CONTRATO DE SEGURO
CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO
ALD
Sumário

I- Garantindo a companhia de seguros (promitente), por conta ou à ordem de quem com ela contratou (promissário), uma vantagem a um terceiro (beneficiário), configura-se um contrato de seguro a favor de terceiro.
II- A relação estabelecida entre a promitente e o promissário denomina-se relação de cobertura ou de provisão.
III- A relação entre o promissário e o beneficiário é uma relação estranha à referida em II, denominando-se relação de valuta.
IV- O beneficiário, a não ser que haja estipulação em contrário, não tem o direito de exigir à seguradora o cumprimento do contrato, pertencendo ao promissário a legitimidade para exigir da promitente seguradora o cumprimento da promessa.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"AA" propôs acção ordinária contra Empresa-A , pedindo que seja condenada a pagar-lhe 67.472,20 €, a título de indemnização por danos patrimoniais e morais, e juros respectivos, desde a citação até integral pagamento.
Alegou que: celebrou com a ré um contrato de aluguer de longa duração (ALD) referente ao veículo ML; no âmbito desse contrato teve de negociar um seguro com a Empresa-B , como tomador, sendo a ré a beneficiária; o veículo veio a ser dado como inutilizado na sequência de acidente ocorrido em 28.7.99; em acção intentada pelo A. contra a seguradora, concluiu-se pela culpa exclusiva do A. na produção do sinistro; nessa acção o A. deduziu a intervenção principal da aqui ré Empresa-A, que nada disse, nem diligenciou no sentido de ao A. ser fornecida nova viatura incumprindo culposamente o contrato de ALD.
A ré contestou alegando que na acção que o A. intentou contra a Empresa-B esta foi absolvida no que se refere à indemnização pela perda do veículo.
O A. replicou e ampliou o pedido para 74.397,20 €, tendo a ré treplicado, opondo-se à ampliação.
Saneado, condensado, instruído e julgado o processo, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, mas o autor recorreu para a Relação de Lisboa que julgou quase totalmente procedente a apelação, revogando a sentença e condenando a ré a pagar-lhe a quantia global de 2.717.972$00, correspondente a 13.557,19 €, acrescidos de juros de mora legais vencidos desde as datas de cada uma das entregas indevidas, e vincendos até efectivo pagamento.
Inconformada, recorre agora a ré de revista, fechando a minuta recursória, concluindo:
1º- Considerou o Tribunal a quo que, nos termos da cláusula 12ª da condições gerais, o contrato de ALD celebrado entre a ora recorrente e o recorrido caducou;
2º- E que, não estava em causa a apreciação do contrato de seguro celebrado entre o Recorrido e a Empresa-B, uma vez que já havia sido apreciado noutra sede, que, diga-se, absolveu a Seguradora do pagamento da indemnização, por se verificar uma ilegitimidade substantiva do ora recorrido;
3º- E, em virtude da caducidade, condenou a recorrente a restituir ao ora recorrido todas as quantias pagas por este voluntariamente após a referida caducidade;
4º- Condenou, ainda, a recorrente a pagar ao recorrido o montante de Esc. 569.693$00, respeitante à diferença do valor a indemnizar pela Seguradora e o valor financeiro da viatura apurado à data da caducidade (ou seja, condenou na devolução de parte de uma indemnização que nunca chegou a receber!!);
5º- Ignorou, portanto, o acórdão recorrido que a recorrente não recebeu qualquer indemnização da Seguradora, e não recebeu por motivo imputável ao recorrido, uma vez que, este formulou mal a acção que instaurou contra a Empresa-B;
6º- Contudo, convém ter presente que nos termos da Cláusula 10ª e 12ª das condições do contrato, o locatário, ora recorrido, é responsável perante a recorrente pelos danos que a viatura sofrer;
7º- Pelo que, nos termos da cláusula 12ª, a recorrente tem direito a receber o valor financeiro da viatura à data da caducidade;
8º- Valor esse que na referida data perfazia o montante de € 10.715,57, que a recorrente, efectivamente recebeu;
9º- Deveria, por outro lado, a recorrente entregar a indemnização que a Seguradora lhe tivesse pago em virtude do contrato que o recorrido celebrou com a Empresa-B a favor da recorrente;
10º- Sucede que, a Seguradora, alegando factos imputáveis ao tomador do seguro, ora recorrido, nomeadamente falsas declarações sobre as circunstâncias do acidente, recusou indemnizar a recorrente;
11º- Pelo que, nada tendo recebido da Seguradora, nada tem a entregar ao locatário recorrido, nos termos da cláusula 12ª;
12º- Não perdendo com isso o direito de receber o valor financeiro da viatura objecto do contrato, que lhe seria devido em qualquer circunstância uma vez que viu desaparecer um activo do seu património que se encontrava sob a responsabilidade do locatário, que efectivamente recebeu voluntariamente do recorrido;
13º- Pelo que carece de sentido a compensação formulada pelo Tribunal a quo no acórdão recorrido, uma vez que, compensou um valor devido e pago com outro que até à presente data não existe, e que nunca foi pago à recorrente;
14º- Nem pode ser, exigido à recorrente que aja contra a Seguradora, uma vez que, o contrato de seguro celebrado é um contrato a favor de terceiro em que o promissário é o tomador do seguro, ora recorrido, e não só tem legitimidade para exigir do promitente, Seguradora, que cumpra perante a beneficiária o contrato celebrado, como, face àquilo que a Seguradora alega para recusar indemnizar a recorrente, só o recorrido pode fazer prova do contrário;
15º- Neste sentido o Prof. Antunes Varela: "o promissário tem o direito de exigir do promitente o cumprimento da promessa (...) Consistindo a promessa em solver uma dívida sua para com terceiro, só ele (promissário) - e não também o terceiro - terá, em princípio, o direito de exigir o cumprimento do contrato" (Das Obrigações em Geral, Vol. I, 9ª edição, pág. 434);
16º- Pelo que, competia ao recorrido instaurar acção, caso entendesse não assistir razão a Seguradora para rejeitar o pagamento da indemnização, provando que não assistia razão à Seguradora e peticionando a condenação desta a pagar à recorrente a indemnização contratada;
17º- Deste modo, e perante a caducidade do contrato deveria o recorrido pagar à recorrente a quantia de € 10.715,57, correspondente ao valor financeiro da viatura à data da caducidade;
18º- E a recorrente, nos termos da mesma cláusula 128, deveria restituir a indemnização que recebesse da seguradora;
19º- Não tendo recebido qualquer indemnização por motivo que não lhe é imputável, nada tinha para restituir, não havendo, por sua vez, qualquer montante da recorrente para compensar com o montante devido pelo recorrido.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Com os vistos, cabe decidir.

A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:
1- Em 28/07/1999, pelas 23h30, na zona de Pataias, comarca de Alcobaça, na E.N. nº 548 - 1, ocorreu um acidente de viação entre o automóvel ligeiro de passageiros de matricula ML, de marca SEAT modelo IBIZA 1400 GTI, conduzido pelo Autor, e o automóvel de matricula IA, conduzido por BB, seu proprietário;
2- O Autor, tinha negociado a obtenção do automóvel ML, em sistema de Aluguer de Longa Duração, através da R. em nome de quem o automóvel ficou e está registado na Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa;
3- O contrato com a Empresa-A abrangia o pagamento de uma caução financeira de 735.000$00, que o Autor pagou logo à cabeça e de 60 prestações mensais, do valor de cerca de 58.457$00/mês, com início em 28/01/1999, das quais o Autor à data do acidente (29/07/1999), já pagara 6, continuando posteriormente a pagar prestações que se foram vencendo em número de 22, a última das quais em Outubro de 2000;
4- No âmbito do contrato o Autor teve de negociar com a Empresa-B (actualmente fundida com a Companhia de Seguros ... , formando agora ambas a Empresa-B, um seguro de responsabilidade civil ilimitada e também de danos próprios, designada mente choque, colisão e capotamento;
5- Do seguro é tomador o Autor, e beneficiária a Empresa-A;
6- Do acidente, resultou a destruição (em linguagem de seguros chamada "perda total"), do veículo, conforme foi considerado por peritos da Empresa-B que o examinaram;
7- O Autor intentou contra a Empresa-B uma acção judicial sob a forma Ordinária, que correu termos no Tribunal de Alcobaça, com o nº 121/00, e na qual pediu a intervenção da aqui Ré, que terminou por decisão transitada em julgado e cujo conteúdo da sentença da 1ª Instância e do Tribunal de recurso se encontra certificada nos autos a fls. 58 a 96;
8- A Ré, intentou execução ordinária contra o aqui Autor, que seguiu termos com o nº 2020/01, da 1ª secção do 9º Juízo de Lisboa e CC, para execução do total de uma livrança por eles subscrita;
9- O Autor procedeu naqueles autos ao depósito voluntário da quantia peticionada no valor de 06.925,00, em 10/02/2002;
10- O Autor no âmbito da participação do sinistro produziu o documento junto a fls. 50, bem como produziu as declarações do teor constante do seu depoimento prestado à Empresa-B como consta a fls. 52 e 53 designadamente, em ambos assumindo a culpa - responsabilidade - pelo acidente em causa como melhor consta daqueles documentos, e cujo teor integral se dá aqui por reproduzido;
11- Em 10/01/2000, o Autor foi incorporado no serviço militar, tendo ingressado no Regimento de Infantaria nº 8, em Elvas;
12- O veículo está inviabilizado para circular, e o A. ainda não tem o registo de propriedade;
13-A respectiva reparação foi estimada por orçamento provisório datado de 27/12/1999, pela Empresa-C , concessionária da marca, e por um perito da Empresa-B em 2.167.571 $00;
14- A Empresa-B não quis encarar a reparação por defender a tese da " perda total";
15- Actualmente, já não existe tal modelo de veículo, mas existe outro com essencialmente as mesmas características, cujo preço, segundo informação do concessionário da marca, é de Esc.3.778.000$00, ou € 18.847,26, mais 46.000$00 ou 0229,45, para pintura metalizada;
16- Do local do acidente, o veiculo do Autor foi rebocado para a oficina do concessionário da marca, a Empresa-C , em Marrazes - Leiria, tendo a Empresa-B suportado o custo do reboque;
17 -O veículo ficou logo impedido de circular pelos seus meios;
18- A Ré não promoveu desde logo, junto da Companhia a substituição do veículo por outro novo;
19- O veículo que então o Autor adquiriu custaria agora nos mesmos termos de A.L.D, pelo menos € 22.837,79;
20- Pela recolha na Empresa-C , teve o Autor de pagar-lhe a quantia de 351.000$00/ € 1.750,80;
21 - Pelo serviço de reboque do veículo, da Empresa-C para casa dos pais, o Autor teve de pagar a quantia de 8.529$00 /€ 42,50;
22-0 Autor utilizava o veículo nas suas idas e vindas de casa, em A-do-Barbas, para o seu local de trabalho, na zona industrial da Marinha Grande, com deslocação a casa para almoço;
23 - Passou a ter de ir e vir do trabalho à boleia com colegas de trabalho;
24- E deixou de poder ir aos locais, encontros e passeios referidos, à sua vontade e com a sua própria viatura;
25- O Autor, acabou a instrução militar em Elvas em 24/03/2000 (Sexta Feira), vindo de fim de semana, mas teve de lá voltar em 27/03/2000 (Segunda Feira), para levantar as guias de marcha, que não estavam ainda prontas no dia 24, voltando nesse mesmo dia para sua casa;
26- Com essas guias apresentou-se logo no dia seguinte (28 - Terça Feira), em Tancos, no Batalhão de Pára-quedistas, onde esteve até Sexta Feira em que voltou de fim de semana para casa;
27 - Desde 10/01/2000, até 27/03/2000, ocorreram 12 viagens de ida e volta de Elvas para Leiria e vice-versa, sendo cada viagem de 500 km, o Autor teve de percorrer 6.000 km;
28- A partir de 03/04/2000 e até 25/07/2000, durante 18 semanas, o Autor passou a prestar serviço militar no Regimento de Artilharia nº 4, em Leiria, realizando cerca de 240 Km por semana;
29- Desde 25/07/2000, até 12/09/2003, sempre o Autor fez os percursos para o trabalho e lazer numa média de 40 km por dia;
30- Na ocasião da gravidez da mãe do seu filho o Autor, não dispunha de veículo próprio para a acompanhar nas deslocações ao médico e na realização de diversos exames, não podendo igualmente fazer esse transporte quando se verificou o nascimento;
31- O acidente ocorreu na ocasião de férias, o Autor tinha direito a 21 dias úteis de férias, mas teve de as passar em casa, por falta de transporte e não como pretendia, em digressão com a sua namorada;
32- A Ré logo após ter tido conhecimento do acidente encetou contactos com a seguradora;
33 - Tendo-lhe sido comunicado por esta, através de carta datada de 13 de Setembro de 1999, que tinha concluído pela inviabilização da reparação da viatura, considerando-a numa situação de perda total;
34- Carta essa, que foi reenviada para o Autor, em 15 de Setembro de 1999, para que este tomasse conhecimento do estado do processo que decorria na seguradora;
35- Em 14 de Outubro de 1999, remeteu a Empresa-B para a Ré nova missiva, comunicado que não poderia responder pela indemnização;
36- Na mesma data, a Empresa-B remeteu também para o Autor, uma carta informando que não iria pagar a indemnização pela perda total, explicando as razões pelas quais não assumiu a responsabilidade pela indemnização;
37- A Seguradora Empresa-B desresponsabilizou-se pelo acidente, alegando que o A apresentara versão inverídica.
A Relação deu como assentes todos estes factos, mas ampliou a matéria de facto, aditando o teor da cláusula 12ª das "Condições Gerais" do contrato de aluguer de longa duração (ALD):
"Em caso de destruição ou furto do veículo o contrato caduca quando o evento for reconhecido e aceite pela seguradora. Em caso de caducidade do contrato, ainda que por motivo não imputável ao CLIENTE, deverá este receber ou pagar à Empresa-A o valor da diferença entre a indemnização proveniente da seguradora, deduzida dos respectivos encargos e franquias e a valorização actualizada ao momento previsto na primeira parte desta cláusula, efectuada pela Empresa-A".
Entendeu a Relação que é nessa cláusula que reside a chave da solução jurídica, raciocinando da seguinte forma:
«... O acidente ocorreu em 28.7.99...
Em 13.9.99 a seguradora... comunicou à Ré que a reparação do veículo era inviável, pelo que o considerava em... perda total... nessa mesma data, por força da cláusula 12ª do contrato de ALD, o contrato caducou.
A Ré teria a receber do Autor, em condições normais, 4.242.420$00 (735.000$00 como caução e por conta do preço e 60 x 58.457$00 de prestações mensais, num total parcial de 3.507.420$00).
Até à data em que o contrato caducou, o Autor pagou à Ré um total de 1.261.113$00 (735.000$00 da entrada mais 9 x 58.457$00 - sub-total de 526.113$00).
Faltaria pois pagar ... 2.981.307$00, resultante da subtracção de 1.261.113$00 ao valor total de 4.242.420$00.
O veículo estava seguro contra todos os riscos incluindo danos próprios pelo valor de 3.551.000$00 (nº 4 e texto da apólice ... bem como nºs XVII a XIX da ... sentença de fls. 59 e segs.
Desse valor a Ré teria a receber 2.981.307$00 e a entregar o remanescente ao Autor - 569.693$00.
Ora... a Ré continuou a debitar prestações ao Autor, depois de o contrato ter caducado, num total de 13... com o valor de 759.941$00 (13 x 58.457$00).
Depois disso a Ré executou a livrança subscrita pelo Autor com o valor em branco e... recebeu 6.925 €, ou seja... 1.388.338$00.
De onde resulta que o Autor pagou indevidamente à Ré... 2.148.279$00 (1.388.338$00 + 759.941$00) e deixou de receber 569.693$00, estando indevidamente desembolsado de 2.717.972$00.
É certo que... o Autor pagou a quantia exequenda e foi assim que a Ré obteve os 6.925 €, mas à luz do que acima se esclarece sobre os efeitos da cláusula da caducidade... se a Ré fizesse seu tal montante estaríamos perante a figura do enriquecimento sem causa, que tem como consequência o dever de restituir aquilo com que se locupletou...»
Vejamos.
O autor negociou a obtenção do automóvel ML, em sistema de aluguer de longa duração, através da ré Empresa-A em nome de quem o veículo ficou registado. No âmbito desse contrato, o autor negociou com a Empresa-B um seguro de responsabilidade civil ilimitada e também de danos próprios, nele figurando o autor como tomador e a Empresa-A como beneficiária. O veículo ficou destruído num acidente, tendo a Seguradora reconhecido em 13.9.99 a "perda total" dele, o que, por força da cláusula 12ª do contrato de ALD determinou a caducidade desse contrato.
O autor intentou contra a Seguradora (e outra que não vem ao caso agora referir) uma acção onde pediu a sua condenação a pagar-lhe 6.126.713$00, juros sobre tal montante, e ainda o que viesse até final a despender em transportes, e requereu a intervenção da Empresa-A como sua associada (dele autor), a qual não aceitou a intervenção (resposta ao quesito 38ª).
Nessa acção contra a Empresa-B - onde se apurou que o sinistro foi exclusivamente causado pela conduta contravencional do autor - foi esta condenada a pagar ao autor tão-somente as despesas de transporte ocasionadas pela privação do veículo, a liquidar em execução de sentença, ficando no mais absolvida do pedido, não porque o autor tivesse prestado falsas declarações sobre o acidente - como sustentava a Seguradora para fundamentar a exclusão da sua responsabilidade - mas por se ter entendido que o autor não tinha legitimidade substantiva para o formular, visto não ser titular do direito accionado, sendo à locadora que cabe receber da Seguradora pelo perecimento da coisa, não podendo o autor obter desta, para ele, o valor do veículo, por carecer em absoluto de direito que lhe permita esse recebimento visto não ser ele proprietário da viatura mas apenas seu utilizador.
A Seguradora em 13.9.1999 reconheceu a perda do veículo, o que nos termos da cláusula 12ª do contrato de aluguer de longa duração determinou a sua caducidade nessa mesma data.
Todavia, não tendo o autor recebido o valor do veículo na acção que propôs contra a Seguradora, a verdade é que também se não prova que a ré Empresa-A tenha recebido qualquer quantia relativa à perda do seu veículo.
O contrato de seguro feito pelo autor com a Empresa-B é um contrato a favor de terceiro, pois a seguradora (promitente) atribuiu, nele, por conta ou à ordem do demandante (promissário), uma vantagem à ré Empresa-A (beneficiária) que é estranha à relação estabelecida no contrato de seguro, denominada relação de cobertura ou de provisão. O direito da beneficiária à prestação, adquirido como efeito imediato do contrato (i. é, independentemente da aceitação), integra-se numa outra relação, na relação entre ela e o promissário, denominada relação de valuta, sendo o autor/promissário o detentor do direito de exigir da promitente seguradora o cumprimento da promessa, a não ser que houvesse estipulação em contrário (artº 444º, nº 2 do CC). Não tendo por conseguinte a ré/beneficiária direito de exigir o cumprimento do contrato de seguro, direito que obviamente também não tinha aquando do chamamento como associada do autor na acção por este proposta contra a Empresa-B.
Na docência do Prof. Antunes Varela (que vimos seguindo de perto), pode ler-se, nas Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Edição, pág. 423, que: «...O promissário tem o direito de exigir do promitente o cumprimento da promessa, salvo estipulação em contrário (artº 444º, nº 2). Consistindo a promessa em solver uma dívida sua para com terceiro, só ele (promissário) - e não também o terceiro - terá, em princípio, o direito de exigir o cumprimento do contrato...».
O autor na acção em que demandou a Empresa-B não formulou o pedido para aquela pagar à ré Empresa-A a indemnização pela perda do veículo, como podia e devia, e esta, não pode nem podia formular pedido contra aquela seguradora.
Tem a recorrente razão ao concluir que o acórdão ignorou não ter ela recebido qualquer indemnização da seguradora, e ao sustentar que esse não recebimento ocorreu por motivo imputável ao recorrido uma vez que formulou mal a acção que instaurou contra a Empresa-B ao pedir a indemnização pela perda do veículo para ele próprio e não para a beneficiária do seguro.
Nada tendo a recorrente recebido da Empresa-B, nada tem a entregar ao autor/recorrido nos termos da mencionada cláusula 12ª, carecendo de sentido - como igualmente conclui a recorrente - a compensação operada pelo Tribunal a quo, uma vez que compensou um valor devido e pago com outro que até à presente data nunca foi pago à recorrente.
Não é destarte a recorrente obrigada a entregar ao recorrido qualquer importância, mesmo por que, nos termos da cláusula 10ª do contrato de ALD, «Sem prejuízo do disposto neste contrato quanto a seguros, os riscos de perda...de veículo correm por conta do CLIENTE. Assim, se o veículo se perder... sem que a Empresa-A possa obter de outrem o reembolso do valor em causa, o CLIENTE será responsável perante aquela por esse valor».
Tudo visto e ponderado, acordam em conceder a revista, revogando o acórdão recorrido e absolvendo a ré do pedido, condenando o recorrido nas custas deste recurso e nas das instâncias.

Lisboa, 24 de Outubro de 2006
Faria Antunes
Sebastião Póvoas
Moreira Alves