FALTA DE TRABALHO
DESPEDIMENTO
Sumário

A comunicação do empregador ao A., e demais trabalhadores, que não tinha serviço para eles e que fossem para casa não consubstancia um despedimento (tácito) por dela não resultar, de forma segura e inequívoca, que foi intenção daquele fazer cessar a relação laboral.

Texto Integral

Procº nº 618/09.TTOAZ.P1 Apelação
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 378)
Adjuntos: Des. António José Ramos
Des. Eduardo Petersen Silva

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

B…, aos 21.09.2009, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra C…, Ldª, pedindo que seja declarado ilícito o despedimento levado a cabo pela Ré e a sua condenação no pagamento da indemnização de antiguidade e das retribuições mensais devidas desde os 30 dias anteriores à propositura da acção até ao trânsito em julgado da sentença, bem como das retribuições relativas a férias, subsídios de férias e subsídios de refeição em dívida.
A fundamentar tal pedido alegou em síntese que: outorgou com a Ré contrato de trabalho tendo iniciado a sua actividade sob as suas ordens, direcção e fiscalização em 24-03-2004. Nunca lhe foi paga qualquer quantia a título de subsídio de refeição, assim como nunca gozou férias ou auferiu o respectivo subsídio, bem como o subsídio de Natal. Foi despedido verbalmente em 30-09-2008.

A Ré contestou impugnando, em parte, os factos alegados pelo Autor, referindo, em síntese, que o Autor apenas foi contratado em Maio de 2005 e de que não foi despedido mas apenas mandado para casa uma semana, após o final das férias, por falta de serviço da empresa, tendo-lhe sido dito que se apresentasse no dia 15 de Setembro de 2008

Proferido despacho saneador tabelar, com dispensa da selecção da matéria de facto, realizada a audiência de julgamento, sem gravação da prova pessoal nela prestada e cujo encerramento, com as alegações orais, ocorreu aos 26.01.2010, e decidida a matéria de facto, de que não foram apresentadas reclamações, foi proferida sentença julgando a acção procedente, declarando-se ilícito o despedimento do A. e condenando-se a Ré a pagar ao A.:
a) a quantia de 2.556 € a título de indemnização pelo despedimento;
b) a quantia de 3.479 (426 x 14:12 x 7), a título de salários vencidos desde 30 dias antes da propositura da acção até 08-02-2010, e nos demais que se vencerem até ao seu trânsito, de que haverá a deduzir os montantes que o Autor auferiu e não auferiria caso não tivesse sido despedido e os eventualmente recebidos a título de subsídio de desemprego;
c) a quantia de 8 793, 83 € a título de retribuição por férias, subsídios de férias e de Natal e subsídio de alimentação pelo tempo em que trabalhou para a Ré.

Inconformada, veio a Ré recorrer da sentença, formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
1 – Considerando os factos dados como provados, a sentença proferida nunca poderia ser de total procedência do pedido, uma vez que, no art. 6º da P.I. é alegado que o A, não gozou férias, peticionando – se em consequência o pagamento a esse titulo de 3.445,09€, facto que não tendo resultado provado, deveria ter conduzido à absolvição da R. nessa parte.
2 – A sentença apelada não conheceu de documentos e elementos anexos ao processo e que só por si implicam necessariamente decisão diversa da proferida, designadamente:
- O IRS de 2008 apresentado pelo A. e anexo aos autos.
- A data de entrada da petição deste processo em tribunal (21.09.2009).
- O IRS de 2008 do A. demonstra inequivocamente que no período de 30 de Setembro a 31 de Dezembro o A. auferiu o rendimento bruto de 1.283,21€ como trabalhador de uma outra entidade empregadora, que não a R..
Em consequência deveria ter resultado provado que “O A. começou a trabalhar para uma entidade patronal diversa da R. ainda no ano de 2008, tendo auferido um rendimento bruto de 1.238,21€”, alteração que expressamente se requer.
Facto que releva pois indica com toda a probabilidade a intenção do A. de não retomar o trabalho na R, pressuposto essencial na cessação do contrato por abandono de trabalho.
- Considerando – se a data de entrada do processo em Tribunal, teria que se concluir que o prazo legalmente estabelecido para apreciação da alegada ilicitude do despedimento que é actualmente de sessenta dias a contar da data da comunicação do despedimento, que nos presentes autos e segundo a versão do A. ocorreu a 30.09.2008., há muito que se encontra ultrapassada.
3 – Na sentença recorrida, ocorreu uma errada subsunção dos factos ao direito aplicável, na medida em que, no que concerne à causa da cessação do trabalho do A. na R., apenas resultou provado o seguinte facto: “ No dia 30.09.2008, a R. comunicou ao A e demais trabalhadores que não tinha serviço para eles e que fossem para casa”
- Esta comunicação não consubstancia de forma alguma um despedimento e é insuficiente para fundamentar uma sentença de despedimento ilícito.
- Existe uma insuficiência da matéria fáctica dada como provada idónea a conduzir a uma decisão como a que foi proferida nos presentes autos.
- A verdade é que, nos tempos que correm, economicamente difíceis, é um lugar comum este tipo de comunicações por parte das empresas quando há menos trabalho, o que não é contrário à lei, contando que não haja oposição do trabalhador, como não houve no presente caso.
- Consta mesmo da motivação da resposta dada à matéria de facto resulta que: “ antes ficou claro que, como muitas vezes já antes fizera, a R. por não ter trabalho, dispensou os seus trabalhadores, mandando – os para casa sem remuneração, voltando – os a chamar, quando voltou a ter serviço”
- A ausência do A. ao trabalho na R., acompanhada de factos que, com toda a probabilidade revelem a intenção de não se pretender retomar esse trabalho (como seja o facto de o A. ter começado a trabalhar quase de imediato noutra entidade patronal – cfr. IRS do A. de 2008), deveria ter sido considerado abandono de trabalho, até porque esta presunção não foi minimamente elidida pelo A., sobre quem recaia a respectiva prova, antes tendo resultado reforçada.
- A comunicação prevista no art., 40º nº5 da Lei da cessação do Contrato de Trabalho, apenas é necessária quando a entidade patronal pretenda invocar a cessação do Contrato com base no abandono de trabalho, mas a sua falta não afecta a presunção legalmente estabelecida para o abandono de trabalho.
- O A. não provou que tivesse estabelecido qualquer comunicação com a R. após 30.09.2008.
4 – A sentença proferida deveria ter sido de improcedência da acção e absolvição do R. de todos os pedidos formulados ou ainda e alternativamente de, declaração da cessação do contrato de trabalho por abandono de trabalho por parte do A., com as legais consequências.
5 – Ao decidir nos termos em que decidiu a sentença proferida violou entre outros, o disposto nos artigos 40º da lei de Cessação do contrato de trabalho e 659º nº 3 do C.P.C.
Termos em que,
Sempre com o mui Douto e Valioso Suprimento deste Venerando Tribunal, deve ser dado provimento ao recurso, a acção julgada improcedente por não provada e a R. absolvida dos pedidos.
Ou, caso assim mui mais doutamente se não entenda, deverá a sentença proferida ser substituída por uma outra em que se declare a cessação do contrato de trabalho por abandono de trabalho com as legais consequências.

O Recorrido contra-alegou, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto teve vista no processo.

Por despacho da ora relatora, baixaram os autos à 1ª instância com vista à fixação do valor da acção, a qual veio a ser fixada pelo Tribunal a quo em €12.618,89, conforme despacho de fls. 91

Foram colhidos os vistos legais.

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II – Matéria de Facto:
Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto:
1. A Ré desenvolve actividade no sector da metalurgia e do metalomecânico e dedica-se e dedica-se ao fabrico de construções em alumínio.
2. O Autor foi admitido ao seu serviço em 2004.
3. Por simples ajuste verbal, para sob suas ordens, direcção e fiscalização desempenhar, remuneradamente as funções de trabalhador indiferenciado.
4. Cumprindo um horário de 40 horas semanais.
5. Enquanto esteve ao serviço da Ré o Autor não era sindicalizado e foi sempre pago pela remuneração mínima mensal garantida:
374,70 € até 31-12-3005.
385,90 € até 31-12-2006
403 € até 31-12-2007
426 € até 30-09-2008.
6. A Ré não é filiada em qualquer associação empresarial.
7. No dia 30-09-2008 a Ré comunicou ao Autor e demais trabalhadores que não tinha serviço para eles e que fossem para casa.
8. Todos os anos a Ré encerra no final da 1ª semana de Agosto e até ao final desse mês.
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III. Do Direito
1. Nos termos do disposto nos artºs 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do CPC, na redacção introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08, aplicáveis ex vi do disposto nos artºs 1º, nº 2, al. a), e 87º do CPT (na redacção anterior à introduzida pelo DL 295/2009, de 13.10), as conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objecto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
São, assim, as questões a conhecer (pela ordem em que o faremos):
a. Alteração da matéria de facto;
b. Se não é devido o pagamento das férias reclamadas;
c. Da caducidade do direito de impugnar a ilicitude do despedimento;
d. Do abandono do trabalho;
e Da inexistência de despedimento ilícito;
e. Da absolvição da Ré de todos os demais pedidos formulados (para além do relativo à declaração de ilicitude do despedimento e suas consequências).

2. Da alteração da matéria de facto:

Pretende a Recorrente que seja dado como provado que “O A. começou a trabalhar numa entidade diversa da Ré, ainda naquele ano de 2008, onde auferiu naquele ano o rendimento bruto de 1.283,21€.”.
E, para tanto, invoca a declaração de IRS junta aos autos pelo A. com a petição inicial e que consta de fls. 11/12.
Desde logo cabe referir que, tendo a referida declaração sido junta com a petição inicial, podia e devia a Ré, na contestação, ter cuidado de alegar o que agora pretende que seja dado como provado, alegação essa que, não obstante, não fez.
De todo o modo, tendo em conta que o referido documento, junto pelo A., da sua autoria e não impugnado pela Ré, faz prova plena quanto ao facto de o A. ter emitido a declaração que dele consta, mas não mais do que isso (não faz o documento prova de factos que extravasam o conteúdo da declaração) e atento o disposto nos arts. 646º, nº 4, e 659º, nº 3, do CPC, adita-se à matéria de facto provada o nº 9, com o seguinte teor:

9. O Autor, na declaração de IRS relativa aos rendimentos auferidos em 2008 e que consta do documento que constitui fls. 11/12 dos autos, declarou como rendimentos auferidos por trabalho dependente o “rendimento bruto” de €1.283,21 e, como “NIF” da entidade empregadora, o nº 500386676.

3. Se não é devido o pagamento das férias reclamadas.

O A. alegou, na petição inicial, que nunca tinha gozado férias e reclamou o pagamento, a esse título, bem como a título de subsídio de férias, da quantia global de €3.445,09, assim discriminada:
-€1.015,29, referente às férias, e respectivos subsídios, relativos a 2004 e 2005 [(€365,60 : 22 x 8) + (€374,70 : 22 x 22) x 2];
- €771,80, referente às férias, e respectivo subsídio, relativas a 2006 [€385,90 x 2];
- €806,00, referente às férias, e respectivo subsídio, relativas a 2007 [€403,00 x 2];
- €852,00, referente às férias, e respectivo subsídio, relativas a 2008 [€426,00 x 2]
Na sentença recorrida considerou-se que, a título de remunerações pelas férias e subsídios de férias devidos em 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008, eram devidas as quantias de, respectivamente, €2,03, €749,40, €771,80, €806,00 e €852,00.
De tal decisão, na parte relativa às férias, discorda a Recorrente alegando que o A. não fez prova de não haver gozado férias.
E, desde já se dirá, afigura-se-nos que tem razão a Recorrente.
Ao caso, é aplicável o CT/2003, no qual se consagra o direito, irrenunciável, ao gozo de férias (art. 211º, nºs 1 e 3), direito esse que se consubstancia no direito do trabalhador não prestar trabalho sem perda da sua remuneração. E o não exercício de tal direito, por culpa do empregador que obste ao gozo das férias, confere ao trabalhador o direito à compensação a que se reporta o art. 222º do CT, de valor igual ao triplo da retribuição correspondente ao período em falta.
O A. não reclama o pagamento dessa compensação (em lado algum o A. alega que não gozou as férias por culpa da Ré ou que esta obstou ao seu gozo), mas sim o pagamento de uma “compensação”, equivalente ao valor de uma retribuição, porque, segundo diz, não gozou férias nos anos acima aludidos. Esclareça-se que tal pedido não se confunde com o pagamento da retribuição que é devida no mês em que o trabalhador goza férias (o A. não alega que não lhe foi paga a retribuição nos meses em que, supostamente, deveria ter gozado férias; o que diz é, ao contrário, que não gozou férias, razão pela qual, aliás, lhe seria devido o valor correspondente a uma retribuição).
Independentemente da questão de saber se o simples facto de não terem sido gozadas férias (fora da situação referida no art. 222º do CT) confere, ou não, ao trabalhador o direito a receber o equivalente a uma retribuição, o certo é que, tanto nessa situação, como na situação prevista no citado art. 222º, o não gozo de férias constitui pressuposto do direito à pretendida compensação, cabendo ao trabalhador o ónus de alegação e prova de que não gozou as férias a que tinha direito, facto este pressuposto ou constitutivo do seu direito (art. 342º, nº 1, do Cód. Civil).
Refira-se ainda que, nos termos do art. 221º, nº 2, do CT/2003, se o contrato cessar antes do gozo do período de férias vencido no início do ano da cessação, o trabalhador tem direito a receber a retribuição (e o subsídio correspondente) a esse período.
No entanto, também neste caso, o direito a receber a retribuição correspondente ao período de férias não gozado está dependente, como decorre da própria lei, do não gozo das férias vencidas no início do ano da cessação do contrato, sendo que é ao trabalhador que compete alegar e provar que não gozou essas férias já que tal é o pressuposto, e facto constitutivo, do direito que a norma lhe consagra (art. 342º, nº 1, do Cód. Civil).
Refira-se que situação diferente é a do pagamento do subsídio de férias, o qual é devido independentemente do gozo, ou não das férias, cabendo ao empregador o ónus de alegação e prova do cumprimento dessa obrigação (art. 799º, nº 1, do Cód. Civil).
Ora, no caso, e não obstante alegado, certo é que não fez o A. prova de que não gozou férias, não decorrendo da matéria de facto provada que as não haja gozado. Aliás, da decisão da matéria de facto consta ter sido dado como não provado que o A. nunca tenha gozado férias.
Assim, e nesta parte, procedem as conclusões do recurso, em consequência do que ao A. não é devida a quantia global de €1.590,62 a título de férias não gozadas, sendo-lhe apenas devida a quantia de €1.590,62 a título de subsídio de férias correspondentes aos aludidos anos.

4. Da caducidade do direito de impugnar a ilicitude do despedimento

Diz a Recorrente que o prazo para impugnação do despedimento é de 60 dias e que, tendo o mesmo, segundo o A., ocorrido aos 30.09.08 e a acção sido proposta aos 21.09.2009, já havia caducado o direito a tal impugnação.
Desde logo, cabe referir que a Ré, ora Recorrente, não invocou a alegada caducidade na contestação, apenas o fazendo em sede de recurso, o que, assim, consubstancia questão nova, que nem é de conhecimento oficioso. A caducidade, em matéria que se encontre na disponibilidade das partes, como é o caso, não é de conhecimento oficioso – art. 333º, nº 1, do Cód. Civil. Ora, sendo questão nova, não cabe à Relação dela conhecer.
De todo o modo, não podemos deixar de dizer que tal invocação é totalmente destituída de fundamento.
O prazo de 60 dias para o trabalhador impugnar o despedimento foi introduzido pelo Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12.02, encontrando-se previsto no seu art. 387º, nº 2 e está em consonância com a nova acção, especial, de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento prevista nos arts. 98º-B e segs do CPT com as alterações introduzidas pelo DL 295/2009, de 13.10 (entrado em vigor a 01.01.2010 e aplicável apenas às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor – cfr. arts. 6º e 9º, nº 1) e que é aplicável aos casos em que a decisão de despedimento é comunicada, por escrito, ao trabalhador, como decorre do art. 98º-C, nº 1, deste último diploma.
Ora, desde logo e sem necessidade de outras considerações adicionais, decorre da simples leitura do art. 7º, nº 1, do diploma preambular da Lei 7/2009, que o Código do Trabalho por ele aprovado não é aplicável às “condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passadas anteriormente àquele momento.”.
No caso, o alegado despedimento teve lugar aos 30.09.2008, muito antes, sequer, da publicação da Lei 7/2009, pelo que é evidente que o CT/2009 e o seu art. 387º não é aplicável ao caso dos autos, sendo, antes, aplicável o CT/2003, nos termos do qual é de um ano a contar da data do despedimento o prazo para a sua impugnação judicial (art. 435º, nº 1). Na situação em apreço, a acção foi proposta dentro desse prazo, pelo que não ocorre a invocada caducidade.
Improcedem, nesta parte, as conclusões do recurso.

5. Do abandono do trabalho.

Invoca a Recorrente o abandono do trabalho por parte do A., reportando-se ao “art. 40º da Lei da cessação do C.T.”.
Presumimos que a Recorrente se esteja a referir ao art. 40º do DL 64-A/89, de 27.02.
Tendo em conta a data dos factos – 30.09.2008 – há muito que o diploma invocado pela Recorrente se encontrava revogado pela Lei 99/2003, de 27.08, que aprovou o Código do Trabalho (CT/2003), o qual entrou em vigor aos 01.12.2003 e que é o aplicável ao caso dos autos.
O abandono do trabalho encontra-se previsto no art. 450º do CT/2003, nele se referindo que:
1- Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço acompanhado de factos que, com toda a probabilidade, revelem a intenção de o não retomar.
2 – Presume-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido comunicação do aviso da ausência.
3 – A presunção estabelecida no número anterior pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência.
4 – O abandono do trabalho vale como denúncia do contrato (…).
5 – A cessação do contrato só é invocável pelo empregador após comunicação por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida do trabalhador.

No caso, com relevância para esta questão apenas se provou que, no dia 30.09.2008, a Ré comunicou ao Autor e demais trabalhadores que não tinha serviço para eles e que fossem para casa. Ora, perante tal facto, é óbvio que não se verifica qualquer abandono do trabalho, pois que foi a ré quem mandou o A. para casa porque não tinha mais trabalho. E, face ao referido, a ela competia alegar e provar que tinha determinado ao A. que regressasse ao trabalho e que, não obstante isso, ele não mais teria comparecido, prova essa que não fez. No mínimo, constitui afirmação temerária, a da Ré, de que o A. abandonou o trabalho, quando foi ela que o mandou para casa.
De referir que o que consta da declaração de IRS relativa aos rendimentos de 2008, é totalmente irrelevante. Desde logo, porque dela nem decorre em que data os rendimentos nela declarados foram auferidos. Por outro lado, se a ré manda o A. para casa porque não tem trabalho para lhe dar, e nem aliás alega e prova que lhe haja pago a retribuição, seria mais do que natural que o autor, ou qualquer outro trabalhador, tentassem ou arranjassem outro trabalho. Afinal, o trabalho é a única fonte de rendimento da maioria das pessoas. Não pode a Ré, evidentemente, mandar o trabalhador para casa porque não tem trabalho para lhe dar, não lhe pagar a retribuição, e exigir-lhe que fique à espera …até quando? E de quê? E, como se disse, não fez a Ré prova de que lhe tivesse determinado que voltasse ao trabalho.
Acresce referir que o abandono só é invocável mediante a sua prévia comunicação ao trabalhador, nos termos previstos no art. 450º, nº 5, acima transcrito, prova essa que competia à ré e que a não fez.
Assim, nesta parte e sem necessidade de outras considerações, improcedem as alegações de recurso.

6. Da inexistência de despedimento ilícito

Na sentença recorrida considerou-se que a declaração referida no nº 7 dos factos provados consubstancia um despedimento ilícito, do que a Recorrente discorda por considerar que tal facto é insuficiente para que se possa concluir no sentido da existência do despedimento do A.

6.1. Sobre o despedimento, têm pertinência as considerações que fizemos, por transcrição do então alegado na sentença de 1ª instância (com o que se concordou), no acórdão desta Relação de 01.03.2010, no Processo nº 381/08.8TTPNF.P1 (publicado in www.dgsi.pt), que aqui passamos a transcrever:
“(…)
Como é sabido, o despedimento constitui estruturalmente um negócio jurídico unilateral receptício, através do qual a entidade patronal revela a vontade de fazer cessar o contrato de trabalho – na palavras do Prof. Pedro Romano Martinez [Direito do Trabalho, 845], trata-se de uma forma de cessação unilateral do contrato em que a iniciativa cabe ao empregador e pressupõe uma declaração de vontade deste comunicando ao trabalhador a cessação do mesmo, declaração essa que, por ser uma declaração de vontade receptícia e com efeitos constitutivos, só produz efeitos depois de chegar ao poder do trabalhador ou depois de ser dele conhecida e não é susceptível de ser unilateralmente revogada pelo empregador, depois de ter sido recebida pelo trabalhador ou de ser dele conhecida (artigos 224.º/1 e 230.º/1 do Código Civil).
Tal como resulta do preceituado no artigo 217.º do Código Civil, a declaração negocial pode ser expressa ou tácita, sendo expressa quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de demonstração da vontade e tácita quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelem, sendo que essencial para a relevância da declaração tácita, é a inequivocidade dos chamados facta concludentia.
Como cristalinamente refere o Prof. Mota Pinto [Teoria Geral, 174], a declaração tácita tem lugar sempre que a um comportamento seja atribuído um significado legal tipicizado, sem admissão de prova em contrário, salientando ainda o mesmo autor que diversa da declaração tácita é a declaração presumida, que ocorre sempre que a lei liga a determinado comportamento o significado de exprimir uma vontade negocial em certo sentido, podendo ilidir-se tal presunção mediante prova em contrário.
No domínio do despedimento promovido pela entidade patronal, tem sido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, aceite a existência de situações em que a vontade da entidade empregadora em fazer cessar unilateralmente o contrato de trabalho com o trabalhador ao seu serviço se revela de atitudes inequívocas, conduzindo, assim, a um despedimento de facto.
Ou seja, embora não se admita o despedimento tácito com a amplitude que é conferida às declarações negociais tácitas pelo mencionado artigo 217.º do Código Civil (e muito menos, o despedimento presumido), admitem-se, quer na doutrina, quer na jurisprudência, os chamados despedimentos de facto, corporizados numa atitude inequívoca da entidade patronal, de onde decorre necessariamente a manifestação de uma vontade de fazer cessar a relação laboral.
Como se refere no AC STJ de 05.04.2006, «a referida inequivocidade visa tanto evitar o abuso de despedimentos efectuados com dificuldade de prova pelo trabalhador, como obstar ao desencadear das suas consequências legais, quando não se mostre claramente ter havido ruptura indevida do vínculo laboral por parte da entidade patronal».
Refira-se ainda que a declaração da entidade patronal há-de ser interpretada segundo os critérios enunciados no artigo 236.º do Código Civil, pelo que, se não for expresso, o despedimento terá de ser extraído de factos que, perante o homem médio, revelem inequivocamente a vontade da entidade patronal de fazer cessar o contrato [vide AC STJ de 12.09.2007, www.dgsi.pt].
Podemos, assim, e em substância, concluir que: a) tecnicamente, o despedimento configura-se como uma declaração de vontade recipienda, vinculativa e constitutiva, dirigida à contraparte, com o fim de fazer cessar o contrato de trabalho; b) essa declaração, expressa ou tácita, terá de ser enunciada em condições de não suscitar dúvida razoável sobre o seu verdadeiro significado, razão pela qual é necessário que o declarante – por escrito, verbalmente ou até por mera atitude – denote ao trabalhador, de modo inequívoco, a vontade de extinguir a relação de trabalho – o que é exigível é que, havendo tal vontade por parte do empregador, este assuma um comportamento que a torne perceptível e inequívoca junto do destinatário, enquanto declaratário normal, tendo sempre presente que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante [vide AC TRL de 26.05.2009, www.dgsi.pt].”.
Resta acrescentar que o ónus da prova do despedimento incumbe ao trabalhador – art. 342º, nº 1, do CC.

6.2. No caso, apenas se provou que, no dia 30.09.2008, a Ré comunicou ao Autor e demais trabalhadores que não tinha serviço para eles e que fossem para casa.
Ora, afigura-se-nos que tal matéria não é suficientemente concludente e inequívoca no sentido de que a Ré pretendeu por termo ao contrato de trabalho.
É certo que um tal comportamento não tem apoio na lei. O empregador, perante a falta de trabalho com que ocupar o trabalhador, não pode limitar-se a dizer-lhe que não tem trabalho e que vá, o trabalhador, para casa. Ou recorre ao mecanismo legal da suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao empregador, a que se reportam os arts. 335º e segs. do CT/2003, ou procede ao despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho (arts. 419º e segs), tudo com cumprimento das obrigações legais previstas nos preceitos legais. E também não pode o empregador, sem causa justificativa, obstar a que o trabalhador preste trabalho (cfr. art. 122º, al. b), do CT/2003) e, muito menos, sem lhe pagar a retribuição.
Não obstante, afigura-se-nos que o referido ponto da matéria de facto provada, sem mais, não basta para que se conclua no sentido do despedimento. Ele não é suficientemente elucidativo quanto à intenção da Ré em por termo ao contrato de trabalho, podendo a situação, eventualmente, enquadrar-se numa, ainda que ilícitas, suspensão temporária do contrato de trabalho, ou de violação do dever de ocupação efectiva. Mas tal não se reconduz a um despedimento.
Ademais, nada se sabe quanto à veracidade, ou não, da alegada falta de trabalho, sobre se o A., ou alguns dos demais colegas, foram, ou não, chamados ao trabalho e quando (refira-se que do facto de a Ré não ter feito prova de que ordenou o regresso do A., não se pode extrair a prova do facto de que não ordenou tal regresso, pois que a falta de prova de um facto não significa a prova do facto contrário).
Por outro lado, perante tal comunicação, e subsequente manutenção dessa situação, sempre poderia o A. ter esclarecido junto da Ré qual a sua situação, designadamente solicitando-lhe esse esclarecimento sob pena de interpretar tal comportamento, ou eventual silêncio, como manifestação tácita de o despedir, assim como poderia, perante a manutenção de tal situação de falta de ocupação e/ou de pagamento da retribuição, rescindir o contrato de trabalho com justa causa.
Ou seja, serve o exposto para dizer que, perante o referido e, único, facto provado, outras situações, que não o despedimento, se poderiam ou poderão configurar em abstracto, não permitindo tal declaração a conclusão segura e inequívoca de que consubstanciará manifestação da vontade da Ré de fazer cessar a relação laboral e, por consequência, de que, com isso, haja pretendido despedir o Autor. Refira-se que a este cabia o ónus da prova do despedimento, pelo que, perante a dúvida, contra ele deverá a questão ser decidida – art. 516º do CPC.
Assim sendo, nesta parte, procedem as conclusões do recurso, havendo a sentença que ser revogada na parte em que considerou ter o A. sido ilicitamente despedido e em que condenou a Ré nas consequências dessa ilicitude.

7. Da absolvição da Ré de todos os demais pedidos formulados (para além do relativo à declaração de ilicitude do despedimento e suas consequências).

Para além dos pedidos a que já fizemos referência, a sentença recorrida condenou ainda a Ré no pagamento dos subsídios de férias referentes aos anos de 2004 (1 dia) a 2008, no montante global de €1.590,62, proporcionais de ferias e de subsídios de férias e de Natal pelo tempo de trabalho prestado em 2008, no montante global de €639,00 e subsídios de refeição de 2004 a 2008, no montante global de €3.008,00.
E, diz ainda a Recorrente, na conclusão 4ª, que a sentença deveria ter sido de improcedência da acção e de todos os pedidos formulados.
Acontece que a Recorrente, seja nas alegações e/ou conclusões, não fundamenta, minimamente que seja, essa sua pretensão de total absolvição do pedido.
Se discordava de alguma parte do mencionado segmento decisório tinha, obviamente, a obrigação de fundamentar a sua discordância (cfr, art. 690º do CPC), não se podendo limitar a dizer que devia ser absolvida de todos os pedidos.
Assim, e por total falta de fundamentação desta alegada discordância, improcede, nesta parte, o recurso (conclusão 4ª, 1ª parte).
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IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em:
A. Conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar ao A. a quantia de €1.590,62 a título de retribuição por férias alegadamente não gozadas, bem como na parte em que julgou ilícito o despedimento e em que, em consequência, a condenou a pagar a quantia de €2.556,00 a título de indemnização de antiguidade e as retribuições vencidas desde os 30 dias anteriores à propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão (incluindo a quantia de €3.479,00 relativa às vencidas até 08.02.2010), sentença que, nessa parte, é substituída pelo presente acórdão absolvendo a Ré de tais pedidos.
B. No mais, confirma-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente e Recorrido na proporção do decaimento.

Porto, 14.03.2011
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
António José da Ascensão Ramos
José Carlos Dinis Machado da Silva
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SUMÁRIO
A comunicação do empregador ao A., e demais trabalhadores, que não tinha serviço para eles e que fossem para casa não consubstancia um despedimento (tácito) por dela não resultar, de forma segura e inequívoca, que foi intenção daquele fazer cessar a relação laboral.

Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho