PRINCÍPIO DA IGUALDADE
ARBITRAGEM
JUBILAÇÃO
SUSPENSÃO
APOSENTAÇÃO
ESTATUTOS
PRAZO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
PRINCÍPIO DA DECISÃO
EXTEMPORANEIDADE
OMISSÃO
INTERPRETAÇÃO
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
ACÇÃO DE CONDENAÇÃO
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
DELIBERAÇÃO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
Sumário


1) A remissão efetuada pelos artigos 168º, n.º 5, e 178º, ambos do EMJ, para o regime dos recursos contenciosos interpostos perante o STA, deve ser lida, em sintonia com o disposto no artigo 191º, do CPTA, como constituindo uma remissão dinâmica para o regime deste Código.
2) Assim, essa remissão é agora feita para a nova ação administrativa – artigos 37º e seguintes do CPTA.
3) Com a alteração feita pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de outubro, ao CPTA, passou a ser possível, relativamente a atos de conteúdo positivo, a cumulação de pedidos na ação de impugnação, nomeadamente do pedido de anulação do ato administrativo praticado com o pedido de condenação à prática de ato legalmente devido – normas conjugadas dos artigos 67º, n.º 4, alínea b), 66º, n.ºs 3 e 4, alínea c), e 4º, n.º 1, alínea c), todos do CPTA.
4) Não viola o princípio da igualdade, a proibição pelo EMJ, de suspensão do estatuto da jubilação, e a permissão, resultante do artigo 7º, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, para os magistrados jubilados exercerem “funções de árbitro em matéria tributária”, desde que solicitem a suspensão da sua jubilação.
5) Com efeito, estamos perante situações e realidades diferentes, porque a suspensão da situação de jubilado, em geral, permitia ao magistrado exercer qualquer função remunerada e a suspensão do estatuto de jubilação para exercer as funções de árbitro tributário, apenas permite ao magistrado exercer essas mesmas funções.
6) O legislador terminou através da Lei n.º 9/2011, de 12 de abril, com a possibilidade de suspensão do estatuto da jubilação, concedendo aos magistrados que, à data dela beneficiavam, a possibilidade de, no prazo de 3 meses a contar da sua entrada em vigor, optarem pelo regresso ao referido estatuto ou, em alternativa, de continuarem na situação de aposentado.
7) Não tendo sido feita qualquer opção, o magistrado fica na situação em que se encontrava, provisoriamente, e que era a de aposentado, sendo que tal situação passou, a partir daquela data, a ser definitiva.
8)                 A Lei n.º 9/2011, de 12/04, não prevê expressamente a consequência para a omissão da concretização da referida opção, mas nem tinha que o fazer, na medida em que tal omissão implica naturalmente a transição para definitiva de uma situação até aí temporária: a aplicação do regime de aposentação.
9) A opção, só agora manifestada, de regresso à situação de jubilado, feita por um Juiz Conselheiro que se encontrava com a jubilação suspensa desde dezembro de 1994, e que nada declarou, no prazo concedido, pelo n.º 2, do artigo 7º, da Lei n.º 9/2011, não suscita um dever de decisão e de deliberação por parte do CSM porquanto é extemporânea e, como tal, não põe em causa a sua situação estatutária de aposentação, consolidada pelo decurso do prazo legal para o exercício dessa opção.

Texto Integral



Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça

           

I - Relatório:

Dr. AA, Juiz Conselheiro, na situação de aposentado, propôs, ao abrigo do disposto no artigo 168º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais [EMJ], aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de julho, a presente ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo para anulação da deliberação do CSM, de 11 de julho de 2018, e para condenação do CSM à prática de ato administrativo.

Para tanto alegou os seguintes fundamentos:


a. Em 23 de março de 2018, solicitou ao CSM que, definindo a sua situação estatutária, deliberasse o seu regresso à situação de jubilado, com efeitos a partir da eficácia dessa deliberação.
b. O CSM deliberou, em 11 de julho de 2018, que não se suscitava qualquer dever de decisão e de deliberação, porquanto a pretensão do Autor era extemporânea, uma vez que o prazo legal para fazer essa opção já havia decorrido e, consequentemente, estava consolidada a sua situação de aposentação.
c. Para o Autor, este ato administrativo, consubstanciado naquela deliberação, sofre do vício de total falta de fundamentação.
d. Aduz, ainda, que não está aqui em causa a sua omissão de opção pelo estatuto de jubilação, pois é verdade que não fez a declaração exigida pelo artigo 7º, n.º 2, da Lei n.º 9/2011, de 12 de abril.
e. Na verdade, o que verdadeiramente está em causa são as consequências derivadas dessa falta de declaração.
f. Ora, não tendo o CSM se pronunciado sobre elas, no ato impugnado, ou seja, não tendo referido quais são essas consequências, viola o dever de fundamentação previsto mo artigo 152º, n.º 1, alínea c), do Código do Procedimento Administrativo [CPA], o qual tem por base o artigo 268º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa [CRP], que consagra que os atos administrativos carecem de fundamentação expressa.
g. Em consequência dessa falta de fundamentação, o CSM não apreciou e/ou conheceu das questões que invocou, relativas à fixação seu estatuto aposentação/jubilação, e que são: Desproporção do prazo de três meses concedido para a opção; Necessidade de deliberação do CSM; Necessidade de notificação dos interessados; Restrição de direitos – Perda do Estatuto de Jubilado.
h. Contudo, o CSM, decidindo como decidiu, interpretou o artigo 7º, n.º 2, da Lei n.º 9/2011, no sentido de que o prazo aí estabelecido, para a opção entre a jubilação ou a aposentação, era adequado e proporcionado, que, findo esse prazo, ficava automaticamente, ou melhor, “ope legis”, definida a sua situação, que não havia necessidade da sua intervenção e de se efetuar uma notificação aos seus destinatários para fazerem a opção exigida.
i. Segundo ele, o prazo de 03 meses foi desadequado e desproporcionado, para fazer a mencionada opção, dado que ela implicava “a modificação e reorganização da sua vida pessoal e profissional”, pois quando entrou em vigor o citado artigo 7º, n.º 2, era membro de um tribunal arbitral, com julgamento iniciado e prova produzida, que não se conseguia concluir nesse prazo.
j. Entendendo-se que tal prazo era suficientemente adequado para fazer essa opção e que, com o seu decurso, a sua situação estatutária ficava definida e consolidada, essa interpretação do artigo 7º, n.º 2, da Lei n.º 9/2011, viola o princípio da proporcionalidade, decorrente do Estado de direito democrático, os deveres de gestão dos magistrados e do exercício da ação disciplinar pelo CSM, previstos no artigo 217º, n.º 1, da CRP, e incorre em violação de lei, sendo, por isso, anulável.
k. Interpretando-se, também, essa norma no sentido de que a modificação da situação estatutária dos seus destinatários, não implicava uma sua notificação pelo CSM para fazerem a opção, viola-se o artigo 268º, n.º 3, da CRP, que consagra que os atos administrativos devem ser notificados aos interessados na forma prevista na lei.
l. No seu entender, o CSM ao presumir que por não ter feito a declaração a sua situação de aposentado tornou-se definitiva, não teve em consideração que, nessa altura, a sua situação estatutária já era definitivamente a de jubilado, estando, apenas, provisoriamente suspensa, conforme dispunha o artigo 67º, n.º 6, do EMJ, na redação dada pela Lei n.º 10/94, de 05 de maio.
m. Por outro lado, a perca do estatuto de jubilado só se verifica, legalmente, por razões disciplinares ou por declaração de renúncia, nos termos do artigo 67º, do EMJ [o relevo que o CSM deu ao seu silêncio, apesar da lei não especificar qual a sua consequência, é sempre ilidível pois trata-se de uma presunção], sendo que o seu estatuto já se encontrava definitivamente adquirido de base.
n. Essa interpretação feita pelo CSM é inconstitucional, por violar os princípios da precisão ou determinabilidade das normas jurídicas, vertente do princípio da segurança ou da confiança, ínsito no artigo 2º, da CRP, ou seja, por violar os princípios do Estado de direito democrático.


Termina pedindo a anulação do ato impugnado e requerendo a condenação do CSM na apreciação do seu requerimento, reconhecendo-lhe o estatuto de Juiz Conselheiro jubilado.

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Por sua vez, o CSM na sua resposta, efetuada ao abrigo do artigo 174º, do EMJ, diz, em suma, o seguinte:
1. O CSM é um órgão do Estado integrado na Administração Judiciária, estando sujeito à Constituição e à Lei, atuando, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.
2. O “presente recurso”, sendo de um processo de impugnação de um ato administrativo o seu objeto circunscreve-se à anulação ou à declaração de nulidade desse ato, estando vedada a reapreciação do mérito, conveniência ou oportunidade do ato administrativo e a sua substituição por outro.
3. Assim, o pedido feito pelo Impugnante da sua condenação no sentido de reconhecer-lhe “o estatuto de juiz conselheiro jubilado”, extravasa os limites do “recurso contencioso de anulação”.
4. O Dr. AA apresentou um requerimento no CSM, em 29 de março de 2018, solicitando que fosse definida a sua situação estatutária pelo Plenário e que tal deliberação determinasse o seu regresso à situação de jubilado.
5. Ora, o Exmo. Juiz Conselheiro jubilou-se em 17 de dezembro de 1993, tendo pedido, em 14 de novembro de 1994, a suspensão da sua condição de jubilado, tendo esse pedido sido deferido com produção de efeitos a partir de 01 de dezembro de 1994.
6. Por sua vez, o artigo 7º, n.º 2, da Lei n.º 9/2011, de 12 de abril, referente ao regime transitório relativo à jubilação, determinou que “[o]s magistrados judiciais ou do Ministério Público com a jubilação suspensa devem, no prazo de três meses a contar da data de entrada em vigor da presente lei, optar pela mesma ou pela aposentação.”
7. O Exmo. Juiz Conselheiro não fez qualquer declaração nem nesse prazo, de 3 meses, nem até 29 de março de 2018, data em que requereu ao CSM que definisse a sua situação estatutária.
8. Ora, o CSM não pode ser censurado por ter cumprido a lei, não se verificando, pois, qualquer violação do princípio da proporcionalidade, da tutela da confiança e nem da segurança jurídica.
9. Acresce que, quando o artigo 7º, n.º 2, entrou em vigor, a situação do Exmo. Juiz Conselheiro era a de aposentado e não a de jubilado, pois estava com a sua jubilação suspensa.
10. O legislador terminou, com efeitos retroativos, com a possibilidade de suspensão do estatuto da jubilação e concedeu aos beneficiários dessa mesma suspensão à data, a possibilidade de, em prazo, optarem pelo regresso ao referido estatuto ou, em alternativa, à continuação na situação de aposentado.
11. Ora, a Lei não prevê expressamente a consequência da omissão na escolha, na medida em que tal omissão implica naturalmente a transição para definitiva de uma situação até aí temporária: a aplicação do regime de aposentação.
12. Esta interpretação não viola o princípio da confiança no sentido da manutenção de um benefício, de regresso à situação da jubilação, que lhe teria sido concedido quando do deferimento da suspensão do mesmo estatuto.
13. Acresce que inexiste qualquer dever do CSM tomar qualquer deliberação a respeito da situação estatutária do Exmo. Juiz Conselheiro, porque a sua situação jurídica ficou definitivamente constituída pela circunstância de nada ter declarado, no prazo concedido pelo artigo 7º, n.º 2, da Lei n.º 9/2011, de 12 de abril.
Termina pedindo que seja julgado improcedente “o presente recurso contencioso”.
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Notificados o demandante e o demandado, nos termos e para os efeitos do artigo 176º, do EMJ, alegaram ambos, mantendo as suas posições, tendo o demandante desistido parcialmente da causa de pedir, os seja, tendo abandonado, expressamente, a invocação dos fundamentos da falta de fundamentação e da omissão do dever de decidir, e invocando, também, a violação do princípio da igualdade, face ao regime concedido para as arbitragens tributárias, em que os magistrados judiciais, suspendendo temporariamente a condição de jubilado, podem exercer funções de árbitro em matéria tributária – artigo 7º, n.º 5, do Regime Jurídico da Arbitragem Temporária [RJAT}, na redação dada pelo artigo 14º, da Lei n.º 20/2012, de 14 de maio.
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Por sua vez, o Ministério Público, pronunciou-se “pela improcedência da ação impugnatória” acompanhando a posição do CSM, sendo que agora o Exmo. Juiz Conselheiro fundamenta a sua pretensão apenas “na violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da determinabilidade e precisão das normas jurídicas, que referencia à interpretação e aplicação que a deliberação impugnada fez da norma do artigo 7º, n.º 2, da Lei n.º 9/2011”.
               
Notificadas as alegações do Mº Pº a ambas as partes, não houve qualquer pronúncia sobre as mesmas.
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Questão prévia:

Nas suas alegações o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro levanta a questão do regime legal subsidiário a que aludem os artigos 168º, n.º 5, e 178º, ambos do EMJ, face ao teor da resposta do CSM.

Segundo ele, depois da alteração ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos [CPTA] e ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais [ETAF], efetuado pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de outubro, as remissões feitas por lei especial em processos entrados em Juízo a partir de 01 de dezembro de 2015 [data da sua entrada em vigor], para o regime do recurso do contencioso de anulação de atos administrativos consideram-se feitas, agora, para o regime da ação administrativa – artigo 191º, do CPTA.

Mais diz que as disposições do EMJ não podem deixar de ser objeto de uma “interpretação atualista”, pois o recurso contencioso administrativo deixou de existir no nosso ordenamento processual administrativo, seguindo, igualmente, a forma de “ação” a condenação da Administração à prática de atos devidos.

Dada a sua pretensão de passar da condição de aposentado para a de jubilado, demonstra o sentido positivo do ato impugnado, o que lhe confere o direito de pedir a condenação à prática de ato devido – artigo 67º, n.º 1, do CPTA.

Acrescenta que as duas espécies de pedido [impugnação e prática de ato devido] são cumuláveis – artigo 4º, n.º 2, alíneas a) e c), do CPTA.

Por sua vez, o Conselho Superior da Magistratura [CSM], na sua resposta, aduz que, tratando-‑se de um processo impugnatório de um ato administrativo o seu objeto, circunscreve-se, nos termos do artigo 50º, n.º 1, do CPTA, à anulação ou declaração de nulidade desse ato.

Ora, o pedido de condenação do CSM, no sentido de que aprecie as razões invocadas e reconheça o estatuto de jubilado ao demandante, extravasa os limites do “recurso contencioso de anulação”.


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Determina o artigo 168º, n.º 5, do EMJ, que “constituem fundamentos do recurso [das deliberações do Conselho Superior da Magistratura para o Supremo Tribunal de Justiça] os previstos na lei para os recursos a interpor dos atos do Governo”.

De acordo com o artigo 178º, do CSM, são subsidiariamente aplicáveis as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo.

Por sua vez, estabelece o artigo 191º, do CPTA, que as remissões feitas por lei especial para o regime do recurso do contencioso de anulação de atos administrativos consideram-se feitas para o regime da ação administrativa.

O artigo 192º, do mesmo Código, dispõe que “sem prejuízo do disposto em lei especial, os processos em matéria jurídico-administrativa cuja competência seja atribuída a tribunais pertencentes a outra ordem jurisdicional regem-se pelo disposto no presente Código, com as necessárias adaptações”.

Ora, o artigo 191º, do CPTA, esclarece que as remissões feitas em disposições avulsas para o regime do Código Administrativo, do Regulamento do STA e da LFTA, que regulavam, conjugadamente, o processo de recurso contencioso de anulação de atos administrativos, se consideram agora efetuadas para a forma que corresponde no CPTA.

Essa forma de processo, na sequência da eliminação, pela revisão de 2015, da antiga distinção entre ação de administrativa comum e a ação administrativa especial, é agora a ação administrativa, cuja tramitação está regulada nos artigos 37º e seguintes, e que corresponde ao processo declarativo comum em contencioso administrativo.

Assim sendo, a remissão efetuada pelos artigos 168º, n.º 5, e 178º, do EMJ, é agora feita para a ação administrativa, como decorrência necessária de terem sido revogados pelo artigo 6º, da Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, a Parte IV, do Código Administrativo, que se reportava ao contencioso administrativo, bem como o Decreto-Lei n.º 41.234, de 20 de agosto de 1957, que aprovara o Regulamento do STA e a LPTA.

Na verdade, o artigo 191º, do CPTA, transformou as referências feitas em legislação extravagante em remissões dinâmicas para a nova ação administrativa[1].

Neste sentido se pronunciaram Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha[2] quando referem que assim sucede, designadamente com a norma do artigo 168º, do EMJ, que manda aplicar subsidiariamente ao processo de recurso contencioso das deliberações do CSM, impugnáveis perante o STJ, as normas que regem os trâmites processuais dos recursos contenciosos interpostos para o STA […]”.

Quanto à extensão de aplicabilidade do CPTA, prevista no artigo 192º, dizem os mesmos Comentadores[3], que “este artigo torna extensivo o regime do CPTA aos litígios relativos a relações jurídico-‑administrativas que sejam da competência de tribunais não administrativos, desde que não exista lei especial a regular a respetiva tramitação.

                [….]

Importa, todavia, ter presente que a extensão de aplicabilidade do CPTA só tem lugar se a lei avulsa que atribui competência em matéria administrativa a outra ordem jurisdicional não contiver, ela própria, normas específicas que regulem a respetiva tramitação. É o que decorre com toda a evidência da ressalva contida no segmento inicial do preceito («sem prejuízo do disposto em lei especial»). Sucede, por outro lado, que a normação específica tanto pode ser constituída por preceitos que regulem diretamente os trâmites a seguir, como preceitos que se limitem a remeter ou mandar aplicar subsidiariamente uma outra lei.

É o que, designadamente, acontece com o EMJ, que regula, nos artigos 168º e seguintes, os termos dos recursos contenciosos das deliberações do CSM, cujo conhecimento pertence ao STJ. Estas disposições estabelecem uma regulamentação própria, que naturalmente se sobrepõe ao disposto no presente artigo 192º. Entre essas disposições encontra-se a norma do artigo 178º, do Estatuto, que prevê a aplicação subsidiária do regime dos recursos contenciosos interpostos perante o STA, e que deve ser lida, em sintonia com o disposto no artigo 191º, do CPTA, como constituindo uma remissão dinâmica parra o regime deste Código. Essa norma remissiva não deixa, porém, de integrar a regulamentação própria dos recursos contenciosos das deliberações do CSM, o que significa que estes recursos se regem pelo disposto nos artigos 168º a 177º e, nos aspetos não expressamente regulados, pelo CPTA, aplicável subsidiariamente” – nossos sublinhados.

Em conformidade, o “recurso” das deliberações do CSM [que se devem ter como atos formalmente administrativos] é, em particular, regulado pelas normas contidas nos artigos 168º a 177ª, do EMJ, e subsidiariamente pelos artigos 37º, n.º 1, alínea a), 50º e seguintes, do CPTA, que disciplinam a ação administrativa de impugnação de ato administrativo, e, ainda supletivamente, pelo Código de Processo Civil [CPC] “ex vi” do artigo 1º, do CPTA.


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Ora, com a alteração feita em 2015 ao CPTA, passou a ser possível haver cumulação de pedidos nas ações de impugnação de ato administrativo cujos critérios legais constam do artigo 4º, n.º 1, do CPTA.

Este artigo reporta-se tão-somente aos elementos materiais de conexão objetiva, constando do seu n.º 2, um elenco meramente exemplificativo de tal possibilidade.

Entre eles consta, por exemplo, “o pedido de anulação ou declaração de nulidade ou inexistência de um ato administrativo com o pedido de condenação da Administração ao restabelecimento da situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado” [n.º a)] e “o pedido de condenação da Administração à prática de um ato administrativo devido com qualquer dos pedidos mencionados na alínea a)” [alínea c)].

Por sua vez, o artigo 67º, n.º 1 do CPTA, dispõe que “a condenação à prática de ato administrativo pode ser pedida quando, tendo sido apresentado requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir:

Não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido [alínea a)];

                [,,,]

Tenha sido praticado ato administrativo de conteúdo positivo que não satisfaça integralmente a pretensão do interessado [alínea c)].

Resulta do n.º 1 que não basta que o interessado apresente um requerimento, sendo ainda necessário que esse requerimento tenha constituído o órgão competente no dever de decidir.

Remete, pois, esta norma para o artigo 13º, do CPA, que regula sobre esta matéria.

De acordo com este artigo 13º “os órgãos da Administração Pública têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados e, nomeadamente, sobre assuntos que aos interessados digam diretamente respeito, bem como sobre quaisquer petições, representações, reclamações ou queixas formuladas em defesa da Constituição, das leis ou do interesse público”.
Ora, o dever de decidir tem como consequência a prática de um ato administrativo positivo ou negativo e o seu incumprimento [omissão ou recusa] gera uma ilegalidade que se corporiza no silêncio da Administração.
Perante esse incumprimento, o interessado tem hoje uma tutela jurisdicional específica que é a ação de condenação à prática de ato administrativo legalmente devido.


Do exposto resulta que, face à remissão dinâmica feita pelo EMJ para o CPTA, é possível, hoje, no requerimento inicial, efetuar-se cumulação de pedidos, nomeadamente cumulação do pedido de anulação do ato administrativo praticado com o pedido de condenação à prática de ato devido – normas conjugadas dos artigos 67º n.º 4, alínea b), 66º, n.º 3, e 4º, n.º 2, alínea c), todos do CPTA,

Coisa diversa é saber se os pedidos concretos efetuados pelo Exmo. Juiz Conselheiro, dada a causa de pedir, se enquadram dentro do dever de decidir e, em caso afirmativo, se existiu omissão ou recusa da sua prática pelo CSM.
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Da ação de impugnação:

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação:

a). De facto:

Mostram-se provados os seguintes factos:

1) O Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Dr. AA jubilou-se em 17 de dezembro de 1993.
2) Posteriormente, em 14.11.1994, solicitou a suspensão do estatuto de jubilação, segundo referiu para exercer funções de membro de tribunais arbitrais.
3) Tal pedido de suspensão foi deferido por deliberação do Conselho Plenário do CSM de 22.11.1994, com efeitos a partir de 01.12.1994.
4) Através da norma transitória prevista no artigo 7º, n.º 2, da Lei n.º 9/2011, de 12/4, que alterou o Estatuto dos Magistrados Judiciais e o Estatuto do Ministério Publico, estabeleceu-se que “[o] s magistrados judiciais ou do Ministério Público com a jubilação suspensa devem, no prazo de três meses a contar da data de entrada em vigor da presente lei, optar pela mesma ou pela aposentação"
5) Durante o aludido prazo de três meses o Exmo. Juiz Conselheiro não manifestou qualquer opção.
6) Posteriormente, em 04.10.2017, apresentou requerimento dirigido à Exma. Ministra da Justiça, no qual refere que perante o seu silêncio foi-lhe retirado o direito ao estatuto da jubilação, circunstância que o prejudica monetariamente e pedindo:

- Que se considerasse a possibilidade de emissão de diploma legislativo que — considerando que a lei não fixou a consequência da não opção por qualquer das situações — conceda um prazo, eventualmente curto, para optar, fixando expressamente a consequência da falta de qualquer declaração;
- Que, findo esse prazo, a situação de cada magistrado na situação prevista, seja definida por deliberação do respetivo Conselho Superior.

7) O requerimento acima referido deu origem ao procedimento 2017/GAVPM/4563 e foi objeto de parecer do Gabinete de Apoio aos membros do CSM, com data de 04.12.2017, sobre o qual foi exarado despacho de concordância do Exmo. Vice-Presidente, em 12.12.2017, tendo as respetivas conclusões sido transmitidas ao Gabinete da Exma. Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, em 13.12.2017, com o seguinte teor:

a. “O problema suscitado funda-se na omissão do Exmo. Juiz Conselheiro, no prazo concedido pelo artigo 7º, n.º 2, da Lei n.º 9/2011, de 12/4 e até hoje, em proceder à opção prevista nesse mesmo preceito, ou seja, em optar pelo regresso ao estatuto de jubilação ou em permanecer no regime em que se encontrava — de aposentação -, em virtude de, em tempo anterior, ter requerido a suspensão daquele mesmo estatuto de jubilação.
b. A Lei não prevê expressamente a consequência da omissão na escolha, na medida em que tal omissão implica naturalmente a transição para definitiva de uma situação até aí temporária: a aplicação do regime de aposentação, agora sem possibilidade de retorno;
c. Não merecerá proteção jurídica a eventual confiança do Exmo. Juiz Conselheiro, no sentido da manutenção de um benefício estatutário — a possibilidade de, a todo o tempo, regressar ao estatuto de jubilação, fazendo cessar a suspensão deste — e, ainda menos, quando assente essa confiança na alegação do desconhecimento da Lei, o que contraria o Princípio Geral de Direito expresso no artigo 6º, do Código Civil;
d. Quanto ao mérito da proposta legislativa sugerida pelo Exmo. Juiz Conselheiro, a questão mereceu o devido tratamento legislativo, consagrando-se período adequado de opção do regime e ressalvando-se, em toda a sua plenitude, os direitos ou legais expectativas dos beneficiários do referido Estatuto.”
e. Abrir novamente a questão, renovando o prazo de opção, constituiria opção legislativa de difícil compreensão e aceitação social, não pontuando qualquer exigência de proteção da confiança do Exmo. beneficiário, como supra se concluiu.»
8) O Exmo. Juiz Conselheiro desistiu formalmente dessa petição, invocando expressamente o facto de o tempo passado sem resposta fazer presumir que a mesma não seria considerada.
9) O Ministério da Justiça aceitou expressamente a desistência.
10) Por requerimento entrado no CSM, em 29 de março de 2018, o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro, Dr. AA, requereu ao CSM que deliberasse no sentido de definir a sua situação estatutária e que essa deliberação determinasse o seu regresso à situação de juiz conselheiro jubilado, com efeitos a partir do começo da eficácia dessa deliberação.
11) O Plenário do CSM, na sua Sessão de 11 de julho de 2018, tomou a seguinte deliberação sobre aquele requerimento:

- “[A]preciado o requerimento apresentado pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro, na situação de aposentação, Dr. AA, foi deliberado por unanimidade, atenta a opção só agora manifestada de regresso à situação de Juiz Conselheiro Jubilado, que não se afigura suscitar qualquer dever de decisão e de deliberação deste CSM, porquanto nos termos legalmente previstos, é a mesma extemporânea e, como tal, não está em causa uma alteração da sua situação estatutária anterior, uma vez que o decurso do prazo legal para o exercício de tal opção consolidou a situação estatutária de aposentado.”

12) Em 27 de agosto de 2018, pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro, Dr. AA, foi interposta a presente ação de impugnação dessa deliberação.

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É o teor da impugnação que define o âmbito do conhecimento do tribunal, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras questões – artigo 95º, n,º 1, do CPTA.
Há que conhecer de questões, e não das razões, argumentos ou fundamentos que às questões subjazem.
As questões aqui a resolver são as que foram colocadas pelo demandante, pelo demandado, e pelo Mº Pº, no exercício do poder processual que lhe é conferido pelos artigos 173º, n.º 1, e 176º, ambos do EMJ, e do artigo 85º, do CPTA.
 
São as seguintes:

1) Violação do princípio da igualdade, face ao regime das arbitragens tributárias, em que os magistrados judiciais, suspendendo temporariamente a condição de jubilado, podem exercer funções de árbitro em matéria tributária;
2) Violação do princípio constitucional da proporcionalidade dada a exiguidade [“desproporção”] do prazo concedido para a opção;
3) A interpretação que o CSM faz do artigo 7º, n.º 2, da Lei n.º 9/211, de 12 de abril, viola o princípio constitucional da determinabilidade e precisão das normas jurídicas, vertente da segurança jurídica e da confiança, ínsito no artigo 2º, da CRP, como princípios do Estado de Direito.


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b). De direito:       

1) - Violação do princípio constitucional da “igualdadeestabelecido no artigo 13º, da CRP:

Aduz o Exmo. Juiz Conselheiro que o disposto no artigo 7º, n.º 2, da Lei n.º 9/2011, quando interpretado no sentido de que quem não fez a opção, como o seu caso, fica aposentado, viola o princípio da igualdade, previsto no artigo 13º, da CRP, face ao disposto no artigo 7.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, na redação dada pela Lei n.º 20/2012 de 14/05, que permite que os magistrados jubilados possam “exercer funções de árbitro em matéria tributária” desde que, nomeadamente, solicitem a suspensão da sua jubilação.

O artigo 13º, da CRP, consagrando o princípio da igualdade, estipula que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei” e que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.

Segundo o Tribunal Constitucional, na dimensão de proibição do arbítrio, o princípio da igualdade apregoa um tratamento igual às situações fácticas iguais e, por conseguinte, uma disciplina diversa às situações de facto diferentes.

Consiste, este princípio, num limite externo de liberdade, de conformação ou de decisão dos poderes públicos, funcionando como um princípio negativo de controlo, assim, “nem aquilo que é fundamentalmente igual deve ser tratado arbitrariamente como desigual, nem aquilo que é essencialmente desigual deve ser arbitrariamente tratado como igual”.

Enquanto princípio proibidor de discriminações (artigo 13º, n.º 2, da CRP), o postulado da igualdade não exige uma igualdade absoluta em todas as situações, nem, tampouco, veda a diferenciação de tratamento.

Para justificar, à luz da Constituição e dos princípios nela consagrados, um tratamento diferenciado, este deve ser fundado sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade”, além de não se basear em “qualquer motivo constitucionalmente impróprio”.

 Nesta perspetiva, podem ser legítimas as diferenciações de tratamento quando:
1. Se basearem numa distinção objetiva de situações;
2. Não se fundarem em qualquer das causas elencadas no artigo 13º, n.º 2, da CRP;
3. Possuam, segundo a ordem constitucional positiva, um fim legítimo;
4.  Se mostrem adequadas, necessárias e proporcionadas ao alcance do objetivo.

O princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei não exige, pois, uma parificação absoluta no tratamento das situações, mas apenas o tratamento igual de situações iguais entre si e um tratamento desigual de situações desiguais, de modo que a disciplina jurídica prescrita seja igual quando uniformes as condições objetivas das hipóteses ou previsões reguladas e desigual quando falte tal uniformidade.

Ou seja, as exigências do princípio da igualdade reconduzem-se à proibição do arbítrio, não impedindo, em absoluto, toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as diferenciações materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou justificação objetiva e racional.

No caso concreto, estamos perante uma lei geral, aplicável a todos os magistrados judiciais, ao passo que o artigo 7º, do RJAT, é uma lei excecional que abrange apenas os magistrados que exercem “funções de árbitro em matéria tributária.

Estamos, pois, perante situações e realidades diferentes, porque a suspensão da situação de jubilado, em geral, permite ao magistrado poder exercer qualquer função remunerada e a suspensão do estatuto de jubilação para exercer as funções de árbitro tributário, apenas permite ao magistrado exercer essas mesmas funções.

É a excecionalidade da matéria tributária que justifica a excecionalidade do regime de jubilação.

Estamos, assim, perante situações desiguais que requerem, também, um tratamento desigual.


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Esta questão, a partir de 14 de março de 2019, dada a alteração, entretanto, efetuada ao regime jurídico da arbitragem em matéria tributária, assumiu uma dimensão diferente.


Com efeito, em 13 de março do corrente ano, foi publicada a Lei n.º 24/2019, já em vigor, que determina que o exercício das funções de árbitro em matéria tributária exige também a renúncia à condição de magistrado judicial jubilado.

O seu artigo 2º, que altera o n.º 5, do artigo 7º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprova o regime jurídico da arbitragem em matéria tributária, alterado pelas Leis n.ºs 64-B/2011, de 30 de dezembro, 20/2012, de 14 de maio, e 66-B/2012, de 31 de dezembro, passou a ter a seguinte redação:
Os magistrados jubilados podem exercer funções de árbitro em matéria tributária, devendo, para o efeito, fazer uma declaração de renúncia à condição de jubilados, aplicando-se em tal caso o regime geral da aposentação pública.”
Foi estabelecido um regime transitório, no artigo 3º, da citada Lei, para as situações de suspensão provisória da condição de magistrado jubilado solicitados nos termos da anterior redação do n.º 5 do artigo 7º.
Essas situações “cessam definitivamente no termo do período de suspensão em curso, salvo nos casos dos magistrados que sejam árbitros em processos pendentes de decisão ou acórdão à data da entrada em vigor da presente lei, e o respetivo trânsito em julgado não ocorra até àquela data” [n.º 1], sendo que “nos casos referidos na parte final do número anterior, as suspensões provisórias são prorrogadas até ao trânsito em julgado das decisões ou acórdãos desses processos” [n.º 2].

2). Violação do princípio da proporcionalidade:

Para o demandante, o prazo de 3 meses, concedido pelo artigo 7º, n.º 2, da Lei n.º 9/2011, de 12 de abril, para fazer a opção pelo estatuto de jubilado ou pelo estatuto de aposentado, foi demasiado limitado e reduzido, pelo que viola o princípio da proporcionalidade, decorrente de um Estado de direito, consagrado no artigo 2º, da CRP.
Aduz, para o efeito, que a suspensão do estatuto de jubilado permitia-lhe o exercício de outra atividade que, na altura, se encontrava a exercer e que não podia ser abandonada em tão curto prazo, pois, se o fosse, ocorreriam graves consequências, nomeadamente para si.
A propósito do princípio da proporcionalidade, o Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 632/2008, de 23 de dezembro de 2008, publicado no DR, Iª Série, de 09 de janeiro de 2009, diz o seguinte:       
“O que seja o conteúdo rigoroso da proporcionalidade, textualmente referida na parte final do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, é questão suficientemente tratada pela jurisprudência do Tribunal.
Com efeito, e como se disse, por exemplo, no Acórdão n.º 634/93 (referido também no Acórdão n.º 187/2001), a ideia de proporção ou proibição do excesso - que, em Estado de direito, vincula as ações de todos os poderes públicos - refere-se fundamentalmente à necessidade de uma relação equilibrada entre meios e fins: as ações estaduais não devem, para realizar os seus fins, empregar meios que se cifrem, pelo seu peso, em encargos excessivos (e, portanto, não equilibrados) para as pessoas a quem se destinem. Dizer isto é, no entanto, dizer pouco. Como se escreveu no Acórdão n.º 187/2001 (ainda em desenvolvimento do Acórdão n.º 634/93):
«O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios:
Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos);
Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);
Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adaptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).»
A esta definição geral dos três subprincípios (em que se desdobra analiticamente o princípio da proporcionalidade) devem por agora ser acrescentadas, apenas, três precisões. A primeira diz respeito ao conteúdo exato a conferir ao terceiro teste enunciado, comummente designado pela jurisprudência e pela doutrina por proporcionalidade em sentido estrito ou critério da justa medida. O que aqui se mede, na verdade, é a relação concretamente existente entre a carga coativa decorrente da medida adotada e o peso específico do ganho de interesse público que com tal medida se visa alcançar. Ou, como se disse, ainda, no Acórdão n.º 187/2001, «[t]rata-se [...] de exigir que a intervenção, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, se encontre numa relação “calibrada” - de justa medida - com os fins prosseguidos, o que exige uma ponderação, graduação e correspondência dos efeitos e das medidas possíveis».
A segunda precisão a acrescentar é relativa à ordem lógica de aplicação dos três subprincípios, que se devem relacionar entre si segundo uma regra de precedência do mais abstrato perante o mais concreto, ou mais próximo (pelo seu conteúdo) da necessária avaliação das circunstâncias específicas do caso da vida que se aprecia. Quer isto dizer, exatamente, o seguinte: o teste da proporcionalidade inicia-se logicamente com o recurso ao subprincípio da adequação. Nele, apenas se afere se um certo meio é, em abstrato e enquanto meio típico, idóneo ou apto para a realização de um certo fim. A formulação de um juízo negativo acerca da adequação prejudica logicamente a necessidade de aplicação dos outros testes. No entanto, se se não concluir pela inadequação típica do meio ao fim, haverá em seguida que recorrer ao exame da exigibilidade, também conhecido por necessidade de escolha do meio mais benigno.
É este um exame mais «fino» ou mais próximo das especificidades do caso concreto: através dele se avalia a existência - ou inexistência -, na situação da vida, de várias possibilidades (igualmente idóneas) para a realização do fim pretendido, de forma a que se saiba se, in casu, foi escolhida, como devia, a possibilidade mais benigna ou menos onerosa para os particulares. Caso se chegue à conclusão de que tal não sucedeu - o que é sempre possível, já que pode haver medidas que, embora tidas por adequadas, se não venham a revelar no entanto necessárias ou exigíveis -, fica logicamente prejudicada a inevitabilidade de recurso ao último teste de proporcionalidade.
A terceira precisão a acrescentar relaciona-se com a particular dimensão que não pode deixar de ter o juízo de proporcionalidade (na sua aceção ampla), quando aplicado às decisões do legislador. Afirmou-se atrás que o princípio em causa vale, em Estado de direito, para as ações de todos os poderes públicos. Quer isto dizer que ele se aplicará tanto aos atos da função administrativa quanto aos atos da função legislativa, pois que, em qualquer caso, não pode o Estado (atuando através dos seus diferentes poderes) empregar meios que se revelem inadequados, desnecessários ou não «proporcionais» face aos fins que pretende prosseguir. Certo é, porém, que o poder legislativo se distingue do poder administrativo precisamente pela liberdade que tem para, no quadro da Constituição, eleger as finalidades que hão-de orientar as suas escolhas: disto mesmo aliás se fala, quando se fala em liberdade de conformação do legislador. Daqui decorre que o juízo de invalidade de uma certa medida legislativa, com fundamento em inobservância de qualquer um dos testes que compõem a proporcionalidade, se há-de estribar sempre - como se disse no Acórdão n.º 187/2001 - em manifesto incumprimento, por parte do legislador, dos deveres que sobre ele impendem por força do princípio constitucional da proibição do excesso.
               
Ora, a questão que se coloca, no caso concreto, é a de saber se era exigível, para o fim que a medida legislativa visava realizar [acabar com a possibilidade de suspensão do estatuto de jubilação dos magistrados], um período mais alargado para quem estivesse nessa situação fazer a sua opção.
Tendo em conta que a finalidade dessa lei foi a de dignificar o estatuto de jubilação, pois os magistrados jubilados continuam a ter os mesmos direitos, imunidades e regalias, como se estivessem no ativo, e o de aproximação entre o estatuto da aposentação e o estatuto de aposentação da função pública, o prazo concedido, de 3 meses, para aqueles magistrados fazerem a sua opção, não foi desproporcionado e nem desadequado aos interesses, que eventualmente fossem atingidos, dos magistrados seus destinatários, até porque a possibilidade da sua suspensão temporária sempre foi uma faculdade e não um direito.
Por outro lado, sendo a lei geral e abstrata, ou seja, o disposto no artigo 7º, n.º 2, da Lei n.º 9/2011, tendo como destinatários todos os Magistrados, quer Judiciais quer do Ministério Público, que se encontravam, na altura, com o seu estatuto de jubilação suspenso, o princípio da proporcionalidade não pode aferir-se apenas por um caso concreto, mas por todos os interesses abstratamente passíveis de serem atingidos de todos os seus destinatários.
Acresce que, esta norma não atingiu qualquer direito constitucionalmente protegido pois a opção que devia ser feita não punha em causa, nomeadamente, o “direito ao trabalho” e o “direito à segurança do emprego”, consagrados constitucionalmente nos artigos 58º e 53º, ambos da CRP.
Não foi, pois, o prazo de 3 meses, violador do princípio da proporcionalidade.

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3). Violação do princípio da determinabilidade e precisão das normas jurídicas, na vertente da segurança jurídica e da garantia, tendo como referência, a interpretação feita pelo CSM do artigo 7º, n.º 2, da Lei n.º 9/2011, de 12 de abril:

Alega o Exmo. Juiz Conselheiro que a perda do estatuto de jubilado apenas pode ocorrer por motivos disciplinares ou por renúncia, de acordo com os n.ºs 10 e 12, do artigo 67º, do EMJ, precisamente na redação dada pela Lei n.º 9/2011, de 12 de abril.
Fazendo-se “uma leitura contextual” de todos os preceitos desse diploma, verifica-se que a falta da declaração de opção, exigida pelo artigo 7º, n.º 2, não pode fundamentar a perda do estatuto de jubilado pois se pudesse, tratar-se-ia de uma aposentação compulsiva.
Conjugado o artigo 7º, n.º 2, da Lei n.º 9/2011, com o disposto nos n.º 10 e 12, do artigo 67º, do EMJ, e não explicitando, aquela norma, aos seus destinatários, qual a consequência da omissão da opção, isto é, “não permitindo saber quais os efeitos jurídicos da norma, a lei não é clara nem inequívoca, nem contém um regime suficientemente concretizado ou densificado, não permitindo, assim, aos destinatários, conhecer com segurança a sua situação jurídica”, a interpretação de que o silêncio equivale à aposentação viola o princípio da precisão ou determinabilidade das normas jurídicas.
                               
a) - Do estatuto da jubilação/aposentação:

De acordo com o artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, “os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo” e para a administrar devem “assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”.
               
Quanto ao estatuto dos juízes, determina a Constituição que a magistratura dos tribunais judiciais é constituída por um corpo único de juízes que se regem por estatuto próprio [artigo 215.º], estatuto esse que se encontra regulado pela Lei n.º 21/85, de 30 de julho, com diversas alterações.

Por sua vez, o estatuto da jubilação encontra-se definido e regulado no artigo 67º, do EMJ, segundo o qual “[c]onsideram-se jubilados os magistrados judiciais que se aposentem ou reformem, por motivos não disciplinares, com a idade e o tempo de serviço previstos no anexo II da presente lei e desde que contem, pelo menos, 25 anos de serviço na magistratura, dos quais os últimos 5 tenham sido prestados ininterruptamente no período que antecedeu a jubilação, exceto se o período de interrupção for motivado por razões de saúde ou se decorrer do exercício de funções públicas emergentes de comissão de serviço” [n.º 1].

Acresce que os “magistrados jubilados continuam vinculados aos deveres estatutários e ligados ao tribunal de que faziam parte, gozam dos títulos, honras, regalias e imunidades correspondentes à sua categoria” [n.º 2].
               
Ora, o regime específico da jubilação sofreu, desde a sua versão inicial (1985), algumas alterações, nomeadamente quanto à possibilidade da sua renúncia e da sua suspensão.
               
Com efeito, o n.º 3 do artigo 67.º do EMJ começou por estabelecer, na sua versão inicial, ou seja, na versão da Lei n.º 21/85, de 30 de julho, a possibilidade de renúncia à condição de jubilado, ficando sujeito, em tal caso, ao regime geral de aposentação pública, não prevendo, contudo, a possibilidade da sua suspensão.
Esta norma foi alterada em 1994, 2008 e 2011, pelas Leis n.ºs 10/94, de 05 de maio, 26/2008, de 27de junho, e 9/2011, de 12 de abril.

A primeira alteração ocorreu por via da Lei n.º 10/1994, de 5 de maio, que acrescentou à possibilidade de renúncia a possibilidade da sua suspensão temporária [“os magistrados judiciais podem fazer declaração de renúncia à condição de jubilados ou pode ser-lhes concedida, a seu pedido, suspensão temporária dessa condição, ficando sujeitos em tais casos ao regime geral da aposentação pública”].

Por sua vez, a Lei n.º 26/2008, de 27 de junho, introduziu, acrescentando ao estatuto do magistrado jubilado, a possibilidade de o Conselho Superior da Magistratura poder [“a título excecional e por razões fundamentadas, nomear juízes conselheiros jubilados para o exercício de funções no Supremo Tribunal de Justiça”].

Por fim, a Lei n.º 9/2011, de 12 de abril, retirou novamente aos magistrados jubilados a possibilidade de pedirem a suspensão do seu estatuto, passando apenas a poder renunciar ao mesmo e, neste caso, ficando sujeitos ao regime geral da aposentação pública, como aliás, constava na versão originária do artigo 67º, do EMJ [inicialmente no n.º 3, agora no seu n.º 12].
Ora, ao terminar com a possibilidade de suspensão do estatuto de jubilação, a Lei n.º 9/2011, de 12.04, estabeleceu um regime transitório para a jubilação, nomeadamente para os magistrados judiciais que se encontravam com o estatuto de jubilação suspenso.

Assim, no seu artigo 7º, determinou:
1) “Os magistrados judiciais ou do Ministério Público subscritores da Caixa Geral de Aposentações que até 31 de dezembro de 2010 contem, pelo menos, 36 anos de serviço e 60 de idade podem aposentar-se ou jubilar-se de acordo com o regime legal que lhes seria aplicável naquela data, nomeadamente levando-se em conta no cálculo da pensão a remuneração do cargo vigente em 31 de dezembro de 2010 independentemente do momento em que o requeiram.
2) Os magistrados judiciais ou do Ministério Público com a jubilação suspensa devem, no prazo de três meses a contar da data de entrada em vigor da presente lei, optar pela mesma ou pela aposentação.”
               
A lei estabeleceu, pois, um prazo para que os magistrados judiciais pudessem fazer a sua opção, findo o qual deixava de haver magistrados com o estatuto de jubilação suspenso – os magistrados ou ficavam jubilados ou ficavam aposentados.

Desta evolução, resulta que a suspensão da jubilação nunca foi um direito mas sim uma faculdade que existiu em determinado período temporal, a qual tinha que ser pedida pelo interessado e cuja concessão não era automática pois dependia da autorização do CSM.
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b) - Do princípio da determinabilidade e precisão das normas jurídicas:

A jurisprudência do Tribunal Constitucional é firme na definição deste princípio.

Vejamos:

- “O princípio da precisão ou determinabilidade das leis implica que o legislador elabore normas jurídicas claras, suscetíveis de interpretação que conduza a um sentido inequívoco, e que tenham a suficiente densidade, de forma a constituírem uma medida jurídica capaz de alicerçar posições juridicamente protegidas dos cidadãos, traduzindo uma norma de atuação para a Administração, possibilitando, como norma de controlo, a fiscalização de legalidade e a defesa dos direitos e interesses protegidos (ensino de Gomes Canotilho, ob. cit, págs. 376 e seguintes, acolhido no Acórdão 285/92, do Tribunal Constitucional, no Diário da República, 1.ª série A, n.º 188, de 17 de Agosto de 1992, págs. 2962 e seguintes) ” – acórdão n.º 635/2011, de 02 de fevereiro, DR, IIª Série, n.º 24, de 02.02.2012, página 4162.

Acresce que o Tribunal Constitucional “[t]em entendido que, embora não sendo constitucionalmente explícita, esta exigência de clareza razoável do conteúdo dos atos normativos se retira do artigo 2.º da Constituição, integrando o princípio constitucional estruturante que é o princípio do Estado de direito. Com efeito, as decisões estaduais que tiverem um conteúdo de tal ordem obscuro, impreciso ou contraditório que chegue a ser indeterminável para os seus destinatários não podem ser conformes à exigência de segurança que vai incluída na dimensão material do princípio do Estado de direito (cf. Maria Lúcia Amaral, A Forma da República, Coimbra, 2005, pp. 179-180; Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., Coimbra, Almedina, 2003, p. 258)” - acórdão n.º 387/2012, de 10 de agosto de 2012, publicado no DR, Iª Série, n.º 155, de 10 de agosto de 2012.


Ora, o problema suscitado pelo Exmo. Juiz Conselheiro não se fundamenta na falta de clareza da lei e nem na sua indeterminação, mas apenas no facto de ter omitido, no prazo concedido pelo artigo 7º, n.º 2 da Lei nº 9/2011 e até hoje, a opção prevista nesse mesmo preceito, tendo ficado na situação de aposentado, em virtude de, em tempo anterior, ter requerido a suspensão daquele mesmo estatuto de jubilação.

Como se viu, e como resulta claro da comparação entre as duas versões do artigo 67º, a possibilidade da suspensão da jubilação desapareceu do nosso ordenamento jurídico.
Ou seja, o legislador terminou com a possibilidade de suspensão do estatuto da jubilação, concedendo aos magistrados que, à data, dela beneficiavam a possibilidade de, em prazo, optarem pelo regresso ao referido estatuto ou, em alternativa, de continuarem na situação de aposentado.

É certo que a Lei não prevê expressamente a consequência para a omissão na escolha, mas nem tinha que o fazer, na medida em que tal omissão implica naturalmente a transição para definitiva de uma situação até aí temporária: a aplicação do regime de aposentação.
Noutras palavras, à data da entrada em vigor deste novo regime, o Exmo. Juiz Conselheiro encontrava-se na situação de aposentado.
Ora, apesar de a Lei lhe ter concedido a possibilidade de, no prazo por ela fixado, regressar à jubilação, o Demandante nada disse, ficando em silêncio,
               
Sendo assim, permanece na situação de aposentado, mas agora de forma definitiva.
               

Conclui-se, pois, que a omissão na opção de regresso ao estatuto de jubilado implica a continuação da situação existente à data, ou seja, a manutenção do estatuto de aposentado, mas agora sem possibilidade de retorno.


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c) - Do princípio da confiança:

Invoca ainda o Exmo. Juiz Conselheiro a proteção da confiança, em virtude da falta de precisão ou determinabilidade da norma jurídica, para que se lhe mantenha a possibilidade de regresso à situação da jubilação, benefício que, segundo ele, lhe fora concedido aquando do deferimento da sua suspensão.

Ora, no que respeita a este princípio, da proteção da confiança, corolário do princípio do Estado de direito democrático, e que constitui o lado subjetivo da garantia de estabilidade e segurança jurídica, o Tribunal Constitucional tem tido uma jurisprudência constante e reiterada, tendo-se escrito o seguinte no acórdão n.º 128/02, de 14.03.2002, proferido no Processo n.º 382/01:

“Com efeito, o princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático, postula um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, censurando as afetações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se poderia moral e razoavelmente contar (cfr. inter alia, os acórdãos n.ºs. 303/90 e 628/98, publicados no Diário da República, II Série, de 26 de dezembro de 1990 e 18 de março de 1999, respetivamente).”
O acórdão do Tribunal Constitucional nº 572/2014, de 30 de julho de 201, publicado no DR, n.º 160/2014, Série IIª, de 21 de agosto de 2014, analisando o Orçamento do Estado para 2014, refere-se concretamente a este princípio enumerando os respetivos pressupostos, a propósito da “Contribuição Extraordinária de Solidariedade” – “CES”, nos seguintes termos:
“Antes de mais, recorde-se que se está perante uma situação de confiança constitucionalmente tutelada tão-só nos casos em que se verifiquem cumulativamente três pressupostos: i) que as expectativas de estabilidade do regime jurídico em causa tenham sido induzidas ou alimentadas por comportamentos dos poderes públicos; ii) que tais expectativas sejam legítimas, fundadas em boas razões, a avaliar no quadro axiológico jurídico-constitucional; iii) por último, que o cidadão tenha orientado a sua vida e feito opções decisivas, precisamente, com base em expectativas de manutenção de um determinado regime jurídico (Acórdãos nºs 287/90 e 128/2009).
Verificados estes requisitos ou “testes, deverá igualmente ter-se em conta o indispensável contrapólo valorativo, que no caso sub judice é constituído pela relevância do interesse público que fundamentou a instituição da CES: a necessidade de equilíbrio orçamental e de diminuição do défice público num espaço de tempo relativamente curto. Esta ponderação, a levar a cabo de acordo com os critérios do princípio da proibição do excesso, permitira avaliar da eventual razoabilidade ou justificação da lesão da confiança invocada.
Como se afirma no Acórdão nº 862/2013, de 19 de dezembro de 2013, publicado no DR n.º 4/2014, Série Iª, de 07 de janeiro de 2014, a aplicação do princípio da confiança «implica sempre uma ponderação de interesses contrapostos: de um lado, as expectativas dos particulares na continuidade do quadro legislativo vigente; do outro, as razões de interesse público que justificam a não continuidade das soluções legislativas. Os particulares têm interesse na estabilidade da ordem jurídica e das situações jurídicas constituídas, a fim de organizarem os seus planos de vida e de evitar o mais possível a frustração das suas expectativas fundadas; mas a esse interesse contrapõe-se o interesse público na transformação da ordem jurídica e na sua adaptação às novas ideias de ordenação social. Como os dois grupos de interesses e valores são reconhecidos na Constituição em condições de igualdade, impõe-se em relação a eles o necessário exercício de confronto e ponderação para concluir, com base no peso variável de cada um, qual o que deve prevalecer. O método do juízo de avaliação e ponderação dos interesses relacionados com a proteção da confiança é igual ao que se segue quando se julga sobre a proporcionalidade ou adequação substancial de uma medida restritiva de direito. Mesmo que se conclua pela premência do interesse público na mudança e adaptação do quadro legislativo vigente, ainda assim é necessário aferir, à luz de parâmetros materiais e axiológicos, se a medida do sacrifício é “inadmissível, arbitrário e demasiado onerosa”.»

Tendo em atenção estes pressupostos e estes princípios não se pode considerar que o legislador tenha gerado expectativas de continuidade no que se refere ao regime da aposentação e jubilação e, neste, da possibilidade da sua suspensão.
Pelo contrário, verifica-se que os pressupostos da aposentação e da jubilação têm vindo a sofrer alterações substanciais, mormente quanto aos requisitos de idade e tempo de serviço necessários, que têm vindo a ser aumentados. Ou seja, tem vindo a ser transmitida a ideia da mutabilidade dos estatutos profissionais e dos regimes de aposentação e reforma, comportando alterações ao longo de uma carreira profissional, as mais das vezes, sobretudo desde há já alguns anos, não favoráveis aos trabalhadores, por estar em causa a solidez e sustentabilidade dos sistemas previdenciais do género.

Do que se conclui que não merece proteção jurídica a confiança do Exmo. Juiz Conselheiro, no sentido da manutenção de um benefício estatutário, consistindo na possibilidade de, a todo o tempo poder regressar ao estatuto de jubilação, fazendo cessar a sua suspensão.

Aliás, desde a aprovação e publicação do EMJ e até hoje, esta possibilidade só vigorou a partir da Lei n.º 10/1994, de 05 de maio, que a introduziu, até à entrada em vigor da Lei n.º 9/2011, de 12 de abril, o que demonstra que a Lei não gerou qualquer expectativa da sua continuação.
Ora, o Exmo. Juiz Conselheiro encontrava-se, na data referida na Lei n.º 9/2011, na situação de aposentado desde 01 de dezembro de 1994.
Tendo essa Lei revogado a possibilidade de suspensão do estatuto da jubilação, estabeleceu um regime provisório no qual concedeu aos magistrados que se encoravam na situação do Demandante, o direito de regressarem à situação de jubilados, desde que para tal, e num determinado período, fizessem essa opção.
               
Ao não fazer a opção, como determinado pelo artigo 7º, n.º 2, da Lei n.º 9/2011, tem que se considerar, necessariamente, que ele optou por se manter na situação em que se encontrava, a de aposentado a título provisório, mas agora passando a ser de forma definitiva e sem possibilidade de retorno.
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d) - Da necessidade de notificação do dever de opção e da necessidade do CSM tomar uma decisão sobre a sua pretensão:
               
Por fim, aduz o Demandante, que sendo o n.º 2, do artigo 7º, da Lei n.º 9/2011, um ato administrativo geral, que se dirige a um número limitado de pessoas, impunha-se a sua notificação aos seus destinatários, nos termos das normas conjugadas dos artigos 52º, n.º 1, e 51º, n.º 1, ambos do CPTA, e artigo 268º, n.º 3, da CRP, por ser um ato impugnável e por produzir efeitos externos na esfera jurídica dos interessados.

O artigo 268º, n.º 3, da CRP, dispõe que os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.
O artigo 52º, n.º 1, do CPTA, estipula que a impugnabilidade dos atos administrativos não depende da respetiva forma.
Esta norma permite a impugnação de atos materialmente administrativos contidos em diplomas formalmente legislativos [lei ou decreto-lei].
Contudo, a Lei n.º 9/2011, de 12 de abril, que procedeu à décima quarta alteração do Estatuto dos Magistrados Judiciais e décima alteração do Estatuto do Ministério Público, em matéria de aposentação, reforma e jubilação e de adaptação do regime de proibição de valorizações remuneratórias de 2011 ao sistema judiciário, corresponde ao exercício da função legislativa pelo que as suas normas não podem ser tidas como sendo atos administrativos.

Ora, de acordo com o artigo 5º, n.º 1, do Código Civil, a lei só se torna obrigatória depois de publicada no jornal oficial.
Só com a sua publicação é que se pode presumir o conhecimento daqueles a quem o conteúdo da lei se destina.
Pelo que só daí em diante se pode sustentar que “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento” [artigo 6º, do CC].
Por sua vez, a Lei n.º 9/2011, sendo um Diploma emanado da Assembleia da República produz efeitos através da sua publicação no Diário da República – artigo 1º, da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro.
Como tal, para ser eficaz, não precisa de qualquer notificação aos seus destinatários.

Por fim, a atual situação estatutária de aposentado do Exmo. Juiz Conselheiro é uma mera decorrência legal que dispensa a necessidade de qualquer decisão administrativa ulterior, porquanto se trata de um efeito “ope legis”.
Uma eventual deliberação do CSM a tal respeito traduzir-se-ia num ato meramente declarativo e enunciativo, não promovendo a constituição, modificação ou a extinção de qualquer situação jurídica.
Neste caso, como já referido, a sua situação jurídica ficou constituída por aplicação do aludido artigo 7.º, n.º 2 da Lei n.º 9/2011, de 12 de abril, pelo decurso do prazo nele estabelecido e pela circunstância de nada ter sido manifestado nesse prazo.
               
Na situação concreta, a opção só agora manifestada, pelo Demandante, de regresso à situação de juiz conselheiro jubilado não suscita um dever de decisão e de deliberação por parte do CSM porquanto é extemporânea e, como tal, não põe em causa a sua situação estatutária pré-existente, uma vez que, o decurso do prazo legal para o exercício dessa opção consolidou a sua situação estatutária de aposentado.
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III – Decisão:

Nos termos expostos, acordam os Juízes que constituem a Secção do Contencioso, do Supremo Tribunal de Justiça, em julgar improcedente a presente ação administrativa intentada pelo Dr. AA, Juiz Conselheiro na situação de aposentado, contra o Conselho Superior da Magistratura.
Custas pelo demandante, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC’s.
Valor da causa: € 30.000,01.
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                                                                                                          Lisboa, 2019.03.21

Ferreira Pinto (Relator) *

Alexandre Reis

Manuel Matos

Helena Moniz

Graça Amaral

Sousa Lameira

Pinto Hespanhol (presidente)


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[1] - Neste sentido, os acórdãos de 25.10.2018, proferido no Processo n.º 7/18.1YFLSB, e de 22.01.2019, proferido no Processo n.º 65/18.0YFLSB, ambos desta Secção do Contencioso.
[2] - Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017 – 4ª edição, Almedina, páginas 1346/1347.
[3] - Obra citada, páginas 1347/1348.