INSOLVÊNCIA
MASSA INSOLVENTE
ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
DIVÓRCIO
INVENTÁRIO SUBSEQUENTE A DIVÓRCIO
CABEÇA DE CASAL
Sumário

I – Em insolvência de ex-cônjuge em que estejam apreendidos para a massa insolvente bens imóveis ainda comuns arrendados, a sua administração compete ao administrador da Insolvência, como decorre da conjugação do disposto no art. 81º nº1 do CIRE, que priva o insolvente dos poderes de administração dos seus bens, e do art. 150º nº1 do mesmo diploma, que prevê a imediata entrega dos bens ao administrador da insolvência para que deles fique depositário, regendo-se tal depósito pelas normas gerais e, em especial, pelas que disciplinam o depósito judicial de bens penhorados;
II – Como decorrência de tais preceitos e do art. 760º nº1 do CPC (sobre administração de bens pelo depositário de bens penhorados), e pelo menos enquanto se mantiver a apreensão de tais imóveis naqueles termos, é ao administrador da insolvência que compete receber ou cobrar as rendas devidas pelo arrendamento dos mesmos como frutos civis que são de tais coisas imóveis (art. 212º nº2 do C.Civil), devendo, por isso, a ela ser pagas pelo arrendatário;
III – A administração de bens decorrente da declaração de insolvência prevalece sobre a administração de bens pelo cabeça-de-casal em sede de inventário, pois de tal declaração de insolvência, como processo de execução universal decorre a apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente “ainda que estes tenham sido…arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos” (art. 149º nº1 do CIRE) para serem “imediatamente entregues” ao administrador (art. 150º nº1 do CIRE).

Texto Integral

Processo nº3595/17.6T8STS.P1
(Comarca do Porto – Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim – Juiz 2)

Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

B… instaurou acção declarativa comum contra B…, Sociedade Unipessoal, Lda., pedindo que:
a) Seja decretada a resolução judicial do contrato de arrendamento para fins industriais celebrado entre a Autora e a Ré, com as demais consequências legais.
b) Seja a Ré condenada na desocupação e restituição dos locados, livres de pessoas e bens, com as devidas reparações, nos termos do art. 1081.º, n.º 1 do CC, com as demais consequências legais.
c) Seja a Ré condenada no pagamento das rendas vencidas e não pagas dos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2017, no valor de € 35.928,15, e das rendas vincendas até efectiva entrega dos pavilhões industriais, livres de pessoas e bens, com as demais consequências legais”.
Alegou para tal o seguinte:
- que entre a Autora e seu ex-marido D…, na constância do matrimónio, e a Ré, foram celebrados dois contratos de arrendamento que tinham por objecto pavilhões industriais, sendo um em 1/10/1990 e outro em 28/3/1996, os quais dizem respeito aos seguintes imóveis: prédio urbano composto por edifício destinado a indústria, de cave e rés-do-chão e logradouro, sito na Rua …, n.º .., …, Trofa, descrito na Conservatória do Registo Predial da Trofa sob o n.º 23/19841214, freguesia …, e prédio urbano composto por edifício destinado a armazém de 2 pisos, sito na Rua …, n.º .., …, Trofa, descrito na Conservatória do Registo Predial da Trofa sob o n.º3361/20080109, da freguesia …;
- que se divorciou de D… em 14/11/2008 por mútuo consentimento e na sequência do divórcio procederam à partilha do património por escritura pública celebrada em 23/12/2008;
-que em 9/8/2010 D… foi declarado insolvente e nessa sequência foi resolvida em benefício da massa insolvente aquela partilha, resolução essa que se manteve na decorrência de ter sido julgada improcedente acção de impugnação a tal resolução por si instaurada;
- que tendo tão só sido apreendida a favor da massa insolvente a meação do Sr. D… sobre os bens imóveis supra identificados, “tomou […] conhecimento de que a totalidade do valor da renda devida pelo arrendamento dos dois bens imóveis […] tem sido paga, por indicação da Senhora Administradora de Insolvência, à Massa Insolvente de D…, e não à aqui Autora, legítima proprietária dos dois bens imóveis”, pelo que procedeu à «interpelação da Ré, mediante carta registada com aviso de recepção, entregue no dia 20 de Setembro de 2017, para que, no prazo de 5 dias, procedesse ao pagamento do valor da renda em dívida,respeitante à renda vencida à data (Julho de 2017) e não paga, a que acrescia indemnização igual a 50% do que fosse devido”;
- que “apesar de ter recebido a dita carta, a Ré não procedeu ao pagamento da renda do mês de Julho, nem da renda dos meses que se seguiram, tendo apenas respondido que as rendas têm sido pagas a favor da Massa Insolvente de D…, conforme indicação da Sra. Administradora de Insolvência”;
- que “encontra-se actualmente em dívida o montante global de €35.928,15 referente ao valor das rendas vencidas e não pagas dos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2017”.
A Ré apresentou contestação (fls. 30-51), na qual começou por impugnar o valor dado à acção; arguiu também a ilegitimidade da Autora e de, seguida, impugnou diversa factualidade; depois invocou o abuso de direito e a má-fé da Autora; a concluir, Ré requereu a intervenção principal provocada da Massa Insolvente de D… (arts. 118.º-129.º).
A Autora exerceu o contraditório quanto ao exposto na contestação e quanto à requerida intervenção principal (fls. 52-59).
Por despacho proferido a fls. 60-61, o Juízo Local Cível de Santo Tirso fixou o valor processual da causa em € 222.754,63 e declarou a sua incompetência para conhecer a causa, nos termos do art. 66.º do Código de Processo Civil, determinando a remessa dos autos para o Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim, por ser o competente.
Neste tribunal teve lugar audiência prévia (acta de fls. 228), tendo na sequência da mesma sido proferido saneador/sentença nos termos da qual, após se decidir pela legitimidade da Autora e pela não admissão da intervenção principal provocada da Massa Insolvente de D…, foi julgada a acção totalmente improcedente e absolvida a Ré do pedido.
De tal sentença veio a Autora a interpor recurso, tendo na sequência da respectiva motivação apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
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A Ré apresentou as alegações de resposta constantes de fls. 249 a 253, na qual pugna pela total improcedência do recurso.

