FALTAS INJUSTIFICADAS
PERÍODO DE AUSÊNCIA
Sumário

I - Ao prever que no caso de o trabalhador faltar injustificadamente a um ou meio período normal de trabalho diário, esse «período de ausência», para efeitos de perda de retribuição, «abrange os dias ou meios-dias de descanso ou feriados imediatamente anteriores ou posteriores ao dia de falta», a redação do artigo 256º, nº3 do Código do Trabalho, resultante da Lei nº 23/2012 de 25.06., reporta-se tão só ao período abrangido pelos efeitos da perda de retribuição.
II - A norma do artigo 256º, nº3 do Código do Trabalho não se encontra contemplada pela imperatividade do regime de faltas previsto no Código do Trabalho, antes tem natureza meramente dispositiva, sendo susceptível de ser afastada por instrumento de regulamentação colectiva, nos termos previstos no artigo 3º nº1 do Código do Trabalho.

Texto Integral

Processo nº 1083/18.2T8PNF.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo do Trabalho de Penafiel – Juiz 2
Autores/Apelantes:
B…,
C…,
D…,
E…,
F…,
G…,
H….
Ré/Apelada:
I…, Lda.

4ª Secção
Relatora: Teresa Sá Lopes
1º Adjunto: Desembargador Domingos Morais
2ª Adjunta: Desembargadora Paula Leal de Carvalho

Acordam na secção social desta Relação

1.Relatório:
Os Autores, B…, C…, D…, E…, F…, G…, H…, intentaram a presente acção declarativa com processo comum emergente de contrato individual de trabalho, pedindo a condenação da Ré, I…, Lda:
I – A pagar aos Autores a retribuição referente a 24 horas indevidamente descontadas no mês de Abril de 2017, nos seguintes montantes:
- 56€ à 1ª Autora B…;
- 56€ ao 2º Autor C…;
- 56,70€ à 3ª. Autora D…;
- 56,70€ ao 4º. Autor E…;
- 56€ à 5ª Autora F…;
- 56€ à 6ª Autora G…;
- 56€ à 7ª Autora H… e
- 56€ à 8ª Autora K….
II – A alterar o registo de faltas dos Autores retirando do mesmo 24 horas de faltas injustificadas em Abril de 2017.
III – A pagar aos Autores juros de mora sobre as quantias reclamadas desde a data dos seus vencimentos e até integral e efectivo pagamento.
Alegaram, para tanto e em síntese, que exercem a correspondente actividade profissional sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, mediante retribuição.
Sucede que a Ré, anteriormente a essa data, informou os seus trabalhadores, entre os quais os Autores, que o dia 14 de Abril de 2017, apesar de ser feriado religioso de Sexta-feira Santa, seria dia de trabalho na Ré e que o gozo do feriado religioso de Sexta-feira Santa seria transferido para a Segunda-feira seguinte, dia 17 de Abril.
Na ocasião os Autores informaram a Ré que por motivos pessoais não prestariam trabalho no dia 14 de Abril de 2017, o que efectivamente ocorreu.
Os Autores também não prestaram à Ré trabalho no dia 17 de Abril de 2017, dia em que por determinação da Ré gozaram o dia feriado correspondente à Sexta-feira Santa.
Com excepção dos dias 14 e 17 de Abril de 2017 os Autores prestaram trabalho à Ré em todos os demais restantes dias de trabalho do mês de Abril, dias úteis de Segunda a Sexta-feira.
Quer isto dizer que no mês de Abril de 2017 os Autores faltaram ao trabalho à Ré 8 horas.
A Ré não comunicou aos Autores que ia considerar a ausência ao trabalho no dia 14 de Abril de 2017 ou qualquer outra como falta injustificada.
Porém, na retribuição salarial correspondente ao mês de Abril de 2017 a Ré descontou aos Autores um montante de retribuição salarial correspondente a 32 horas, bem como considerou essas 32 horas como faltas injustificadas aos Autores.
Para tanto, a Ré considerou os dois dias de descanso – Sábado e Domingo, dias 15 e 16 de Abril, invocando o disposto no nº3 do artigo 256º do Código do Trabalho.
No entanto, os Autores consideram que essa norma não lhes é aplicável por ter sido afastada por norma prevista em instrumento de regulamentação colectiva aplicável, nos termos do artigo 3º do Código do Trabalho, designadamente o disposto na cláusula 76ª do Contrato Colectivo entre a Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes e Artigos de Pele Seus Sucedâneos – APICCAPS e a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal – FESETE.
Foi realizada a audiência de partes, não se tendo logrado obter acordo entre elas.
A Ré contestou, impugnando, em parte, os factos alegados pelos Autores na petição inicial, sustentando que nada obsta a que aplique o regime do nº3 do artigo 256º do CT 2009 e daí que conclua pela improcedência dos pedidos formulados pelos Autores sob as alíneas a), c) e d).
Já quanto ao pedido formulado sob a alínea b), atento o disposto no artigo 248º, nº1, do CT de 2009, reconhece que o mesmo deve proceder, porquanto como nos dias ou meios-dias de descanso ou feriados imediatamente anteriores ou posteriores ao dia de falta injustificada os trabalhadores não estão obrigados a comparecer ao serviço, as respectivas ausências, nesses dias, não podem, de facto, ser consideradas como faltas, muito menos injustificadas.
Conclui pela procedência parcial da presente acção, procedendo apenas o pedido formulado sob a alínea b) e absolvendo-se a Ré dos demais pedidos formulados na petição inicial.
Respondeu a autora, rejeitando a esgrimida prejudicialidade bem como o litisconsórcio invocado pela ré.
Proferido o despacho saneador e ultrapassada a fase da instrução do processo, realizou-se a audiência de discussão e julgamento.
Em 02.04.2019, foi proferida sentença, em cujo dispositivo consta:
«Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, consequentemente, condeno a Ré a alterar o registo de faltas dos Autores retirando do mesmo 24 horas de faltas injustificadas em Abril de 2017, absolvendo-a dos pedidos constantes das alíneas A) e C).
Custas em partes iguais por Autores e Ré, sem prejuízo da isenção de que beneficiam os Autores.
Registe e notifique.».
Inconformados os Autores interpuseram recurso que terminaram com as seguintes conclusões:
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A Ré apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:
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Por despacho de 03.06.2019, o recurso foi admitido.
Recebidos os autos neste tribunal, apresentados os mesmos ao Ministério Público, pelo Exm.º Procurador-Geral Adjunto foi emitido parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso aí se lendo:
“A douta decisão recorrida efectuou correcta análise dos factos e a aplicação do direito, não merecendo censura.
Como refere a douta sentença: “…para que as normas legais reguladoras do contrato de trabalho sejam afastadas por instrumento de regulação colectiva de trabalho é necessário que haja uma manifestação expressa de vontade das partes nesse sentido.”-arº 3º nº 1 do CT.
E mais adiante: “…não é legítimo concluir que a não alteração da cláusula 76ª do CCT após a introdução no Código do Trabalho do nº 3 do artigo 256º pela Lei nº 23/2012 de 25 de Junho traduz a tal vontade das partes no sentido de em sede de regulamentação colectiva terem querido expressamente afastar o efeito da perda da retribuição abranger os dias ou meios-dias de descanso ou feriados imediatamente anteriores ou posteriores ao dia de falta, prevista no do nº 3 do artigo 256º Código do Trabalho.”
Remete-se, assim para a restante fundamentação da mesma, na medida em que se concorda com o decidido”.
Cumpridos os vistos, nos termos do disposto no artigo 657º, nº 2, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635º, nº4 e 639º, nº1 do Código de Processo Civil), salvo as questões de conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608, nº2, in fine, e 635º, nº5, do Código de Processo Civil.
Assim sendo, é esta a questão objecto do presente recurso:
- licitude ou ilicitude da actuação da Ré quando descontou aos Autores no mês de Abril de 2017 um montante de retribuição salarial correspondente a 32 horas, atento o disposto no artigo 256º, nº3, do Código do Trabalho.
3. Fundamentação:
3.1. Fundamentação de facto:
Pelo Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:
“FACTOS PROVADOS:
1) A Ré dedica-se à confecção de artigos de calçado, no estabelecimento que possui e explora com intuitos lucrativos, sito na Rua …, .., ….-… …, Felgueiras.
2) No decorrer da referida actividade, os Autores prestam trabalho à Ré no estabelecimento supra referido, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, mediante retribuição.
3) No exercício dessa actividade, a Ré admitiu ao seu serviço e por sua conta os Autores nas seguintes datas: a 1ª. A. B… em 01/09/1989; o 2º. A. C… em 1/09/2000; a 3ª. A. D… em 01/02/1989; o 4º. A. E… em 1/05/1987; a 5ª. A. F… em 10/02/1998; a 6ª. A. G… em 18/06/2004; a 7ª. A. H… em 18/03/1998; a 8ª. A. K… em 30/11/2009
4) Em contrapartida pelo trabalho prestado à Ré auferem nesta data as seguintes quantias: a 1ª. A. B… 583€, de remuneração base, acrescida de um subsídio de alimentação no valor dia de 2,36€; o 2º. A. C… 583€, de remuneração base, acrescida de um subsídio de alimentação no valor dia de 3,04€; a 3ª. A. D… 590€, de remuneração base, acrescida de um subsídio de alimentação no valor dia de 2,98€; o 4º. A. E… 590€, de remuneração base, acrescida de um subsídio de alimentação no valor dia de 4,52€; a 5ª. A. F… 583€, de remuneração base, acrescida de um subsídio de alimentação no valor dia de 3,66€; a 6ª. A. G… 583€, de remuneração base, acrescida de um subsídio de alimentação no valor dia de 2,20€; a 7ª. A. 583€, H… de remuneração base, acrescida de um subsídio de alimentação no valor dia de 2,58€; e a 8ª. A. 583€, K… de remuneração base, acrescida de um subsídio de alimentação no valor dia de 2,20€.
5) Em Abril de 2017, os Autores em contrapartida pelo trabalho prestado à Ré auferiam desta as seguintes quantias:
- a 1ª. A. B… 560€, de remuneração base, acrescida de um subsídio de alimentação no valor dia de 2,36€; o 2º. A. C… 560€, de remuneração base, acrescida de um subsídio de alimentação no valor dia de 2,36€; a 3ª. A. D… 567€, de remuneração base, acrescida de um subsídio de alimentação no valor dia de 2,98€; o 4º. A. E… 567€, de remuneração base, acrescida de um subsídio de alimentação no valor dia de 4,9€; a 5ª. A. F… 560€, de remuneração base, acrescida de um subsídio de alimentação no valor dia de 3,66€; a 6ª. A. G… 560€, de remuneração base, acrescida de um subsídio de alimentação no valor dia de 2,20€; a 7ª. A. H… 560€, de remuneração base, acrescida de um subsídio de alimentação no valor dia de 2,58€; e a 8ª. A. 560€, K… de remuneração base, acrescida de um subsídio de alimentação no valor dia de 2,20€.
6) Os Autores encontram-se classificados pela Ré com as seguintes categorias profissionais: a 1ª. A. B… de Operador de Corte (Calçado) 2ª; o 2º. A. C… Operador de Montagem (Calçado) 2ª; a 3ª. A. D… Operador de Acabamento (Calçado) 1ª, o 4º. A. E… Operador de Montagem (Calçado) 1ª; a 5ª. A. F… Operador de Acabamento (Calçado) 2ª; a 6ª. A. G… Operador de Acabamento (Calçado) 2ª; a 7ª. A. H… Operador de Costura (Calçado) 2ª; e a 8ª. A. K… Operador Auxiliar de Montagem (Calçado) 2ª.
7) Os Autores no exercício do trabalho que prestam à Ré estão e estavam em Abril de 2017, obrigados ao cumprimento de um horário de trabalho de oito horas diárias de segunda-feira a sexta-feira, das 8 horas às 12 horas e das 13 horas às 17 horas, com descanso semanal obrigatório ao Domingo e complementar ao Sábado.
8) No passado ano de 2017, de acordo com o calendário, assinalou-se o feriado religioso de Sexta-Feira Santa em 14 de Abril de 2017.
9) Anteriormente a essa data, a Ré, sem consultar previamente os delegados sindicais e os trabalhadores, entre os quais os Autores, através de comunicação escrita que afixou nas suas instalações, cuja cópia consta de fls. 153, informou os trabalhadores que o dia 14 de Abril de 2017, apesar de ser dia feriado religioso de Sexta-Feira Santa, seria dia de trabalho na Ré e que o gozo do feriado religioso de Sexta-Feira Santa seria transferido para a segunda-feira seguinte, dia 17 de Abril de 2017.
10) Essa comunicação escrita referida em 9) foi afixada pela Ré em 4 de Abril de 2017 e de imediato conhecida dos trabalhadores, inclusive dos Autores.
11) No dia 14 de Abril de 2017 os Autores não prestaram trabalho à Ré, tendo faltado nesse dia 8 horas, de acordo com o horário de trabalho a que estavam obrigados.
12) No dia 17 de Abril de 2017 os Autores não prestaram trabalho à Ré, dia em que por determinação da Ré gozaram o dia feriado correspondente à Sexta-feira Santa.
13) Com excepção dos dias 14 e 17 de Abril de 2017, os Autores prestaram trabalho à Ré em todos os demais restantes dias de trabalho do mês de Abril, dias úteis de Segunda a Sexta-feira.
14) Na retribuição salarial correspondente ao mês de Abril de 2017 a Ré descontou aos Autores um montante de retribuição salarial correspondente a 32 horas, e considerou essa 32 horas como faltas injustificadas.
15) Os Autores questionaram junto da Ré quer o desconto de retribuição referente a 32 horas quer a qualificação de 32 horas como faltas injustificadas.
16) Os Autores sustentaram perante a Ré que das 16 horas de ausência referentes aos dias 14 e 17 de Abril apenas 8 horas poderiam ser consideradas como falta injustificada e como tal descontada na retribuição, atendendo a que das 16 horas de ausência 8 horas são referentes a dia considerado feriado – Sexta-feira santa – e como tal desobrigava os trabalhadores da prestação de trabalho em 8 das tais 16 horas referentes aos dias 14 e 17 de Abril.
17) A Ré sustentou perante os Autores a sua posição, quer do desconto da retribuição referente a 32 horas quer da consideração das mesmas 32 horas como falta injustificada, defendendo que, considerou os dois dias de descanso – sábado e domingo dias 15 e 16 de Abril - atendendo à norma prevista no n.º 3 do Art. 256º do Código do Trabalho.
18) Os Autores são – e já o eram em 2017 - associados do L…, que por sua vez é filiado na Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal – FESETE.
19) A Ré é associada - e já o era em 2017 - na Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes e Artigos de Pele seus Sucedâneos, APICCAPS.
20) O Sindicato referido em 18) do qual os Autores são associados esteve representado pela Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal – FESETE, e a Ré esteve representada pela Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes e Artigos de Pele seus Sucedâneos, APICCAPS (entidade representante dos empregadores) na negociação e outorga do Contrato Colectivo entre a Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes e Artigos de Pele seus Sucedâneos - APICCAPS e a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal -FESETE publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º nº 30, de 15/08/2016, cujo âmbito foi alargado nos termos da Portaria de Extensão 78/2017, publicada no DR, N.º 40/2017, de 24/02/2017, e as alterações à tabela salarial da dita convenção colectiva publicadas no BTE n.º 18 de 15/05/2017, extendidas pela Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 33 de 8/9/2017.
21) Na freguesia …, do concelho de Felgueiras, onde se encontra sediada a Ré, bem como em muitas freguesias rurais limítrofes, a visita pascal, momento de grande significado religioso e familiar para as pessoas da região e para a grande maioria dos trabalhadores da Ré, que fazem questão de a receber e de a acompanhar, realiza-se na Segunda-feira de Páscoa, sendo um dia com significado local no período da Páscoa.
22) Habitualmente a Ré proporciona aos seus trabalhadores o gozo do feriado na Sexta-Feira Santa e encerra para gozo de férias dos mesmos na Segunda-feira de Páscoa, por causa da visita pascal.
23) No período da Páscoa de 2017, a Ré encontrava-se a executar encomendas, com prazos de entrega que, se não fossem respeitados, a Ré sujeitava-se à aplicação de penalidades contratuais, razão pela qual procedeu à substituição do feriado de Sexta-Feira Santa, dia em que se trabalhou, pela Segunda-feira de Páscoa, dia em que se gozou o feriado.
24) Os Autores sabiam que deviam comparecer ao serviço da Ré no dia 14 de Abril de 2017, bem como que deviam comunicar a esta o motivo da sua ausência e apresentar à mesma comprovativos de tal motivo, o que não fizeram.
25) A interpretação da cláusula 76º do CCT referido em 20) foi objecto de discussão em sede de negociação colectiva, conforme teor das actas juntas a fls. 161 a 176, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

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FACTOS NÃO PROVADOS
Não resultaram provados quaisquer outros factos com interesse para a descoberta da verdade material e da boa decisão da causa
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FUNDAMENTAÇÃO
A convicção probatória do Tribunal, ao dar como provados os factos supra enumerados, resultou desde logo do acordo das partes expresso, por um lado, na posição assumida nos respectivos articulados, quanto aos factos constantes elencados sob os nºs 1) a 9), 11) a 14) e 17) a 20) e na posição consignada em acta a fls. 371, quanto aos factos 10), 21) e 22).
Por seu lado para a prova dos factos constantes dos pontos 15), 16), 23), 24) e 25) foram essenciais os depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de julgamento, devidamente analisados criticamente à luz das regras da experiência, mais precisamente:
- M…, funcionário da Ré há 27 anos, e N…, funcionaria da Ré há 19 anos, ambos colegas de trabalho dos Autores e que relataram ao Tribunal a divergência ocorrida entre os Trabalhadores e a Ré quanto ao desconto de retribuição referente a 32 horas e quanto à qualificação de 32 horas como faltas injustificadas relativamente ao período compreendido entre os dias 14 e 17 de Abril de 2017.
- O…, sindicalista há 20 anos, dirigente que participa nas negociações dos contratos colectivos com as entidades empregadoras do sector e que relatou as divergências de interpretação respeitantes à cláusula 76ª do CCT aplicável, conforme aliás resulta das actas de fls. 161 a 176 dos autos.
- P…, economista, funcionário da Ré desde 1996, que esclareceu a situação económica da Ré no ano de 2017, os prazos exigentes na entrega das mercadorias que levaram a Ré a afixar o aviso junto a fls. 153, bem como as negociações e reuniões ocorridas entre a Ré e o Sindicato para tentarem um entendimento quanto à questão suscitada das faltas dadas pelos trabalhadores nos dias anterior ou posterior a dias de descanso ou a feriado.
- Q…, assistente administrativa da Ré há 26 anos, que afixou nas instalações da Ré o aviso cuja cópia consta de fls. 153, esclarecendo também que alguns trabalhadores que não trabalharam no dia 14 de Abril de 2017 justificaram as suas faltas, sendo certo que todos os trabalhadores da Ré, incluindo os Autores, sabiam e foram avisados que esse dia era um dia normal de trabalho na Ré.
- S…, assistente administrativo da Ré desde Dezembro de 2015, que processa as justificações de faltas e que esclareceu que todos os trabalhadores da Ré, incluindo os Autores, sabiam e foram avisados que o dia 14 de Abril de 2017 era um dia normal de trabalho na Ré, sendo certo que alguns trabalhadores que faltaram justificaram as suas faltas.
- T…, economista, desempenhando funções na APICCAPS, tendo participado nas reuniões a que se reportam as actas juntas a fls. 161 a 1784 e que referiu que o intuito das conversações ocorridas e referidas nessas actas relativamente à questão dos efeitos das faltas injustificadas era clarificar o sentido e o alcance da cláusula 74 para evitar interpretações subjectivas, mas o Sindicato não aceitou.
De referir que todas as testemunhas tiveram depoimentos que se afiguraram sérios, credíveis e coerentes.
Os factos não provados resultaram de nenhuma prova se ter produzido quanto aos mesmos ou de se terem provado factos contrários”.
3.2. Fundamentação de direito:
A resposta à questão objecto do presente recurso implica aferir se o disposto no artigo 256º, nº3 do Código do Trabalho, na redação introduzida pela Lei nº 23/2012 de 25.06., é aplicável, não obstante o teor da cláusula 76º do Contrato Colectivo entre a Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes e Artigos de Pele seus Sucedâneos -APICCAPS e a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal – FESETE, de ora em diante CTT, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego nº 30, de 15/08/2016, cujo âmbito foi alargado nos termos da Portaria de Extensão 78/2017, publicada no DR, nº 40/2017, de 24/02/2017, e as alterações à tabela salarial da dita convenção colectiva publicadas no BTE nº 18 de 15/05/2017, extendidas pela Portaria de Extensão publicada no BTE nº 33 de 8/9/2017.
A este respeito, na sentença recorrida ficou, nomeadamente, referido:
“A questão essencial a decidir nestes autos respeita à licitude ou ilicitude da actuação da Ré quando descontou ao Autores no mês de Abril de 2017 um montante de retribuição salarial correspondente a 32 horas (…), invocando para tanto o disposto no artigo 256º, nº3, do Código do Trabalho.
Os Autores consideram que tal norma não lhes é aplicável por ter sido afastada no instrumento de regulamentação colectiva aplicável, mais precisamente no artigo 76º do Contrato Colectivo entre a Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes e Artigos de Pele seus Sucedâneos -APICCAPS e a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal - FESETE publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º nº 30, de 15/08/2016, cujo âmbito foi alargado nos termos da Portaria de Extensão 78/2017, publicada no DR, N.º 40/2017, de 24/02/2017, e as alterações à tabela salarial da dita convenção colectiva publicadas no BTE n.º 18 de 15/05/2017, extendidas pela Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 33 de 8/9/2017.
(…)
Tal argumentação conduz-nos, necessariamente, à necessidade de interpretação da referida Cláusula.
(…)
No caso em apreço estamos perante uma convenção colectiva de trabalho na modalidade de contrato colectivo [doravante CCT] celebrado entre uma associação sindical [FESETE] e uma associação de empregadores [APICCAPS].
(…)
A cláusula invocada pelos Autores é a cláusula 76º do Contrato Colectivo entre a Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes e Artigos de Pele seus Sucedâneos - APICCAPS e a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal -FESETE publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º nº 30, de 15/08/2016, cujo âmbito foi alargado nos termos da Portaria de Extensão 78/2017, publicada no DR, N.º 40/2017, de 24/02/2017, e as alterações à tabela salarial da dita convenção colectiva publicadas no BTE n.º 18 de 15/05/2017, extendidas pela Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 33 de 8/9/2017, que tem a seguinte redacção:
“Cláusula 76ª (Efeitos da falta injustificada)
1- A falta injustificada constitui violação do dever de assiduidade e determina perda da retribuição correspondente ao período de ausência, que não é contado na antiguidade do trabalhador.
2 – A falta injustificada a um ou meio período normal de trabalho diário, imediatamente anterior ou posterior ao dia ou meio dia de descanso ou a feriado, constitui infracção grave.
3 – No caso de a apresentação do trabalhador com atraso injustificado superior a sessenta minutos e para início do trabalho diário, o empregador pode não aceitar a prestação durante o período normal de trabalho, e se o atraso for superior a trinta minutos, pode não aceitar a prestação de trabalho durante essa parte do período normal de trabalho.”
Argumentam os Autores que do teor dessa cláusula resulta não só que as partes pretenderam regular os efeitos das faltas injustificadas, como também que o pretenderam fazer de forma mais restrita do que os efeitos das faltas injustificadas previstos no Art. 256º, do Código do Trabalho, não incluindo os efeitos previstos no n.º3 do artigo 256º, acrescentados na revisão ao Código do Trabalho de 2012, e que prevê, cita-se:
«3 – Na situação referida no número anterior, o período de ausência a considerar para efeitos da perda de retribuição prevista no n.º1 abrange os dias ou meios-dias de descanso ou feriados imediatamente anteriores ou posteriores ao dia de falta.»
Concluem assim os Autores que esta restrição foi feita de forma inequívoca pelas partes, que em sede de regulamentação colectiva quiseram expressamente afastar o efeito da perda da retribuição abranger os dias ou meios-dias de descanso ou feriados imediatamente anteriores ou posteriores ao dia de falta, prevista no n.º 3 do art. 256º do Código do Trabalho.
Mais alegam que essa expressa vontade em não abranger o dito efeito fica claramente demonstrada pelo facto de, na negociação das alterações à Convenção Colectiva em causa, que se encontra em curso, o teor dessa mesma norma ter sido expressamente referido pela associação representante dos empregadores como uma das matérias em negociação.
Diga-se desde já que não concordamos com esta interpretação dos Autores.
Com efeito, como aliás salienta a Ré na sua contestação, se é certo que o artigo 3º nº 1 do CT 2009 dispõe que “As normas legais reguladoras de contrato de trabalho podem ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário”, não obstante ter-se-á de concluir que, para que as normas legais reguladoras do contrato de trabalho sejam afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho é necessário que haja uma manifestação expressa de vontade das partes nesse sentido.
Ou seja, decorre desde logo do próprio artigo 3º, nº1, do Código do Trabalho que no caso de não se tratar de normas imperativas o regime fixado naquele diploma poderá ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho mas tal afastamento terá necessariamente de se traduzir na consagração de um texto que minimamente consagre essa manifestação de vontade das partes naquele sentido, texto esse que depois sim haverá que interpretar.
Não pode é pretender-se, como fazem os Autores, atribuir valor ao silêncio, ou seja, na situação em apreço, não é legítimo concluir que a não alteração da cláusula 76ª do CCT após a introdução no Código do Trabalho do nº 3 do artigo 256º pela Lei nº 23/2012 de 25 de Junho traduz a tal vontade das partes no sentido de em sede de regulamentação colectiva terem querido expressamente afastar o efeito da perda da retribuição abranger os dias ou meios-dias de descanso ou feriados imediatamente anteriores ou posteriores ao dia de falta, prevista no n.º 3 do art. 256º do Código do Trabalho.
Com efeito, “O silêncio vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção” (artigo 218º do Código Civil), o que não é o caso.
De igual modo não colhe a argumentação dos Autores quando alegam que essa expressa vontade em não abranger o dito efeito fica claramente demonstrada pelo facto de, na negociação das alterações à convenção colectiva em causa, que se encontra em curso, o teor dessa mesma norma ter sido expressamente referido pela associação representante dos empregadores como uma das matérias em negociação. É que esse argumento apenas poderia servir para interpretar o sentido de um texto que tivesse sido expressamente consagrado pelas partes na Convenção Colectiva quanto a tal questão da perda de retribuição abranger ou não os dias ou meios-dias de descanso ou feriados imediatamente anteriores ou posteriores ao dia de falta. Mas tal não sucedeu e, consequentemente, na ausência pura e simples de um texto para interpretar, perante uma cláusula que apenas não foi alterada após a introdução no Código do Trabalho do nº 3 do artigo 256º pela Lei nº 23/2012 de 25 de Junho, esse argumento não pode relevar para daí se concluir que em sede de regulamentação colectiva as partes quiseram expressamente afastar o efeito da perda da retribuição abranger os dias ou meios-dias de descanso ou feriados imediatamente anteriores ou posteriores ao dia de falta, prevista no n.º 3 do art. 256º do Código do Trabalho”, (realce e sublinhado nossos).
Concluem os Apelantes, em suma:
- As partes outorgantes desta CCT sempre reconheceram que a cláusula 76º está em vigor, desejando uma das partes contratantes alterar a mesma, assim reconhecendo a plena vigência da cláusula.
- Não pretendem atribuir valor ao silêncio antes afirmar o que está em vigor pela assinatura do texto consolidado.
- A redação do artigo 256º, nº3 do Código do Trabalho, resultante da Lei 23/2012 não é imperativa, já que a diferença entre a redação originária do mesmo artigo (Código de 2009) e a resultante daquela Lei é apenas gradativa.
