ACIDENTE DE TRABALHO
CULPA DA ENTIDADE PATRONAL
SEGURADORA
RESPONSABILIDADE
INCAPACIDADE TEMPORÁRIA
INCAPACIDADE PERMANENTE
Sumário


I – O agravamento da responsabilidade por acidente de trabalho devido a actuação culposa do empregador, nos termos do art. 18.º, n.º 4, da LAT, não é da responsabilidade da seguradora, em face do disposto no art. 79.º, n.º 3, da mesma Lei.
II – Nessas situações incumbe à seguradora apenas o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso:
III – Assim, relativamente à indemnização devida por incapacidade temporária absoluta, a responsabilidade da seguradora reporta-se apenas aos montantes devidos nos termos do art. 48.º, n.º 3, al. d), da LAT, ou seja, à indemnização diária igual a 70 % da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75 % no período subsequente, e não à indemnização de 100% como consta do art. 18.º, n.º 4, al. a), da LAT.
IV – De igual modo, relativamente ao pagamento devido por incapacidade permanente parcial com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, a responsabilidade da seguradora reporta-se apenas aos montantes devidos nos termos do art. 48.º, n.º 3, al. b), da LAT, ou seja, ao pagamento de uma pensão anual e vitalícia compreendida entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível, e não ao pagamento de uma pensão anual compreendida entre 70% e 100% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível, atribuída ao abrigo do art. 18.º, n.º 4, al. b), da LAT. (sumário da relatora)

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
A “AA… Seguros, S.A.” (adiante “AA…”) participou, nos termos do art. 90.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04-09, o acidente de que sofreu o sinistrado J…, ao serviço da entidade patronal C…, o qual ocorreu em 19-06-2015, pelas 11h30, em Borba.

Em 02-05-2018, foi realizado perícia médico-legal ao sinistrado, tendo-lhe sido atribuída uma incapacidade permanente parcial de 20,4200% com IPATH.
Realizada a tentativa de conciliação, não foi possível conciliar as partes, por o sinistrado não concordar com o valor da IPATH que lhe foi atribuído e a seguradora entender não ter de assumir responsabilidades pelos danos causados pelo acidente, por ter havido violação das regras de segurança.
O sinistrado J… (A) veio, então, intentar acção emergente de acidente de trabalho contra “Seguradora…, SA” e C… (RR), solicitando, a final, que seja declarada a responsabilidade da 2.ª R. na produção do acidente por violação das regras de segurança, devendo ainda serem condenadas:
- as RR. a pagarem ao A. a pensão devida por acidente de trabalho, calculada em função da retribuição declarada e do resultado do exame médico, acrescida de subsídio de elevada incapacidade;
- a 2.ª R. a pagar ao A. a pensão devida por acidente de trabalho, agravada nos termos do n.º 4 do art. 18.º da Lei n.º 98/2009, de 04-09;
- a 2.ª R. a pagar ao A. €80.000,00, a título de danos não patrimoniais;
- a 2.ª R. a pagar ao A. o montante de €6.845,66 a título de diferença de indemnizações por incapacidade temporária, calculadas com base na retribuição anual ilíquida que o A. auferia;
- As RR. a pagarem ao A. €2.736,00 a título de subsídio de assistência de terceira pessoa por 4 horas diárias, desde Maio a Dezembro de 2017;
- As RR. a pagarem ao A. prestação suplementar de assistência de terceira pessoa, desde a data da alta, considerando o período diário a definir em sede de apenso de fixação de incapacidade; e
- Juros de mora desde a citação até pagamento.
A R. “Seguradora,..., SA” apresentou contestação e, em síntese, confirmou aceitar a existência e caracterização do acidente participado como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente e o grau de incapacidade fixado pelo perito médico, período de ITA e data da alta, não aceitando, porém, pagar ao sinistrado quaisquer prestações decorrentes da actuação culposa da entidade patronal, nos termos do art. 79.º, n.º 3, da Lei n.º 98/2009, de 04-09.
Proferido despacho saneador, foram discriminados os factos assentes e os factos controvertidos, tendo a R. “ Seguradora…, SA” reclamado de tal despacho, reclamação essa que veio a ser indeferida.
Após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi dada resposta em 28-03-2019 à matéria de facto e em 08-04-2019 foi proferida sentença, onde foi fixado o valor da acção em €39.288,90, com a decisão que se segue, a qual, devido a lapso, foi, posteriormente, por despacho de 26-04-2019, rectificada, sendo a aqui apresentada a decisão já devidamente corrigida:
Pelo exposto julgo a acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência:
Declaro a responsabilidade da ré entidade patronal, C…, na produção do acidente de trabalho de que foi vítima o autor J… em 19.06.2015, por violação das regras de segurança.
Condeno a ré Seguradora…, S.A. a pagar ao autor J…, sem prejuízo do desconto dos montantes pagos ao autor a título de pensão provisória, assim como do eventual e futuro exercício do direito de regresso contra a entidade patronal:
a) A pensão anual e vitalícia no valor de 7.994,67€ (sete mil novecentos e noventa e quatro euros e sessenta e sete cêntimos), devida desde 16.01.2018, dia seguinte ao da alta clínica.
b) O subsídio de elevada incapacidade no montante de 4.447,57€ (quatro mil quatrocentos e quarenta e sete euros e cinquenta e sete cêntimos), devido desde a data da fixação da incapacidade.
c) A quantia de 6.846,66€ a título de diferença de indemnização por incapacidade temporária absoluta.
Condeno a ré entidade patronal, C…, a pagar ao autor J… a quanta de 20.000,00€ a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Sobre as quantias supra referidas, incidem os competentes juros legais até integral pagamento.
Absolvo a ré Seguradora…, S.A. dos pedidos de pagamento da quantia de 2.736,00€ a título de subsídio de assistência de terceira pessoa por 4 horas diárias, desde Maio a Dezembro de 2017, e da prestação suplementar de assistência de terceira pessoa, desde a data da alta
Condeno a ré e a entidade patronal companhia de seguros ao pagamento das custas do processo – artº 537º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artº 1º, 2, a), do Código do Processo do Trabalho.
Não se conformando com tal sentença, veio a R. “Seguradora…, SA” interpor recurso de Apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:
1. Vem o presente recurso interposto da Sentença, datada de 08.04.2019, porquanto nela, apesar de se considerar comprovada e declarada – no ponto 1º da Decisão final - “a responsabilidade da ré entidade patronal, C…, na produção do acidente de trabalho de que foi vítima o autor J… em 19.06.2015, por violação das regras de segurança”, se decide igualmente, contraditoriamente e muito além do que seria imputável à mesma, condenar “a ré Seguradora… S.A. a pagar ao autor J…, sem prejuízo do desconto dos montantes pagos ao autor a título de pensão provisória, assim como do eventual e futuro exercício do direito de regresso contra a entidade patronal: a) A pensão anual e vitalícia no valor de 7.994,67€ (sete mil novecentos e noventa e quatro euros e sessenta e sete cêntimos), devida desde 16.01.2018, dia seguinte ao da alta clínica. b) O subsídio de elevada incapacidade no montante de 4.447,57€ (quatro mil quatrocentos e quarenta e sete euros e cinquenta e sete cêntimos), devido desde a data da fixação da incapacidade. c) A quantia de 6.846,66€ a título de diferença de indemnização por incapacidade temporária absoluta.” – cfr. ponto 2º da Decisão final.
2. A Sentença considera legítima e legalmente admissível a condenação da ora Recorrente nos montantes que excedem clamorosamente as prestações normais, i. e, as devidas caso não houvesse actuação culposa, únicas a que a Recorrente poderia ser condenada, nos termos e para os efeitos expressos nos artigos 18º e 79º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (doravante designada LAT).
3. Assim sucede quanto às prestações de incapacidade temporária absoluta e incapacidade permanente parcial com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual agravadas a que a Recorrente foi condenada a entregar ao sinistrado (alíneas a) e c) do ponto 2. da Decisão final).
4. Da conjugação entre o disposto naqueles artigos 18º e 79º, quando o acidente resultar da falta ou violação das regras de segurança e saúde no trabalho, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo, claro está, do competente direito de regresso, tal como, de resto, foi oportunamente invocado e alegado nos autos.
5. Após indicação dos factos considerados provados nos autos – para onde desde já se remete, até porque transcritos nsupra, no corpo das Alegações de Recurso, aqui se dando por integralmente reproduzidos os mesmos por uma questão de economia processual –, entendeu-se na Sentença, e bem, que as “Questões a decidir” se reportavam a “determinar quem teve a responsabilidade pela ocorrência do acidente de trabalho, nomeadamente se este ocorreu por falta de observação das regras de segurança e higiene no trabalho por parte da entidade patronal e, em consequência da resposta a dar a tal questão, decidir se o autor deve ser indemnizado e, em caso afirmativo, quais os danos indemnizáveis e a quem incumbe tal obrigação.” (cfr. Sentença – ponto III).
6. Assim, e quanto a tal matéria, face aos factos considerados provados, entendeu a Mma. Juiz a quo – e novamente bem – que “A este nível mostra-se assente que da análise do acidente a Autoridade para as Condições do Trabalho concluiu que as paredes laterais e a abertura por debaixo da cobertura do edifício onde decorriam os trabalhos, a cerca de cinco metros do chão, não dispunham de qualquer protecção colectiva por forma a minimizar a exposição dos trabalhadores ao risco adicional de queda em altura, o empregador não adoptou qualquer das medidas preventivas previstas no Plano de Segurança e Saúde, as paredes envolventes do edifício não dispunham de qualquer protecção colectiva por forma a minimizar o risco de queda em altura, designadamente guarda corpos, a escada de mão em alumínio que foi utilizada pelos trabalhadores como meio de acesso aos postos de trabalho em causa não dispunha de apoio nem de pega seguros nem qualquer outro tipo de protecção colectiva adequada e eficaz por forma a evitar o risco de queda em altura, não foram instalados andaimes devidamente protegidos nem passadeiras, recorrendo a tábuas com frisos antiderrapantes na cobertura, e os trabalhadores não dispunham de equipamento de protecção individual, como por exemplo, arnês, corda de amarração e respectiva linha de vida, sendo que só após a ocorrência do acidente de trabalho é que a ré entidade patronal colocou andaimes e passou a utilizar uma plataforma elevatória. Face ao teor desta factualidade, entendemos que se mostra provada a violação culposa por parte da ré entidade patronal da violação das regras de segurança atinentes à execução do tipo de trabalho que estava a decorrer. (...) Em suma, a fim de prevenir a ocorrência de acidentes ou, pelo menos, de minimizar as suas consequências, a entidade patronal deveria ter implementado medidas de proteção individual, como arnês e cinto de segurança, e medidas de proteção coletiva, como andaimes, o que não fez. Não o tendo feito, violou regras de segurança idóneas a impedir a verificação do acidente em discussão nos presentes autos. Com efeito, entendemos que é inequívoco considerar que no caso sub judice existe nexo de causalidade entre a violação culposa das regras de segurança no trabalho por parte da entidade patronal (enquanto omissão reprovável do dever de assegurar a segurança no trabalho dos seus empregados), e a ocorrência do acidente que causou danos ao autor, na medida em que as regras em causa, plasmadas nos normativos legais supra citados, visam precisamente evitar o risco de queda em altura por parte dos trabalhadores, não sendo ilógico concluir que se ais regras tivessem sido observadas, o acidente de trabalho não teria ocorrido e/ou o autor não teria sofridos as lesões que sofreu.
Assim sendo, deve a ré entidade patronal ser responsabilizada nos termos previstos no artº 18º.”
7. Sucede, porém, que, ao invés de dar cumprimento ao desiderado resultante de tal artigo 18º - em conjugação com o artigo 79º da mesma LAT – a Sentença recorrida condena a aqui Recorrente, entidade seguradora do responsável, no pagamento das prestações agravadas previstas no referido artigo 18º, da responsabilidade exclusiva do empregador, excedendo clamorosamente a responsabilidade que legalmente é atribuída à mesma nestes casos e que se cinge às prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa (e, também estas, sem prejuízo do direito de regresso legalmente previsto).
8. Entendeu a Mma. Juiz a quo, quanto ao tema, que: “Pelo que se acabou de expor e por ter ficado provado que na sequência do acidente de trabalho o autor esteve 941 dias com incapacidade temporária absoluta (tendo recebido a este título a quantia de 18.917,92€), e ficou com uma incapacidade permanente parcial de 34,575% com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, há que concluir também que o autor tem direito a receber a diferença de indemnização por incapacidade temporária absoluta e uma indemnização a calcular em função do grau de incapacidade e da retribuição auferida e com início no dia seguinte ao da alta clínica, sendo tal indemnização da responsabilidade da ré companhia de seguros, sem prejuízo do exercício do direito de regresso em relação à entidade patronal (artºs 18º e 79º, 3), assim como uma pensão agravada por parte da entidade patronal (artº 18º, 4). (...) No que tange à indemnização por incapacidade temporária absoluta, nos termos do disposto nos artºs 18º, 1 e 4, a), 47º, 1, a), 48º, 1 e 4, 50º, e 71º, 1 a 3, e tendo em consideração o montante da retribuição anual auferida pelo sinistrado, tem este direito a uma indemnização diária, que perfaz o total de 25.764,58€ (9.993,34€ : 365 dias = 27,38€ x 941 dias). Uma vez que o autor já recebeu a quantia de 18.917,92€ de indemnização por incapacidade temporária absoluta, a entidade patronal terá a pagar-lhe a quantia de 6.846,66€ (25.764,58€ – 18.917,93€). No que concerne à incapacidade permanente parcial com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, considerando o disposto nos artºs 18º, 1 e 4, b), 21º, 23º, b), e 47º, 1, c), e 3, tem ainda o autor direito a uma pensão anual e vitalícia de montante fixado entre 70% e 100% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível. Consequentemente, nos termos dos artigos supra mencionados, o sinistrado tem direito a receber a pensão anual e vitalícia (agravada) de 7.994,67€ (9.993,34€: 2 + [(9.993,34€) - (9.993,34€ x 70%) x 40,00%], ou seja, 4.996,67€ + 2.998,00€) a partir do dia 16.01.2018, dia seguinte ao da alta. (...) IV. Decisão (...) 2º Condeno a ré Seguradora…, S.A. a pagar ao autor J…, sem prejuízo do desconto dos montantes pagos ao autor a título de pensão provisória, assim como do eventual e futuro exercício do direito de regresso contra a entidade patronal: a) A pensão anual e vitalícia no valor de 7.994,67€ (sete mil novecentos e noventa e quatro euros e sessenta e sete cêntimos), devida desde 16.01.2018, dia seguinte ao da alta clínica. (...) c) A quantia de 6.846,66€ a título de diferença de indemnização por incapacidade temporária absoluta.”
9. A aqui Recorrente é, de facto, condenada muito além das prestações normais, sendo-lhe ordenada a satisfação das prestações agravadas decorrentes, desde logo, daquele referido artigo 18º, designadamente quanto à pensão anual agravada e quanto a perdas salariais agravadas, decorrentes dos períodos de incapacidade temporária absoluta reconhecidos.
10. Em conjugação do n.º 4 do artigo 18º com os ns.º 1 e 3 do artigo 79º da aludida Lei 98/2009, ficam claramente afastadas da garantia do seguro as indemnizações decorrentes da violação de regras de segurança. Atento o teor das normas em questão, é claro e cristalino que a aqui Recorrente não responde, em qualquer caso, nesse campo de quaisquer prestações agravadas, limitando-se a satisfazer – sem prejuído do competente direito de regresso – pelas prestações obrigatórias e que sempre seriam devidas caso não houvesse actuação culposa.
11. Tais indemnizações cingem-se, no que ao caso dos autos interessa: - a indemnização por incapacidade temporária para o trabalho não agravada; - indemnização em capital e pensão por incapacidade permanente para o trabalho não agravada e subsídio por situação de elevada incapacidade permanente.
12. Nos termos dos artigos 48º e 67º da LAT, as prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa são, no caso dos autos, as seguintes indemnizações normais e obrigatórias: por incapacidade temporária absoluta - indemnização diária igual a 70 % da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75 % no período subsequente; por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual – pensão anual e vitalícia compreendida entre 50 % e 70 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível; por elevada incapacidade permanente decorrente de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual - subsídio fixado entre 70 % e 100 % de 12 vezes o valor de 1,1 IAS, tendo em conta a capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível.
13. Desta forma, a aqui Recorrente responde, tão só, pelo pagamento das ditas indemnizações obrigatórias e normais, ficando de fora todas as demais, nomeadamente as previstas no aludido artigo 18º: - nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, compreendida entre 70 % e 100 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível; - nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente.
14. Indemnizações essas, agravadas e decorrentes do aludido n.º 4 do artigo 18º, a que, incompreensivelmente e contra as normas legais indicadas, a aqui Recorrente foi condenada a entregar ao sinistrado, embora sejam da responsabilidade integral e exclusiva do empregador, também parte na presente acção.
15. Conforme resulta dos autos e da matéria já dada como provada: a retribuição anual do sinistrado correspondia a € 9.993,34 (facto 2º); esteve na situação de incapacidade temporária absoluta desde a data do acidente, 19.06.2015 até 15.01.2018, num total de 941 dias (facto 14º); a aqui Recorrente liquidou-lhe, reportado ao período desde 20.06.2015 a 15.01.2018, o valor total de € 18.917,92 (facto 21º); o Autor ficou afectado de um grau de incapacidade permanente parcial de 34,575 % (23,05 % x 1.5), com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, a partir de 06.01.2018 (facto 37º).
16. Face a tudo o descrito, parece claro que, desde logo no que tange à prestação efectivamente devida pela Recorrente – nos termos do artigo 48º da LAT – a título de incapacidade temporária absoluta, a aqui Recorrente excedeu o valor devido a tal título, nada mais havendo a satisfazer, por sua banda, ao sinistrado.
17. De facto, considerando retribuição anual transferida de € 9.993,34, o sinistrado tem direito a indemnização diária igual a 70 % da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75 % no período subsequente.
18. Assim, a indemnização por incapacidade temporária do sinistrado calcula-se da seguinte forma:
- € 9.993,34 x 0,70 : 365 dias x 365 = € 6.995,34
- € 9.993,34 x 0,75 : 365 dias x 576 = € 11.827,73
num total de € 18.823,07.
19. Contrariamente ao decidido na Sentença recorrida, uma vez que o sinistrado já recebeu da Recorrente, a tal título de incapacidade temporária parcial, € 18.917,92, nada mais terá o mesmo a receber da Recorrente, tendo sido pela mesma indemnizado em excesso.
20. Quaisquer valores acrecidos e agravados a entregar ao sinistrado a tal título de incapacidade temporária absoluta, no âmbito e com fundamento no aludido artigo 18º (designadamente por forma a perfazer 100% da retribuição diária), serão exigíveis exclusivamente ao respectivo empregador, pela sua actuação culposa.
21. Para além daquela prestação – já satisfeita – a Recorrente nada mais tem de pagar a tal título ao sinistrado, por falta de cobertura contratual e por força da própria lei, devendo revogar-se integralmente a decisão que condena a Recorrente ao pagamento do montante de € 6.846,66 a tal título.
22. Da mesma forma, no que tange à prestação efectivamente devida pela Recorrente – nos termos do artigo 48º da LAT – a título de incapacidade permanente parcial com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, a aqui Recorrente apenas teria que satisfazer uma pensão anual e vitalícia compreendida entre 50 % e 70 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível.
23. Ora, contrariamente, na Sentença recorrida foi considerado, para o efeito, “a pensão anual e vitalícia de montante fixado entre 70 % e 100 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível”, prevista no n.º 4 do artigo 18º da LAT, pensão essa que novamente corresponde a uma prestação agravada imputável e da responsabilidade, exclusiva, do empregador.
24. Considerando a retribuição anual transferida de € 9.993,34, o sinistrado tem direito a receber da Recorrente, como se disse, pensão anual compreendida entre 50 % e 70 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível.
25. Assim, a indemnização por incapacidade permanente parcial com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual do sinistrado calcula-se da seguinte forma:
- € 9.993,34 x 0,50 = € 4.996,67
- € 9.993,34 x 0,70 = € 6.995,34
- € 6.995,34 - € 4.996,67 = € 1.998,67
- € 1.998,67 x 34,575% = € 691,04
- total da pensão: € 4.996,67 + € 691,04 = € 5.687,71
26. Assim, a tal título de incapacidade permanente parcial com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, além da referida pensão total no montante de € 5.687,71, o sinistrado nada mais terá receber da Recorrente, devendo revogar-se a decisão que condena no valor acrescido, sendo substituída por outra que se limite a tal valor.
27. Quaisquer valores acrecidos e agravados a entregar ao sinistrado a tal título de incapacidade temporária absoluta, no âmbito e com fundamento no aludido artigo 18º, serão exigíveis exclusivamente ao respectivo empregador, pela sua actuação culposa.
28. Em suma: Em conformidade com os artigos 79º e 18º da LAT, são afastadas da garantia do seguro as indemnizações decorrentes da violação de regras de segurança, devendo a seguradora do responsável satisfazer, como tal, apenas o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.
29. Os preceitos indicados mostram, sem margem para dúvidas, que a Recorrente garante apenas o pagamento aos trabalhadores das prestações obrigatórias decorrentes de qualquer acidente de trabalho, conforme previstas na legislação aplicável, no caso a LAT, não sendo, manifestamente, responsável pelas indemnizações acrescidas e agravadas que decorrentes do aludido artigo 18º da LAT, conforme se pretendeu na decisão recorrida.
30. Como é hoje entendimento unânime e resulta expressamente da lei, no âmbito do acidente de trabalho os danos indemnizáveis não são todos aqueles que dele tenham emergido, mas apenas a morte ou a redução da capacidade de trabalho ou de ganho, resultantes da lesão corporal, perturbação funcional ou doença. Por outro lado, a reparação não é feita nos termos gerais previstos para a responsabilidade civil extracontratual, mas exclusivamente nos termos previstos no regime jurídicos dos acidentes de trabalho.
31. Dúvidas não restam, assim, que nas duas situações previstas no aludido artigo 18º, o agravamento aí previsto apenas será suportado pelo empregador, nunca pelo segurador de acidentes de trabalho, o qual só responde pelas prestações normais decorrentes do regime jurídico dos acidentes de trabalho (cfr. Romano Martinez, Direito do Trabalho, 4.ª edição, p. 874 e Parecer nº 46/08/DCM/DSP, de 10 de Outubro, do Instituto de Seguros de Portugal, Revista Fórum, ano XII, nº 26, Outubro de 2008, pp. 98 e 99).
32. Desta forma, deverá revogar-se integralmente a decisão que atribui à Recorrente a responsabilidade por qualquer prestação agravada a título de incapacidade temporária absoluta, no âmbito e com fundamento no aludido artigo 18º (designadamente por forma a perfazer 100% da retribuição diária), exclusivamente exigível ao empregador, pela sua actuação culposa, nos termos do artigo 79º da mesma LAT.
33. Para além da prestação já satisfeita, a Recorrente nada mais tem de pagar a tal título ao sinistrado, por falta de cobertura contratual e por força da própria lei, devendo revogar-se integralmente a decisão que condena a Recorrente ao pagamento do montante de € 6.846,66 a tal título.
34. Deverá revogar-se também a decisão que atribui à Recorrente a responsabilidade por qualquer prestação agravada a título de incapacidade permanente parcial com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, no âmbito e com fundamento no aludido artigo 18º, na medida em que, além da referida pensão total no montante de € 5.687,71 - pensão anual e vitalícia compreendida entre 50 % e 70 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível -, o sinistrado nada mais terá receber da Recorrente.
35. Deverá revogar-se, desta forma, a decisão que condena a Recorrente ao pagamento do montante de € 7.994,67 a tal título, sendo substituída por outra que se limite a tal valor de € 5.687,71.
36. Com efeito, a Recorrente entende que, face a tudo o demonstrado, a Decisão ora recorrida padece de um erro de direito, encontrando-se irremediavelmente afectada de invalidade, pela manifesta ilegalidade da mesma, resultando, pois, de uma clara e aberta violação, desde logo, dos artigos 48º n.º 3, 18º n.º 4 e 79º n.º 3 da LAT.
37. Assim sendo, e face a tudo o descrito, deverá a Sentença impugnada ser alterada nos termos descritos e revogada quanto às decisões impugnadas e aos exactos pontos descritos (alíneas a) e c) do Ponto 2 da Decisão Final), sendo substituída por outra legalmente conforme, nos termos avançados, mantendo-se no demais toda a decisão recorrida, o que se requer.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se o Despacho impugnado no que respeita às decisões impugnadas supra identificadas, mantendo-se a mesma no demais, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
Nem o A. nem o R. C… apresentaram contra-alegações.
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, e, após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso, devendo ser mantida na íntegra a decisão recorrida.
Não foi oferecida qualquer resposta a tal parecer.
Após ter sido corrigido o efeito do recurso (para meramente devolutivo), foi o mesmo recebido, e, tendo sido colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
II – Objecto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Não ser devido pela R. “Seguradora…, SA” ao A. qualquer quantia a título de diferença de indemnização por incapacidade temporária absoluta; e
2) Ser apenas devido o pagamento pela R. “Seguradora…, SA” ao A. da quantia de €5.687,71 a título de incapacidade permanente parcial com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
III – Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
O autor, J…, nasceu no dia 16.08.1970.
No dia 19.06.2015, o autor encontrava-se a trabalhar por conta, direcção e fiscalização de C…, exercendo as funções inerentes à categoria profissional de Pedreiro, mediante a retribuição anual no valor de 9.993,34€ (640,00 € x 14 meses + 93,94€ x 11meses).
No referido dia, no período compreendido entre as 11,15 e as 11,30 horas, o autor encontrava-se a desempenhar a sua actividade profissional em Borba e sofreu um acidente de trabalho: ao aparafusar um painel sandwich aos barrotes de madeira já colocados como parte integrante da cobertura do edifício, sofreu uma queda em altura de cerca de 5,00 metros,
Nesta data a responsabilidade emergente de acidente de trabalho encontrava-se transferida pela entidade empregadora para a Seguradora…, S.A., através da apólice do seguro n.º 10-394054.
Na sequência do acidente descrito em 3º foi o autor assistido no Hospital do Espírito Santo de Évora, E.P.E., onde ficou inicialmente internado até ao dia 23.06.2015, tendo-lhe sido diagnosticada fractura da L3; fractura bilateral dos calcâneos; fractura distal da tíbia da perna direita e entorse do joelho esquerdo
No dia 23.06.2015 o autor foi transferido para o Hospital de São José, em Lisboa, onde foi internado e operado a 24.06.2015 à coluna, sob anestesia local, com fixação lombar com parafusos transpediculares em L2-L3 e L4 e barras longitudinais.
Entretanto o autor foi novamente encaminhado para o Hospital do Espírito Santo de Évora, onde foi, no dia 13.07.2015, submetido a intervenções cirúrgica por osteossíntese aos 2 calcâneos e à tíbia com colocação de parafusos.
No dia 10.02.2016 o autor foi submetido a nova intervenção cirúrgica, destafeita ao joelho esquerdo por alectomia e novamente à tíbia para retirada de material de osteossíntese, no Hospital dos SMAS a expensas da companhia de seguros.
No dia 17.08.2016 o autor foi novamente submetido a osteotomia e artrodese do calcâneo direito, igualmente no Hospital dos SAMS e a expensas da companhia de seguros.
10º No dia 17.02.2017 o autor submeteu-se a nova cirurgia com osteotomia e artrodese do calcâneo esquerdo, no Hospital do SAMS e a expensas da companhia de seguros.
11º O autor esteve internado no Hospital de João José, em Lisboa, e no Hospital Espirito Santo, em Évora, desde a data do acidente até 06.08.2015, num total de 49 dias.
12º O autor submeteu-se a sessões de fisioterapia alternadas com sessões de hidroterapia, entre 18.09.2015 e 27.12.2017.
13º As sessões a que se alude em 12º ocorreram com frequência diária (excepto feriados e fins-de-semana), e tinham a duração aproximada de 1,30 a 2,00 horas.
14º O autor esteve na situação de incapacidade temporária absoluta desde a data do acidente até 15/01/2018, num total de 941 dias.
15º No dia 09.07.2018 realizou-se uma tentativa de conciliação, com a presença do autor e da ré companhia de seguros e com a ausência da ré entidade patronal, que estava devidamente notificada.
16º Na tentativa de conciliação, autor e ré companhia de seguros aceitaram a existência e caracterização do acidente como de trabalho.
17º A companhia de seguros rejeitou a sua responsabilidade pelos danos causados pelo acidente, por entender que houve violação das regras de segurança.
18º O autor não aceitou o resultado de exame médico por discordar do grau de incapacidade permanente parcial atribuído, aceitando a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, e por reclamar subsídio para assistência por terceira pessoa.
19º À data dos factos, o autor e o seu colega M… encontravam-se a trabalhar na cobertura de um edifício, a colocarem placas de isolamento em painel/sandwich, quando o autor e o dito colega escorregaram e caíram junto à parede lateral esquerda do edifício, no interior do mesmo.
20º A questão relativa à omissão das regras de segurança no âmbito do mesmo acidente de trabalho mas em que era sinistrado o colega do Autor, M…, foi apreciada no processo n.º 1164/16.7T8EVR do Juízo do Trabalho de Évora, tendo sido declarada a responsabilidade da entidade patronal por violação das regras de segurança na produção do acidente.
21º O autor recebeu da ré companhia de seguros desde a data do sinistro e até Abril de 2017, subsídio de assistência de terceira pessoa, 4 horas diárias.
22º A ré companhia de seguros liquidou ao autor reportado ao período ocorrido entre 20.06.2015 e 15.01.2018, data da alta, o valor total de 18.917,92€.
23º A Autoridade para as Condições do Trabalho – Centro Local do Alentejo procedeu a Inquérito Sumário e Urgente de Acidente de Trabalho, e elaborou o respectivo relatório, onde consta que:
a) “As paredes laterais e a abertura por debaixo da cobertura do edifício onde decorriam os trabalhos não dispunham de qualquer protecção colectiva por forma a minimizar a exposição dos trabalhadores ao risco adicional de queda em altura.”;
b) “Das averiguações efectuadas no local verifiquei de forma pessoal, directa e imediata que os trabalhadores acidentados desenvolveram a sua actividade profissional sem que o empregador tivesse adoptado qualquer das medidas preventivas previstas no Plano de Segurança e Saúde.”;
c) “As paredes envolventes do edifício não dispunham de qualquer protecção colectiva por forma a minimizar o risco de queda em altura, designadamente guarda corpos.”;
d) “A escada de mão em alumínio que foi utilizada pelos trabalhadores como meio de acesso aos postos de trabalho em causa não dispunha de apoio nem de pega seguros nem qualquer outro tipo de protecção colectiva adequada e eficaz por forma a evitar o risco de queda em altura”;
e) “Não foram instalados andaimes devidamente protegidos”;
f) “Não foram instaladas passadeiras, recorrendo a tábuas com frisos antiderrapantes na cobertura”;
g) “Os trabalhadores não dispunham de equipamento de protecção individual, como por exemplo, arnês, corda de amarração e respectiva linha de vida.”.
24º Foi elaborado Plano de Segurança e Saúde da obra onde ocorreu o acidente em causa nos autos, que previa diversas medidas preventivas para os trabalhos em altura, a saber:
a) Promover o isolamento/interdição de acesso na área sobre a qual se vai executar a cobertura.
b) O acesso ao telhado deverá realizar-se por estruturas definidas para o efeito (andaimes ou escadas fixas).
c) Instalação de passadeiras, recorrendo a tábuas com frisos (antiderrapantes) com espessura igual ou maior que 2”, e sem presença de nós, para circulação transversal;
d) Utilização dos equipamentos de protecção colectiva: guarda corpos na periferia da estrutura.
e) Se esta situação não for aplicável devem instalar-se andaimes devidamente protegidos contra quedas em altura, em toda a periferia da área onde se vai executar a cobertura, de modo a constituir um meio de prevenção de tais acontecimentos.
f) Em caso de ser impossível a instalação de guarda corpos e andaimes, devem utilizar cintos de segurança por cada trabalhador. Caso não tenha onde prender o cinto de segurança, instalar «linha de vida», o que significa fixar firmemente um cabo de aço ou corda (diâmetro mínimo ¾) de uma extremidade do telhado à outra o qual tem a finalidade de servir de fixação do cinto
g) Não devem ser permitidos trabalhos em telhados húmidos ou molhados.
h) Nunca concentrar cargas em pontos do telhado, e distribui-lo sempre que necessário.
25º Antes do acidente o autor era um homem activo, alegre e saudável.
26º Desde que teve alta hospitalar e até ao mês de Dezembro de 2016 o autor deslocava-se apenas de cadeira de rodas.
27º Sendo que desde essa data e até à presente locomove-se de canadianas (duas em simultâneo).
28º E sente frequentemente dores no joelho esquerdo.
29º E passou a coxear e a deambular com auxílio de 2 canadianas.
30º As sequelas descritas 28º e 29º impedem o autor de fazer certos esforços e movimentos com a coluna vertebral e com os membros inferiores esquerdos.
31º O que lhe provoca muita angústia e sofrimento.
32º E o impede de realizar tarefas lúdicas que fazia até então e que lhe davam especial prazer, tais como pescar, caçar e montar a cavalo.
33º O que o deixa profundamente triste.
34º Durante os 49 dias em que esteve internado o autor sentiu-se angustiado e triste pela incerteza da sua saúde futura.
35º Desde a data do acidente, e como resultado das sequelas do mesmo e das dores que sente, o autor não mais manteve relações sexuais.
36º O que o deixa muito triste e frustrado.
37º Na sequência do acidente de trabalho descrito em 2º, sofrido em 19.06.2015, o autor ficou afectado de um grau de incapacidade permanente parcial de 34,575% (23,05% x 1.5), com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, a partir do dia 16 de Janeiro de 2018, dia seguinte ao da alta.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se a R. “Seguradora…, SA” (i) deve ainda alguma quantia ao A. a título de diferença de indemnização por incapacidade temporária absoluta; e (ii) apenas deve ao A. a quantia de €5.687,71 a título de incapacidade permanente parcial com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
1) Não ser devido pela R. “Seguradora…, SA” ao A. qualquer quantia a título de diferença de indemnização por incapacidade temporária absoluta
Segundo a Apelante, em face do disposto nos arts. 18.º, n.º 4 e 79.º, nºs. 1 e 3 da Lei n.º 98/2009, de 04-09 (LAT), ficam claramente afastadas da garantia do seguro as indemnizações decorrentes da violação de regras de segurança, limitando-se a seguradora a satisfazer, sem prejuízo do competente direito de regresso, as prestações obrigatórias e que sempre seriam devidas caso não houvesse actuação culposa.
Mais alegou que, quanto à indemnização por incapacidade temporária absoluta, nos termos do art. 48.º da LAT, apenas compete à seguradora satisfazer uma indemnização diária igual a 70 % da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75 % no período subsequente, pelo que, tendo resultado da matéria provada que a retribuição anual do sinistrado correspondia a €9.993,34 (facto 2º); que o sinistrado esteve na situação de incapacidade temporária absoluta desde a data do acidente, 19-06-2015 até 15-01-2018, num total de 941 dias (facto 14º); e que a Apelante lhe liquidou, reportado ao período desde 20-06-2015 a 15-01-2018, o valor total de €18.917,92 (facto 21º); nada mais tem a pagar, uma vez que a pensão devida é no montante de €18.823,07 ((€9.993,34 x 0,70 : 365 dias x 365 = € 6.995,34) + (€ 9.993,34 x 0,75 : 365 dias x 576 = €11.827,73)), quantia, aliás, inferior à já paga.
Ora, dispõe o art. 18.º da LAT que:
1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que os responsáveis aí previstos tenham incorrido.
3 - Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante do empregador, este terá direito de regresso contra aquele.
4 - No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por actuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes:
a) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição;
b) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, compreendida entre 70 % e 100 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;
c) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente.
5 - No caso de morte, a pensão prevista no número anterior é repartida pelos beneficiários do sinistrado, de acordo com as proporções previstas nos artigos 59.º a 61.º
6 - No caso de se verificar uma alteração na situação dos beneficiários, a pensão é modificada, de acordo com as regras previstas no número anterior.

Por sua vez, dispõe o art. 79.º, n.º 3, da LAT que:
3 - Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.

Também dispõe o art. 48.º da LAT que:
1 - A indemnização por incapacidade temporária para o trabalho destina-se a compensar o sinistrado, durante um período de tempo limitado, pela perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho.
2 - A indemnização em capital e a pensão por incapacidade permanente e o subsídio de elevada incapacidade permanente são prestações destinadas a compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho.
3 - Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este tem direito às seguintes prestações:
a) Por incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho - pensão anual e vitalícia igual a 80 % da retribuição, acrescida de 10 % desta por cada pessoa a cargo, até ao limite da retribuição;
b) Por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual - pensão anual e vitalícia compreendida entre 50 % e 70 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;
c) Por incapacidade permanente parcial - pensão anual e vitalícia correspondente a 70 % da redução sofrida na capacidade geral de ganho ou capital de remição da pensão nos termos previstos no artigo 75.º;
d) Por incapacidade temporária absoluta - indemnização diária igual a 70 % da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75 % no período subsequente;[2]
e) Por incapacidade temporária parcial - indemnização diária igual a 70 % da redução sofrida na capacidade geral de ganho.
4 - A indemnização por incapacidade temporária é devida enquanto o sinistrado estiver em regime de tratamento ambulatório ou de reabilitação profissional.

Resulta, assim, dos artigos citados, que o agravamento da responsabilidade, em caso de indemnização por acidente de trabalho, cujo acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, não é atribuído à seguradora, mas tão-somente àqueles que motivaram tal agravamento. Nessas situações, à seguradora apenas incumbe o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, e, mesmo neste caso, sem prejuízo do direito de regresso.
Veja-se, sobre esta matéria, o acórdão do STJ, proferido em 06-05-2015, no âmbito do processo n.º 220/11.2TTTVD.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt, cuja parte relevante se cita:
2 – Na situação descrita no número anterior, quando a responsabilidade pela reparação dos danos tenha sido transferida para uma seguradora, nos termos do n.º 3 do artigo 79.º daquela Lei, a seguradora satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa da empregadora, sem prejuízo do direito de regresso;

No caso em apreço, conforme resulta da parte decisória da sentença proferida pelo tribunal a quo, foi declarada a responsabilidade da R. entidade patronal na produção do acidente de trabalho de que foi vítima o A., em 19-06-2015, por violação das regras de segurança, sendo que, dessa parte, não foi interposto qualquer recurso, pelo que o agravamento das prestações devidas ao sinistrado, resultante do disposto no art. 18.º, n.º 4, da LAT, é da exclusiva responsabilidade do empregador.
Assim, conforme bem referiu a Apelante, relativamente à indemnização devida por incapacidade temporária absoluta, a responsabilidade desta reporta-se apenas aos montantes devidos nos termos do art. 48.º, n.º 3, al. d), da LAT, ou seja, à indemnização diária igual a 70 % da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75 % no período subsequente (e não de 100% como consta do art. 18.º, n.º 4, al. a), da LAT).
Deste modo, sendo a retribuição anual do sinistrado de €9.993,34 (facto 2º) e tendo o sinistrado estado na situação de incapacidade temporária absoluta desde a data do acidente (19-06-2015) até 15-01-2018, num total de 941 dias (facto 14º), é da responsabilidade da seguradora, ainda que sem prejuízo do competente direito de regresso, proceder ao pagamento ao sinistrado, a este título, do montante de €18.823,07 ((€9.993,34 x 0,70 : 365 dias x 365 = € 6.995,34) + (€ 9.993,34 x 0,75 : 365 dias x 576 = €11.827,73)).
Ora, tendo igualmente resultado provado que, a esse título, a seguradora já pagou ao sinistrado o montante de €18.917,92 (facto 22º), nada mais é efectivamente devido pela seguradora ao sinistrado, pelo que o montante de €6.846,66, que, sem margem para dúvidas, também é devido ao sinistrado, é da inteira responsabilidade da entidade empregadora.
Nesta conformidade, quanto a esta matéria, procede a pretensão recursiva da Apelante.
2) Ser apenas devido o pagamento pela R. “Seguradora…, SA” ao A. da quantia de €5.687,71 a título de incapacidade permanente parcial com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual
Segundo a Apelante, em face do disposto nos arts. 18.º, n.º 4 e 79.º, nºs. 1 e 3 da Lei n.º 98/2009, de 04-09 (LAT), ficam claramente afastadas da garantia do seguro as indemnizações decorrentes da violação de regras de segurança, limitando-se a seguradora a satisfazer, sem prejuízo do competente direito de regresso, as prestações obrigatórias e que sempre seriam devidas caso não houvesse actuação culposa.
Alegou, de igual modo, quanto à indemnização por incapacidade permanente parcial com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, nos termos do art. 48.º da LAT, que apenas compete à seguradora satisfazer uma pensão anual e vitalícia compreendida entre 50 % e 70 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível, pelo que, tendo resultado da matéria provada que a retribuição anual do sinistrado correspondia a €9.993,34 (facto 2º), compete à seguradora pagar ao sinistrado, a tal título, apenas o montante de €5.687,71, sendo o remanescente da responsabilidade exclusiva da entidade empregadora.
Cumpre apreciar.
Conforme supra se mencionou, tendo sido declarada a responsabilidade da R. entidade empregadora na produção do acidente de trabalho de que foi vítima o A., em 19-06-2015, por violação das regras de segurança, efectivamente, a Apelante não é responsável pelo agravamento das prestações devidas ao sinistrado, resultante do disposto no art. 18.º, n.º 4, da LAT, sendo responsável por tais prestações apenas a entidade patronal.
Nos termos do art. 48.º, n.º 3, al. b), da LAT, a Apelante, a título de incapacidade permanente parcial com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, apenas é responsável pelo pagamento ao A., sem prejuízo do correspondente direito de regresso, de uma pensão anual e vitalícia compreendida entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível (não sendo, por isso, responsável pelo acréscimo resultante do disposto no art. 18.º, n.º 4, al. b), da LAT – pensão anual compreendida entre 70% e 100% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível).
Tendo resultado provado que a retribuição anual do sinistrado correspondia a €9.993,34 (facto 2º) e que o grau de incapacidade do sinistrado (IPP) fixado é de 34,575% (facto 37º), a Apelante apenas se mostra responsável pelo pagamento ao Apelado, a título de incapacidade permanente parcial com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, da quantia de €5.687,71 ((€9.993,34 : 2) + ((€9.993,34 x 0,70) – (€9.993,34 : 2) x IPP), sendo o remanescente, no montante de €2.306,96 (€7.994,67 - €5.687,71), da responsabilidade exclusiva da entidade empregadora.
Nesta conformidade, também nesta parte procede integralmente a pretensão da Apelante.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso totalmente procedente, revogando a sentença recorrida, na sua parte decisória, no ponto 2, alíneas a) e c), e em consequência:
a) condenam a R. entidade empregadora C… a pagar ao sinistrado J…, a título de pensão anual e vitalícia, a quantia de €2.306,96 (dois mil trezentos e seis euros e noventa e seis cêntimos); e a título de diferença de indemnização por incapacidade temporária absoluta, a quantia de €6.846,66 (seis mil oitocentos e quarenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos);
b) condenam a R. “Seguradora…, SA” a pagar ao sinistrado J…, sem prejuízo do exercício do direito de regresso contra a entidade patronal, a título de pensão anual e vitalícia, a quantia de €5.687,71 (cinco mil seiscentos e oitenta e sete euros e setenta e um cêntimos);
c) No demais mantém-se a sentença recorrida.
Custas do processo a cargo das entidades responsáveis na proporção das respectivas responsabilidades.
Notifique.
Évora, 24 de Outubro de 2019
Emília Ramos Costa (relatora)
Moisés Silva
Mário Branco Coelho
[1] Sublinhado nosso.