Foram dispensados os vistos nos termos previstos no art. 657º nº4 do CPC.
Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), são as seguintes as questões a tratar:
a) – apurar se a decisão recorrida padece da nulidade prevista no art. 615º nº1 c) do CPC;
b) – apurar se há lugar à resolução dos contratos de arrendamento dos imóveis identificados nos autos por falta de pagamento das rendas indicadas pela Autora.

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II – Fundamentação

Vamos ao tratamento da primeira questão enunciada.
O artigo 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil prevê que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
O vício previsto na primeira parte da alínea em análise verifica-se sempre que a fundamentação de facto e de direito da sentença proferida apontam num certo sentido e, depois, surge um dispositivo que de todo não se coaduna com as premissas, sendo assim um vício lógico na construção da sentença.
Já o vício previsto na segunda parte da aludida previsão legal, ocorre sempre que alguma ambiguidade ou obscuridade torne a decisão ininteligível.
Ocorre ambiguidade sempre que certo termo ou frase sejam passíveis de uma pluralidade de sentidos e inexistam meios de, com segurança, determinar o sentido prevalecente.
Verifica-se obscuridade, sempre que um termo ou uma frase não têm um sentido que seja perceptível, determinável.

Quer a ambiguidade, quer a obscuridade têm que se projectar na decisão, tornando-a incompreensível, insusceptível de ser apreciada criticamente por não se alcançarem as razões subjacentes à mesma.
Como se vê do recurso em análise [primeira página da motivação (sob a epígrafe “II – Do Direito” e conclusão III], a Recorrente entende verificar-se a nulidade em referência com base na previsão da segunda parte do aludido preceito, defendendo que a sentença é ambígua e ininteligível ao considerar que a Autora “poderá exigir algo da Massa Insolvente de D… relativamente ao contrato de arrendamento” e que “a Autora B… não é titular de qualquer direito que lhe permita vir exigir a resolução do contrato de arrendamento celebrado com a Ré ou o pagamento das rendas”, pois daqui entende que “o tribunal a quo considera que a Autora tem um direito quanto ao contrato de arrendamento e, ao mesmo tempo, considera que a Autora não tem qualquer direito quanto ao contrato de arrendamento…”.
Mas não é de lhe reconhecer qualquer razão quanto a tal.
Em primeiro lugar, porque as expressões da sentença que referiu não tornam, de modo nenhum, a decisão ininteligível: na verdade, conforme se vê da argumentação subsequente utilizada pela Recorrente na restante parte da sua peça recursiva, esta percebe bem que a decisão proferida (de improcedência do seu pedido de resolução do contrato de arrendamento e de condenação da Ré no pagamento a si das rendas que indicou até efectiva entrega dos pavilhões) teve como base o entendimento – aliás bem traduzido na fundamentação de direito da sentença – de que, estando os imóveis arrendados apreendidos na sua totalidade para a Massa insolvente do ex-cônjuge da Autora e sendo por causa disso a sua administração da competência da Administradora da respectiva insolvência, é a esta que devem ser pagas as rendas de tais imóveis, como aconteceu, motivo pelo qual, como ali se conclui, “o pedido de resolução do contrato de arrendamento celebrado com a Ré com base na falta do pagamento de rendas – ou seja, com base no incumprimento imputável ao arrendatário –, bem como a consequente restituição dos imóveis arrendados, sempre teria de ser julgado improcedente, porque a Ré procedeu ao pagamento das rendas nos termos devidos”.