- Interpretar-se como imperativa a norma do artigo 256º, nº3 do Código do Trabalho, na redação introduzida pela Lei nº 23/2012 de 25.06., seria violar o princípio da confiança, ínsito no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa e como tal seria inconstitucional.
Conclui por seu turno, em suma, a Apelada:
- Para que as normas legais reguladoras do contrato do trabalho sejam afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho é necessário que haja uma manifestação expressa de vontade das partes nesse sentido – no caso, constando que as consequências das faltas injustificadas eram apenas as previstas nos nºs 1 e 2 da Cláusula 76º do CTT-, não bastando o respectivo silêncio, pois tal seria obstar a que a Assembleia da República regulasse as relações de trabalho através das leis.
- O CCT apenas foi objecto de revisões na sequência do Código de Trabalho de 2003 e posteriormente do Código do Trabalho de 2009.
- Na apreciação da constitucionalidade da Lei nº 23/2012 de 25.06., no acórdão 602/2013 do Tribunal Constitucional não foi sequer suscitada nem apreciada a eventual inconstitucionalidade da disposição, em causa, por eventual violação do direito de contratação colectiva.
Vejamos:
Desde já se adianta que logo nos dois primeiros segmentos de argumentação se nos afigura assistir razão aos Apelantes.
Com efeito, sobre os efeitos de falta injustificada, a manifestação expressa da vontade das partes outorgantes do CCT, em causa, ocorreu globalmente, afirmamos nós, ressalvando sempre o devido respeito por entendimento diverso, quando no CCT se incluiu uma cláusula sobre os efeitos da falta injustificada, elencando-se aí os mesmos.
Na verdade e como concluem referem os Apelantes, não pretendem estes atribuir valor ao silêncio antes afirmar o que está em vigor pela assinatura do texto consolidado.
Dito de outro modo, não se trata afinal de dar um significado ao silêncio das partes outorgantes do mesmo CTT, por aí nada referirem a propósito do previsto no artigo 256º, nº3 do Código do Trabalho, na redação introduzida pela Lei nº 23/2012, de 25.06., ou de se aferir a posição das partes do facto de naquele texto não constar que as consequências das faltas injustificadas serem apenas as previstas nos nºs 1 e 2 da Cláusula 76º do CTT.
Ao invés trata-se sim de valorizar o que foi intencionalmente clausulado sobre os efeitos das faltas injustificadas, aí não se incluindo o previsto naquele normativo do Código do Trabalho em vigor.
Note-se que ficou assente no item 25º da factualidade provada que a interpretação da cláusula 76º do CCT referido em 20) foi objecto de discussão em sede de negociação colectiva.
Em suma, o CTT, em causa, celebrado depois da entrada em vigor da Lei nº 23/2012 de 25.06., afasta o efeito da perda da retribuição por falta injustificada abranger os dias ou meios-dias de descanso ou feriados imediatamente anteriores ou posteriores ao dia de falta, prevista no nº 3 do artigo 256º do Código do Trabalho, na redação introduzida por aquela Lei, ao não incluir esse efeito na cláusula sob a epígrafe “(Efeitos da falta injustificada)” onde se elencam os efeitos da falta injustificada.
Questão diversa mas também diretamente relacionada com a questão objecto do presente recurso é a de saber se a norma do artigo 256º nº3 do Código do Trabalho tem natureza imperativa, não podendo como tal ser afastada por instrumento de regulamentação colectiva.
Ora, relativamente à natureza imperativa da norma do artigo 256º, nº3 do Código do Trabalho, na redação introduzida pela Lei nº 23/2012 de 25.06., lê-se na decisão recorrida: «(…) importa referir que propendemos a considerar a norma do artigo 256º, nº3 do Código do Trabalho como imperativa, pois que a mesma contende, em última análise, com a duração das faltas (e não apenas com os seus efeitos), ou seja, no caso de o trabalhador faltar injustificadamente a um ou meio período normal de trabalho diário o legislador estipula que esse período de ausência, para efeitos de perda de retribuição, abrange os dias ou meios-dias de descanso ou feriados imediatamente anteriores ou posteriores ao dia de falta.
Mais, entendemos que está em causa uma norma de interesse e ordem pública a qual, se por um lado, se destina à protecção de interesses dos trabalhadores, por outro lado tem a finalidade de defesa da economia das empresas e da própria economia nacional.
Este entendimento resulta dos trabalhos preparatórios da Lei n.º 23/2012 de 25 de Junho, dos quais decorre que a mesma se destinou a dar resposta às exigências em matéria laboral decorrentes dos compromissos assumidos no quadro do Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica de 17 de Maio de 2011, tendo em vista o fomento da economia, via aumento da produtividade e da competitividade das empresas, a criação de emprego e o combate à segmentação do mercado de trabalho.
Uma dessas medidas foi precisamente a relativa ao regime das faltas, retomando-se a pretérita solução de, faltando o trabalhador injustificadamente a um ou meio período normal de trabalho diário, imediatamente anterior ou posterior a dia ou meio-dia de descanso ou a feriado, “o período de ausência a considerar para efeitos da perda de retribuição (…) abrange os dias ou meios-dias de descanso ou feriados imediatamente anteriores ou posteriores ao dia de falta”, tratando-se de uma infracção grave, o que resulta da conjugação do artigo 256.º n.º 3 com o seu n.º 2” », (sublinhado e realce nossos).
Vejamos:
Igualmente adiantamos desde já ser nosso entendimento que a norma do artigo 256º, nº3 do Código do Trabalho, na redação introduzida pela Lei nº 23/2012 de 25.06., não é uma norma imperativa, podendo ser afastada por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
O artigo 250º do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Imperatividade do regime das faltas”, dispõe que «As disposições relativas aos motivos justificativos de faltas e à sua duração não podem ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, salvo em relação a situação prevista na alínea g) do nº2 do artigo anterior e desde que em sentido mais favorável ao trabalhador, ou por contrato de trabalho», (sublinhado nosso), reportando-se, nesta parte final, a falta de trabalhador eleito para estrutura de representação colectiva (artigo 249º, nº2, alínea g) do Código do Trabalho).
Com efeito, ao prever que no caso de o trabalhador faltar injustificadamente a um ou meio período normal de trabalho diário, esse «período de ausência», para efeitos de perda de retribuição, «abrange os dias ou meios-dias de descanso ou feriados imediatamente anteriores ou posteriores ao dia de falta», a redação do artigo 256º, nº3 do Código do Trabalho, resultante da Lei nº 23/2012 de 25.06., reporta-se tão só ao período abrangido pelos efeitos da perda de retribuição mas não já à duração da falta, prevendo-se assim uma consequência aquele nível, contemplando tal redação, como concluem os Autores “uma diferença meramente gradativa nas suas consequências”, relativamente à versão anterior do mesmo artigo, introduzida pelo Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12.02.
Ou seja, a imperatividade do regime de faltas contemplada pelo artigo 250º, abrange tão só as normas relativas aos motivos justificativos das faltas e à sua duração, mas não já aos seus efeitos.
Aliás, mesmo considerando existirem razões de interesse público que impõe um alcance mais alargado da imperatividade do regime de faltas – razões essas abordadas na sentença recorrida na parte que se deixou transcrita -, afigura-se-nos que tal imperatividade não abarca a opção legislativa contemplada na norma do nº3 do artigo 256º do Código do Trabalho, com a redação dada pela Lei nº 23/2012 de 25.06..
Explicitando:
A apontada diferença gradativa não se traduziu, na verdade, numa novidade do legislador em 2012, antes configura uma opção antiga deste, assim restaurada.
A respeito do artigo 256º, nº3 do Código do Trabalho, resultante da Lei nº 23/2012 de 25.06., o Professor Doutor Júlio Manuel Vieira Gomes comentou que “Relativamente ao regime das faltas, sublinhe-se o regresso, no art. 256.º, n.º 3, à velha solução de, faltando o trabalhador injustificadamente a um ou meio período normal de trabalho diário, imediatamente anterior ou posterior a dia ou meio dia de descanso ou a feriado, "o período de ausência a considerar para efeitos da perda de retribuição (...) abrange os dias ou meios-dias de descanso ou feriados imediatamente anteriores ou posteriores ao dia de falta". (…) a contagem dos dias e meios-dias imediatamente posteriores ou anteriores ao dia ou meio dia de falta se faz exclusivamente para efeitos de perda de retribuição e já não para cálculo do número de faltas injustificadas em cada ano civil relevante para feitos de despedimento” (“Algumas reflexões sobre as alterações introduzidas no código do trabalho pela lei n.º 23/2012 de 25 de junho”, Centro de Estudos Judiciários, in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/trabalho/o_tempo_de_trabalho.pdf, sublinhado nosso).
Vejamos as diversas opções anteriores do legislador:
A Lei das Férias Faltas e Feriados, Decreto-Lei nº 874/76, de 28 de Dezembro (LFFF), no artigo 27º, sob a epígrafe “Efeitos das faltas injustificadas” estabelecia:
«1 - As faltas injustificadas determinam sempre perda de retribuição correspondente ao período de ausência, o qual será descontado, para todos os efeitos, na antiguidade do trabalhador.
2 - Tratando-se de faltas injustificadas a um ou meio período normal de trabalho diário, o período de ausência a considerar para os efeitos do número anterior abrangerá os dias ou meios de descanso ou feriados imediatamente anteriores ou posteriores ao dia ou dias de falta.
3 - Incorre em infracção disciplinar grave todo o trabalhador que:
a) Faltar injustificadamente durante três dias consecutivos ou seis interpolados num período de um ano;
b) Faltar injustificadamente com alegação de motivo de justificação comprovadamente falso.
4 - No caso de a apresentação do trabalhador, para início ou reinício da prestação de trabalho, se verificar com atraso injustificado superior a trinta ou sessenta minutos, pode a entidade patronal recusar a aceitação da prestação durante parte ou todo o período normal de trabalho, respectivamente».
Já com o Código de Trabalho de 2003, o legislador restringiu os efeitos das faltas injustificadas, estabelecendo no artigo 231º, sob a epígrafe “Efeitos das faltas injustificadas” que:
«1 - As faltas injustificadas constituem violação do dever de assiduidade e determinam perda da retribuição correspondente ao período de ausência, o qual será descontado na antiguidade do trabalhador.
2 - Tratando-se de faltas injustificadas a um ou meio período normal de trabalho diário, imediatamente anteriores ou posteriores aos dias ou meios dias de descanso ou feriados, considera-se que o trabalhador praticou uma infracção grave.
3 - No caso de a apresentação do trabalhador, para início ou reinício da prestação de trabalho, se verificar com atraso injustificado superior a trinta ou sessenta minutos, pode o empregador recusar a aceitação da prestação durante parte ou todo o período normal de trabalho, respectivamente».
Por seu turno, o Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12.02., também sob a epígrafe “Efeitos das faltas injustificadas”, previa na sua redacção originária:
«1- A falta injustificada constitui violação do dever de assiduidade e determina perda da retribuição correspondente ao período de ausência, que não é contado na antiguidade do trabalhador.
2- A falta injustificada a um ou meio período normal de trabalho diário, imediatamente anterior ou posterior a dia ou meio dia de descanso ou a feriado, constitui infracção grave».
3 - No caso de apresentação de trabalhador com atraso injustificado:
a) Sendo superior a sessenta minutos e para início do trabalho diário, o empregador pode não aceitar a prestação de trabalho durante todo o período normal de trabalho;
b) Sendo superior a trinta minutos, o empregador pode não aceitar a prestação de trabalho durante essa parte do período normal de trabalho».
Ou seja, a opção do legislador quanto às “faltas por extensão da lei” não foi sempre a mesma. Tratando-se de faltas injustificadas a um ou meio período normal de trabalho diário, imediatamente anteriores ou posteriores aos dias ou meios dias de descanso ou feriados, o Código de 2003 previa a sua qualificação como infração disciplinar, abandonado o desconto na retribuição da LFFF, posteriormente “recuperado” no CT de 2009, no nº 3 do artigo 256º, com a Reforma de 2012.
João Soares Ribeiro, (in Prontuário de Direito do Trabalho (2005), nº 72), aborda a natureza do regime de imperatividade das faltas no quadro do CT de 2003, defendendo a natureza imperativa dos efeitos automáticos de uma falta injustificada (artigo 231º, nº 1, do CT de 2003) mas aceitando a natureza dispositiva para o resto do preceito do CT de 2003. Aí se lendo: “Mais problemática é a questão da natureza imperativa dos efeitos das faltas injustificadas. À partida dir-se-á que também esta matéria não é abrangida pela imperatividade nos termos definidos pelo artigo 226.º, pois que, repete-se, esta é aí limitada aos tipos de faltas e sua duração, não abrangendo, por isso, também os seus efeitos. Na verdade assim é. Mas se atentarmos a que a norma do nº1 do art. 231.º ao considerar que “as faltas injustificadas constituem violação do dever de assiduidade e determinam perda da retribuição correspondente ao período de ausência o qual será descontado na antiguidade do trabalhador”, contém a noção de falta injustificada sendo, por isso, uma norma de ordem e interesse público, já será de concluir que não pode ser afastada por vontade das partes. (…).
Quanto às restantes disposições do art. 231.º, parece nada obstar a que se lhes confira natureza dispositiva e supletiva. Não repugna que, por exemplo, em convenção colectiva os negociadores acordem que as faltas injustificadas a um ou meio período de trabalho imediatamente antes ou depois de descanso semanal, sejam consideradas tão só infracção leve, que não sejam sequer consideradas infracção ou, por outro lado sejam tidas como infração muito grave, (…).”.
Idêntica leitura fazemos nós relativamente à atual solução legal: por razões de interesse público como salientado pelo mesmo Autor, a imperatividade do artigo 256º, afigura-se-nos existir mas circunscrever-se ao seu nº 1, não abrangendo o previsto nos nºs 2 a 4, do artigo 256º.
Concluímos assim que a imperatividade dos efeitos automáticos de uma falta injustificada, por razões de interesse público, deve entender-se circunscrita à norma do nº1 do artigo 256º, interesse público que já não se impõe perante uma opção do legislador que, ainda por cima, tem tido avanços e recuos, o que sucede com a norma do nº3 do mesmo artigo.
Tendo a norma do artigo 256º, nº3 do Código do Trabalho natureza meramente dispositiva, a mesma é susceptível de ser afastada por instrumento de regulamentação colectiva, nos termos previstos no artigo 3º nº1 do Código do Trabalho, como sucedeu com a cláusula 76º do CCT, em análise.
Considerando-se assim que a norma do artigo 256º, nº3 do Código do Trabalho, na redação introduzida pela Lei nº 23/2012 de 25.06. não se encontra contemplada pela imperatividade do regime de faltas previsto no Código do Trabalho, entendemos prejudicada a questão relativa à inconstitucionalidade da mesma norma, se interpretada como sendo imperativa, por violar o princípio da confiança, ínsito no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.
Conclui-se que relativamente às 32 horas descontadas pela Ré aos Autores, no mês de Abril de 2017, atenta a cláusula 76º do CTT aplicável, foi ilícito tal desconto relativamente a 24 dessas 32 horas (8 horasx3dias), sendo devido aqueles um montante de retribuição salarial correspondente a essas 24 horas descontadas.
Pelo que se deixa exposto impõe-se revogar parcialmente a sentença recorrida, considerando-se procedentes ainda os pedidos formulados pelos Autores, a retribuição referente a 24 horas indevidamente descontadas no mês de Abril de 2017, atento o provado no item 5º dos factos provados, nos seguintes montantes:
- 56€ à 1ª Autora B… (€560,00:30 dias x 3 dias);
- 56€ ao 2º Autor C…;
- 56,70€ à 3ª. Autora D…; (€567,00:30 dias x 3 dias);
- 56,70€ ao 4º. Autor E…;
- 56€ à 5ª Autora F…;
- 56€ à 6ª Autora G…;
- 56€ à 7ª Autora H… e
- 56€ à 8ª Autora K….
Montantes acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a data dos seus vencimentos e até integral e efectivo pagamento.
4. Dispositivo:
Em conformidade com tudo o exposto, julga-se procedente o recurso interposto pelos Autores e em consequência revoga-se parcialmente a sentença recorrida e em consequência, condena-se a Ré a pagar aos Autores:
a) os montantes relativos a retribuição referente a 24 horas indevidamente descontadas no mês de Abril de 2017, assim descriminados:
- 56€ à 1ª Autora B…;
- 56€ ao 2º Autor C…;
- 56,70€ à 3ª. Autora D…;
- 56,70€ ao 4º. Autor E…;
- 56€ à 5ª Autora F…;
- 56€ à 6ª Autora G…;
- 56€ à 7ª Autora H… e
- 56€ à 8ª Autora K….
b) Juros de mora à taxa legal de 4%, sobre tais montantes, desde a data dos respectivos vencimentos, até integral e efectivo pagamento.
Mantém-se no demais a sentença recorrida.
Custas pela Ré Apelada.

Porto, 18 de Maio de 2020.
Teresa Sá Lopes
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho