B… e C…, não obstante a situação instável que vivenciaram e a desprotecção em que se encontraram ao nível dos seus cuidados junto da sua mãe, não correram qualquer risco concreto em termos de saúde ou de vida, não foram sujeitos por parte da progenitora a maus-tratos físicos ou psicológicos, nem por ela foram abandonados, mantendo-se, aliás, entre ambos fortes laços afectivos.
A comprová-lo está a circunstância de, imediatamente após a sua institucionalização, os menores terem sofrido com o distanciamento abrupto de sua mãe, a circunstância de a mesma os ter procurado visitar uma vez por semana na instituição onde se encontram, revelando-se, nesse contexto, muito afectuosa com os mesmos e sendo o momento da despedida entre ambos um momento que é vivido com sofrimento por parte da mãe e por parte dos menores, em particular pelo B…, que conta com 6 anos – vide factos provados em 43, 44 e 45.
Significa isto que, em nosso ver, não ocorre, relativamente à progenitora, uma situação de inexistência de laços afectivos próprios da filiação, semelhantes aos que se estabelecem, em condições normais, entre pais e filhos e entre estes e os seus pais, nem, ainda, uma situação de grave comprometimento dos laços afectivos que os unem entre si.
É certo que os menores não tiveram o conforto, a protecção, o afecto e o acompanhamento que deveriam ter tido e que a progenitora lhes devia ter providenciado (apesar das suas limitações pessoais), mas, em nosso ver, o conforto, a protecção e o acompanhamento de maior qualidade que podem vir a ter (na instituição ou numa família adoptiva) não superam os vínculos afectivos próprios da filiação que os mesmos ainda mantêm com a sua mãe e que esta mantem com os mesmos, vínculos esses que, de modo alternativo, em nosso julgamento, se podem/devem tentar preservar no contexto da família alargada.
Na verdade, se o afecto da progenitora é compreensível, mas não é o decisivo para o julgamento a efectuar, já é, em nosso ver, decisivo o afecto e o vínculo afectivo que os menores revelam para com a sua mãe e, portanto, nesse contexto e perante as circunstâncias concretas do caso, deve o julgador procurar preservar esse vínculo, a menos que tal se mostre de todo inviável ou comprometa de forma grave a segurança e a protecção do menor ou do jovem.
Nesta perspectiva, em nosso julgamento, existindo, como é o caso dos autos, família alargada, nomeadamente a tia-avó F… e o seu companheiro, residentes na Maia, família esta que foi tida como idónea pelos técnicos no terreno, que mantêm um relacionamento estável (há cerca de 12 anos), que não tem filhos, que dispõem de condições de habitação para acolher de forma satisfatória ambos os menores e que, para tanto, se mostraram disponíveis e interessados, não se vislumbram, em nosso ver, razões bastantes para afastar esta alternativa, sendo certo que a mesma poderá, não só, garantir aos menores o acompanhamento, a educação e os cuidados de que os mesmos carecem para crescer de uma forma feliz e salutar no seio da sua família natural, como, ainda, poderá salvaguardar a manutenção de contactos regulares entre a progenitora e os menores, preservando os laços afectivos que os unem, sem prejuízo do apoio social e do acompanhamento técnico que os mesmos careçam para levar a cabo de forma satisfatória essa sua função e sem prejuízo do caminho de aprendizagem que os mesmos, como todos os pais, têm sempre de fazer no início e durante toda a vida dos seus filhos, em função da personalidade de cada um e da evolução que os mesmos evidenciam ao longo do seu crescimento.
Nesta perspectiva, com o devido respeito, não se vêm nos autos razões sérias e plausíveis para se ter feito cessar a integração dos menores no seio da família da sua aludida tia-avó F… (sendo que o menor entusiasmo ou reacção menos positiva do B… à atenção dedicada a sua irmã mais nova não se nos afigura, no contexto, decisivo, nem algo de preocupante ou de inultrapassável com o devido acompanhamento), não colhendo sentido, com todo o respeito, invocar-se como fundamento para essa retirada o facto de os ditos familiares terem que desenvolver as suas competências parentais e se ignorar o sucesso de tal aprendizagem quando, como resulta da factualidade provada, o casal não teve nunca filhos e, portanto, naturalmente, terá sempre que efectuar a necessária adaptação, aprendendo a conviver com crianças pequenas, criando hábitos, rotinas e estabelecendo uma relação próxima e minimamente estável com as mesmas, único caminho possível ao estabelecimento de laços afectivos entre ambos e ao sucesso desta outra opção.
Sem que esse caminho seja efectuado, com os riscos de retrocesso ou insucesso que todos os caminhos têm (incluindo, como bem se sabe, o da adopção), mas sem menosprezar também as possibilidades que nele se encerram, desde que empenhados todos os esforços exigíveis ao acompanhamento e apoio deste agregado familiar, não se pode, em nosso ver e com o devido respeito, nas circunstâncias actuais, colocar de parte, sem mais, isto é sem esgotar as suas possibilidades, esta alternativa, sendo certo que, como se referiu, o fundamento legal para o decretamento da confiança para adopção exige, além da verificação objectiva de alguma das situações previstas no artigo 1978º, do CC, que os laços afectivos entre os menores e a sua família biológica ou alargada não existam ou se mostrem seriamente comprometidos, o que, como se expôs, não se verifica na situação dos autos.
Dir-se-á que a realização deste caminho pode vir a comprometer a obtenção, a breve trecho, de um projecto de vida alternativo para os menores, nomeadamente a obtenção de uma família adoptiva, sobretudo no caso do B…, atenta sua idade, sendo certo que o projecto de adopção em causa passa - e bem - por manter os dois irmãos juntos.
Compreende-se a preocupação e o sentido subjacente à decisão recorrida, mas, ainda assim, divergindo da solução nela acolhida, julga-se que a confiança dos menores para adopção só tem apoio legal, à luz do preceituado no artigo 1978º, n.º 1, do CC, quando se encontre demonstrada a inexistência ou o sério comprometimento dos laços afectivos próprios da filiação, o que significa que, não ocorrendo esse circunstancialismo, como é o caso, e não estando esgotadas, previamente, as possibilidades alternativas existentes no seio da família alargada, como ora sucede, a confiança para adopção não deve ser decretada.
Ao invés, segundo julgamos, dever-se-á, nesse contexto, optar pela N…/entrega dos menores aos membros da família alargada que para tanto tenham revelado disponibilidade e disponham, à partida, de condições para tanto, por um determinado período de tempo, sujeito à devida fiscalização, revisão e reponderação no final do dito período, providenciando-lhe, entretanto, todo o apoio social, económico e acompanhamento técnico que seja possível.
Na verdade, como se refere na sentença recorrida e se subscreve, se ao tribunal e às demais instituições e entidades envolvidas cabe o dever de providenciar, no mais breve espaço de tempo possível, pela colocação dos menores no seio de uma família adoptiva, igual esforço deve ser dedicado à tentativa de inserção dos mesmos no seio da sua família alargada (preservando os laços afectivos existentes), desde que esta revele, naturalmente, idoneidade e capacidade para providenciar pelo devido acompanhamento e protecção dos menores e pelo estabelecimento de laços afectivos gratificantes e securizantes, ainda que com apoio social e acompanhamento técnico apropriado.
Neste sentido, salvo o devido respeito por opinião em contrário, o tempo decorrido e a experiência em causa, mesmo admitindo (como tem de admitir-se) que mesma possa não alcançar bom termo, não prejudicarão mais os menores do que o tempo decorrido e a experiência difícil que os mesmos sempre terão na instituição em que se encontram (sem contactos de quaisquer familiares, nomeadamente de sua mãe) e até serem eventualmente adoptados, sendo também certo que a adopção é, realisticamente, sempre um processo com alguma duração, uma possibilidade e não uma certeza e que também ela conta com vicissitudes e dificuldades para os menores a favor de quem a mesma é decretada e para as próprias famílias adoptivas.
Por conseguinte, à luz do antes exposto, julgamos que se deve correr o risco, sabendo que, ainda assim, se estará a procurar, de forma prudente e razoável, atingir o superior interesse dos menores, B… e C…, no contexto da sua família natural, mesmo que alargada, e a procurar salvar os vínculos afectivos existentes entre os filhos e a sua mãe, ora Recorrente.
Destarte, procede a apelação, revogando-se a medida de confiança decretada, que deve ser substituída pela medida de apoio dos menores B… e C… junto da sua tia-avó F…, a quem fica confiada a sua guarda, medida que deverá prolongar-se pelo período de três (3) meses, com o devido acompanhamento e apoio social no desempenho das suas funções parentais e a necessária ajuda económica (artigos 35º, al. b) e 40º, da LPJCP), com revisão no fim do dito período de tempo e com a prestação de informação/relatório nos autos sobre a sua execução, os resultados nela alcançados, a integração e a evolução dos menores no seio da família e proposta quanto à renovação ou cessação da medida em apreço, devidamente fundamentada.
Consigna-se, ainda, neste âmbito que, durante a pendência da medida ora decretada, a mãe dos menores poderá contactar e visitar os mesmos naquela morada (em horário e no/s dia/s estabelecido/s pela tia-avó a quem se mostram entregues e sob as suas orientações), não podendo, todavia, ali permanecer por tempo superior ao definido para a sua visita, nem, ainda, ausentar-se com os mesmos daquele local, sob pena de cessação da medida ora decretada e regresso dos mesmos à instituição onde se encontram.
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Em face do antes decidido, ficam prejudicadas as demais questões suscitadas pela Recorrente – artigo 608º, n.º 2, do CPC.
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V. DECISÃO:
Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pela progenitora E…, aplicando aos menores B…, nascido a 14.11.2013, e C…, nascida a 27.02.2017, a medida de apoio junto da sua tia-avó, F…, junto de quem ficarão a residir pelo período de três meses, com o acompanhamento social, psicopedagógico e apoio económico que se mostrem adequados e necessários, nos termos e condições acima assinaladas e com relatório da medida e reapreciação/revisão da mesma no fim do período.
No decurso da medida ora decretada os menores poderão ser contactados e visitados por sua mãe na residência de sua tia-avó, F…, sob a supervisão desta última e nos termos acima definidos.
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Sem custas – artigo 4º, n.º 2 al. f), do Regulamento das Custas Processuais.
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Porto, 30.04.2020
(O presente acórdão não obedece na sua redacção às regras do Novo Acordo Ortográfico)
(O presente acórdão foi elaborado por meios informáticos contendo a assinatura electrónica dos seus subscritores)
Jorge Seabra
Pedro Damião e Cunha
Fátima Andrade
_________________
[1] Adoptando este conceito em substituição da clássica denominação de “poder paternal“, vide, por todos, com maior desenvolvimento, CLARA SOTTOMAYOR, “Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio”, 6ª edição Revista, Aumentada e Actualizada, pág. 21-22 e JORGE DUARTE PINHEIRO, “ O Direito da Família Contemporâneo ”, AAFDL, 4ª edição, 2013, pág. 279-280.
[2] Vide, neste sentido, por todos, AC STJ de 28.05.2015, relator TAVARES de PAIVA, in www.dgsi.pt.
[3] M. CLARA SOTTOMAYOR, op. cit., pág. 45.
[4] Vide, neste sentido, por todos, AC RP de 24.03.2015, relator RODRIGUES PIRES, AC RP de 12.10.2015, relator AUGUSTO de CARVALHO, AC RP de 23.02.2016, relator ANABELA DIAS da SILVA ou, ainda, AC RP de 14.03.2017, relator MARIA CECÍLIA AGANTE, todos in www.dgsi.pt.
[5]Vide, neste sentido, por todos, ROSA BARROSO, “ A adopção e o direito de uma criança a uma família ”, in Adopção, CEJ, Janeiro de 2015, disponível in www.cej.pt, pág. 110-111 e AC STJ de 30.06.2011, relator MARIA dos PRAZERES PIZARRO BELEZA, disponível in www.dgsi.pt.
[6] GUILHERME OLIVEIRA, F. PEREIRA COELHO, “ Direito da Família ”, II volume, Tomo I, pág. 278.
[7] Vide, neste sentido, além do citado AC STJ de 30.06.2011, ainda, dos mais recentes, AC STJ de 25.09.2018, relator ACÁCIO NEVES, AC STJ de 18.10.2018, relator A. ABRANTES GERALDES, AC STJ de 28.02.2019, relator ILÍDIO SACARRÃO MARTINS, todos in www.dgsi.pt.
[8] AC RL de 24.11.2009, relator MARIA JOSÉ SIMÕES; No mesmo sentido, vide, ainda, AC RC de 25.10.2011, relator ALBERTO RUÇO, AC RC de 16.10.2012, relator ARLINDO OLIVEIRA, AC RG de 12.06.2014, relator FILIPE CAROÇO, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[9] AC RG de 21.05.2009, relator ROSA TCHING, disponível no mesmo sítio oficial.