Em segundo lugar, porque tais expressões, considerando o entendimento que se explanou na sentença em termos de direito, não são nada ambíguas mas antes perfeitamente inteligíveis.
Basta ter em atenção o contexto argumentativo em que foram usadas, sendo de referir que, como se vê da peça em causa, cada uma delas foi usada em parágrafos diferentes.
A expressão “a Autora B… não é titular de qualquer direito que lhe permita vir exigir a resolução do contrato de arrendamento celebrado com a Ré ou o pagamento das rendas”, usada no texto em primeiro lugar e em relação à pretensão formulada pela Autora contra a Ré, é bem entendível e foi utilizada como raciocínio consequente depois de se considerar que, no caso, “não é à Autora (…) que cabe a administração dos imóveis em causa, porque esses bens foram aprendidos, na sua totalidade, para a massa insolvente” e de, logo a seguir a ela, se ter precisado que tal pedido de resolução do contrato de arrendamento “sempre teria de ser julgado improcedente, porque a Ré procedeu ao pagamento das rendas nos termos devidos (alíneas 10 a 14 da factualidade assente)”.
Portanto, um raciocínio perfeitamente lógico (a que não obsta, como é óbvio, que a Recorrente dele discorde).
A expressão “poderá exigir algo da Massa Insolvente de D… relativamente ao contrato de arrendamento” é parte integrante de uma frase ou asserção maior que ela e que explica bem o raciocínio efectuado.
Diz-se em tal asserção: “Caso a Autora entenda que poderá exigir algo da Massa Insolvente de D… relativamente ao contrato de arrendamento, trata-se de matéria que extravasa o âmbito do presente processo, devendo a ora Autora empreender as diligências adequadas para o efeito”.
Tal raciocínio é feito no penúltimo parágrafo da fundamentação de direito relativa ao mérito da causa e, como se vê do evoluir argumentativo percorrido na sentença, é utilizado relativamente à Massa Insolvente ali referida (e não já em relação à Ré, como na primeira frase que supra se analisou), sendo dele perfeitamente perceptível que o Sr. Juiz, em jeito de conclusão final do seu raciocínio jurídico e depois de justificar a improcedência da pretensão de resolução dos contratos de arrendamento pelos motivos que explicou antes (que é apenas o que está em causa na acção, face a quem é demandado e ao pedido nela formulado), somente com ele pretende dar conta à Autora de que, caso aquela entenda (como expressamente se diz logo no começo da frase) que algo lhe é devido por conta das rendas dos imóveis, deve empreender “as diligências que entenda adequadas” junto daquela Massa Insolvente.
É apenas como que um “alvitre” do que a Autora poderá fazer, sendo que até se tem a devida cautela de nada adiantar em concreto.
Portanto, também aqui, um raciocínio perfeitamente lógico e nada incongruente com tudo o que se disse e/ou conclui antes.
Nesta conformidade, improcede pois, manifestamente, a nulidade em apreço.
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Passemos à segunda questão enunciada.
É a seguinte a matéria de facto provada a ter em conta para a aplicação do direito [no caso, toda a referida na sentença recorrida (pois não houve qualquer impugnação de factualidade efectuada pela Recorrente) com o acrescento sob o nº7 de um detalhe integrado pela expressa menção da resolução em benefício da Massa Insolvente da partilha referida sob o nº5, alegada pela Autora nos artigos 6º e 8º da p.i. e expressamente aceite pela Ré no art. 30 da contestação e até indirectamente já referida sob o nº9, o que se faz ao abrigo do disposto nos art. 663º nº2 e 607º nº4, 2ª parte, do CPC]:

1) B… (ora Autora) casou com D…, em 19/10/1974, tendo esse casamento sido dissolvido por divórcio, em 14/11/2008.
2) O casamento de B… (ora Autora) com D… foi precedido da celebração de convenção antenupcial, pela qual se convencionou o regime de comunhão geral de bens.
3) Em 28/09/1990 e 28/03/1996, por acordos celebrados entre B… (ora Autora) e D…, por um lado, e C…, Sociedade Unipessoal, Lda., por outro lado, aqueles cederam a esta, mediante uma contrapartida pecuniária, o gozo temporário dos dois imóveis a seguir identificados:
- prédio urbano composto por edifício destinado a indústria, de cave e rés-do-chão e logradouro, sito na Rua …, n.º .., …, Trofa, descrito na Conservatória do Registo Predial da Trofa sob o n.º 23/19841214, freguesia …;
- prédio urbano composto por edifício destinado a armazém de 2 pisos, sito na Rua …, n.º .., …, Trofa, descrito na Conservatória do Registo Predial da Trofa sob o n.º 3361/20080109, da freguesia ….
4) Em 2017, a contrapartida pecuniária supra referida cifrava-se no valor mensal de € 7.185,63, aí se incluindo o valor da retenção relativa ao imposto sobre o rendimento (que ascendia a € 1.796,41) e o valor líquido da renda (que ascendia a € 5.389,22).
5) Após o divórcio de B… (ora Autora) e D… foi celebrada uma escritura pública de partilha pela qual, entre o mais, foram adjudicados a B… (ora Autora) os dois imóveis referidos em 3.
6) Em 09/08/2010, por sentença proferida no âmbito do processo n.º3323/10.7TBSTS, já transitada em julgado, D… foi declarado insolvente.
7) No âmbito do processo de insolvência n.º 3323/10.7TBSTS foi objecto de resolução em benefício da massa insolvente a partilha referida sob o ponto 5), e, entre outros, foram apreendidos para a Massa Insolvente de D… os seguintes bens, na sua totalidade:
- prédio urbano composto por edifício destinado a indústria, de cave e rés-do-chão e logradouro, sito na Rua …, n.º .., …, Trofa, descrito na Conservatória do Registo Predial da Trofa sob o n.º 23/19841214, freguesia …;
- prédio urbano composto por edifício destinado a armazém de 2 pisos, sito na Rua …, n.º .., …, Trofa, descrito na Conservatória do Registo Predial da Trofa sob on.º 3361/20080109, da freguesia ….
8) Em 21/03/2018, no âmbito do processo n.º 3323/10.7TBSTS-B foi proferida a decisão com a referência citius 390904129 – e com o teor que consta a fls. 192v-194 dos autos, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido –, na qual se afirma, entre o mais o seguinte: «Assim, em face do exposto, sabendo e sublinhando que quando temos a situação como a dos presentes autos, em caso de mera apreensão e ulterior venda do direito à meação,poderá dar lugar a entorses processuais e de direito substantivo no que diz respeito à graduação de créditos, cujas garantias estão associadas ao bem em si e já não ao direito à meação, impõe-se que se mantenha a apreensão nos termos efectuados.
Deve o AI por carta registada e com aviso de recepção proceder à citação da ex-cônjuge do insolvente, acompanhado deste despacho, do auto de apreensão e do respectivo registo de cada um dos imóveis em causa, para, querendo, proceder á separação da meação dos seus bens comuns, com advertência de que assim não acontecendo, os autos prosseguirão para venda dos bens nos termos sobre ditos».
9) Em 02/07/2014, por sentença proferida no âmbito do processo n.º3323/10.7TBSTS-H, já transitada em julgado – com o teor que consta do documento junto a fls. 207v-215 dos autos, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido –, foi julgada improcedente a acção de impugnação judicial de resolução em benefício da massa insolvente,instaurada pela ora Autora B… contra a Massa Insolvente de D….
10) Em 04/07/2017, C…, Sociedade Unipessoal, Lda. entregou à Massa Insolvente de D… a quantia de € 5.389,22, referente ao valor da renda vencida no mês de Julho de 2017.
11) Em 04/09/2017, C…, Sociedade Unipessoal, Lda. entregou à Massa Insolvente de D… a quantia de € 5.389,22, referente ao valor da renda vencida no mês de Agosto de 2017.
12) Em 11/09/2017, C…, Sociedade Unipessoal, Lda. entregou à Massa Insolvente de D… a quantia de € 5.389,22, referente ao valor da renda vencida no mês de Setembro de 2017.
13) Em 09/10/2017, C…, Sociedade Unipessoal, Lda. entregou à Massa Insolvente de D… a quantia de € 5.389,22, referente ao valor da renda vencida no mês de Outubro de 2017.
14) Em 23/10/2017, C…, Sociedade Unipessoal, Lda. entregou à Massa Insolvente de D… a quantia de € 5.573,59, referente ao valor da renda vencida no mês de Novembro de 2017.
15) Em 26/04/2018, por apenso ao processo de insolvência n.º 3323/10.7TBSTS, B… (ora Autora) instaurou ação tendo em vista a separação de meações do património do casal formado por B… (ora Autora) e D….
16) Em 24/07/2018, B… (ora Autora) apresentou requerimento de inventário, por divórcio, no Cartório Notarial da Trofa, no qual são interessados B… (ora Autora) e D…;…
17) …Estando tal inventário a ser tramitado sob o n.º 4076/18, tendo B… (ora Autora) assumido o cargo de cabeça-de-casal, tendo prestado o respectivo compromisso de honra e tendo prestado declarações, nos termos que constam do documento intitulado «Auto n.º 1: Compromisso de Honra e de Declarações do Cabeça-de-Casal», junto a fls. 222v-223, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
18) Encontra-se definitivamente inscrita na Conservatória do Registo Predial da Trofa, desde 14/12/1984, pela apresentação n.º 7, a aquisição a favor de B… (ora Autora), por sucessão com adjudicação em inventário, do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial da Trofa sob o n.º 23/19841214.
19) Encontra-se definitivamente inscrita na Conservatória do Registo Predial da Trofa, desde 08/04/1981, pela apresentação n.º 1, a aquisição a favor de B… (ora Autora), por doação, do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial da Trofa sob o n.º 3361/20080109.

A questão ora a apreciar foi por nós enunciada ou equacionada nos termos que se referiram acima porque não se pode esquecer que quem está exclusivamente demandada na presente acção como Ré é a arrendatária dos imóveis (pavilhões) em referência e apenas está em causa – conforme pedido deduzido e causa de pedir invocada – a resolução dos contratos de arrendamento por falta de pagamento de rendas.
Tendo este pressuposto bem assente, há desde logo de notar que toda a argumentação da Recorrente constante das conclusões V a X parte de um equívoco em que a mesma teima em permanecer quanto ao que realmente se encontra apreendido no processo da insolvência do seu ex-marido relativamente aos imóveis em questão.
É que, como resulta provado sob o nº7 da factualidade supra referida (factualidade essa que, como sabe a Recorrente, não foi por si posta em causa no recurso), tais imóveis, não obstante serem bens comuns seus e de seu ex-marido (como resulta da conjugação da factualidade referida sob os nºs 1, 2, 7, 18 e 19), foram apreendidos para a Massa Insolvente do ex-marido da Autora na sua totalidade.
E tal apreensão na totalidade, além de constar assim formalizada no processo de insolvência [conforme decorre, por exemplo e entre outros, do documento junto aos autos a fls. 69-verso, sob o título “Rectificação ao auto de arrolamento e balanço”, elaborado, como dele se vê, em 20/2/2028] e corroborada no registo (conforme decorre das certidões relativas aos imóveis em causa constantes de fls. 130-131 e de fls. 131v-133 dos presentes autos), consta até expressa e fundadamente esclarecida pelo despacho proferido nos autos de insolvência em causa na data de 21/3/2018, referido sob o ponto 8 da matéria de facto (documentado de fls. 192-v a 194, integrado na certidão que consta de fls. 190 e sgs.).
Assim, sendo um dado inequívoco que se impõe a estes autos (pois decorrente de decisão tomada no processo próprio) que tais imóveis estão apreendidos na sua totalidade para a Massa Insolvente do ex-cônjuge da Autora, é óbvio de acompanhar o entendimento da sentença recorrida no sentido de que a administração de tais imóveis compete à Sra. Administradora da Insolvência, pois o mesmo decorre da conjugação do disposto no art. 81º nº1 do CIRE, que priva o insolvente dos poderes de administração dos seus bens, e do art. 150º nº1 do mesmo diploma, que prevê a imediata entrega dos bens ao administrador da insolvência para que deles fique depositário, regendo-se tal depósito pelas normas gerais e, em especial, pelas que disciplinam o depósito judicial de bens penhorados.
Portanto, como decorrência de tais preceitos e do art. 760º nº1 do CPC (sobre administração de bens pelo depositário de bens penhorados), e pelo menos enquanto se mantiver a apreensão de tais imóveis naqueles termos, é à Sra. Administradora da Insolvência que compete receber ou cobrar as rendas devidas pelo arrendamento dos mesmos como frutos civis que são de tais coisas imóveis (art. 212º nº2 do C.Civil), devendo, por isso, a ela ser pagas pela Ré.
Ora, tendo as rendas em causa sido pagas pela Ré em tais termos, como resulta provado sob os pontos 10 a 14 da matéria de facto, é óbvio de concluir que não se verifica a falta de pagamento de rendas necessária à resolução do contrato de arrendamento com tal fundamento.
E a tal conclusão não obsta – como o defende a Recorrente sob as conclusões XI a XIV – o facto de entretanto ter sido por si requerido inventário para separação de meações e ter sido nele nomeada cabeça-de-casal (nºs 16 e 17 da matéria de facto), com o consequente encargo de, face ao disposto no art. 2079º do CC, lhe ser deferida a administração dos respectivos bens.
Na verdade, a administração de bens decorrente da declaração de insolvência prevalece sobre tal administração do cabeça-de-casal, pois de tal declaração de insolvência, como processo de execução universal (vide neste sentido, entre outros, Meneses Leitão, “Direito da Insolvência”, 3ª edição, Almedina, 2011, págs. 19 e 20) decorre a apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente “ainda que estes tenham sido…arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos” (art. 149º nº1 do CIRE) para serem “imediatamente entregues” ao administrador (art. 150º nº1 do CIRE).
Também à conclusão a que chegámos (de que não se verifica a falta de pagamento de rendas necessária à resolução do contrato de arrendamento com tal fundamento) não obsta ainda – como o defende a Recorrente sob as conclusões XV a XIX – o facto de a Autora/Recorrente se considerar credora de metade do valor das rendas, por se considerar proprietária de, pelo menos, 1/2 dos imóveis em causa.
Na verdade, as rendas, como frutos civis da coisa imóvel (como acima se precisou), não podem deixar de ser consideradas por inteiro e como tal serem administradas pela Sra. Administradora e a esta pagas naquela expressão.
Assim, ainda que a Autora se arrogue a ser credora de metade do valor das rendas (o que não questionamos), tal, além de não poder ser-lhe reconhecido neste processo (pois não está aqui demandada a Massa Insolvente nem deduzido qualquer pedido em tal sentido), não tem efeito relevante para o que neste se discute, pois aqui apenas está em causa a sua falta de pagamento pela Ré e esta, como se viu acima, não ocorre.

Nesta conformidade, na sequência de tudo o que se vem de expor, é de confirmar a total improcedência da acção e a consequente absolvição do pedido decidida pela sentença recorrida.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
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III – Decisão
Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
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Porto, 30 de abril de 2020
Mendes Coelho
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim